quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Os Livros Proféticos



OS LIVROS PROFÉTICOS

Os Profetas em geral

A palavra profeta não significa necessariamente “aquele que prediz o futuro”, mas sempre designa “aquele que fala em nome de Deus”, seja para predizer o futuro, seja para interpretar o presente.

Os profetas, assim entendidos, sempre existiram no povo de Israel a partir de Abraão, o confidente do Senhor  Gn 18,17-19). A primeira mulher tida como profetiza é Maria irmã de Moisés;  Ex 15,20. A partir de Samuel (séc Xl a.C.) até Malaquias (séc V a.C.), a série dos profetas foi ininterrupta. Também na época de Samuel e depois, floresceram os chamados “colégios de Profetas” (lSm 10,5; 19,20; lRs 20,35; 2Rs 2,3.5.7.15; Am 7,14); eram comunidades que viviam em pobreza (2Rs 4,36s; 6,1-6) e obediência (lSm 19,20; lRs 22,11; 2fRs 2,3,5.7,15.. .); os seus membros entravam em êxtase sob o influxo de sugestão individual ou cóletiva (lSm 10,10-12; 19,20-24), impulsionacios por música, canto e dança (lSm 10,5; 2Rs 3,15).

Os profetas exercem paper importante na história de Israel; eram conselheiros dos reis, que os dissuadiam de fazer alianças com povos estrangeiros (pois estas levavam facilmente o povo á idolatria), ou censuravam as injustiças e os abusos cometidos na corte ou pelo povo; reprimiam a idolatria e os falsos cultos que se infiltravam na praxe da população israelita.

            Houve, sem dúvida, falsos profetas: alguns, sem ter chamado divino, se  apresentavam como profetas para ganhar dinheiro   (1Rs 22,13; Is 30,10; Mq 2,11; 3,5.11); procuravam justificar os vícios em vez de os censurar devidamente (Jr 23,9,40; Ez 13,1-16; Jr 14,14-15); anunciavam falsas calamidades ou ocorrências (Dt 18,20-22; Mq 3,5; Jr 28,9); eram negligentes no cumprimento do seu dever (Ez 3,17-21; 13,22s; 33,2-4).

            Antes do exílio (587-538), os profetas tinham a missão de mostrar ao povo e aos reis as suas faltas, em virtude das quais o Senhor Deus os entregaria aos estrangeiros; lutavam não só contra os falsos cultos, mas também contra o otimismo que animava os ouvintes com relação ao futuro da nação (Is 22,13s; Jr 21,8s; 28,1-17). Sobressairam então lsaías, Jeremias, Oséias e Amós.

Durante o exílio na Babilônia, os profetas procuraram erguer o ânimo do povo, sustentando-lhe a esperança abatida pelo duro golpe recebido dos estrangeiros. Veja Ezequiel e o chamado “segundo lsaías” (Is 40-55), que acompanharam o povo na Babi1ônia Ez 16,1-63; 20,39-44; 36,16-38; 40-48; Is,45,1-25; 48,20-22; 50,1-11...

Depois do exílio, Ageu, Zacarias e Malaquias incentivaram o povo a reconstruir o templo, os muros e a cidade de Jerualém e a empreender a reforma religiosa, moral e social da comunidade judaica, predizendo a glória do futuro Messias.

            Os escritos dos profetas são, por vezes, obscuros e de dificil interpretação. Isto se deve a diversas causas:

            1) Os profetas geralmente anunciavam seus oráculos de viva voz; eles mesmos ou seus discípulos escreviam um resumo da pregação oral..., resumo que não podia deixar de ser lacônico em muitos casos.. Faltava-lhe o complemento dos gestos que acompanhavam as palavras dos profetas; Ez 6,11; Ez 21,lls.17.

            2) Os oráculos dos profetas estão profundamente inseridos no seu contexto histórico e geográfico. Por conseguinte, os profetas aludem a acontecimentos da sua época, que ao estudioso moderno não são devidamente conhecidos,  o que dificulta o entendimento do texto bíblico, Sf 1,11; Na 1,11; 2,8; 3,8; Mq 4,8...
           
3) A linguagem dos profetas, de acordo com o estilo dos orientais, recorre a expressões e imagens hiperbólicas, que deixam o leitor, por vezes, confuso. Is 2,2-4; 9,5; 11,6-8; 65,25; Mq 4,3; 5,4-9; Ez 34,25...

            4) As visões referentes ao futuro carecem de perspectivas, isto é, os acontecimentos futuros que não são simultâneos, são vistos como se fossem simultâneos; as fases preparatórias e as fases finais do mesmo evento são descritas numa só cena, sem atenção à ordem cronológica. Por exemplo, em Is 7-11 a salvação messiánica é apresentada como se coincidisse com o fim do cativeiro assírio; em Is 40-55 a volta do exílio parece ser o prelúdio imediato do Reino messiânico; o mesmo se diga a respeito de Zc 9,1-17; Dn 9,20-27,
            5) A descrição da era messiânica e do próprio Messias é sempre fragmentária. Nenhum profeta descreve a obra do Messias em sua totalidade. Assim o Messias aparece como rei vitorioso em Is 24-27; Ez 38s; JI 4;... como Rei pacifico em Os 3,5; Am 9,11-15; Is 9,1-7; 11,1-8;.. . como Mestre em Is 2,3; 54,13; Mq 4,2; Os 10,12;... como sacerdote em Jr 33,14-26; Ez 40-48; Zc 6,9-14;. ,. como Servidor padecente em Is 52,13-53,12.

            Tomando por critério a extensão dos respectivos livros, os profetas são distribuídos em duas categorias: a dos maiores, compreendendo Isafas, Jeremias (com Lm e Br), Ezequiel e Daniel; e a dos menores, compreendendo Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas. Míquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias. 
ISAÍAS

            Isaías (770-687 a.C.) era filho de ilustre familia de Jerusalém, erudito poeta e estilista. Chamado em 740 para a missão profética (6,1), foi conselheiro dos reis Joatã, Acaz e Ezequias numa época em que a infidelidade religiosa e moral grassava na corte e no povo judeus.

            A partir do séc. XVIII, os críticos discutiram a unidade do livro de Isalas. Após muitas dúvidas, hoje os autores católicos (e, com eles, o magistério da Igreja) admitem ‘haver três partes bem distintas no livro de Isaias: ‘a primeira (cap. 1--39) seria do séc. VIII a.C., ou seja, dos tempos do próprio profeta; a segunda (cap. 40-55) dataria do exílio babilônico (587-538 a.C.); a terceira (cap. 56-66) terá sido escrita após o exílio, na época da restauração do povo em sua terrá. Por isto o livro de Isaías é atribuido à escola de Isaías; os discípulos deste profeta terão continuado a obra do mestre através dos séculos. Examinemos cada quel dessas partes.

            O 1º Isaías (1--39). Nesta seção o bloco 36-39 constitui uma parte de índole histórica; tem seu paralelo em 2Rs 18,13-20,19. Julga-se ue não provém da pena de Isaías, pois se refere a acontecimentos provavelmente posteriores à morte deste. A ordem cronológica dos fatos exigiria que os cap. 38--39 fossem lidos antes de cap. 36--37.

