sábado, 18 de fevereiro de 2012

11º à 22º Domingo Tempo Comum Ano B


                                                Ano B
 11º Domingo do Tempo Comum


A liturgia do 11º Domingo do Tempo Comum convida-nos a olhar para a vida e para o mundo com confiança e esperança. Deus, fiel ao seu plano de salvação, continua, hoje como sempre, a conduzir a história humana para uma meta de vida plena e de felicidade sem fim.
Na primeira leitura, o profeta Ezequiel assegura ao Povo de Deus, exilado na Babilônia, que Deus não esqueceu a Aliança, nem as promessas que fez no passado. Apesar das vicissitudes, dos desastres e das crises que as voltas da história comportam, Israel deve continuar a confiar nesse Deus que é fiel e que não desistirá nunca de oferecer ao seu Povo um futuro de tranquilidade, de justiça e de paz sem fim.
O Evangelho apresenta uma catequese sobre o Reino de Deus – essa realidade nova que Jesus veio anunciar e propor. Trata-se de um projeto que, avaliado à luz da lógica humana, pode parecer condenado ao fracasso; mas ele encerra em si o dinamismo de Deus e acabará por chegar a todo o mundo e a todos os corações. Sem alarde, sem pressa, sem publicidade, a semente lançada por Jesus fará com que esta realidade velha que conhecemos vá, aos poucos, dando lugar ao novo céu e à nova terra que Deus quer oferecer a todos.
A segunda leitura recorda-nos que a vida nesta terra, marcada pela finitude e pela transitoriedade, deve ser vivida como uma peregrinação ao encontro de Deus, da vida definitiva. O cristão deve estar consciente de que o Reino de Deus (de que fala o Evangelho de hoje), embora já presente na nossa atual caminhada pela história, só atingirá a sua plena maturação no final dos tempos, quando todos os homens e mulheres se sentarem à mesa de Deus e receberem de Deus a vida que não acaba. É para aí que devemos tender, é essa a visão que deve animar a nossa caminhada.
LEITURA I – Ez 17,22-24
Eis o que diz o Senhor Deus:
«Do cimo do cedro frondoso, dos seus ramos mais altos,
Eu próprio arrancarei um ramo novo
e vou plantá-lo num monte muito alto.
Na excelsa montanha de Israel o plantarei
e ele lançará ramos e dará frutos
e tornar-se-á um cedro majestoso.
Nele farão ninho todas as aves,
toda a espécie de pássaros habitará à sombra dos seus ramos.
E todas as árvores do campo hão de saber
que Eu sou o Senhor;
humilho a árvore elevada e elevo a árvore modesta,
faço secar a árvore verde e reverdeço a árvore seca.
Eu, o Senhor, digo e faço».

AMBIENTE
No ano de 609 a. C., o faraó Necao derrotou o rei Josias e colocou no trono de Judá Joaquim, que durante algum tempo foi vassalo do Egito. Contudo, em 605 a.C., Nabucodonosor derrotou as tropas assírias e egípcias em Carquemish, prosseguiu a sua campanha em direção ao Egito e assumiu o controlo da Síria e da Palestina. Joaquim ficou a pagar tributo aos babilônios. Quando, em 601, Nabucodonosor não conseguiu conquistar o Egito, Joaquim julgou chegada a hora de se libertar do domínio babilônico. Contudo, Nabucodonosor reagiu sitiando Jerusalém, em 598 a. C., e Joaquim morreu durante o cerco, ou foi deportado para a Babilônia. Sucedeu-lhe Jeconias que, ao fim de três meses de resistência, se rendeu aos babilônios (597 a.C.).
Nabucodonosor instalou, então, no trono de Judá um tal Sedecias. Durante algum tempo, Judá manteve-se tranquilo, pagando pontualmente os tributos devidos aos babilônios; mas, ao fim de algum tempo, aproveitando a conjuntura política favorável, Sedecias aliou-se com os egípcios e deixou de pagar o tributo. Nabucodonosor enviou imediatamente um exército que cercou Jerusalém. Apesar do socorro de um exército egípcio, Jerusalém teve de se render aos babilônios. Sedecias, aproveitando as sombras da noite, tentou fugir da cidade; mas foi feito prisioneiro, viu os seus filhos serem assassinados e ele próprio foi levado prisioneiro para a Babilônia, onde acabou os seus dias.
Ezequiel, o “profeta da esperança”, exerceu o seu ministério na Babilônia no meio dos exilados judeus. O profeta fez parte de uma primeira “leva” de exilados que, em 597 a.C., chegou à Babilônia, após a derrota de Jeconias.
A primeira fase do ministério de Ezequiel decorreu entre 593 a.C. (data do seu chamamento à vocação profética) e 586 a.C. (data em que Jerusalém foi conquistada uma segunda vez pelos exércitos de Nabucodonosor e um novo grupo de exilados foi encaminhado para a Babilônia). Nesta fase, o profeta preocupou-se em destruir as falsas esperanças dos exilados (convencidos de que o exílio terminaria em breve e que iam poder regressar rapidamente à sua terra) e em denunciar a multiplicação das infidelidades a Jahwéh por parte desses membros do Povo judeu que escaparam ao primeiro exílio e que ficaram em Jerusalém.
É precisamente neste contexto que Ezequiel propõe “um enigma”, “uma parábola”, que nos é apresentada ao longo do capítulo 17 do seu livro. Fala de uma “águia” (provavelmente o rei Nabucodonosor), que “veio do Líbano comer a ponta do cedro. Apanhou o ramo mais elevado” (provavelmente o rei Jeconias) e levou-o para o país dos comerciantes (isto é, a Babilônia). Em seu lugar, plantou outra árvore (provavelmente Sedecias). Esta árvore, uma “videira”, não irá, contudo, prosperar, apesar das tentativas de aliança com o Egito. Mais, será levado prisioneiro para a Babilônia e lá morrerá (Ez 17,10).
A mensagem deste “enigma” é óbvia: os exilados não devem alimentar ilusões ao ver as jogadas políticas de Sedecias, aliado com os egípcios. A política de Sedecias, em Jerusalém, não significará a liberdade dos exilados, mas, pelo contrário, conduzirá a uma nova catástrofe.
Estará então tudo terminado? Já não há esperança? Deus abandonou definitivamente o seu Povo e esqueceu as suas promessas de salvação?
É precisamente aqui que se encaixa o oráculo de salvação que a primeira leitura deste domingo nos apresenta: não, apesar das dramáticas circunstâncias do tempo presente, Deus não abandonou o seu Povo, mas irá construir com ele uma história nova, de salvação e de graça.

MENSAGEM
Deus não esqueceu a promessa feita, por intermédio do profeta Natã (cf. 2 Sm 7), e na qual assegurou a David a continuidade do seu trono. É verdade que a dinastia de David (o “ramo mais elevado” do “cedro” – Ez 17,3-4) foi arrancada; mas Deus não abandonou o seu Povo: Ele próprio vai tomar um “ramo novo”, plantá-lo na montanha de Israel, fazê-lo dar frutos e torná-lo uma árvore resistente e de grande porte (Ez 17,22-23) – ou seja, irá restabelecer a dinastia davídica em Jerusalém, assegurando ao seu Povo um futuro pleno de vida, de felicidade e de paz sem fim. O texto sublinha, antes de mais, a presença onipotente de Deus na história da humanidade. Ele preside à história humana, tem um projeto de salvação e conduz sempre a caminhada dos homens de acordo com o seu plano. O poder orgulhoso dos impérios humanos nada pode contra esse Deus que é o Senhor da história e que, com paciência e amor, vai concretizando o seu projeto.
Além disso, Ezequiel assegura aos exilados a “fidelidade” de Deus às suas promessas. Deus não falha, não esquece os seus compromissos, não abandona esse Povo com quem se comprometeu. Mesmo afogado na angústia e no sofrimento, mesmo mergulhado num horizonte de desespero, Israel tem de aprender a confiar nesse Deus que é sempre fiel às suas promessas e aos compromissos que assumiu com o seu Povo no âmbito da Aliança. Tudo pode cair, tudo pode falhar; só Deus não falha.
O nosso texto contém ainda uma indicação sobre a forma de atuar de Deus, sobre a “estranha” lógica de Deus: Ele toma aquilo que é pequeno aos olhos dos homens (“um ramo novo” – Ez 17,22) e, através dele, vence o orgulho e a prepotência, confunde os poderosos e exalta os humildes. Deus prefere os pequenos, os débeis, os pobres (aqueles que na sua humildade e simplicidade estão sempre disponíveis para acolher os desafios e os dons de Deus); e é através deles que concretiza os seus projetos de salvação e de graça.
Estes poucos versículos contêm um imenso capital de esperança, que deve alimentar e animar, hoje como ontem, a caminhada do Povo de Deus pela história.

ATUALIZAÇÃO
♦ Essencialmente, o texto de Ezequiel que a liturgia deste domingo nos propõe garante que Deus conduz sempre a história humana de acordo com o seu projeto de salvação e mantém-se fiel às promessas feitas ao seu Povo. Esta “lição” não pode ser esquecida e essa certeza deve levar-nos a encarar os dramas e desafios do tempo atual com confiança e esperança. Não estamos abandonados à nossa sorte; Deus não desistiu desta humanidade que Ele ama e continua a querer salvar. É verdade que a hora atual que a humanidade atravessa está marcada por sombras e graves inquietações; mas também é verdade que Deus continua a acompanhar cada passo que damos e a apontar-nos caminhos de vida. A última palavra – uma palavra que não pode deixar de ser de salvação e de graça – será sempre de Deus. Ancorados nessa certeza, temos de vencer o medo e o pessimismo que, por vezes, nos paralisam e dar aos homens nossos irmãos um testemunho de esperança, de serena confiança.
♦ A referência – mil vezes repetida ao longo da Bíblia – à tal “estranha lógica” de Deus, que se serve do que é débil e frágil para concretizar os seus projetos de salvação, convida-nos a mudar os nossos critérios de avaliação e a nossa atitude face ao mundo e face aos que nos rodeiam. Por um lado, ensina-nos a valorizar aquilo e aquelas pessoas que o mundo, por vezes, marginaliza ou despreza; ensina-nos, por outro lado, que as grandes realizações de Deus não estão dependentes das grandes capacidades dos homens, mas antes da vontade amorosa de Deus; ensina-nos ainda que o fundamental, para sermos agentes de Deus, não é possuir brilhantes qualidades humanas, mas uma atitude de disponibilidade humilde que nos leve a acolher os apelos e desafios de Deus.

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 91 (92)
Refrão: É bom louvar-Vos, Senhor.
É bom louvar o Senhor
e cantar salmos ao vosso nome, ó Altíssimo,
proclamar pela manhã a vossa bondade
e durante a noite a vossa fidelidade.
O justo florescerá como a palmeira,
crescerá como o cedro do Líbano;
plantado na casa do Senhor,
florescerá nos átrios do nosso Deus.
Mesmo na velhice dará o seu fruto,
cheio de seiva e de vigor,
para proclamar que o Senhor é justo:
nele, que é o meu refúgio, não há iniquidade.

LEITURA II – 2 Cor 5,6-10
Irmãos:
Nós estamos sempre cheios de confiança,
sabendo que, enquanto habitarmos neste corpo,
vivemos como exilados, longe do Senhor,
pois caminhamos à luz da fé e não da visão clara.
E com esta confiança, preferíamos exilar-nos do corpo,
para irmos habitar junto do Senhor.
Por isso nos empenhamos em ser-Lhe agradáveis,
quer continuemos a habitar no corpo,
quer tenhamos de sair dele.
Todos nós devemos comparecer perante o tribunal de Cristo,
para que receba cada qual o que tiver merecido,
enquanto esteve no corpo,
quer o bem, quer o mal.

AMBIENTE
Por volta de 56/57, chegam a Corinto missionários itinerantes que se apresentam como apóstolos e criticam Paulo, lançando a confusão na comunidade. Provavelmente, trata-se desses “judaizantes” que queriam impor aos pagãos convertidos as práticas da Lei de Moisés (embora também possam ser cristãos que condenam a severidade de Paulo e que apóiam o laxismo da vida dos coríntios). De qualquer forma, Paulo é informado de que a validade do seu ministério está a ser desafiada e dirige-se a toda a pressa para Corinto, disposto a enfrentar o problema. O confronto é violento e Paulo é gravemente injuriado por um membro da comunidade (cf. 2 Cor 2,5-11; 7,11). Na sequência, Paulo abandona Corinto e parte para Éfeso. Passado algum tempo, Paulo envia Tito a Corinto, a fim de tentar a reconciliação. Quando Tito regressa, traz notícias animadoras: o diferendo foi ultrapassado e os coríntios estão, outra vez, em comunhão com Paulo. É nessa altura que Paulo, aliviado e com o coração em paz, escreve esta carta aos coríntios, fazendo uma tranquila apologia do seu apostolado.
O texto que nos é proposto está incluído na primeira parte da carta (2 Cor 1,3-7,16), onde Paulo reflete e escreve sobre a grandeza e as dificuldades, os riscos e as compensações do ministério apostólico.
Na perícopa que vai de 4,16 a 5,10, Paulo defende a idéia de que, apesar de tudo, vale a pena acolher os desafios de Deus: no final do caminho percorrido nesta terra, espera-nos uma vida nova, uma vida plena e eterna. Para pintar o contraste entre a vida nesta terra e a vida futura, Paulo utiliza (cf. 2 Cor 5,1-4) a imagem da tenda que se monta e desmonta (que representa a vida transitória e corruptível desta terra) e da casa solidamente construída (que representa a vida plena e eterna).