O conjunto Is 1-35 supõe as condições históricas em que viveu o profeta Isaias no séc. VIII a.C. Consta de várias coleções de dizeres, dispostas sem estrita ordem cronolágica. A maior parte desses oráculos deve ter sido redigida pelo próprio profeta Isaías, como atestam Is 30,8; 8,1 e os cap. 6-8 (que contém traços auto- biográficos). Admite-se, porém, que certas seções de Is 1--35 receberam sua forma literária definitiva por parte dos discípulos do profeta (Is 8,16); estes confrontavam entre si os discursos do mestre e os reuniam em coleções de acordo com o tema que abordavam. É possível que essas diversas coleções só tenham sido coletadas em um volume após o exílio ou cerca de 200 anos após a morte do profeta.

            Is 1--35 contém notáveis profecias messiânicas. Em Is 7,10--25 o Messias aparece como o Emanuel (= Deus conosco), que há de nascer de uma jovem (que no texto grego dos LXX é dita “virgem”); Is 7,14. Em 9,1-7 nasce o Menino prometido como “Admirável conselheiro, Deus Forte, Pai do século futuro, Príncipe da Paz” ( 9,5). Em 11.1-9 o tronco de Davi floresce e produz um rebento, que é o Messias. Este faz descer sobre a terra a plenitude do Espírito do Senhor e cumpre as promessa de restauração da natureza violentada pelo pecado.

Por estes vaticínios lsaías se impõe como um dos maiores profetas do Antigo Testàmonto.

            O 2º Isaías (40--45). Este bloco se deve a um autor ou a autores anônimo(s) (Dêutero ou Segundo lsaías), que pregaram e escreveram na Babilônia, anunciando aos israelitas aí deportados a iminente libertação e a volta à Terra Santa (sec. VI a.C.).

            A situação histórica suposta por Is 40--55 difere da do séc. VIII (Is 1-35): os remos de Samara e Judá já não existem; os seus cidadãos foram despojados e deportados, em castigo de suas infidelidades;  42,18-25; 43,5-7.26-28; 47,6; 52,5;  Jerusalém e o Templo estão destruídos e a sua restauração é profetizada:   44,26-28; 45,13; 49,15-17.19; 52,9; a nação que retém os judeus, é Babilônia, opulenta e arrogante, mas prestes a cair em ruínas;  47,5-9; o rei Ciro da Pérsia parece conhecido aos leitores; Javé o dirigirá contra a Babilônia;  46,1-13; 47,1-11; os leitores são estimulados à confiança e à alegria, pois se aproxima o fim do exílio;  40,l0s.27; 41,10-13; 46,12s; 48,20.

Tem-se a impressão de que o autor dos dizeres está fisicamente presente aos seus ouvintes, pois os interpela em tom vivo e caloroso;  40,21.26.28; 43,10; 48,8; 50,10... Nunca dirige palavras condenatórias contra Israel, mas apenas contra Babilônia; 41,11-16; 42,14-17; 43,14s. Os oráculos de consolo são marcantes, predizendo o cumprimento das antigas promessas messiânicas (41,25-29; 46,8-12), a libertação do povo e a travessia pelo deserto em demanda da Terra Santa (41,17-20; 43,1-7; 49,7-26), a glória da futura Jerusalém (51,17-52,2; 54,1-3.11-17), a conversão dos gentios (45,14-17.22-25; 55,3-5).

            Inseridos em 40--55, estão os quatro “Cânticos do Servo de Javé”, que falam da expiação prestada por um Servo Inocente em favor dos seus irmãos pecadores. São profecias messiânicas, que projetam nova luz sobre o sentido do sofrimento; este pode recair sobre os justos, que assim prestam satisfação pelos pecados alheios. Dispõem-se do seguinte modo: Is 49,1-6: a vocação do Servo de Javé; Is 42,1-4: os predicados do Servo de Javé; Is 50,4-9: a Ingrata missão do Servo de Javé; Is 52,13-53,12: a morte e a glorificação do Servo de Javé.

Estes cânticos, assim esparsos no bloco 40--55, parecem ter origem independente deste conjunto, que não é possível reconstituir com clareza.

            O 3º Isafas (56-66). Difere de Is 1--35 e Is 40--55 tanto por seu fundo histórico como por sua temática e seu estilo. Sim; trata de consolar e exortar os judeus recentemente repatriados do exílio. Israel, de novo na Terra Santa, constitui uma comunidade religiosa; parece, porém, que é infiel à Lei do Senhor; está desanimado diante dos obstáculos que se opõem à reconstrução do Templo e da Cidade Santa; os próprios anciãos e maiorais. se mostram indignos de suas funções. Não obstante, o profeta reafirma as antigas promessas de Javé, principalmente as que se referem à nova Jerusalém, ponto de convergência tanto dos judeus fiéis como dos pagãos convertidos ao Senhor na era messiânica,

            Vejamos, por exemplo, como a situação histórica de Is 56-66 já não é a do exílio (587-538 a.C.): o povo já habita a montanhosa e acidentada região da Palestina (Is 57,5-7), que contrasta com as planícies da Babilônia, Irrigadas por belos canais Jerusalém se acha parcialmente povoada, mas ainda não devidamente reconstruída; 60,10; 61,4; as cidades menores da Terra Santa ainda se encontram devastadas;  64,9; o Templo Santo ainda está em ruínas (64,lOs), embora já se pense em reconstrui-lo (66,1);  o povo vive angustiado não por causa da opressão de inimigos, mas em virtude da infidelidade dos próprios judeus;  57,Ç3-5; 59,9-12; 61,1-3; 63,18s; os chefes da comunidade ocupam-se mais consigo do que com o povo; 56,10-12;  contudo o Senhor enviará sua salvação, mas não por obra de Ciro ou do Servo de Javé; 60,22; 61,1-3; 62,7s; 66,12s; o Senhor promete a reconstruçao do Templo (56,5-8, 58,2, 62,9, 66,6.20), que será famoso centro do culto de Javé (cf. 60,7.13).

            O Profeta, em Is 56-66, deixa de ser propriamente o Consolador, para fazer as vezes de Pastor, Doutor e Salmista. Lembra as severas exigências do culto e da Lei do Senhor, em particular o sábado (56,2,4-6; 57,6-12; 58,13s; 65,1-6; 66,3s). Repreende os idólatras e infiéis (56,8-57,13; 58,1-5; 66,17). Recita profissões de fé e de penitência (59,1-4; 63,7-64,11). Transmite instruções a respeito do jejum e da oração (58,1-12).

É de crer que o bloco 56--66 seja uma coletânea de oráculos devidos a diversos autores, que deram origem ao livro chamado “o Terceiro (o Trito)-Isaías”.

            Vê-se, pois, que diversas mãos concorreram para confeccionar o livro de Isaías tal como ele hoje se encontra, sendo que a última redação do volume se deve ao ano de 400 a.C. aproximaclamente; os últimos redatores terão efetuado ou confirmado a compilação de Is 1-39, 40-55, 56-66, dando ao conjunto a forma estilística e doutrinária que atualmente o caracteriza.

            O livro de Isaías deixou-nos profecias messiânicas tão vivas que Isaias é chamado “o Evangelista do Antigo Testamento”. 
JEREMIAS

Ao profeta Jeremias são atribuidos o livro de profecias e o das Lamentações.