MENSAGEM
A vida terrena, passageira e mortal é, para Paulo, um exílio “longe do Senhor” (vers. 6). Esse tempo de exílio neste mundo caracteriza-se por um conhecimento de Deus parcial: é o tempo da fé. Paulo – como todos os verdadeiros crentes – anseia pelo tempo “da visão” – isto é, pelo tempo do encontro face a face com Deus. Então, a vida caduca e transitória dará lugar a uma vida gloriosa e indestrutível.
Uma leitura simplista destes versículos poderia transmitir a idéia de que Paulo negligencia a vida terrena; contudo, essa idéia não é exata… Para Paulo, a perspectiva dessa outra vida nova, plena e eterna, não significa um alhear-se das responsabilidades que temos, como crentes, enquanto caminhamos neste mundo finito e transitório. Aos crentes compete, enquanto “habitam este corpo” mortal, viver de acordo com as exigências de Deus, caminhar à luz da fé, assumir as suas responsabilidades enquanto discípulos comprometidos com Cristo e com o seu Reino. A perspectiva dessa vida plena que nos espera para além desta terra deve estar permanentemente no horizonte do crente que caminha pela história, fundamentar e iluminar o seu compromisso e a sua fidelidade a Jesus Cristo e ao Evangelho.
De resto, a preocupação de Paulo não é apresentar uma doutrina escatológica perfeitamente definida; mas é, sobretudo, lembrar aos cristãos a sua condição de peregrinos, que “não têm morada permanente” nesta terra: o destino final de cada homem ou mulher é o encontro com o Senhor, a vida plena e definitiva.

ATUALIZAÇÃO
♦ A cultura atual é uma cultura do provisório, que dá prioridade ao que é efêmero sobre as realidades perenes com a marca da eternidade: propõe que se viva ao sabor do imediato e do momento, e subalterniza as opções definitivas e os valores duradouros. É também uma cultura do bem-estar material: ao seduzir os homens com o brilho dos bens perecíveis, ao potenciar o reinado do “ter” sobre o “ser”, escraviza o homem e relativiza a sua busca de eternidade. É ainda uma cultura da facilidade, que ensina a evitar tudo o que exige esforço, sofrimento e luta: produz pessoas incapazes de lutar por objetivos exigentes e por realizar projetos que exijam esforço, fidelidade, compromisso, sacrifício. Neste contexto, a palavra de Paulo aos cristãos de Corinto soa a desafio profético: é necessário que tenhamos sempre diante dos olhos a nossa condição de “peregrinos” nesta terra e que aprendamos a dar valor àquilo que tem a marca da eternidade. É nos valores duradouros – e não nos valores efêmeros e passageiros – que encontramos a vida plena. O fim último da nossa existência não está nesta terra; o nosso horizonte e as nossas apostas devem apontar sempre para o mais além, para a vida plena e definitiva.
♦ Contudo, o fato de vivermos a olhar para o mais além não pode levar-nos a ignorar as realidades terrenas e os compromissos com a construção da cidade dos homens. O Reino de Deus – que atingirá a sua plena maturação quando tivermos ultrapassado o transitório e o efêmero da vida presente – começa a ser construído nesta terra e exige o nosso compromisso pleno com a construção de um mundo mais justo, mais fraterno, mais verdadeiro. Não há comunhão com Cristo se nos demitimos das nossas responsabilidades em testemunhar os gestos e os valores de Cristo.
ALELUIA
Aleluia. Aleluia.
A semente é a palavra de Deus e o semeador é Cristo:
quem O encontrar permanecerá para sempre.

EVANGELHO – Mc 4,26-34
Naquele tempo,
disse Jesus à multidão:
«O reino de Deus é como um homem
que lançou a semente à terra.
Dorme e levanta-se, noite e dia,
enquanto a semente germina e cresce, sem ele saber como.
A terra produz por si, primeiro a planta, depois a espiga,
por fim o trigo maduro na espiga.
E quando o trigo o permite, logo mete a foice,
porque já chegou o tempo da colheita».
Jesus dizia ainda:
«A que havemos de comparar o reino de Deus?
Em que parábola o havemos de apresentar?
É como um grão de mostarda, que, ao ser semeado na terra,
é a menor de todas as sementes que há sobre a terra;
mas, depois de semeado, começa a crescer,
e torna-se a maior de todas as plantas da horta,
estendendo de tal forma os seus ramos
que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra».
Jesus pregava-lhes a palavra de Deus
com muitas parábolas como estas,
conforme eram capazes de entender.
E não lhes falava senão em parábolas;
mas, em particular, tudo explicava aos seus discípulos.

AMBIENTE
Na primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1,14-8,30), Jesus é apresentado como o Messias que proclama o Reino de Deus. Marcos procura aí demonstrar como Jesus, com palavras e com gestos, anuncia um mundo novo (o “Reino de Deus”), livre do egoísmo, da opressão, da injustiça e de tudo o que escraviza os homens e os impede de ter acesso à vida verdadeira.
Estamos na Galileia, nos primeiros tempos do anúncio do Reino. Uma grande multidão segue Jesus, a fim de escutar os seus ensinamentos (cf. Mc 3,7.20.32; 4,1). Para fazer chegar a todos a sua proposta, Jesus precisará de utilizar uma linguagem acessível, viva, questionante, concreta, desafiadora, evocadora, pedagógica, que pudesse semear no coração dos ouvintes a consciência dessa nova e revolucionária realidade que Ele queria propor. É neste contexto que nos aparecem as “parábolas”.
As “parábolas” são uma linguagem habitual na literatura dos povos do Médio Oriente: o gênio oriental gosta mais de falar e instruir através de imagens, de comparações, de alegorias, do que através de um discurso mais lógico, mais frio, mais racional. De resto, a linguagem parabólica tem várias vantagens em relação a um discurso mais racional e expositivo. Que vantagens? Em primeiro lugar, é uma excelente arma de controvérsia. A linguagem figurada permite levar o interlocutor a admitir certos pontos que, de outro modo, nunca mereceriam a sua concordância. A parábola é, pois, um bom instrumento de diálogo, sobretudo em contextos polêmicos (como era, quase sempre, o contexto em que Jesus pregava).
Em segundo lugar, a imagem ou comparação que caracteriza a linguagem parabólica é muito mais rica em força de comunicação e em poder de evocação, do que a simples exposição teórica. Talvez seja uma linguagem mais vaga e imprecisa, do ponto de vista racional; mas é mais profunda, mais carregada de sentido, mais evocadora e, por isso, “mexe” mais com os ouvintes.
Em terceiro lugar, porque a linguagem parabólica – muito mais do que outro tipo de linguagem – espicaça a curiosidade e incita à busca. Na sua simplicidade, torna-se um verdadeiro método pedagógico, que leva as pessoas a pensar por si, a medir os prós e os contras, a tirar conclusões, a interiorizar soluções e a integrá-las na própria vida. É uma linguagem que, mais do que injetar nas pessoas soluções feitas, as leva a refletir e a tirar daí as devidas consequências. Trata-se, pois, de linguagem altamente subversiva: ensina o povo a pensar, a ser crítico, a descobrir onde está a verdade. Ora, isso é altamente incômodo para os defensores do mundo velho e da ordem estabelecida.
Uma linguagem tão sugestiva não podia ser ignorada por Jesus no seu anúncio do “Reino de Deus”. É neste contexto que devemos entender as duas parábolas que o Evangelho deste domingo nos apresenta.

MENSAGEM
A primeira parábola (vers. 26-29) é a do grão que germina e cresce por si só. A parábola refere a intervenção do agricultor apenas no ato de semear e no ato de ceifar. Cala, de propósito, qualquer menção às demais ações do agricultor: arar a terra, regar a semente, tirar as ervas que a impedem de crescer… Ao narrador interessa, apenas, que entre a sementeira e a colheita, a semente vai crescendo e amadurecendo, sem que o homem intervenha para impedir ou acelerar o processo. A questão essencial não é o que o agricultor faz, mas o dinamismo vital da semente. O resultado final não depende dos esforços e da habilidade do homem, mas sim do dinamismo da semente que foi lançada à terra. Desta forma, o narrador ensina que o Reino de Deus (a semente) é uma iniciativa divina: é Deus quem atua no silêncio da noite, no tumulto do dia ou na turbulência da história para que o Reino aconteça; e nenhum obstáculo poderá frustrar o seu plano. Provavelmente a parábola é dirigida contra todas as posturas que pretendiam forçar a vinda do Reino – a dos zelotas que queriam instaurar o Reino através da violência das armas, a dos fariseus que pretendiam forçar o aparecimento do Reino com a obediência a uma disciplina legal, a dos apocalípticos que faziam cálculos precisos sobre a data da irrupção do Reino. Não adianta forçar o tempo ou os resultados: é Deus que dirige a marcha da história e que fará com que o Reino aconteça, de acordo com o seu tempo e o seu projeto. Desta forma, a parábola convida à serenidade e à confiança nesse Deus que não dorme nem se demite e que não deixará de realizar, a seu tempo e de acordo com a sua lógica, o seu plano para os homens e para o mundo.
A segunda parábola (vers. 30-32) é a do grão de mostarda. O narrador pretende, fundamentalmente, pôr em relevo o contraste entre a pequenez da semente (a semente da mostarda negra tem um diâmetro aproximado de 1,6 milímetros e era a semente mais pequena, no entendimento popular palestino; a tradição judaica celebrava com provérbios a sua pequenez) e a grandeza da árvore (nas margens do lago da Galileia alcançava uma altura de 2 a 4 metros). A comparação serve para dizer que a semente do Reino lançada pelo anúncio de Jesus pode parecer uma realidade pequena e insignificante, mas está destinada a atingir todos os cantos do mundo, encarnando em cada pessoa, em cada povo, em cada sociedade, em cada cultura. O Reino de Deus, ainda que tenha inícios modestos ou que se apresente com sinais de debilidade e pequenez aos olhos do mundo, tem uma força irresistível, pois encerra em si o dinamismo de Deus. Além disso, a parábola retoma um tema que já havíamos encontrado na primeira leitura: Deus serve-se de algo que é pequeno e insignificante aos olhos do mundo para concretizar os seus projetos de salvação e de graça em favor dos homens.
A parábola é um convite à esperança, à confiança e à paciência. Nos fatos aparentemente irrelevantes, na simplicidade e normalidade de cada dia, na insignificância dos meios, esconde-se o dinamismo de Deus que atua na história e que oferece aos homens caminhos de salvação e de vida plena.

ATUALIZAÇÃO
♦ Antes de mais, o Evangelho deste domingo garante-nos que Deus tem em marcha um projeto destinado a oferecer aos homens a vida e a salvação. Pode parecer que a nossa história caminha entregue ao acaso ou aos caprichos dos líderes; pode parecer que a história humana entrou em derrapagem e que, no final do caminho, nos espera o abismo; mas é Deus que conduz a história, que lhe imprime o seu dinamismo, que está presente em todos os passos do nosso caminho. Deus caminha conosco e, garantidamente, leva-nos pela mão ao encontro de um final feliz. Num tempo histórico como o nosso, marcado por “sombras”, por crises e por graves inquietações, este é um dos testemunhos mais importantes que podemos, como crentes, oferecer aos nossos irmãos escravizados pelo desespero e pelo medo.
♦ O projeto de salvação que Deus tem para a humanidade revela-se no anúncio do Reino, feito por Jesus de Nazaré. Nas suas palavras, nos seus gestos, Jesus propôs um caminho novo, uma nova realidade; lançou a semente da transformação dos corações, das mentes e das vontades, de forma a que a vida dos homens e das sociedades se construa de acordo com os esquemas de Deus. Essa semente não foi lançada em vão: está entre nós e cresce por ação de Deus. Resta-nos acolher essa semente e deixar que Deus realize a sua ação. Resta-nos também, como discípulos de Jesus, continuar a lançar essa semente do Reino, a fim de que ela encontre lugar no coração de cada homem e de cada mulher.
♦ Os que, continuando a missão de Jesus, anunciam a Palavra (que lançam a semente), não devem preocupar-se com a forma como ela cresce e se desenvolve. Devem, apenas, confiar na eficácia da Palavra anunciada, conformar-se com o tempo e o ritmo de Deus, confiar na ação de Deus e no dinamismo intrínseco da Palavra semeada. Isso equivale a respeitar o crescimento de cada pessoa, o seu processo de maturação, a sua busca de caminhos de vida e de plenitude. Não nos compete exigir que os outros caminhem ao nosso ritmo, que pensem como nós, que passem pelas mesmas experiências e exigências que para nós são válidas. Há que respeitar a consciência e o ritmo de caminhada de cada homem ou mulher – como Deus sempre faz.
♦ A referência à pequenez da semente (segunda parábola) convida-nos – como já o havia feito a primeira leitura deste domingo – a rever os nossos critérios de atuação e a nossa forma de olhar o mundo e os nossos irmãos. Por vezes, é naquilo que é pequeno, débil e aparentemente insignificante que Deus se revela. Deus está nos pequenos, nos humildes, nos pobres, nos que renunciaram a esquemas de triunfalismo e de ostentação; e é deles que Deus se serve para transformar o mundo. Atitudes de arrogância, de ambição desmedida, de poder a qualquer custo, não são sinais do Reino. Sempre que nos deixamos levar por tentações de grandeza, de orgulho, de prepotência, de vaidade, estamos a frustrar o projeto de Deus, a impedir que o Reino de Deus se torne realidade no mundo e nas nossas vidas.

 12º Domingo do Tempo Comum

Deus preocupa-se com os dramas dos homens? Onde está Ele nos momentos de sofrimento e de dificuldade que enfrentamos ao longo da nossa vida? A liturgia do 12º Domingo do Tempo Comum diz-nos que, ao longo da sua caminhada pela terra, o homem não está perdido, sozinho, abandonado à sua sorte; mas Deus caminha ao seu lado, cuidando dele com amor de pai e oferecendo-lhe a cada passo a vida e a salvação.
A primeira leitura fala-nos de um Deus majestoso e onipotente, que domina a natureza e que tem um plano perfeito e estável para o mundo. O homem, na sua pequenez e finitude, nem sempre consegue entender a lógica dos planos de Deus; resta-lhe, no entanto, entregar-se nas mãos de Deus com humildade e com total confiança.
No Evangelho, Marcos propõe-nos uma catequese sobre a caminhada dos discípulos em missão no mundo… Marcos garante-nos que os discípulos nunca estão sozinhos a enfrentar as tempestades que todos os dias se levantam no mar da vida… Os discípulos nada têm a temer, porque Cristo vai com eles, ajudando-os a vencer a oposição das forças que se opõe à vida e à salvação dos homens.
A segunda leitura garante-nos que o nosso Deus não é um Deus indiferente, que deixa os homens abandonados à sua sorte. A vinda de Jesus ao mundo para nos libertar do egoísmo que escraviza e para nos propor a liberdade do amor mostra que o nosso Deus é um Deus interveniente, que nos ama e que quer ensinar-nos o caminho da vida.

LEITURA I – Jó 38,1.8-11
O Senhor respondeu a Jó do meio da tempestade, dizendo:
«Quem encerrou o mar entre dois batentes,
quando ele irrompeu do seio do abismo,
quando Eu o revesti de neblina
e o envolvi com uma nuvem sombria,
quando lhe fixei limites e lhe tranquei portas e ferrolhos?
E disse-lhe:
‘Chegarás até aqui e não irás mais além,
aqui se quebrará a altivez das tuas vagas’».

AMBIENTE
O Livro de Jó é um clássico da literatura universal, não só pela sua extraordinária beleza literária, mas também pelas questões que aborda e que tocam o âmago da existência humana. A história serve de pretexto para refletir sobre certos temas fundamentais sobre as quais o homem sempre se interroga, como são a questão do sofrimento do justo inocente, a situação do homem diante de Deus e a atitude de Deus face ao homem.
Apresenta-nos a história de um homem bom e justo (Jó), repentinamente atingido por um vendaval de desgraças que lhe rouba a riqueza, a família e a própria saúde. No corpo central do livro (cf. Jó 3,1-37,24), Jó interroga-se acerca da origem do sofrimento que o atingiu e do papel de Deus no seu drama pessoal. Alguns dos amigos de Jó procuram responder às suas questões, apresentando as explicações dadas pela teologia oficial: o sofrimento é sempre o resultado do pecado do homem; assim, se Jó está a sofrer, é porque pecou… Com a veemência que vem de uma consciência em paz, Jó recusa conclusões tão simplistas e demonstra a falência da doutrina oficial para explicar o seu drama pessoal. Com um apurado sentido crítico, Jó vai desmontando os dogmas fundamentais da fé de Israel e recusando esse Deus “contabilista” que se limita a registrar as ações boas e más do homem para lhe pagar em conformidade. Deus não pode ser isso; e o caso concreto de Jó prova-o.
Rejeitada a explicação tradicional para o drama do sofrimento, Jó dirige-se diretamente àquele que lhe pode fornecer as respostas: o próprio Deus. No seu discurso, muito crítico, cruzam-se a animosidade, a violência, as queixas, o inconformismo, a dúvida, a revolta, com a esperança, a fé e a confiança em Deus. Quando, finalmente, Deus enfrenta Jó, recorda-lhe o seu lugar de criatura, limitada e finita; mostra-lhe como só Ele conhece as leis que regem o universo e a vida, mostra-lhe a sua preocupação e o seu amor com cada ser criado; convida-o a não se pôr em bicos de pés, a ocupar o seu lugar de criatura e a não pôr em causa os desígnios de Deus para o mundo, já que esses desígnios ultrapassam infinitamente a capacidade de compreensão e de entendimento de qualquer criatura. Deus tem uma lógica, um plano, um projeto que ultrapassa infinitamente aquilo que cada homem (também Job) poderá entender.
A história termina com Jó a perceber o seu lugar, a reconhecer a transcendência de Deus e a incompreensibilidade dos seus projetos, a entregar-se nas mãos de Deus com humildade e confiança.
O texto que nos é proposto faz parte do discurso com que Deus responde a Jó (cf. Jó 38,1-40,2). Nesse discurso, Deus coloca a Jó uma série de questões sobre a terra, o mar, os grandes mistérios da natureza e da vida; a finalidade não é obter respostas de Jó, mas levá-lo a perceber os seus limites, a sua ignorância, a sua incapacidade para entender o mistério insondável de Deus e os projetos que Deus tem para o mundo e para os homens.

MENSAGEM
O nosso texto começa por apresentar Jahwéh a responder a Jó “do meio da tempestade” (vers. 1). É o quadro habitual das teofanias (cf. Ex 19,16); serve para emoldurar a manifestação aos homens do Deus todo-poderoso, o soberano de toda a terra.
Portanto, Jahwéh manifesta-se a Jó; o objetivo dessa manifestação é responder às questões de Jó e fazer Jó perceber a insensatez das suas críticas. Depois de se apresentar como o grande arquiteto que construiu a terra (cf. Jó 38,4-7), Jahwéh refere-se ao seu papel no sentido de controlar o mar. Foi Ele quem “encerrou o mar entre dois batentes” (vers. 8) e que lhe “fixou os limites” (vers. 10).
As antigas lendas mesopotâmicas sobre a criação apresentavam as “águas salgadas” (representadas pela deusa Tiamat) como um monstro criador do caos e da desordem; na sua luta para organizar o cosmos, Marduk, o deus mesopotâmico da ordem lutou contra o mar, venceu-o e pôs-lhe limites.
O Povo bíblico foi, naturalmente, influenciado pelos mitos de criação mesopotâmicos; por isso, viu no mar uma realidade assustadora, indomável, orgulhosa, desordenada, onde residiam os poderes caóticos que o homem não conseguia controlar… No entanto, os catequistas de Israel sempre asseguraram que a Palavra criadora de Jahwéh impôs às águas tumultuosas do mar, de uma vez para sempre, os seus limites (“Deus disse: ‘reúnam-se as águas que estão debaixo dos céus num único lugar, a fim de aparecer a terra seca’. E assim aconteceu” – Gn 1,9). Jahwéh não precisou de lutar furiosamente contra o mar, como Marduk, o deus dos mitos mesopotâmicos; mas limitou-se a organizar o mundo impondo às águas, com o seu poder, um limite que elas não poderão nunca atravessar sem ordem divina. O mar, controlado e encerrado dentro dos seus limites naturais, é um testemunho do poder supremo de Deus; mostra o domínio perfeito de Deus sobre toda a criação.
Ao recordar a Jó a sua ação criadora sobre o mar, Jahwéh apresenta-se, antes de mais, intocável na sua transcendência e majestade; e mostra, depois, que tem para a criação um plano estável, amadurecido, consolidado, irrevogável… Quem é Jó para pôr em causa os desígnios desse Deus criador que, com a sua Palavra, controlou o mar? Jó é convidado a aceitar que um Deus de quem depende toda a criação, que até submete o mar, que cuida da criação com cuidados de pai, sabe o que está a fazer e tem uma solução para os problemas e dramas do homem… O homem, na sua situação de criatura finita e limitada, é que nem sempre consegue ver e perceber o alcance e o sentido último dos projetos de Deus.
Em conclusão: só Deus tem todas as respostas; ao homem resta reconhecer os seus limites de criatura e entregar-se nas mãos desse Deus onipotente e majestoso, que tem um projeto para o mundo. Ao homem finito e limitado resta confiar em Deus e ver nele a sua esperança e a sua salvação.

ATUALIZAÇÃO
♦ Convivemos diariamente com realidades positivas e negativas, com “luzes” e “sombras”. Normalmente, as “sombras” marcam-nos muito e constituem uma fonte de preocupação e de inquietação… O terrorismo e a violência trazem-nos sofrimento e insegurança; as novas doenças geram medo e inquietação; as catástrofes naturais fazem-nos sentir impotentes e indefesos; as injustiças e arbitrariedades provocam revolta e descontentamento; o desmoronamento de velhas estruturas políticas e sociais provocam anarquia e caos; o fabrico e o comércio de armas de destruição em massa trazem-nos ansiosos e preocupados… Confusos e desorientados, viramo-nos para Deus… Por vezes, criticamos a sua indiferença face aos dramas do mundo; outras vezes, sentimos a tentação de lhe mostrar, de forma clara e lógica, como é que Ele devia atuar para que o mundo fosse melhor… A leitura do Livro de Jó que hoje nos é proposta convida-nos, antes de mais, a não nos pormos em bicos de pés e a não exigirmos a Deus que atue segundo as nossas lógicas humanas.
♦ Na verdade, o Deus que criou tudo o que existe, que estabeleceu as leis cósmicas, que conhece os segredos de cada uma das suas criaturas, que cuida de cada ser com cuidados de pai, que mil vezes manifestou na história o seu amor e a sua bondade, não pode ignorar os problemas do homem, ou deixar que a humanidade chegue a um beco sem saída. O nosso Deus está presente na história humana e sabe para onde caminhamos. Ele tem um projeto coerente, maduro, estável, irrevogável para o mundo e para os homens… Por vezes, o sentido desse projeto pode escapar-nos; mas Deus sabe para onde caminhamos e conduz-nos, através das armadilhas da história, ao encontro da realização plena, da vida definitiva.
♦ Mergulhados no mistério insondável desse Deus onipotente, por vezes desconcertante e incompreensível, resta ao crente entregar-se nas suas mãos com humildade e confiar n’Ele. O verdadeiro crente é aquele que reconhece a pequenez e finitude que são as marcas da humanidade, que reconhece que os projetos de Deus não podem entender-se à luz da nossa pobre lógica humana e que se atira, confiante, para os braços de Deus; o verdadeiro crente é aquele que, mesmo sem entender totalmente os projetos de Deus, aprende a entregar-se a Ele, a obedecer-Lhe incondicionalmente, a vê-l’O como a razão última da sua vida e da sua esperança.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 106 (107)
Refrão 1: Dai graças ao Senhor,
porque é eterna a sua misericórdia.
Refrão 2: Cantai ao Senhor, porque é eterno o seu amor.
Os que se fizeram ao mar em seus navios,
a fim de labutar na imensidão das águas,
esses viram os prodígios do Senhor
e as suas maravilhas no alto mar.
À sua palavra, soprou um vento de tempestade,
que fez encapelar as ondas:
subiam até aos céus, desciam até ao abismo,
lutavam entre a vida e a morte.
Na sua angústia invocaram o Senhor
e Ele salvou-os da aflição.
Transformou o temporal em brisa suave
e as ondas do mar amainaram.
Alegraram-se ao vê-las acalmadas,
e Ele conduziu-os ao porto desejado.
Graças ao Senhor pela sua misericórdia,
pelos seus prodígios em favor dos homens.

LEITURA II – 2 Cor 5,14-17
Irmãos:
O amor de Cristo nos impele,
ao pensarmos que um só morreu por todos
e que todos, portanto, morreram.
Cristo morreu por todos,
para que os vivos deixem de viver para si próprios,
mas vivam para Aquele que morreu e ressuscitou por eles.
Assim, daqui em diante,
já não conhecemos ninguém segundo a carne.
Ainda que tenhamos conhecido a Cristo segundo a carne,
agora já não O conhecemos assim.
Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura.
As coisas antigas passaram: tudo foi renovado.