Jeremias (650-567 a.C.) nasceu em Anatot, perto de Jerusalém. Por volta de 626, foi chamado à missão de profeta (1,2; 25,3), que ele exerceu em circunstâncias muito dificeis. O reino de Judá era cada vez mais ameaçado por adversários; ora Jeremias devia dizer ao rei e ao povo que não fizessem alianças políticas com estrangeiros, mas se submetessem aos babilônios, que acabaram destruindo Jerusalém em 587. Por causa do teor de sua pregação, Jeremias foi duramente perseguido: em sua cidade de Anatot, os concidadãos quiseram cordená-lo à morte, porque lhes censurava os costumes (11,18-12,6). Jeremias transferiu-se então para Jerusalém e, pelo mesmo motivo, foi colocado no cárcere pelo sacerdote Fassur (18,1-20,6). Libertado da prisão, predisse a ruína da Cidade Santa e do Templo e, por isto, foi condenado à morte pelos sacerdotes e os falsos profetas, mas escapou, mais uma vez, da morte (26,1-19).

Em 605, Jeremias ditou ao seu secretário Baruc os oráculos que ele tinha proferido desde o começo da sua missão ou desde 626 (36,2); Baruc leu-os para o povo no Templo. Então o rei Joaquim, de Judá, mandou queimar esse escrito (36,27). Em consequência, o profeta os ditou de novo, acrescentando-lhes ainda outros vaticínios (36,32). O rei Sedecias, posterior a Joaquim, mais de uma vez mandou encarcerar Jeremias como traidor da pátria (37-39). Jerusalém tendo caído sob os golpes de Nabucodonosor em 587, Jeremias foi libertado da prisão e quis ficar na Terra Santa, junto a Godolias, que o invasor colocara como Prefeito à frente de Judá (40,1-6). Todavia Godolias foi assassinado por judeus, que fugiram para o Egito levando consigo o Profeta (42,1-43,13). Neste país, Jeremias ainda exortou a sua gente à penitência (44,1-30). Reza a tradição, à qual parece aludir Hb 11,37, que Jeremias morreu apedrejado pelos judeus que não o queriam ouvir no Egito.

Jeremias era dotado de grande sensibilidade, de modo que sofreu profundamente durante toda a vida de profeta. Desde o início, o Senhor lhe disse que deveria “arrancar e destruir, exterminar e demolir” (1,10). Ele tinha que anunciar a desgraça numa atitude aparentemente derrotista e antipatriótica (20,8-10); os reis, os sacerdotes, os falsos profetas e o povo o tinham como “homem discutido e debatido pelo país inteiro” (15,10). A dor que tal situação lhe causava, exprime-se frequentemente através das “confissões” ou relatos autobiográficos de Jeremias; 12,1-6; 15,lOs.15-21; 20,7-13.14-18. Apesar dos seus momentos de fadiga, o profeta reagia sempre, depositando finalmente sua confiança em Deus: “Louvai Javé, pois livra a alma do pobre das mãos dos perversos!” (20,13).

Por ter sido o homem das dores, Jeremias é tido como figura do Cristo Jesus; é o tipo do arauto da Palavra de Deus que sofre duras contradições por ser fiel à sua missão. Pelo mesmo motivo, Jeremias dá início, na história do povo de Deus, à corrente dos “pobres (anawim) de Javé”; em tal contexto, pobre é aquele que carece de amparo humano e, por isto mesmo, mais se apoia em Deus; conserva a fé e a confiança numa alma destituída de qualquer presunção ou arrogância.

O livro de Jeremias contém os testemunhos dos quarenta anos de pregação do profeta (626-586). A história político-religiosa desse período está, de certo modo, retratada em seus vaticínios; a ordem destes não é rigorosamente lógica nem cronológica. Como quer que seja, o livro pode ser dividido em três partes:
1) 2-25, oráculos contra Judá e Jerusalém;
2) 26-45, notícias biográficas sobre a atividade de Jeremias desde o início do reinado de Joaquim até a queda de Jerusalém e a fuga para o Egito;
3) 46-51, oráculos contra os gentios. Á guisa de prólogo, é narrada a vocação de Jeremias (cap. 1) e, em estilo de apêndice, há notícias sobre o fim de Jerusalém (cap. 52).

            Deve-se notar que existe grande diferença entre o texto hebraico de Jeremias e o texto grego dos LXX. Este é muito mais breve, dado que aí falta quase a oitava parte ou aproximadamente 2.700 vocábulos do texto hebraico. Essas omissões, às vezes, versam sobre palavras de pouca importância, mas em vários casos tocam versículos ou mesmo passagens inteiras (29,16-20; 33,14-26; 39,4-13...). Além do mais, o texto grego apresenta outra ordem de vaticínios, pois após 25,13a vêm os oráculos contra os gentios (46--51 do hebraico), dispostos de modo próprio.

Não é fácil explicar esta divergência. A sentença mais provável admite duas recensões do texto hebraico: uma mais longa, e outra mais breve; a partir desta, terá sido confeccionada a tradução dos LXX. Além disto, podem-se admitir omissões e interpolações do texto por parte dos tradutores.

O livro de Jeremias é de rico conteúdo. Eis alguns traços importantes da sua mensagem:

a) O livro é, em muitas de suas partes, o espelho da piedade e dos íntimos sentimentos de Jeremias em relação a Deus e ao seu povo. Especialmente as passagens ditas ‘Confissões” testemunham a familiaridade do profeta com o Senhor Deus: 11,18-23; 12,1-6; 15,10-21; 17,12-18; 18,18-23; 20,7-18 (o autor propõe a Deus as suas indagações, os seus gemidos e as suas preces). Ocorrem, sim, sentimentos de vingança (12,13; 17,18; 18,21-23), de desânimo (12,3; 15,10.16s; 20,7-10), mas superados por palavras de encorajamento e confiança (12,5; 15,19-21; 20,11-13) e de verdadeiro amor ao povo de Judá ameaçado (4,19-21; 8,21-9,1; 14, 1-i5,5.i1; 1820). A oração de Jeremias tem grande valor junto a Deus (7,16; 11,14; 14,11).
           
b) A nova e definitiva Aliança é descrita a partir da experiência pessoal e mística do profeta: a Lei de Deus estará gravada nos corações (31,31-33 e 24,7; 32, 39); todos conhecerão a Deus no seu íntímo (31,34a) e receberão o perdão dos pecados para levar a vida nova (31,34b; 33,8). O Messias será Filho de Davi e instaurador de nova ordem (23,1-8). Merecem ser lidas atentamente as passagens seguintes, em que a volta do exílio e a ordem messiânica são descritas simultaneamente: 31,10-23; 33,6-22. Confira-se Hb 8,8-13; 10,15-17; ML 26%28; Jo 4,42; 2Cor 3,2.6.14; lJo 2,12-14.

            Jeremias, maltratado durante os anos de sua missão, foi exaltado pelos pasteres, que lhe atribuiram grande autoridade. Foi tido como o amigo e o intercessor de seu povo junto a Deus no além; 2Mac15,13-15; 2,1-8. É citado em Dn 9,2 e Eclo 49,7-9. Propondo uma Aliança nova fundada sobre a religião do coração, Jeremias tornou-se o pai do judaísmo em sua corrente mais pura; exerceu influxo em Ezequiel (Ez 36,23-32), no 2º Iaías (Is 49,1; 52,13-53,12) e em vários salmos (SI 138 ou 139; 39 ou 40; 41 e 42 ou 42 e 43...). A sua vida de abnegação a serviço de Deus o fez imagem do Servidor de Javé (Is 53), que é o próprio Cristo.
O livro das Lamentações

            As Lamentações vêm a ser uma coleção de cinco cânticos, que choram a queda da Cidade Santa Jerusalém em 587 a.C. Os quatro primeiros são acrósticos, isto é, as letras iniciais dos seus versículos formam o alfabeto hebraico segundo a série das suas 22 letras. O quinto cântico não é acróstico, mas tem tantos versículos (22) quantas são as letras do alfabeto hebraico.