AMBIENTE
A primeira Carta aos Coríntios (que criticava alguns membros da comunidade por atitudes pouco condizentes com os valores cristãos) provocou uma reação extremada e uma campanha organizada no sentido de desacreditar Paulo. Essa campanha parece ter sido instigada por missionários itinerantes procedentes das comunidades cristãs da Palestina, que se consideravam representantes dos Doze e que minimizavam o trabalho apostólico de Paulo (afirmavam, inclusive, que Paulo era inferior aos outros apóstolos, por não ter convivido com Jesus enquanto Ele andou pela Palestina com os seus discípulos). Paulo, informado de tudo, dirigiu-se apressadamente para Corinto e teve um violento confronto com os seus detratores. Depois, retirou-se para Éfeso. Tito, amigo de Paulo, fino negociador e hábil diplomata, partiu para Corinto, a fim de tentar a reconciliação.
Paulo, entretanto, partiu para Tróade. Foi aí que reencontrou Tito, regressado de Corinto. As notícias trazidas por Tito eram animadoras: o diferença fora ultrapassado e os coríntios estavam, outra vez, em comunhão com Paulo.
Reconfortado, Paulo escreveu uma tranquila apologia do seu apostolado, à qual juntou um apelo em favor de uma coleta para os pobres da Igreja de Jerusalém. Esse texto é a nossa segunda Carta de Paulo aos Coríntios. Estamos nos anos 56/57.
O texto que nos é proposto integra a primeira parte da carta, onde Paulo analisa as suas relações com a comunidade de Corinto e explica os princípios que sempre nortearam a sua ação pastoral (cf. 2 Cor 1,3-7,16).

MENSAGEM
O que é que realmente “move” Paulo? Qual a razão do seu ministério? Porque é que Paulo – que até nem conheceu o Jesus histórico, como os Doze – insiste em anunciá-lo? Paulo não estará a extravasar as suas funções?
Paulo fez a experiência do amor de Cristo e deixou-se absorver por esse amor. A sua ação apostólica tem apenas como objetivo levar o amor de Cristo ao conhecimento de todos os homens. Cristo morreu por todos, a fim de que os homens, aprendendo a lição do amor que se dá até às últimas consequências, deixassem a vida velha, marcada por esquemas de egoísmo e de pecado. Contemplando o Cristo que oferece a sua vida ao Pai e aos irmãos, os homens não viverão, nunca mais, fechados em si mesmos; mas viverão, como Cristo, com o coração aberto a Deus e aos outros homens (vers. 14-15). É esta “boa nova” que absorve Paulo completamente e que ele quer passar a todos os seus irmãos.
Com franqueza, Paulo admite que, no passado, entendeu Cristo “à maneira humana” e não percebeu que a sua doação até à morte era expressão de um amor ilimitado; mas, depois de se ter encontrado com Cristo ressuscitado na estrada de Damasco, Paulo passou a ver as coisas de forma diferente (vers. 16).
Paulo quer anunciar – por mandato de Cristo – que a adesão a Cristo faz desaparecer o homem velho do egoísmo e do pecado e faz surgir uma nova criatura (vers. 17). A palavra grega aqui utilizada por Paulo (“ktisis”) pode significar “criação”, “criatura” ou “humanidade”… O cristão, que aderiu a Cristo, é uma nova criatura, o membro de uma nova humanidade. Identificado com Cristo, ele corre ao encontro do Homem Novo, da vida plena e verdadeira, da salvação definitiva.
É isto que “faz correr” Paulo… Ele experimentou o amor de Cristo e tornou-se uma nova criatura. Agora, ele sente que Deus o manda testemunhar essa experiência diante de todos os homens.

ATUALIZAÇÃO
♦ Antes de mais, o texto dá conta da preocupação de Deus com a vida e a felicidade dos homens. A vinda de Jesus ao mundo, a sua luta contra o egoísmo e o pecado, o seu amor incondicional, a sua morte na cruz, pretendeu libertar os homens dos velhos esquemas de escravidão e de fechamento que impediam os homens de ter acesso à vida plena e verdadeira. Contemplar o amor de Deus, tornado presença efetiva na vida dos homens em Jesus, assegura-nos que Deus se preocupa conosco e que está sempre atento à nossa realização e à nossa felicidade. O nosso Deus não é um Deus indiferente, que deixa os homens abandonados à sua sorte; mas é um Deus interveniente, que nos ama e que, a cada instante, está presente ao nosso lado, a indicar-nos os caminhos da vida.
♦ O objetivo de Deus é fazer aparecer o Homem Novo e a Nova Humanidade. Aos homens, é pedido que aceitem a proposta de Deus, que aceitem renunciar à vida velha do egoísmo e da escravidão e que aceitem nascer, livres e transformados, para o amor que nos torna livres. Como é que acolhemos esta proposta de Deus? Ela conta alguma coisa para nós?
♦ Paulo, depois de ter encontrado Jesus, de ter aderido à sua proposta e de ter feito a experiência da liberdade e da vida nova, tornou-se testemunha, diante dos homens, do projeto salvador e libertador de Deus para os homens. Cada homem e cada mulher que se encontra com Jesus e que faz a mesma experiência de Paulo, tem de tornar-se arauto das propostas de Deus e de anunciar aos seus irmãos, com gestos concretos, essa oferta de vida nova e verdadeira que Deus nos faz.


ALELUIA – Lc 7,16
Aleluia. Aleluia.
Apareceu entre nós um grande profeta:
Deus visitou o seu povo.
EVANGELHO – Marcos 4,35-41
Naquele dia, ao cair da tarde,
Jesus disse aos seus discípulos:
«Passemos à outra margem do lago».
Eles deixaram a multidão
e levaram Jesus consigo na barca em que estava sentado.
Iam com Ele outras embarcações.
Levantou-se então uma grande tormenta
e as ondas eram tão altas que enchiam a barca de água.
Jesus, à popa, dormia com a cabeça numa almofada.
Eles acordaram-n’O e disseram:
«Mestre, não Te importas que pereçamos?»
Jesus levantou-Se,
falou ao vento imperiosamente e disse ao mar:
«Cala-te e está quieto».
O vento cessou e fez-se grande bonança.
Depois disse aos discípulos:
«Porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?»
Eles ficaram cheios de temor e diziam uns para os outros:
«Quem é este homem,
que até o vento e o mar Lhe obedecem?»

AMBIENTE
Na primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1,14-8,30), Jesus é apresentado como o Messias que proclama o Reino de Deus. Marcos procura aí demonstrar como Jesus, com palavras e com gestos, anuncia um mundo novo (o “reino de Deus”), livre do egoísmo, da opressão, da injustiça e de tudo o que escraviza os homens e os impede de ter acesso à vida verdadeira. O texto que hoje nos é proposto deve ser visto neste ambiente.
O nosso texto começa com a indicação de que Jesus decidiu passar “à outra margem”. A “outra margem” (do lago de Tiberíades, evidentemente) é o território pagão da Decápole. A Decápole (“dez cidades”) era o nome dado ao território situado na Palestina oriental, estendendo-se desde Damasco, ao norte, até Filadélfia, ao sul. O nome servia para designar uma liga de dez cidades, que se formou depois da conquista da Palestina pelos romanos, no ano 63 a.C.. As “dez cidades” que formavam esta liga eram helenísticas e não estavam sujeitas às leis judaicas. As cidades que integravam a Decápole (bem como os territórios circundantes a cada uma dessas cidades) estavam sob a administração do legado romano da Síria. Eram território pagão, considerado pelos judeus completamente à margem dos caminhos da salvação.
O episódio que Marcos nos narra, neste domingo, passa-se durante a travessia do Lago de Tiberíades. O Lago de Tiberíades, designado frequentemente por “Mar da Galileia”, é um lago de água doce, alimentado sobretudo pelas águas do rio Jordão, com 12 quilômetros de largura e 21 quilômetros de comprimento. As tempestades que se levantavam neste “mar” podiam aparecer subitamente e ser especialmente violentas.
Para entendermos melhor o que está em causa no episódio que hoje Marcos nos propõe, convém ter presente o que dissemos na primeira leitura a propósito do que o “mar” significava para a mentalidade judaica: era uma realidade assustadora, indomável, orgulhosa, desordenada, onde residiam os poderes caóticos que o homem não conseguia controlar e onde estavam os poderes maléficos que queriam destruir os homens… Só Deus, com o seu poder e majestade, podia pôr limites ao mar, dar-lhe ordens e libertar os homens dessas forças descontroladas do caos que o mar encerrava.
Mais do que uma crônica fiel de uma viagem de Jesus com os discípulos através do Lago de Tiberíades, a narração que Marcos nos apresenta deve ser vista como uma página de catequese. Usando elementos com uma forte carga simbólica (o mar, o barco, a tempestade, a noite, o sono de Jesus), Marcos apresenta-nos uma reflexão sobre a comunidade dos discípulos em marcha pela história. Marcos escreve numa época em que a Igreja de Jesus enfrenta sérias “tempestades” (perseguição de Nero, problemas internos causados pela diferença de perspectivas entre judeu-cristãos e pagão-cristãos, dificuldades sentidas pelas comunidades em encontrar o caminho para o futuro…); e pretende dar sugestões aos crentes acerca do caminho a percorrer.

MENSAGEM
Reparemos, em primeiro lugar, no “ambiente” em que Marcos nos situa: no mar, ao anoitecer (vers. 35). Situar o barco com Jesus e os discípulos “no mar”, é colocá-los num ambiente hostil, adverso, perigoso, caótico, rodeados pelas forças que lutam contra Deus e contra a felicidade do homem. Por outro lado, a “noite” é o tempo das trevas, da falta de luz; aparece como elemento ligado com o medo, com o desânimo, com a falta de perspectivas. O “mar” e a “noite” definem uma realidade de dificuldade, de hostilidade, de incompreensão.
No “barco” vão Jesus e os discípulos (vers. 36). O “barco” é, na catequese cristã, o símbolo da comunidade de Jesus que navega pela história. Jesus está no “barco”, mas são os discípulos que se encarregam da navegação, pois é a eles que é confiada a tarefa de conduzir a comunidade pelo mar da vida.
O “barco” dirige-se “para a outra margem” (vers. 35b), ao encontro das terras dos pagãos. Com este dado Marcos alude, muito provavelmente, à missão da comunidade cristã, convidada por Jesus a ir ao encontro de todos os homens para lhes levar Jesus e a sua proposta libertadora.
Durante a travessia, Jesus “dorme” (vers. 38). O “sono” de Jesus durante a viagem refere-se, possivelmente, à sua aparente ausência ao longo da “viagem” que a comunidade cristã faz pela história. Com frequência os discípulos, ocupados em dirigir  o “barco”, têm a sensação de que estão sós, abandonados à sua sorte e que Jesus não está com eles a enfrentar as vicissitudes da viagem. Na verdade, Jesus está com eles no “barco”; Ele prometeu ficar com eles “até ao fim do mundo”.
A “tempestade” (vers. 37) significa as dificuldades que o mundo opõe à missão dos discípulos. É provável que Marcos estivesse a pensar numa “tempestade” concreta, talvez a perseguição de Nero aos cristãos de Roma, durante a qual foram mortos Pedro e Paulo, bem como muitos outros cristãos (anos 64-68. O Evangelho segundo Marcos deve ter aparecido nessa altura); mas a “tempestade” refere-se também a todos os momentos de crise, de perseguição, de hostilidade que os discípulos terão de enfrentar ao longo do seu caminho histórico, até ao fim dos tempos.
Jesus, despertado pelos discípulos, acalma a fúria do mar e do vento, com a sua Palavra imperiosa e dominadora (vers. 39). Já dissemos atrás que, na teologia judaica, só Deus era capaz de dominar o mar e as forças hostis que se albergavam no mar. Jesus aparece assim, como o Deus que acompanha a difícil caminhada dos discípulos pelo mundo e que cuida deles no meio das dificuldades e da hostilidade do mundo.
Depois de aclamar o mar e o vento, Jesus dirige-se aos discípulos e repreende-os pela sua falta de fé (vers. 40: “porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?”). Os discípulos, depois da caminhada feita com Jesus, já deviam saber que Ele nunca está ausente, nem alheado da vida da sua comunidade. Eles não podem esquecer que, em todas as circunstâncias, Jesus vai com eles no mesmo “barco” e que, por isso, nada têm a temer. A comunidade de Jesus tem de estar consciente de que Jesus está sempre presente e que, portanto, as tempestades da história não poderão impedi-los de concretizar no mundo a missão que lhes foi confiada.
O nosso texto termina com o “temor” dos discípulos e a pergunta que eles fazem uns aos outros: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem”? (vers. 41). O “temor” define o estado de espírito do homem diante da divindade. No universo bíblico, este “temor” não apresenta caráter de pânico ou de medo servil, mas encerra um misterioso poder de atração que se traduz em obediência, entrega, confiança, entusiasmo. Tal atitude positiva deriva da experiência que o crente israelita tem de Deus: Jahwéh é um Deus presente, que guia o seu Povo com uma solicitude paternal e maternal. Por isso, o crente, se por um lado tem consciência da onipotência de Deus, por outro lado sabe que pode confiar incondicionalmente nele e entregar-se nas suas mãos. A resposta à questão já está, portanto, dada: o “temor” dos discípulos significa que eles reconhecem que Jesus é o Deus presente no meio dos homens, e a quem os homens são convidados a aderir, a confiar, a obedecer com total entrega.
A catequese que Marcos nos propõe é, portanto, sobre a caminhada dos discípulos, em missão no mundo… Marcos garante-nos que Cristo está sempre com os discípulos, mesmo quando parece ausente. Os discípulos nada têm a temer, porque Cristo vai com eles, ajudando-os a vencer as forças que se opõem à vida e à salvação dos homens.

ATUALIZAÇÃO
♦ A imagem de um barco cheio de discípulos convidados por Jesus a passar “à outra margem do lago” e a dar testemunho dessa vida nova que Deus quer oferecer aos homens é uma boa definição de Igreja. Antes de mais, o nosso texto convida-nos a tomar consciência de que a comunidade que nasce de Jesus é uma comunidade missionária, cuja tarefa é ir ao encontro dos homens prisioneiros do egoísmo e do pecado para lhes apresentar a Boa Nova da libertação. Os discípulos de Jesus não podem ficar comodamente instalados nos seus espaços seguros e protegidos, defendidos dos perigos do mundo e alheados dos problemas e necessidades dos homens; mas a Igreja tem de ser uma comunidade empenhada na transformação do mundo, que se preocupa em levar aos homens – a todos os homens, sobretudo aos pobres e marginalizados – com palavras e com gestos a proposta libertadora do Reino.
♦ O caminho percorrido pela comunidade de Jesus em missão no mundo é, muitas vezes, um caminho marcado por duras tempestades. Quando a comunidade procura ser fiel à sua vocação e levar a libertação aos homens, confronta-se frequentemente com as forças da injustiça, da opressão e do pecado que não estão interessadas em que o anúncio libertador de Jesus ecoe no mundo (às vezes, essas forças de injustiça e de opressão disfarçam-se com as atraentes roupagens da “moda”, do “politicamente correto” ou do “socialmente aceitável”)… Por isso, a comunidade de Jesus conhece, ao longo da sua caminhada, a oposição, a incompreensão, a perseguição, as calúnias e até a morte… No entanto, os discípulos devem estar conscientes de que esse cenário é inevitável e resulta da sua fidelidade ao caminho de Jesus.
♦ Muitas vezes, ao longo da caminhada, os discípulos sentem uma tremenda solidão e, confrontados com a oposição e a incompreensão do mundo, experimentam a sua fragilidade e impotência. Parece que Jesus os abandonou; e o silêncio de Jesus desconcerta-os e angustia-os. O Evangelho deste domingo garante-nos que Jesus nunca abandona o barco dos discípulos. Ele está sempre lá, embarcado com eles na mesma aventura, dando-lhes segurança e paz. Nos momentos de crise, de desânimo, de medo, os discípulos têm de ser capazes de descobrir a presença – às vezes silenciosa, mas sempre amiga e reconfortante – de Jesus ao seu lado, no mesmo barco.
♦ “Ainda não tendes fé?” – pergunta Jesus aos discípulos… Se os discípulos tivessem fé, não teriam medo e não sentiriam a necessidade de “acordar” Jesus. Estariam conscientes da presença de Jesus ao seu lado em todos os momentos e não estariam à espera de uma intervenção mais ou menos mágica de Jesus para os livrar das dificuldades. O verdadeiro discípulo é aquele que aderiu a Jesus, que vive em permanente comunhão e intimidade com Jesus, que está em permanente escuta de Jesus, que caminha com Jesus, que a cada instante descobre a presença reconfortante de Jesus ao seu lado. Ele conta sempre com Jesus e não se lembra de Jesus apenas nos momentos de dificuldade e de crise…
♦ A intervenção de Jesus provoca o “temor” dos discípulos. Dissemos atrás que o “temor” significa, neste contexto, que os discípulos reconhecem que Jesus é o Deus presente no meio dos homens e a quem os homens são convidados a aderir, a confiar, a obedecer com total entrega. Esta “catequese” convida-nos a assumir, diante desse Jesus que nos acompanha sempre, uma atitude semelhante (de “temor”) e a aderir incondicionalmente às suas propostas, a confiar n’Ele, a segui-l’O nesse caminho do amor e do dom da vida que Ele nos veio propor.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 12º DOMINGO DO TEMPO COMUM

1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 12º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Seria para repousar? Seria para propor aos seus Apóstolos uma forma de retiro? O fato é que Jesus convida os seus discípulos a passar para a outra margem. A travessia do lago não é de repouso, levanta-se uma tempestade violenta e os Apóstolos estão aterrorizados. Sabem que não estão sozinhos no barco. Eles, os especialistas do lago, admiram-se com o sono de Jesus. Estão perdidos, então despertam Jesus, Ele que veio salvar os que estavam perdidos. Ele vai manifestar, então, que tem autoridade sobre todas as forças da morte, dá uma ordem: «Silêncio! Cala-te!» E fez-se uma grande calmaria. Os Apóstolos, naquele dia, não passaram apenas para a outra margem… Passaram do medo à confiança, graças ao “Passador” que tinha embarcado com eles. Nunca esqueçamos de fazer subir Cristo para o nosso barco para passarmos com Ele…
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Jesus no barco da nossa vida
«Ao cair da tarde…» Toda a cena da tempestade acalmada desenrola-se durante a noite. É o momento em que todas as forças do mal podem agir com toda a impunidade. O barco está «no mar», o lugar onde residem as forças demoníacas. Enfim, a palavra de Jesus ao vento e ao mar – «acalma-te!» – significa também «exorcizar». Dito de outro modo, Marcos quer fazer-nos compreender que, para além da brusca tempestade, os discípulos – e todos os homens – são confrontados a um combate bem mais profundo e dramático: o combate contra o mal, não somente o mal «natural», mas sobretudo o mal que habita e trabalha no coração dos homens. Os apóstolos, ultrapassados pela violência da tempestade, simbolizam os homens ultrapassados pelo poder do mal, que parece vencer, ainda e sempre. Para vencer o mal, é preciso recorrer a um poder maior. Felizmente que Jesus está lá! Ele dispõe do poder divino! Sim, mas Ele dorme tão profundamente que as enormes vagas não o fazem despertar. O seu sono torna-se, pois, a imagem da sua morte. Tudo parece perdido: «Mestre, estamos perdidos!» Jesus acaba por despertar. Ora, a palavra é a mesma que Marcos empregará para dizer a Ressurreição de Jesus: «Ele despertou de entre os mortos». Podemos, pois, compreender o sentido mais profundo deste milagre da tempestade acalmada. Jesus veio ao coração da nossa história, desceu até ao fundo do mistério do mal que se desencadeia, ainda e sempre, foi até entrar no sono da morte violenta, que os homens esvaziaram de toda a traça de amor, onde parece que não se ouve mais nada, onde o próprio Deus parece dormir, indiferente aos males dos homens: «Mestre, isto não Te diz nada?» Mas Deus, em Jesus, respeitando infinitamente a nossa liberdade, só podia fazer uma coisa: juntar-se às nossas vidas, esconder-se nas nossas tempestades e nas nossas mortes, para aí colocar a sua presença, mais forte que todas as trevas. Só após a vitória aparente da morte é que Ele manifestará o poder da sua Ressurreição. O que Ele nos pede hoje é de crer, de dar-Lhe a nossa confiança: «Porque ter medo?» Com Ele na nossa vida, as forças do mal não terão a última palavra.
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
As palavras da nossa fé
No domingo, é importante professar a nossa fé com o Credo da Igreja, para marcar a nossa pertença ao Povo de Deus que nos transmitiu estas palavras. Mas, nesta semana, se pudermos viver uma partilha à volta da questão «Quem é Jesus para nós?», poderemos tentar compor uma profissão de fé que retome o essencial deste intercâmbio.

13º Domingo do Tempo Comum

Deus ama a vida! Ele quer apenas a vida! “Deus criou o homem para ser incorruptível”
(primeira leitura). Pelo seu Filho, salva-nos da morte: eis porque Lhe damos graças em
cada Eucaristia. Na sua vida terrena, Jesus sempre defendeu a vida. O Evangelho de
hoje relata-nos dois episódios que assinalam a defesa da vida: Ele cura, Ele levanta.
Ele torna livres todas as pessoas, dá-lhes toda a sua dignidade e a sua capacidade
para viver plenamente. Sabemos dizer-lhe que Ele é a nossa alegria de viver?
Estamos em tempo de verão, de férias… ocasião propícia para celebrar a festa da
vida! O 13º domingo celebra a vida mais forte que a morte, celebra Deus apaixonado
pela vida. Convém, pois, que na celebração deste dia, a vida explodir em todas as
suas formas: na beleza das flores, nos gestos e atitudes, na proclamação da Palavra,
nos cânticos e aclamações, na luz. No cântico do salmo e na profissão de fé, será bom
recordar que é o Deus da vida que nós confessamos, as suas maravilhas que nós
proclamamos. Durante toda a missa, rezando, mantenhamos a convicção expressa
pelo Livro da Sabedoria: “Deus não Se alegra com a perdição dos vivos”.
LEITURA I – Sb 1, 13-15; 2,23-24
Não foi Deus quem fez a morte,
nem Ele Se alegra com a perdição dos vivos.
Pela criação deu o ser a todas as coisas,
e o que nasce no mundo destina-se ao bem.
Em nada existe o veneno que mata,
nem o poder da morte reina sobre a terra,
porque a justiça é imortal.
Deus criou o homem para ser incorruptível
e o fez à imagem da sua própria natureza.
Foi pela inveja do demônio que a morte entrou no mundo,
e experimentam-na aqueles que lhe pertencem.
Breve comentário
O Livro da Sabedoria foi composto um pouco antes da vinda de Jesus. A sua doutrina
é mais serena que a dos livros mais antigos, em particular quando apresenta o rosto
de Deus.
Este anúncio deve ser proclamado com força, porque vem contradizer idéias ainda
muito espalhadas, segundo as quais agradaria a Deus fazer morrer o homem. A morte
vem de outro, pois “não foi Deus quem fez a morte”. Pelo contrário, Ele cria a vida e
dá-la à humanidade, modelada à sua imagem. Ele restaura a vida, quando esta está
em perigo de se apagar. Dá a vida quando está perdida, como testemunha o

Evangelho deste domingo.
“Vivificaste-me”, diz o salmista. No seguimento da primeira leitura, o salmo exprime a
experiência de um Deus que quer a vida dos seus fiéis. Em Jesus ressuscitado, e para
todos os que n’Ele acreditam, a oração do salmo encontra toda a sua verdade.

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 29 (30)
Refrão: Eu Vos louvarei, Senhor, porque me salvastes.
Eu Vos glorifico, Senhor, porque me salvastes
e não deixastes que de mim se regozijassem os inimigos.
Tirastes a minha alma da mansão dos mortos,
vivificastes-me para não descer ao túmulo.
Cantai salmos ao Senhor, vós os seus fiéis,
e dai graças ao seu nome santo.
A sua ira dura apenas um momento
e a sua benevolência a vida inteira.
Ao cair da noite vêm as lágrimas
e ao amanhecer volta a alegria.
Ouvi, Senhor, e tende compaixão de mim,
Senhor, sede Vós o meu auxílio.
Vós convertestes em júbilo o meu pranto:
Senhor meu Deus, eu Vos louvarei eternamente.

LEITURA II – 2 Cor 8,7.9.13-15
Irmãos:
Já que sobressaís em tudo
– na fé, na eloquência, na ciência,
em toda a espécie de atenções
e na caridade que vos ensinamos –
deveis também sobressair nesta obra de generosidade.
Conheceis a generosidade de Nosso Senhor Jesus Cristo:
Ele, que era rico, fez-Se pobre por vossa causa,
para vos enriquecer pela sua pobreza.
Não se trata de vos sobrecarregar para aliviar os outros,
mas sim de procurar a igualdade.
Nas circunstâncias presentes,
aliviai com a vossa abundância a sua indigência
para que um dia
eles aliviem a vossa indigência com a sua abundância.
E assim haverá igualdade, como está escrito:
«A quem tinha colhido muito não sobrou
e a quem tinha colhido pouco não faltou».

Breve comentário
As primeiras comunidades cristãs praticaram a entre ajuda e a partilha não apenas
entre os seus membros, mas também entre comunidades. O apóstolo Paulo solicitou- as nesse sentido.
O apóstolo Paulo tinha organizado um peditório junto das comunidades que tinha
fundado na Ásia Menor, na Macedônia e na Grécia, em favor dos irmãos de Jerusalém
que estavam em dificuldades. Esta iniciativa correspondia às orientações da jovem
Igreja, segundo At 4,32-35. Paulo justifica esta ação de partilha pela generosidade
de Cristo: esta é modelo para os cristãos e eles próprios já beneficiaram dela.

ALELUIA – cf. 2 Tim 1,10
Aleluia. Aleluia.
Jesus Cristo, nosso Salvador, destruiu a morte
e fez brilhar a vida por meio do Evangelho.