            No primiro cântico, o poeta e a cidade personificada lamentam a destruição de Jerusalém; reconhecem a culpa do povo.

No segundo cântico o autor lastima a punição de Jerusalém e exorta a cidade à penitência (2,1-19); em 2,20-22, Jerusalém pede misericórdia.

No terceiro cântico, o autor descreve a sua dor diante da desgraça de Jerusalém e sua esperança na misericórdia divina.

]           No quarto cântico, mais uma vez é pranteada a ruína de Jerusalém castigada segundo a justiça.

O quinto cântico tem a forma de oração (“Oração do Profeta Jeremias”, conforme a Vulgata latina), que implora a ajuda de Deus para as vítimas da catástrofe de Jerusalém, Em 4,21s lê-se uma predição de ruína para Edom, povo vizinho de Judá, que, após 87 a.C., longe de apoiar Judá vencido, aproveitou-se da desgraça de Jerusalém.

A tradição atribui ao profeta Jeremias a autoria das Lamentações, apoiando-se em 2Cor 35,25, que apresenta o profeta como autor de Lamentações. Na verdade, Jeremias não teria dito que a inspiração profética se havia esgotado (Jr 42,7-22 e Lm 2,9), nem teria esperado auxílio do Egito (Jr 37,7s e Lm 4,17), nem teria elogiado o rei Sedecias (Jr 22,13-28; 37,1 7s e Lm 4,20), nem teria apelado para a culpa dos pais (Jr 31,29 e Lm 5,7)... Mais: o estilo espontâneo de Jeremias dificilmente se teria enquadrado dentro do rígido artifício dos poemas acrósticos.

Em conseqüência, as Lamentações são atribuidas a um ou mais autores anônimos há quem julgue que os cap. 1 e 5 são de autores diferentes); terão sido redigidas na própria Terra Santa, sob o impacto recente da catástrofe de 587 a.C., a finalidade terá sido litúrgica, isto é, as Lamentações devem ter sido compostas para comemorar todos os anos a queda do Templo e de Jerusalém no dia que os judeus consagravam a tal evento (9 do mês de Ab = julho/agosto). A Igreja lê as Lamentações nos últimos dias da Semana Santa para relembrar o drama do Calvário. É de notar que esses cânticos fúnebres são perpassados por vivo sentimento de arrependimento e de inabalável confiança em Deus,  o que dá valor permanente a esse pequeno livro.
BARUC
Baruc (= Bento) foi companheiro e amanuense ou escriba de Jeremias profeta (Jr 3212 e Jr 36,26). Acompanhou o mestre no Egito depois da queda da Cidade Santa (Jr 43,6-7). O livro atribuído a Baruc consta de cinco capítulos e de um apêndice dito “Carta de Jeremias”, que a Vulgata latina considera como o cap. 6 de Baruc.

Br 1--5 é uma coletânea de três peças, que supõem o povo de Judá exilado na Babilônia: após uma introdução (1,1-4), que estabelece a comunhão entre os exilados e os habitantes de Jerusalém, a primeira parte (1,15-3.8) é uma oração de confissão dos pecados e de esperança dos exilados, que imploram a misericórdia divina. A segunda parte (3,9-4,4) é um poema sapiencial que identifica a sabedoria com a Lei de Deus e exorta Israel a voltar para a fonte da sua felicidade, que é a observância da Torá (= Lei). A terceira parte (45-5,9) é outro poema, no qual Jerusalém personificada se dirige a seus filhos no exílio, exortando-os à coragem e à perseverança na fé (4,5-29); depois do que o profeta consola Jerusalém atribulada, recordando-lhe as promessas messiânicas (4,30-5,9).

A introdução (1,1-14) foi escrita diretamente em grego. O resto do livro deve ter sido redigido originariamente em hebraico, mas atualmente só existe no texto grego dos LXX, a partir do qual foram feitas traduções latinas. As características do livro (especialmente o louvor à Sabedoria em Br 3,9-4,4) são da época posterior ao exílio; há mesmo quem julgue tratar-se de obra de meados do séc. l a.C. Donde se vê que Baruc não é o autor de tal livro; é de crer que os escritos relativos à destruição de Jerusalém foram na tradição judaica atribuídos a Jeremias e a Baruc. Este último também gozava de grande autoridade, pois lhe foram atribuídos dois Apocalipses judaicos, um em grego e outro em siríaco, no século II da era cristã. Dada a sua origem tardia, Br 1--6 não é livro reconhecido pelos judeus como canônico; pertence, porém, ao cânon católico.

O cap. 6 de Baruc ou epístola de Jeremias encontra-se nos manuscritos gregos do Antigo Testamento logo depois de Lm, como livro à parte. Os textos latinos e sírios a anexam a Br como sendo Br 6. O texto original parece ter sido hebraico.

A carta vem a ser uma exortação aos exilados para que não caiam na idolatria do ambiente babilônico em que se acham; chama a atenção para a inércia dos ídolos, que não têm vida e são incapazes de ajudar.

Observemos os refrões:
            “Por conseguinte, não os temais” (15.22.28.64.68) ou: “Como crer ou dizer que são deuses?” (39.44.49.56) ou “Quem não vê que não são deuses?” (51.63.68).

O autor da carta valeu-se de textos de profetas anteriores como Is 1,29; 2,18; Mq 1,7; 5,12s; Jr 2,5.8.25-29; 5,19; 11,12-13.

Mais diretamente ainda o autor se inspirou em Is 40-55 e Jr 10,3-16. Além destas fontes, o escritor consultou sua própria experiência: 6,3-5 (as pompas da idolatria); 6,8-10.12-14.19 (os ornamentos das estátuas); 29.42s (os abusos do culto).

O autor não é Jeremias, como geralmente reconhecem os estudiosos; o título da carta é elemento acrescentado posteriormente, talvez porque Jeremias foi autor da epístola consignada em Jr 29. O texto deve-se a um anônimo, que pode ter escrito no fim do séc. IV a.C., quando a idolatria da Babilônia tomava novo surto. A finalidade é acautelar os judeus da diáspora e incitá-los à fidelidade religiosa.

EZEQUIEL

Ezequiel (Deus dá força) era sacerdote (Ez 1,3), casado, que perdeu a esposa pouco antes da queda de Jerusalém (Ez 24,16-18). Foi chamado para a missão profética em 593 (Ez 1,2); exerceu seu ministério até 571 (Ez 29,17). Não se sabe bem onde nem quando morreu; uma tradição judaica pouco segura diz que foi apedrejado pelos judeus em virtude das censuras que lhes fazia. Por conseguinte, Ezequiel acompanhou o povo de Judá na fase mais crítica da sua história, quando Jerusalém caiu sob Nabucodonosor (587 a. C.).

O livro de Ezequiel compreende quatro partes: após a introduçâo (cap. 1 --3), na qual o profeta recebe sua missão, ocorre a 1ª parte (cap. 4--24), com censuras aos judeus antes da queda de Jerusalém; a 2ª parte (cap. 25--32) contém oráculos contra os povos estrangeiros; que agravavam os males físicos e morais de Jerusalém; a 3ª parte (33--39) consola o povo durante e após o cerco de Jerusalém, prometendo-lhe um futuro melhor; a 4ª parte (40--48) descreve a nova cidade e o novo Templo após a volta do exílio.