EVANGELHO – Mc 5,21-43
Naquele tempo,
depois de Jesus ter atravessado de barco
para a outra margem do lago,
reuniu-se grande multidão à sua volta,
e Ele deteve-Se à beira-mar.
Chegou então um dos chefes da sinagoga, chamado Jairo.
Ao ver Jesus, caiu a seus pés
e suplicou-Lhe com insistência:
«A minha filha está a morrer.
Vem impor-lhe as mãos,
para que se salve e viva».
Jesus foi com ele,
seguido por grande multidão,
que O apertava de todos os lados.
Ora, certa mulher
que tinha um fluxo de sangue havia doze anos,
que sofrera muito nas mãos de vários médicos
e gastara todos os seus bens,
sem ter obtido qualquer resultado,
antes piorava cada vez mais,
tendo ouvido falar de Jesus,
veio por entre a multidão
e tocou-Lhe por detrás no manto,
dizendo consigo:
«Se eu, ao menos, tocar nas suas vestes, ficarei curada».
No mesmo instante estancou o fluxo de sangue
e sentiu no seu corpo que estava curada da doença.
Jesus notou logo que saíra uma força de Si mesmo.
Voltou-Se para a multidão e perguntou:
«Quem tocou nas minhas vestes?»
Os discípulos responderam-Lhe:
«Vês a multidão que Te aperta
e perguntas: ‘Quem Me tocou?’»
Mas Jesus olhou em volta,
para ver quem O tinha tocado.
A mulher, assustada e a tremer,
por saber o que lhe tinha acontecido,
veio prostrar-se diante de Jesus e disse-Lhe a verdade.
Jesus respondeu-lhe:
«Minha filha, a tua fé te salvou».
Ainda Ele falava,
quando vieram dizer da casa do chefe da sinagoga:
«A tua filha morreu.
Porque estás ainda a importunar o Mestre?»
Mas Jesus, ouvindo estas palavras,
disse ao chefe da sinagoga:
«Não temas; basta que tenhas fé».
E não deixou que ninguém O acompanhasse,
a não ser Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago.
Quando chegaram a casa do chefe da sinagoga,
Jesus encontrou grande alvoroço,
com gente que chorava e gritava.
Ao entrar, perguntou-lhes:
«Porquê todo este alarido e tantas lamentações?
A menina não morreu; está a dormir».
Riram-se d’Ele.
Jesus, depois de os ter mandado sair a todos,
levando consigo apenas o pai da menina
e os que vinham com Ele,
entrou no local onde jazia a menina,
pegou-lhe na mão e disse:
«Talitha Kum»,
que significa: «Menina, Eu te ordeno: levanta-te».
Ela ergueu-se imediatamente e começou a andar,
pois já tinha doze anos.
Ficaram todos muito maravilhados.
Jesus recomendou-lhes insistentemente
que ninguém soubesse do caso
e mandou dar de comer à menina.

Breves comentários
1. O Reino de Deus é a vida. Jesus percorre o país para o anunciar e o estabelecer.
Ele fala e age. A sua fama espalha-se, porque uma força brota d’Ele, é a força da
ressurreição, o Espírito de vida.
“Sê curada”. O imperativo de Jesus tem algo de afetuoso para com esta mulher,
restaurada na sua dignidade, restabelecida na sociedade que excluía o seu mal. Este
“sê curada” aparece também como uma constatação: é a sua fé que a salvou, e Jesus
alegra-Se por isso. A cura é consequência da fé, que é sempre fonte de vida e de
felicidade.
“Levanta-te”. Este segundo imperativo do Evangelho deste dia é dinâmico e traduz
perfeitamente este louco desejo de Deus em ver o homem vivo, o seu amor
incondicional pela vida. “Adormecida”, no “sono da morte”… um estado do qual Deus
nos quer fazer sair, um estado do qual Jesus nos salva. “Eu te ordeno: levanta-te”. A
palavra evoca a ressurreição, o novo surgir da vida, o amor divino que nos coloca de
pé. Jesus pede ao pai da jovem apenas uma coisa: “basta que tenhas fé”. E quanto a
nós, cremos verdadeiramente?
2. As duas beneficiárias das ações de Jesus neste Evangelho têm isto em comum: a
primeira estava doente desde os 12 anos e a jovem filha morreu aos 12 anos, a idade
em que se devia tornar mulher. No povo de Israel, o percurso destas duas mulheres
era sinal de um fracasso. Uma estava atingida, como Sara, a mulher de Abraão, na
sua fecundidade: ela perdia o seu sangue, princípio de vida na mentalidade semítica.
A outra perdia a vida, precisamente na idade em que se preparava para a transmitir
(era tradição casar-se muito cedo). Cristo cura as duas mulheres e permite-lhes assim
assumir a sua vocação maternal.
Estas duas mulheres representam a Igreja, na sua vocação maternal de dar e de
alimentar a vida em Cristo. As alusões aos santos mistérios da Igreja orientam a
compreensão do relato: Jairo pede a Jesus para impor as mãos, para salvar e dar a
vida à sua filha. Ora, toda a preparação para o Batismo está sinalizada pela
imposição das mãos. Jesus levanta a jovem, tomando-a pela mão, como o diácono
fazia sair da água o batizado, tomando-o pela mão, para que fosse despertado para a
vida em Deus. Jesus pede, de seguida, que se dê de comer a esta jovem ressuscitada
da morte: é uma alusão à Eucaristia que se segue ao Batismo.
3. Bilhete de Evangelho: a transformação pela fé.
Um chefe de sinagoga cai de joelhos e suplica a Jesus para curar a sua filha… Uma
mulher atingida por hemorragias não diz nada, mas contenta-se em tocar as vestes de
Jesus, sem dúvida porque se considera impura. Isto basta Àquele que veio para
levantar, curar, salvar a humanidade ferida. As reações dos que acompanham Jesus
são diversas. Riem-se dele. Só a fé solicita um sinal de Jesus, a fé de Jairo, a fé da
mulher, a fé de Pedro, Tiago e João… E esta fé faz Jesus agir e transforma os
beneficiários: a mulher é curada, a jovem levanta-se, as testemunhas ficam abaladas.
Decididamente, Jesus não é um taumaturgo: é reconhecido por aqueles que
acreditam, recomenda insistentemente que ninguém saiba, com receio, sem dúvida,
que se valorize os seus sinais sem os ver com os olhos da fé.
4. Na escuta da Palavra.
Eis Jesus mergulhado no barulho e nos apertos da multidão. Para mais, circula o
rumor: Jesus vai fazer um milagre, curar a jovem filha de Jairo! A multidão esmaga
Jesus. E eis que uma mulher quer aproximar-se de Jesus, a todo o custo, para tocar
ao menos as suas vestes. Ela quer ser também beneficiária do poder do homem de
Deus, ser, enfim, curada da sua doença que dura há doze anos. Ela chega por trás,
toca as suas vestes. Conhecemos o diálogo que se segue… O mesmo acontece com
Jairo que se aproxima… No meio da multidão, Jesus está atento a estas pessoas
concretas, manifesta uma disponibilidade extraordinária, está extremamente atento à
sua presença. No meio da multidão, Jesus está atento a cada um. Ninguém fica
anônimo aos olhos de Jesus. Está habitado pelo amor de Deus para com os seus
filhos. No Coração do Pai, Jesus é capaz de uma atenção extrema a cada angústia do
ser humano. Não interessa quem possa vir junto d’Ele, não interessa qual é a
situação: ele será sempre acolhido, Jesus dará sempre a sua atenção como se cada
um estivesse sozinho no mundo com Ele. Isto continua a ser verdadeiro, agora que
Jesus está na plenitude da glória do seu Pai. Se eu também começasse a fazer
silêncio em mim para melhor escutar Jesus, através da sua Palavra, se eu tivesse
tempo para a oração interior, para aprofundar o meu silêncio interior… certamente
ficaria mais disponível, mais atento aos outros. Senhor Jesus, dá-me a graça do
silêncio interior que escuta e que ama.
5. Breve meditação: Jesus, Fonte de Vida.
Jesus passou à outra margem,
uma grande multidão reuniu-se à sua volta.
Chega um chefe de sinagoga…
Para Ti, Senhor, a multidão não é uma massa anónima
a quem se dirige uma mensagem impessoal…
Para Ti, Senhor, trata-se de pessoas concretas, com rostos particulares.
Chamas cada um pelo seu nome.
Tu sabes escutar, estar atento, permanecer disponível.
Vens dizer a todos e a cada um:
Eu vim para que todos os homens tenham vida… em abundância.
As multidões reúnem-se à tua volta porque, talvez inconscientemente,
encontraram em Ti a verdadeira fonte de vida.
É o caso de Jairo: Vem impor-lhe as mãos para que ela viva!
É o caso da mulher: Se chegar a tocar-Lhe, serei salva!
Tu vais ajudá-los a crescer na fé…
A mulher, humanamente incurável:
ousou violar a lei que a proibia de tocar alguém.
Ela quer ser curada a todo o custo.
Ao tocar as tuas vestes, é a fonte da vida que ela atinge.
Desde então, está curada.
Mas Tu não és um mágico que faz prodígios sem o saber.
Viras-Te para ela: queres fazê-la progredir na sua fé.
Ela, que esperava uma cura corporal,
encontra em Ti a Salvação, a Vida em plenitude.
Jairo acaba de saber da morte da sua filha.
Tu apoiá-lo na sua caminhada: Não temas, crê somente!
Segue-lo até à sua casa…
Aproximas-Te do seu filho inerte, tomá-la pela mão:
Levanta-te!
É a palavra da ressurreição… e a fonte de vida corre de novo nela:
a jovem começou a andar.
Ele disse-lhes para lhe darem de comer.
Manténs os pés bem assentes na terra, Senhor!
Os pais, abalados, não pensavam que a sua filha tinha fome!
É a nós que Tu Te diriges também
convidando-nos para a tua Eucaristia:
Tomai, todos, e comei: isto é o meu corpo entregue por vós!
Quem me come viverá!

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 13º DOMINGO DO TEMPO COMUM
1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 13º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver
em pleno a Palavra de Deus.
2. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Viva a vida!
A palavra de ordem deste domingo é uma espécie de grito do coração: Deus ama a
vida, viva a vida! Aí estamos de acordo… É certo que não há vida sem morte e esta
faz sofrer qual acontece perto de nós. Mas hoje somos convidados a nos alegrarmos
na vida e a acreditar que Deus nos destina à verdadeira Vida! A estação do ano
presta-se a isso: alegria do sol e das férias, encontro com a natureza, reencontros
familiares… Não faltarão ocasiões para admirar a vida… Não esqueçamos de dar
graças… No início destas férias, as crianças podem fazer um pequeno caderno, com
uma capa bonita e um título do gênero: “Festa para Deus” ou “Obrigado, Senhor”. Ao
longo dos passeios de verão, podem colar fotos, postais, flores secas… Podem
desenhar o que vão vendo como sinais de vida. Os adultos pensarão noutros sinais de
vida que podem dar ao longo do verão: visita a uma pessoa que vive sozinha, envio de
um postal, um telefonema… Ou ajudar as pessoas isoladas a sair, acompanhá-las
num dia de excursão, ajudar algumas crianças de famílias desfavorecidas a passar um
dia de férias, etc. Será uma maneira de lhes oferecer um pouco de vida… E nunca
esquecer que a oração, particularmente o Pai Nosso, deve ser a expressão constante
para dar graças a Deus Pai e Criador, para Lhe expressarmos o obrigado pela vida, a
felicidade de viver e de O louvar!

14º Domingo do Tempo Comum

A liturgia deste domingo revela que Deus chama, continuamente, pessoas para serem
testemunhas no mundo do seu projeto de salvação. Não interessa se essas pessoas
são frágeis e limitadas; a força de Deus revela-se através da fraqueza e da fragilidade
desses instrumentos humanos que Deus escolhe e envia.
A primeira leitura apresenta-nos um extrato do relato da vocação de Ezequiel. A
vocação profética é aí apresentada como uma iniciativa de Jahwéh, que chama um
“filho de homem (isto é, um homem “normal”, com os seus limites e fragilidades) para
ser, no meio do seu Povo, a voz de Deus.
Na segunda leitura, Paulo assegura aos cristãos de Corinto (recorrendo ao seu
exemplo pessoal) que Deus atua e manifesta o seu poder no mundo através de
instrumentos débeis, finitos e limitados. Na ação do apóstolo – ser humano, vivendo
na condição de finitude, de vulnerabilidade, de debilidade – manifesta-se ao mundo e
aos homens a força e a vida de Deus.
O Evangelho, ao mostrar como Jesus foi recebido pelos seus conterrâneos em
Nazaré, reafirma uma idéia que aparece também nas outras duas leituras deste
domingo: Deus manifesta-se aos homens na fraqueza e na fragilidade. Quando os
homens se recusam a entender esta realidade, facilmente perdem a oportunidade de
descobrir o Deus que vem ao seu encontro e de acolher os desafios que Deus lhes
apresenta.

LEITURA I - Ez 2,2-5
Naqueles dias,
o Espírito entrou em mim e fez-me levantar.
Ouvi então Alguém que me dizia:
«Filho do homem,
Eu te envio aos filhos de Israel,
a um povo rebelde que se revoltou contra Mim.
Eles e seus pais ofenderam-Me até ao dia de hoje.
É a esses filhos de cabeça dura e coração obstinado
que te envio, para lhes dizeres:
‘Eis o que diz o Senhor’.
Podem escutar-te ou não
- porque são uma casa de rebeldes -,
mas saberão que há um profeta no meio deles».