Quem se lê o texto de Ezequiel, tem a impressão de que toda a atividade do profeta se desenvolveu no exílio, onde foi chamado pelo Senhor quando estava à margem do rio Cobar “na terra dos caldeus ( babilônios)”1,2.

Todavia nos últimos decênios esta tese tem sido discutida. Com efeito, alguns críticos notam que os oráculos da primeira parte do livro so dirigidos aos habitantes de Jerusalém; o profeta parece estar fisicamente presente entre estes. Em conseqüência, tais autores admitem duas fases no ministério profético de Ezequiel: a primeira terá ocorrido na Terra Santa mesma entre 593 e 587; a segunda se terá desenvolvido na Babilônia de 587 a 571. Cada uma destas duas fases terá sido provocada por uma vocação divina: a visão do rolo em 2,1--3,9 haveria desencadeado a missão em Judá, ao passo que a visão do carro divino em 1,4-28 e 3,10-15 teria dado início à atividade na terra do exílio.

Os críticos supõem que esta visão do carro divino estivesse originariamente no início do cap. 33 (ponto de partida do ministério na Babilônia), mas terá sido transposta para o início do livro, onde atualmente se acha; em consequência desta transposição, o livro dá a entender que Ezequiel só teve uma visão e vocação e, por conseguinte, um só ministério, a saber: na terra do exílio. Os que defendem a nova hipótese, apelam para o fato de que o livro de Ezequiel foi muito remanejado; isto explicaria a transladação da visão do carro para o começo do livro; explicaria também as alusões à terra do exílio (devidas a acréscimos tardios e inoportunos) ocorrentes na primeira parte do livro, ou seja, em 3,23; 8,2-4; 10,152022; 11 ,24s.

Na verdade, a nova tese ajuda a resolver certos problemas, mas suscita outros, pois, como se vê, exige sérias reestruturações do texto (seriam, de fato, prováveis?) — Além disto, observa-se que, se Ezequiel exerceu algum ministério na Palestina, ele devia morar fora da Cidade Santa, pois era transportado para lá ( 8,3; 11,1). Também causa estranheza o fato de que Jeremias profeta, contém partes de Ezequiel, no se refira a eSte se Ezecuiel se achava na Palestina, e vice-versa; igualmente causa espécie o silêncio de Ezequiel a respeito de falsos profetas e de cortesos de Jerusalém, que tanto se opuseram a Jeremias e que certamente teriam impugnado Ezequiel se este pregava na terra de Judá. Ponderadas estas dificuldades, pode-se dizer que hoje a hipótese de duplo ministério está quase abandonada.

De resto, a tese tradicional (um só ministério, exercido na Babilônia) no suscita problemas insolúveis: observemos que, quando Ezequiel parece estar em Jerusalém, o texto diz que ele foi transportado para lá, “em visão” (8,3) e que foi trazido de lá ‘em visão” (11,24); ademais as censuras dirigidas por Ezequiel ao povo de Jerusalém podiam servir de lição aos exilados (estes, até a queda de Jerusalém em 587 a. C., julgavam que eram inocentes, punidos por causa dos pecados de seus antepassados: “os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos ficaram irritados”, Ez 18,2).

O livro de Ezequiel apresenta a pregação profética de Ezequiel na primeira pessoa do singular; apenas dois versículos estão na terceira pessoa (1,3 e 24,24). O livro tem assim uma certa unidade. Mas deve-se notar que não foi escrito de uma só vez nem é todo diretamente da mão do profeta Ezequiel; é de crer que tal obra seja devida a discípulos, que trabalharam a partir de escritos e recordações do mestre, combinando-os entre si e completando-os.

Os indícios de compilação são vários:
— repetiçóes: 3,17-21 e 33,7-9; 18,25-29 e 33, 17-20; 7,1-4 e 7,5-9; 1,4-2,2 e 10,1.8-17;

— inserções: a visão do carro divino (1,4-3,1 5) é interrompida pela do livro (2,1-3,9). O relato de 10,1-22 só continua em 11,22, cortado pela descrição dos pecados de Jerusalém ;

— as datas fornecidas nos cap. 26--33 não seguem ordem cronológica; 26,1; 29,1; 30,20; 31 ,1; 32,1; 32,17; 33,21.
Todavia é de se dizer que os discípulos foram fiéis ao mestre, pois conservaram, além do uso da primeira pessoa do singular, a unidade de estilo e de expressões: “Filho do homem”, “Sabereis que eu sou o Senhor...“, “Foi-me dirigida a palavra do Senhor...“, “Fez-se a mão do Senhor sobre mim...”

Ezequiel recorre frequentemente a gestos simbólicos: 4,1 -5,4; 12,1 -7; 21 ,23s; 24,22-24; 37,1ss. também dado a visões: 1,1;1,4-28; lOs;37,1-14;43,1-7, textos estes que põem o leitor diante de quadros fantásticos.

Também revelam fecunda imaginação as alegorias referentes às duas irmãs Oola e Ooliba (cap. 23), ao naufrágio de Tiro (ap. 27), ao faraó-crocodilo (cap. 29 e 32), à árvore gigante (cap. 31).

O livro de Ezequiel traz também forte marca sacerdotal. Preocupa-se com o Templo e o culto sagrado; tem pontos de contato com a Lei de Santidade (Lv 17-26). Assim é obra da corrente sacerdotal que trabalhou no exílio e no pós-exílio, produzindo também o código P ou Sacerdotal, que entrou na composição do Penateuco.

DANIEL

Daniel (Deus é meu juiz, em hebraico) é o principal personagem do livro homônimo. Deve distinguir-se do sábio Danel de que fala Ez 14,14.20; 28,3; este, colocado junto a Noé e Já, não era israelita, ao passo que o herói do nosso livro era judeu.

O livro de Daniel compreende uma parte canônica (1,1-12,13, com exceção de 3,24-90) e outra deuterocanônica, só existente em grego (13,1-14,42, além de 3,24-90).

            A parte canônica divide-se em duas seções: narrativa (1,1 -6,28) e apocalíptica (7,1-12,13).

            A parte deuterocanônica contém a história de Susana, uma jovem inocente que Daniel salva por sua sabedoria (13,1 -64), a história dos sacerdotes de Bel, que Daniel desmascara (14,1-21), e a do dragão, que Daniel mata (14,22-42); estes episódios do cap. 14 são eco da polêmica judaica contra a idolatria que inspira a seção de Dn 1--6, ao passo que o cap. 13 põe em relevo a sabedoria de Daniel, já salientada em 1--6.

            Muito se tem discutido o gênero literário do livro protocanânico de Daniel. Hoje os exegetas católicos concordam em atribuir 1--6 ao gênero midráxico ou hagádico e 7--12 ao gênero apocalíptico. Mais precisamente:
           
Em Dn 1--6 temos um núcleo histórico: Daniel foi um hebreu deportado para a Babilônia em 606 (1,1); levado para a corte do rei Nabucodonosor, recebeu o nome de Baltassar (1,7); guardou estrita fidelidade à Lei de Deus em meio ao ambiente pagão, de modo que Deus o enriqueceu com dons diversos de sabedoria, que o tornaram notável na corte da Babilônia. Tal é o conteúdo do cap 1 o que se segue nos cap. 2--6 são episódios cujo fundo histórico foi elaborado em sentido apologético, isto é, no intuito de escarnecer a sabedoria pagã e exaltar o Deus de Daniel, fonte da verdadeira sabedoria: note-se que em cada um desses capítulos há uma situação que deixa embaraçados o rei e seus cortesãos ou sábios e que é resolvida pela atuação de Daniel; no final de cada capítulo, o rei pagão reconhece direta ou indiretamente a santidade do Deus de Daniel: 2,46-48; 3,95s; 4,34; 5,29; 6,25-27.

            Há sinais claros de que o autor não se importa muito com o rigor histórico das suas narrativas ou não tencionava cultivar o gênero historiográfico propriamente dito. Com efeito; apresenta Baltasar como rei da Babilônia (5,30; 7,1) e filho de Nabucodonosor (5,2), quando na verdade Baltasar foi filho de Nabonide e talvez nunca tenha reinado. Dano, o medo, tido como sucessor de Baltasar (6,1) e filho de Xerxes (9,1), é desconhecido aos historiadores (talvez se trate de pseudônimo); em 11,2 aparece uma lista de quatro reis da dinastia persa, quando na realidade houve nove deles. Estas imprecisões são características do gênero literário midráxico ou hagádico: o autor de midraxe não quer ser um cronista nem um repórter, mas, sim, um filósofo ou um teólogo, que, através de acontecimentos históricos devidamente apresentados, comunica uma mensagem de índole religiosa; já que o autor de midraxe não quer ser um historiador, não deve ser acuasado de incidir em erros historio-gráficos; não é intenção dele definir pontos de história.

            Julga-se, pois, que os episódios de Dn 2--6 foram redigidos por um autor muito posterior a Daniel, isto é, do século II a. C., que desejava incutir nos judeus a confiança no Deus de Israel. Este é mais forte do que todos os poderes humanos, especialmente os reis sírios, que perseguiam os judeus, ameaçando punir os que se conservassem fiéis à Lei do Senhor.

            A seção de Dn 7--12 é apocalíptica. Isto quer dizer o seguinte: no séc. II a C., quando os judeus eram ameaçados pelos sírios pagãos (167-164), um autor piedoso quis despertar em seus compatriotas a esperança e a paz. Em vista disto, recapitulou a história dos últimos séculos e apresentou a sua época como próxima à libertação messiânica; Deus haveria de intervir em breve a fim de sacudir o jugo estrangeiro que dominava Israel desde Nabucodonosor, e instaurar no mundo a justiça e a ordem devidas; os que ficassem fieis, seriam recompensados. Precisamente a descrição do julgamento de Deus sobre os povos dentro de um cenário cósmico que caracteriza os escritos apocalípticos. O gênero apocalíptico já ocorre antes de Daniel em Ez 38s; Is 24-27; Zc 9-14.
 
No cernário apocalíptico em Dn 7,1-28 situa-se um texto profético, relativo ao Filho do Homem e ao seu reino definitivo sobre todas as nações: 7, 13s. Estes versículos projetam luz sobre o apelativo Filho do Homem com que Jesus se apresentou nos Evangelhos: é um título messiânico, que devia ter profundo significado para os seguidores de Jesus. Aliás, foi aludindo a tal passagem que Jesus se identificou quando interrogado pelo Sumo Sacerdote judaico antes de morrer: “Eu sou o Cristo, o Filho de Deus bendito, E vereis o Filho do Homem sentado à direita do Todo-Poderoso e vir com as nuvens do céu” (Mc 14,62; Jo 3,13s; 5,27; 8,28. .

Estas considerações nos levam a dizer que o livro de Daniel não é um livro profético (embora contenha umas poucas passagens proféticas: 2,34.44s; 7,13s; 12,1-3), um midraxe (2--6) e um apocalipse (7 a 12): o autor no séc. lI a. C. refere sob forma de símbolos (geralmente feras) a história dos impérios que dominaram Israel desde Nabucodonosor até os Sírios (167-163 a. C.) a fim de dizer aos seus contemporâneos do século II que o jugo estrangeiro está para chegar ao fim, porque o Senhor Deus estava para entrar manifestamente na história deste mundo, realizando o juízo sobre os povos e premiando o povo fiel, por isto que o livro de Daniel, no cânon dos judeus, não se encontra entre os profetas, mas, sim, entre os escritos sagrados que formam a última parte do cânon hebraico.

            A edição dos LXX é que colocou Daniel na categoria dos profetas, interpretando o seu texto como se fosse o de um profeta. É de notar, porém, que o estilo de Daniel difere claramente do dos profetas: descreve minuciosamente a sucessão dos remos do século VI ao séc. II referindo-se a pormenores muito precisos — o que não é do estilo dos profetas; estes geralmente são obscuros quando se referem à história.

            As partes deuterocanônicas (cap. 13--14) pertencem ao gênero literário de 2--6, referindo episódios que mostram a sabedoria de Daniel e a grandeza do Deus de Israel.

O texto do livro de Daniel apresenta um problema para o qual os estudiosos não encontram explicação. Com efeito, foi nos transmitido em três linguas: 1,2-2,4a, em hebraico; 2,4b-7,28, em aramaico (com exceção de 3,24-90, parte deuterocanônica); as partes deuterocanônicas, em grego.

            Esta diversidade talvez provenha do fato de que o livro de Daniel consta de seções que foram originaria- mente redigidas sem dependência uma da outra. Terão sido compiladas em primeira instância de modo a originar os blocos 1--6 e 7--12; em ulterior instância, ou seja, entre 167 e 164 terão sido justapostas de modo a produzir o livro de Daniel protocanônico. Os cap. 13--14 terão tido sua origem própria como episódios avulsos; foram aglutinados ao conjunto Dn 1--12; como se crê, são a tradução grega de um texto original hebraico que se perdeu. Notemos que no livro de Daniel não há as características dos livros do exílio e do imediato pós-exilio: lamentações sobre Jerusalém, censura ou consolação aos exilados, promessa de retorno à Terra Prometida, como se encontram em Ezequiel, Lamentações, lsaías 40--55
           
O livro de Daniel tem importância teológica, pois apresenta o modo de pensar dos judeus do século II a. C. ou quase no limiar da Revelação Cristã:
           
Observemos aí:

— a angelologia (doutrina a respeito dos anjos) muito evoluída; Dn
7,1 0.16; 8,16-18; 9,21 -23; 10,10-21; 12,1 -13;

— a afirmação da ressurreição para a vida ou para o opróbrio; Dn 12,2s (passo notável em relação a Jó e Ecl;           

— a visão da história corno realização de um sábio plano de Deus que termina no Reino Messiânico consumido (cap. 2; 7--8; 10--12).

Os profetas menores

            Os profetas Oséias, Amós, Miquéias, Joel, Abdias, Jonas, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias são chamados ‘menores”, não porque tenham pouca importância, mas porque nos deixaram escritos pequenos, que já no séc. II a.C. eram colecionados num só volume, mais ou menos igual ao volume de um dos profetas maiores (Is, Jr, Ez); o Eclesiástico, escrito no século III aC., supôe já realizada a compilação dos doze profetas num só rolo; cf. Eclo 49,10.

O texto hebraico, o grego dos LXX e a Vulgata latina chamam-nos “os doze Profetas”. A designação de “profetas menores” aparece pela primeira vez em S. Agostinho, + 430.