AMBIENTE
Ezequiel, o “profeta da esperança”, exerceu o seu ministério na Babilônia no meio dos
exilados judeus. O profeta fez parte dessa primeira leva de exilados que, em 597 a.C.,
Nabucodonosor deportou para a Babilônia.
A primeira fase do ministério de Ezequiel decorreu entre 593 a.C. (data do seu
chamamento à vocação profética) e 586 a.C. (data em que Jerusalém foi conquistada
uma segunda vez pelos exércitos de Nabucodonosor e uma nova leva de exilados foi
encaminhada para a Babilônia). Nesta fase, o profeta preocupou-se em destruir as
falsas esperanças dos exilados (convencidos de que o exílio terminaria em breve e
que iam poder regressar rapidamente à sua terra) e em denunciar a multiplicação das
infidelidades a Jahwéh por parte desses membros do Povo judeu que escaparam ao
primeiro exílio e que ficaram em Jerusalém.
A segunda fase do ministério de Ezequiel desenrolou-se a partir de 586 a.C. e
prolongou-se até cerca de 570 a.C.. Instalados numa terra estrangeira, privados de
Templo, de sacerdócio e de culto, os exilados estavam desiludidos e duvidavam de
Jahwéh e do compromisso que Deus tinha assumido com o seu Povo. Nessa fase,
Ezequiel procurou alimentar a esperança dos exilados e transmitir ao Povo a certeza
de que o Deus salvador e libertador não tinha abandonado nem esquecido o seu
Povo.
O texto que nos é proposto hoje como primeira leitura faz parte do relato da vocação
de Ezequiel (cf. Ez 1,1-3,27). Depois de descrever a manifestação de Deus, num
quadro que apresenta todas as características especiais das teofanias (cf. Ez 1,1-28),
o profeta apresenta um discurso no qual Jahwéh define a missão que lhe vai confiar
(cf. Ez 2,1-3,15). O episódio é situado “no quinto ano do cativeiro do rei Joaquim”, “na
Caldeia, nas margens do rio Cabar” (Ez 1,2).
Seria um erro interpretar este relato como informação biográfica… Trata-se, antes, de
mostrar – com a linguagem da época e utilizando os processos típicos da literatura da
época – que o profeta recebeu uma missão de Deus e que fala e atua em nome de
Deus.

MENSAGEM
O nosso texto apresenta alguns dos elementos típicos dos relatos de vocação e que
fazem parte de qualquer história de vocação.
Sugere-se, em primeiro lugar, que a vocação profética é um desígnio divino. Não se
nomeia Jahwéh diretamente; mas aquele que chama Ezequiel não pode ser outro
senão Deus… O nosso texto é antecedido (cf. Ez 1,1-28) de uma solene manifestação
de Deus. Depois, o profeta ouve uma “voz” que o chama (vers. 2) e que revela a
Ezequiel que deve dirigir-se a esse Povo rebelde que se insurgiu contra Deus. Há
também uma referência ao “espírito” que se apossou do profeta e o fez “levantar”; de
acordo com a reflexão judaica, era Deus que comunicava uma força divina – o seu
“espírito” – àqueles que escolhia para enviar a salvar o seu Povo, como os juízes (cf.
Jz 14,6.19; 15,14), os reis (cf. 1 Sm 10,6.10; 16,13) e os profetas (no caso de
Ezequiel, esse “espírito” aparece como uma manifestação especialmente violenta de
Deus, que se apossa do profeta e o destina para o seu serviço). A vocação é sempre
uma iniciativa de Deus e não uma escolha do homem. Foi Deus que chamou Ezequiel
e que o designou para o seu serviço.
Em segundo lugar, aparece a idéia de que o chamamento é dirigido a um homem.
Ezequiel é chamado “filho de homem” (vers. 3) – expressão hebraica que significa
simplesmente “homem ligado à terra, fraco e mortal. Deus chama homens frágeis e
limitados, não seres extraordinários, etéreos, dotados de capacidades incomuns… O
que é decisivo não são as qualidades extraordinárias do profeta, mas o chamamento
de Deus e a missão que Deus lhe confia. A indignidade e a limitação, típicas do “filho
do homem”, não são impeditivas para a missão: a eleição divina dá ao profeta
autoridade, apesar dos seus limites bem humanos.
Em terceiro lugar, temos a definição da missão. Ezequiel, o profeta, é enviado a um
Povo rebelde, que continuamente se afasta dos caminhos de Jahwéh. A sua missão é
apresentar a esse Povo as propostas de Deus. O mais importante não é que as
palavras do profeta sejam ou não escutadas; o que é importante é que o profeta seja,
no meio do Povo, a voz que indica os caminhos de Deus (vers. 4-5).
A vida de Ezequiel realizou integralmente o projeto de Deus. Chamado por Jahwéh,
ele foi, no meio do Povo exilado na Babilônia, uma voz humana através da qual Deus
apresentou ao seu Povo o caminho para a vida plena e verdadeira. É essa a missão
do profeta.

ATUALIZAÇÃO
♦ Os “profetas” não são um grupo humano extinto há muitos séculos, mas são uma
realidade com que Deus continua a contar para intervir no mundo e para recriar a
história. Quem são, hoje, os profetas? Onde estão eles?
♦ No batismo, fomos ungidos como profetas, à imagem de Cristo. Cada um de nós
tem a sua história de vocação profética: de muitas formas Deus entra na nossa
vida, desafia-nos para a missão, pede uma resposta positiva à sua proposta.
Temos consciência de que Deus nos chama – às vezes de formas bem banais – à
missão profética? Estamos atentos aos sinais que Ele semeia na nossa vida e
através dos quais Ele nos diz, dia a dia, o que quer de nós? Temos a noção de
que somos a “boca” através da qual a Palavra de Deus se dirige aos homens?
♦ O profeta é o homem que vive de olhos postos em Deus e de olhos postos no
mundo (numa mão a Bíblia, na outra o jornal diário). Vivendo em comunhão com
Deus e intuindo o projeto que Ele tem para o mundo, e confrontando esse
projeto com a realidade humana, o profeta percebe a distância que vai do sonho
de Deus à realidade dos homens. É aí que ele intervém, em nome de Deus, para
denunciar, para avisar, para corrigir. Somos estas pessoas, simultaneamente em
comunhão com Deus e atentas às realidades que enfeiam o nosso mundo? Em
concreto, em que situações sou chamado, no dia a dia, a exercer a minha vocação
profética?
♦ A denúncia profética implica, tantas vezes, a perseguição, o sofrimento, a
marginalização e, em tantos casos, a própria morte (Óscar Romero, Luther King,
Gandhi…). Como lidamos com a injustiça e com tudo aquilo que rouba a dignidade
dos homens? O medo, o comodismo, a preguiça, alguma vez nos impediram de
ser profetas?
♦ É preciso ter consciência, também, que as nossas limitações e indignidades muito
humanas não podem servir de desculpa para realizar a missão que Deus quer
confiar-nos: se Ele nos pede um serviço, dar-nos-á também a força para superar
os nossos limites e para cumprir o que nos pede. As fragilidades que fazem parte
da nossa humanidade não podem, em nenhuma circunstância, servir de desculpa
para não cumprirmos a nossa missão profética no meio dos nossos irmãos.

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 122 (123)
Refrão: Os nossos olhos estão postos no Senhor,
até que Se compadeça de nós.
Levanto os olhos para Vós,
para Vós que habitais no Céu,
como os olhos do servo
se fixam nas mãos do seu senhor.
Como os olhos da serva
se fixam nas mãos da sua senhora,
assim os nossos olhos se voltam para o Senhor nosso Deus,
até que tenha piedade de nós.
página 4
Piedade, Senhor, tende piedade de nós,
porque estamos saturados de desprezo.
A nossa alma está saturada do sarcasmo dos arrogantes
e do desprezo dos soberbos.

LEITURA II – 2Cor 12,7-10
Irmãos:
Para que a grandeza das revelações não me ensoberbeça,
foi-me deixado um espinho na carne,
- um anjo de Satanás que me esbofeteia -
para que não me orgulhe.
Por três vezes roguei ao Senhor que o apartasse de mim.
Mas Ele disse-me: «Basta-te a minha graça,
porque é na fraqueza que se manifesta todo o meu poder».
Por isso, de boa vontade me gloriarei das minhas fraquezas,
para que habite em mim o poder de Cristo.
Alegro-me nas minhas fraquezas,
nas afrontas, nas adversidades,
nas perseguições e nas angústias sofridas por amor de Cristo,
porque, quando sou fraco, então é que sou forte.

AMBIENTE
A segunda Carta de Paulo aos Coríntios espelha uma época de relações conturbadas
entre Paulo e os cristãos de Corinto. As críticas de Paulo a alguns membros da
comunidade que levavam uma vida pouco consentânea com os valores cristãos
(primeira Carta aos Coríntios) provocaram uma reação extremada e uma campanha
organizada no sentido de desacreditar Paulo. Essa campanha foi instigada por certos
missionários itinerantes procedentes das comunidades cristãs da Palestina, que se
consideravam representantes dos Doze e que minimizavam o trabalho apostólico de
Paulo. Entre outras coisas, esses missionários afirmavam que Paulo era inferior aos
outros apóstolos, por não ter convivido com Jesus e que a catequese apresentada por
Paulo não estava em consonância com a doutrina da Igreja. Paulo, informado de tudo,
dirigiu-se apressadamente para Corinto e teve um violento confronto com os seus
detratores. Depois, bastante magoado, retirou-se para Éfeso. Tito, amigo de Paulo,
fino negociador e hábil diplomata, partiu para Corinto, a fim de tentar a reconciliação.
Paulo, entretanto, deixou Éfeso e foi para Tróade. Foi aí que reencontrou Tito,
regressado de Corinto. As notícias trazidas por Tito eram animadoras: o diferença fora
ultrapassado e os coríntios estavam, outra vez, em comunhão com Paulo.
Reconfortado, Paulo escreveu uma tranquila apologia do seu apostolado, à qual juntou
um apelo em favor de uma coleta para os pobres da Igreja de Jerusalém. Esse texto
é a nossa segunda Carta de Paulo aos Coríntios. Estamos no ano 56 ou 57.
O texto que nos é proposto integra a terceira parte da carta (cf. 2 Cor 10,1-13,10). Aí
Paulo, num estilo apaixonado, às vezes cáustico, mas sempre levado pela exigência
da verdade e da fé, defende a autenticidade do seu ministério frente a esses “super-apóstolos”
que o acusavam.
Como apóstolo, Paulo não se sente inferior a ninguém e muito menos aos seus
detratores. Estes orgulhavam-se das suas credenciais e afirmavam por toda a parte
os seus dons carismáticos… Paulo, se quisesse entrar no mesmo jogo, podia
orgulhar-se de muitas coisas, nomeadamente das revelações que recebeu e das suas
experiências místicas (cf. 2 Cor 12,1-4); mas ele quer apenas que o vejam como um
homem frágil e vulnerável, a quem Deus chamou e a quem enviou para dar
testemunho de Jesus Cristo no meio dos homens.

MENSAGEM
Assumindo essa condição de debilidade e de vulnerabilidade, Paulo fala aos Coríntios
de uma limitação que transporta no seu corpo, um “anjo de Satanás” que lhe recorda
continuamente a sua finitude e fragilidade (vers. 7). De que é que se trata, em
concreto? Não o sabemos. Provavelmente, trata-se de uma doença física crônica (em
Gl 4,13-14 Paulo fala de uma grave enfermidade física, que fez com que o corpo do
apóstolo fosse, para os Gálatas, “uma provação”; mas nada garante que essa
enfermidade física esteja relacionada com este “anjo de Satanás” de que ele fala aos
Coríntios). O fato de Paulo chamar a essa limitação que o apoquenta um “anjo de
Satanás” deve ter a ver com o fato de a mentalidade judaica ligar as enfermidades
aos “espíritos maus”. De acordo com outra interpretação, esse “espinho na carne” que
é um “anjo de Satanás”, poderia referir-se também aos obstáculos que Satanás põe a
Paulo no que diz respeito ao anúncio do Evangelho.
Em todo o caso, o problema pessoal de Paulo mostra como a finitude e a fragilidade
não são determinantes para a missão; o que é determinante é a graça de Deus… Com
a graça de Deus, Paulo tudo pode, apesar da sua debilidade. Deus não eliminou o
problema, apesar dos insistentes pedidos de Paulo; mas é ele que dá a Paulo a força
para continuar a sua missão, apesar dos limites que esse “espinho na carne” lhe
impõe. Na verdade, o problema pessoal de que Paulo sofre dá testemunho de que
Deus actua e manifesta o seu poder no mundo através de instrumentos débeis, finitos
e limitados. No apóstolo – ser humano, vivendo na condição de finitude, de
vulnerabilidade, de debilidade – manifesta-se ao mundo e aos homens a força de
Deus e de Cristo.