A ordem dos profetas menores no catálogo sagrado varia no texto hebraico e no dos LXX. Não é cronológica; torna-se difícil assinalar a época precisa de um ou outro desses homens de Deus, Como quer que seja, eles recobrem um período que vai do séc. VIII ao séc. III a.C.; fornecem-nos dados importantes para o nosso conhecimento da história de Israel e dos povos vizinhos. Os seus escritos breves e cheios de imagens apresentam especiais dificuldades para o intérprete; aludem a fatos históricos e pormenores dos costumes do Israel antigo de maneira sucinta.

O texto dos LXX coloca os profetas menores antes dos maiores. A seguir, apresentaremos breves notas introdutórias em cada profeta menor, seguindo a provável ordem cronológica, e não a ordem do Cânon; estas notas serão entendidas se o estudioso tiver ante os olhos uma tabela cronológica da história do Antigo Testamento, com atenção especial para a queda de Samaria (721) e a de Jerusalém (587); o exílio na Babilônia ocorreu de 587 a 538.
De Amós a Habacuc

            Amós era natural de Técua (Judá); cf. 1,1. Pastor de gado e cultivador de sicômoros (7,14); era homem simples, de linguagem franca e rude. Exerceu (o ministério profético por chamado de Deus (7,5), que o levou para o Reino da Sarnaria, onde profetizou sob o rei Jeroboão II (783-743 aC.). Este monarca foi próspero em seus empreendimentos e dilatou as fronteiras do reino (cf. 6,14; 2Rs 14,25). O bem-estar provocou o luxo na construção das casas (3,15; 5,11; 6,8), depravação dos costumes (2,6-8; 4,1; 6,1-6), culto idolátrico (4,4; 5,21-23; 8,14). As calamidades passadas não tinham deixado recordação na mente do povo (4,6-11); este esperava o dia do Senhor (dia do julgamento final) corno se fosse ocasião de mais bem-estar para Israel (5,18-20; 9,10).

Em meio à prosperidade, ressoou a voz de Amós censurando os vícios, principalmente nas cidades em que os reis cismáticos de Israel tinham construído santuários: Samaria (3,9; 4,1; 6,1-6), Gálgala (55) e Betel (4,4; 5,5s; 7,13). Toda a população de Samaria foi severamente repreendida, principalmente os chefes e maiorais; a queda do reino, que ocorreria em 721. Incomodado pelo profeta, Amasias, que devia ser o responsável pelo Templo em Betel, denunciou Amós ao rei ‘Jeroboão (7,10) e expulsou o profeta para a sua pátria (Judá); 7,13s. Amós soube predizer também a salvação para os bons; é ele quem, pela primeira vez, utiliza a expressão “o resto” de José, para designar os poucos que não se tenham contaminado e com os quais Deus recomeça a sua obra; cf. 5,15, A expressão volta na pregação dos profetas posteriores; cf. Jr 6,9; 31,7; Mq 2,12; o ministério de Amós deve ter sido breve (dois anos apenas Cf. 1,1).

Oséias pregou no reino setentrional da Samaria sob Jeroboáo II (783-743); provavelmente assistiu à queda da Samaria, pois em 1,1 está dito que profetizou sob Ezequias de Judá (716-687). Foi, portanto, testemunha da prosperidade política e material de sua gente, levada, por isto, à corrupção dos costumes e à idolatria. O seu livro se divide em duas partes:
— as relações entre Javé e Israel são simbolizadas pelo casamento de Oséias. Este se casa com uma mulher leviana (Gomer), que o engana; cai na escravidão, depois de abandonar Oséias, mas é resgatada por este, que a recebe de novo como esposa. Julga-se que o epsódio assim relatado (Os 1-3) é fato histórico; serviu para significar a união entre o Senhor e seu povo, violada pelas infidelidades de Israel, que aderiu aos deuses de Canaã;
— Israel é censurado por sua prevaricação política e religiosa do momento presente (4,1-9,9) e do passado (9,10-14,1). O livro se encerra com uma liturgia de penitência (14,2-10). O tema principal do livro é o amor de Javé por seu povo infiel.

Miquéias profetizou sob Joatã, Acaz e Ezequias, reis de Judá (740-690). Deve ter conhecido a queda de Samaria em 721 e a invasão de Senaquerib em Judá (701); cf. 1,2-16, 3,12; 4,9-11.14. O profeta Jeremias cita um de seus oráculos contra Judá em Jr 26,18; cf, Mq 3,12.

O livro compreende quatro partes, onde se alternam censuras e promessas: 1,12-3,12, processo contra Samaria e Judá; 4,1-5,14, promessas a Sião (incluindo notável profecia messiânica em 5,1-4a); 6,1-7,7, novo processo contra Israel; 7,8-20, cântico de restauração de Jerusalém.

      Miquéias não poupa os homens gananciosos, os credores sem compaixão, os comerciantes fraudulentos, as famílias divididas, os sacerdotes e os profetas cobiçosos, os chefes tirânicos, os juizes venais, e propõe o quadro ideal: “praticar a justiça, amar com misericórdia e proceder humildemente diante de Deus” (6,8), o que resume a doutrina dos profetas em geral.

            Sofonias exerceu sua atividade sob o piedoso rei Josias (640-609) ou, mais precisamente, antes da reforma religiosa empreendida por este monarca em 622 (.cf. 2Rs 22,3-23,21), pois o profeta censura o culto de falsos deuses (1,4s), os ministros da corte real (1,8s; 3,3), as moda estrangeiras (1,8), os falsos profetas (3,4), as injustiças sociais (3,1-3), males aos quais Josias procurou dar um fim em 622.

            O livro divide-se em quatro breves partes: 1,2-2,3, o Dia de Javé; 2,4-15, oráculos contra as nações pagãs; 3,1-8, vaticínios contra Jerusalém; 3,9-20, promessas de salvação para os gentios e para Israel.
            A mensagem principal de Sofonias é o anúncio do Dia do Senhor,. tema já abordado por Am 5,18-20 Is 2,10-22; o quadro traçado pelo profeta tem dimensões cósmicas (1,14-18) e recorre a imagens muito significativas (1,7.10s.12; 2,2). O Senhor salvará o resto do seu povo (2,9; 3,13), que lhe servirá na humildade, na piedade e na justiça (2,1-3; 3,11-17).

            Naum era natural de Elcós, cidade a nós desconhecida (cl. 1,1). Trata unicamente da iminente queda de Ninive, capital do império assírio, que ameaçava e subjugava as populações do Próximo Oriente e, em particular, de Judá. Começa por um salmo que descreve a esplendorosa manifestação de Javé, juiz dos povos (1,2-8); a seguir, propõe em duas cenas a ruína de Ninive: 1,9-2,14, a descrição profética da queda da cidade; 3,1-19, a lamentação sobre a cidade destruída.
           
O livro é pouco anterior à perda de Nínive em 612. Exprime o calor da alma de Israel diante do seu inimigo tenaz, o povo assírio, como também revela as esperanças suscitadas pela previsão de sua queda. Através dessas páginas, perpassadas por forte nacionalismo, exprime-se um ideal de justiça e de fé: a ruína de Nínive corresponde a um juízo de Deus, que castiga o inimigo do plano do Senhor (1,11; 2,1) e o opressor dos povos (1,12s; 3,1-7). Is 52,7 retoma a imagem de Na 2,1 para descrever a mensagem da salvação.

Habacuc profeta não deve ser identificado como o homônimo de Dn 14,32-38. O seu livro versa sobre o tema “Por que o ímpio prevalece contra o justo e insolentemente o oprime?” O Senhor responde apontando a queda final dos ímpios e a libertação dos justos. A temática assim e desenvolve: 1,2-11; primeira lamentação (1,2-4), à qual o Senhor responde dizendo que suscitará os caldeus para punir os ímpios (1,5-11); 1,12-2,20, segunda lamentação (1,12-17), diante da qual o Senhor promete vencer o opressor (2,1-20); 3,1-19, salmo do triunfo final de Deus. Muito provavelmente os ímpios que o profeta tem em vista, são os assírios, contra os quais o Senhor havia de suscitar os caldeus, isto é, os babilônios; estes, de fato, tomaram Nínive em 612 e puseram fim à hegemonia assíria. — Habacuc apresenta uma nota nova: ousa pedir contas a Deus do seu governo no mundo; o problema do mal escandaliza o profeta; em resposta, Habacuc ouve que, por caminhos paradoxais, Deus prepará a vitória final do direito; entrementes, o justo vive pela sua fidelidade (cf. Hab 2,4; Rm 1,17; GI 3,11; Hb 10,38).

De Ageu a Jonas

            Ageu dá início ao último período dos profetas, que se segue logo ao exílio (587-538 a,C.). A mudança de tom é muito perçeptível: antes do exílio, a temática dos profetas era censura e ameaça de castigo; durante o exílio, tornou-se consolação; após o exílio, veio a ser Restauração.
           
            Ageu acompanha o povo recém-tornado do cativeiro babilônico (587-538 a.C.). Essa gente era hostilizada pelos estrangeiros residentes na Judéia e nos países vizinhos (Esdr 4,1-4); era também acabrunhada pela penúria (Ag 1,6,105; 2,175; Zc 8,10). Diante das ameaças do desânimo e da inércia, o profeta exortou os seus compatriotas a retomarem a obra de reconstrução do templo do Senhor em Jerusalém. Proferiu duas exortações entre o final de agosto e meados de dezembro de 520. Apresenta a reedificação do templo como a condição da vinda de Javé e do seu reino.
           
            O livro de Zacarias compreende duas partes bem distintas: 1,8 e 9,14. Depois de uma introdução (1,1-6), datada de outubro-novembro de 520, dois meses após a primeira profecia de Ageu, o livro refere oito visões do profeta, que tratam da restauração e da salvação de Israel (1,7-6,8); seguem-se oráculos messânicos (6,9-8,23). Este conjunto é certamente da autoria do profeta Zacarias.
           
A segunda parte (9-14) é muito diferente. Os oráculos não apresentam data e são anônimos; não falam nem de Zacarias nem da reconstrução do templo. Julga-se que foram redigidos nos últimos decênios do séc. IV a.C., após o reinado de Alexandre Magno (323). Carecem de unidade, pois constituem duas seções, cada uma das quais tem um título ( 9,1 e 12,1) — o que tem levado os estudiosos a falar de Dêutero-Zacarias e Trito-Zacarias (como faIam de Segundo lsaías e Terceiro lsaías). O 2ºZacarias refere-se a fatos históricos difíceis de precisar; o 3º é um apocalipse que descreve as glórias da Jerusalém dos últimos tempos.

Malaquias significa “meu mensageiro”. Pergunta-se se é o nome de um profeta ou um apelativo genérico (cf. 3,1). O livro consta de seis seções que seguem o mesmo esquema: o Senhor lança uma afirmação; o povo ou os sacerdotes a contestam, mas Javé (geralmente em tom repreensivo) a sustenta. Dois grandes temas são abordados nesses oráculos: as faltas dos sacerdotes e dos fiéis na celebração do culto divino (1,6-2,9 e 3,6-12), o escândalo dos matrimônios mistos e dos divórcios (2,10-16).

            O Profeta anuncia o Dia do Senhor, que purificará sacerdotes e levitas, punirá os maus e concederá aos justos o triunfo (3,1-5.13-21), A promessa da vinda de Elias, que precederá o dia do juízo final, parece ser um acréscimo posterior (mas, sem dúvida, parte canônica do livro). Este escrito supõe o culto já restaurado no Templo (515), mas é anterior à proibição dos matrimônios misto, devida à reforma de Esdras e Neemias em 445 a.C. (Esdr 9s; Ne 10,28-31; 13,23-31).

            Abdias é o mais curto dos livros proféticos e um dos mais difíceis, Segundo alguns autores, o livro foi dirigido contra Edôm, povo vizinho de Judá, sob o rei Jorã (848-841), pois naquela época os árabes e os filisteus devastavam Judá (Ab 11; 2Cr 21,16). Outros distinguem entre Proto-Abdias (1-10), do tempo de Jorã, e Dêutero-Abdias (11-21), posterior à queda de Jerusalém (587 aC.). Outros, por fim, mais sabiamente atribuem o livro ao período do exílio, pois os vv. 11-14.15b se referem ao ódio dos idumeus por ocasião da queda de Jerusalém em 587 (ct. Ez 25,12-14; 35,ls; Lm 4,21s; SI 136 ou 137,7). O livro exalta a justiça e o poder de Javé, que age como defensor do direito (15s),
           
O livro de Joel compreende duas partes: 1,2-2,27 refere-se a uma invasão de gafanhotos que flagela Judá e dá ocasião a uma liturgia de luto e súplica; o Senhor responde prometendo pôr termo à praga e restaurar a fartura; 2,28-3,21 descreve o Dia do Senhor, caracterizado pela efusão do Espírito, o juízo sobre as nações e a restauração messiânica do povo eleito. A unidade das duas partes é efetuada pela menção do Dia do Senhor, que é propriamente o tema dos cc. 3-4, mas que já é apontado em 1,15; 2,ls.lOs.

Os gafanhotos da primeira parte não hão de ser interpretados em sentido alegórico, como se significassem inimigos provenientes do Norte; trata-se de verdadeira praga, que é tomada como figura dos acontecimentos que antecederão imediatamente o Dia do Senhor (aliás, este é mencionado na primeira parte). A segunda seção de JI tem características de um apocalipse, gênero literário que descreve a intervenção final de Deus na história, com abalo da natureza.
           
O livro data do pós-exílio ou do ano de 400 a.C. aproximadamente, pois não menciona rei em Judá, mas apenas anciãos e sacerdotes (1,9.13.16; 2,1,15,..); há referências à dispersão do povo de Deus entre os gentios (3,2), à venda de judeus como escravos aos gregos (4,6). O livro de Joel vem a ser um compêndio da escatologia judaica.

Jonas difere de todos os outros livros proféticos. Narra a história de um profeta que recusou a ordem do Senhor para que fosse pregar aos ninivitas. Milagrosamente colhido pela Providência, Jonas vai a Nínive e consegue converter a grande cidade. Eis, porém, que se entristece por haver comunicado a mensagem da fé a pagãos. Então Deus lhe afirma que a misericórdia divina atinge todos os povos.

            Hoje concordam os estudiosos em reconhecer que o livro é uma narração didática, teológica, e não histórica. O autor apresentou Jonas como o tipo do judeu nacionalista, fechado em seu patrimônio religioso. Esse judeu é censurado pelo Senhor, que o leva a compreender que a salvação é destinada a todos os homens. O livro, portanto, é um testemunho do universalismo que seria impondo à mentalidade dos judeus em meio aos preconceitos nacionalistas que levavam os judeus do séc. V a.C. a recusar a salvação aos não-judeus. Sendo de época tão tardia, vê-se que o livro não é da autoria nem refere as façanhas do profeta Jonas mencionado em 2Rs 14,25 nos tempos do rei Jeroboão 11(783-743).


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