ATUALIZAÇÃO
♦ O caso pessoal de Paulo diz-nos muito sobre os métodos de Deus… Para vir ao
encontro dos homens e para lhes apresentar a sua proposta de salvação, Deus
não utiliza métodos espetaculares, poderosos, majestosos, que se impõem de
forma avassaladora e que deixam uma marca de estupefação e de espanto na
memória dos povos; mas, quase sempre, Deus utiliza a fraqueza, a debilidade, a
fragilidade, a simplicidade para nos dar a conhecer os seus caminhos. Nós,
homens e mulheres do séc. XXI, deixamo-nos, facilmente, impressionar pelos
grandes gestos, pelos cenários magnificentes, pelas roupagens vultosas, por
tudo o que aparece envolvido num halo cintilante de riqueza, de prestígio social, de
poder, de beleza; e, por outro lado, temos mais dificuldade em reparar naquilo que
se apresenta pobre, humilde, simples, frágil, débil… A Palavra de Deus que hoje
nos é proposta garante-nos que é na fraqueza que se revela a força de Deus.
Precisamos de aprender a ver o mundo, os homens e as coisas com os olhos de
Deus e a descobrir esse Deus que, na debilidade, na simplicidade, na pobreza, na
fragilidade, vem ao nosso encontro e nos indica os caminhos da vida.
♦ A consciência de que as suas qualidades e defeitos não são determinantes para o
sucesso da missão, pois o que é importante é a graça de Deus, deve levar o
“profeta” a despir-se de qualquer sentimento de orgulho ou de auto-suficiência. O
“profeta” deve sentir-se, apenas, um instrumento humano, frágil, débil e limitado,
através do qual a força e a graça de Deus agem no mundo. Quando o “profeta”
tem consciência desta realidade, percebe como são despropositadas e sem
sentido quaisquer atitudes de vedetismo ou de busca de protagonismo, no
cumprimento da missão… A missão do “profeta” não é atrair sobre si próprio as
luzes da ribalta, as câmaras da televisão ou o olhar das multidões; a missão do
“profeta” é servir de veículo humano à proposta libertadora de Deus para os
homens.
♦ Como pano de fundo do nosso texto, está a polêmica de Paulo com alguns
cristãos que não o aceitavam. Ao longo de todo o seu percurso missionário, Paulo
teve de lidar frequentemente com a incompreensão; e, muitas vezes, essa
incompreensão veio até dos próprios irmãos na fé e dos membros dessas
comunidades a quem Paulo tinha levado, com muito esforço, o anúncio libertador
de Jesus. No entanto, a incompreensão nunca abalou a decisão e o entusiasmo de
Paulo no anúncio da Boa Nova de Jesus… Ele sentia que Deus o tinha chamado a
uma missão e que era preciso levar essa missão até ao fim, doesse a quem
doesse… Frequentemente, temos de lidar com realidades semelhantes. Todos
experimentamos já momentos de incompreensão e de oposição (que, muitas
vezes, vêm do interior da nossa própria comunidade e que, por isso, magoam
mais). É nessas alturas que o exemplo de Paulo deve brilhar diante dos nossos
olhos e ajudar-nos a vencer o desânimo e a tentação de desistir.
♦ Neste texto de Paulo (como, aliás, em quase todos os textos do apóstolo),
transparece a atitude de vida de um cristão para quem Cristo é, verdadeiramente,
o centro da própria existência e que só vive em função de Cristo… Nada mais lhe
interessa senão anunciar as propostas de Cristo e dar testemunho da graça
salvadora de Cristo. Que lugar ocupa Cristo na minha vida? Que lugar ocupa
Cristo nos meus projetos, nas minhas decisões, nas minhas opções, nas minhas
atitudes?

ALELUIA – cf. Lc 4,18
Aleluia. Aleluia.
O Espírito do Senhor está sobre mim:
Ele me enviou a anunciar o Evangelho aos pobres.

EVANGELHO – Mc 6,1-6
Naquele tempo,
Jesus dirigiu-Se à sua terra
e os discípulos acompanharam-n’O.
Quando chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga.
Os numerosos ouvintes estavam admirados e diziam:
«De onde Lhe vem tudo isto?
Que sabedoria é esta que Lhe foi dada
e os prodigiosos milagres feitos por suas mãos?
Não é ele o carpinteiro, Filho de Maria,
e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão?
E não estão as suas irmãs aqui entre nós?»
E ficavam perplexos a seu respeito.
Jesus disse-lhes:
«Um profeta só é desprezado na sua terra,
entre os seus parentes e em sua casa».
E não podia ali fazer qualquer milagre;
apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos.
Estava admirado com a falta de fé daquela gente.
E percorria as aldeias dos arredores, ensinando.

AMBIENTE
O Evangelho de hoje fala-nos de uma visita à “terra” de Jesus. De acordo com Mc 1,9,
a “terra” de Jesus era Nazaré, uma pequena vila da Galileia situada a 22 Km a oeste
do Lago de Tiberíades. Esta povoação tipicamente agrícola nunca teve grande
importância no universo na história do judaísmo… O Antigo Testamento ignora-a
completamente; Flávio José e os escritores rabínicos também não lhe fazem
qualquer referência. Os contemporâneos de Jesus parecem conceder-lhe escassa
consideração (cf. Jo 1,46). Nazaré é, no entanto, a cidade onde Jesus cresceu e onde
reside a sua família.
A cena principal que nos é relatada por Marcos passa-se na sinagoga de Nazaré, num
sábado. Jesus, como qualquer outro membro da comunidade judaica, foi à sinagoga
para participar no ofício sinagogal; e, fazendo uso do direito que todo o israelita adulto
tinha, leu e comentou as Escrituras.
O episódio que nos é proposto integra a primeira parte do Evangelho segundo Marcos
(cf. Mc 1,14-8,30). Aí, Jesus é apresentado como o Messias que proclama, por toda a
Galileia, o Reino de Deus. Na secção que vai de 3,7 a 6,6, contudo, Marcos refere-se
especialmente à reação do Povo face à proclamação de Jesus… À medida que o
“caminho do Reino” vai avançando, vão-se multiplicando as oposições e
incompreensões face ao projeto que Jesus anuncia. O nosso texto deve ser
entendido neste ambiente.

MENSAGEM
Os ensinamentos de Jesus na sinagoga, naquele sábado, deixam impressionados os
habitantes de Nazaré, como já tinham deixado impressionados os fiéis da sinagoga de
Cafarnaum (cf. Mc 1,21-28). No entanto, os de Cafarnaum, depois de ouvir Jesus,
reconheceram a sua autoridade mais do que divina (e que, segundo eles, era diferente
da autoridade dos doutores da Lei); os de Nazaré vão chegar a conclusões distintas.
Depois de escutarem Jesus, na sinagoga, os seus conterrâneos traduzem a sua
perplexidade através de várias perguntas… Duas das questões postas dizem respeito
à origem e à qualidade dos ensinamentos de Jesus (“de onde lhe vem tudo isto? Que
sabedoria é esta que lhe foi dada?” – vers. 2); uma outra questão refere-se à
qualificação das ações de Jesus (“e os prodigiosos milagres feitos por suas mãos?” –
vers. 2).
Numa espécie de contraponto à impressão que Jesus lhes deixou, eles recordam o
seu ofício e a “normalidade” da sua família (vers. 3a)… Para eles, Jesus é “o
carpinteiro”: não é um “rabi”, nunca estudou as Escrituras com nenhum mestre
conceituado e não tem qualificações para dizer as coisas que diz. Por outro lado, eles
conhecem a identidade da família de Jesus e não descobrem nela nada de
extraordinário: Ele é o “filho de Maria” e os seus irmãos e irmãs são gente “normal”,
que toda a gente conhece em Nazaré e que nunca revelaram qualidades
excepcionais. Portanto, parece claro que o papel assumido por Jesus e as acções que
Ele realizou são humanamente inexplicáveis.
A questão seguinte (que, no entanto, não aparece explicitamente formulada) é esta:
estas capacidades extraordinárias que Jesus revela (e que não vêm certamente dos
conhecimentos adquiridos no contacto com famosos mestres, nem do ambiente
familiar) vêm de Deus ou do diabo? Desde o primeiro momento, os comentários dos
habitantes de Nazaré deixam transparecer uma atitude negativa e um tom depreciativo
na análise de Jesus. Nem sequer se referem a Jesus pelo próprio nome, mas usam
sempre um pronome para falar d’Ele (Jesus é “este” ou “ele” - vers. 2-3). Depois,
chamam-Lhe depreciativamente “o filho de Maria” (o costume era o filho ser conhecido
em referência ao pai e não à mãe). Como cenário de fundo do pensamento dos
habitantes de Nazaré está provavelmente a acusação feita a Jesus algum tempo antes
pelos “doutores da Lei que haviam descido de Jerusalém e que afirmavam: «Ele tem

Belzebu! É pelo chefe dos demônios que ele expulsa os demônios»“ (Mc 3,22).
Marcos conclui que os habitantes de Nazaré ficaram “escandalizados” (vers. 3b) com
Jesus (o verbo grego “scandalidzô”, aqui utilizado, significa muito mais do que o “ficar
perplexo” das nossas traduções: significa “ofender”, “magoar”, “ferir
suscetibilidades”). Há na vila uma espécie de indignação porque Jesus, apesar de ter
sido desautorizado pelos mestres reconhecidos do judaísmo, continua a desenvolver a
sua atividade à margem da instituição judaica. Ele põe em causa a religião
tradicional, quando ensina coisas diferentes e de forma diferente dos mestres
reconhecidos. Conclusão: Ele está fora da instituição judaica; o seu ensinamento não
pode, portanto, vir de Deus, mas do diabo. Os conterrâneos de Jesus não conseguem
reconhecer a presença de Deus naquilo que Jesus diz e faz.
Jesus responde aos seus concidadãos (vers. 4) citando um conhecido provérbio, mas
que Ele modifica, em parte (o original devia soar mais ou menos assim: “nenhum
profeta é respeitado no seu lugar de origem, nenhum médico faz curas entre os seus
conhecidos”). Nessa resposta, Jesus assume-se como profeta – isto é, como um
enviado de Deus, que atua em nome de Deus e que tem uma mensagem de Deus
para oferecer aos homens. Os ensinamentos que Jesus propõe não vêm dos mestres
judaicos, mas do próprio Deus; a vida que Ele oferece é a vida plena e verdadeira que
Deus quer propor aos homens.
A recusa generalizada da proposta que Jesus traz coloca-o na linha dos grandes
profetas de Israel. O Povo teve sempre dificuldade em reconhecer o Deus que vinha
ao seu encontro na palavra e nos gestos proféticos. O fato de as propostas
apresentadas por Jesus serem rejeitadas pelos líderes, pelo povo da sua terra, pelos
seus “irmãos e irmãs” e até pelos da sua casa não invalida, portanto, a sua verdade e
a sua procedência divina.
Porque é que Jesus “não podia ali fazer qualquer milagre” (vers. 5)? Deus oferece aos
homens, através de Jesus, perspectivas de vida nova e eterna… No entanto, os
homens são livres; se eles se mantêm fechados nos seus esquemas e preconceitos
egoístas e rejeitam a vida que Deus lhes oferece, Jesus não pode fazer nada. Marcos
observa, apesar de tudo, que Jesus “curou alguns doentes impondo-lhes as mãos”.
Provavelmente, estes “doentes” são aqueles que manifestam uma certa abertura a
Jesus mas que, de qualquer forma, não têm a coragem de cortar radicalmente com os
mecanismos religiosos do judaísmo para descobrir a novidade radical do Reino que
Jesus anuncia.
Marcos nota ainda a “surpresa” de Jesus pela falta de fé dos seus concidadãos (vers.
6a). Esperava-se que, confrontados com a proposta nova de liberdade e de vida plena
que Jesus apresenta, os seus interlocutores renunciassem à escravidão para abraçar
com entusiasmo a nova realidade… No entanto, eles estão de tal forma acomodados e
instalados, que preferem a vida velha da escravidão à novidade libertadora de Jesus.
Este fato decepcionante não impede, contudo, que Jesus continue a propor a Boa
Nova do Reino a todos os homens (vers. 6b). Deus oferece, sem interrupção, a sua
vida; ao homem resta acolher ou não esse oferecimento.

ATUALIZAÇÃO
♦ O texto do Evangelho repete uma idéia que aparece também nas outras duas
leituras deste domingo: Deus manifesta-se aos homens na fraqueza e na
fragilidade. Normalmente, Ele não se manifesta na força, no poder, nas qualidades
que o mundo acha brilhantes e que os homens admiram e endeusam; mas, muitas
vezes, Ele vem ao nosso encontro na fraqueza, na simplicidade, na debilidade, na
pobreza, nas situações mais simples e banais, nas pessoas mais humildes e
despretenciosas… É preciso que interiorizemos a lógica de Deus, para que não
percamos a oportunidade de o encontrar, de perceber os seus desafios, de acolher
a proposta de vida que Ele nos faz…
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♦ Um dos elementos questionantes no episódio que o Evangelho deste domingo nos
propõe é a atitude de fechamento a Deus e aos seus desafios, assumida pelos
habitantes de Nazaré. Comodamente instalados nas suas certezas e preconceitos,
eles decidiram que sabiam tudo sobre Deus e que Deus não podia estar no
humilde carpinteiro que eles conheciam bem… Esperavam um Deus forte e
majestoso, que se havia de impor de forma estrondosa, e assombrar os inimigos
com a sua força; e Jesus não se encaixava nesse perfil. Preferiram renunciar a
Deus, do que à imagem que d’Ele tinham construído. Há aqui um convite a não
nos fecharmos nos nossos preconceitos e esquemas mentais bem definidos e
arrumados, e a purificarmos continuamente, em diálogo com os irmãos que
partilham a mesma fé, na escuta da Palavra revelada e na oração, a nossa
perspectiva acerca de Deus.
♦ Para os habitantes de Nazaré Jesus era apenas “o carpinteiro” da terra, que nunca
tinha estudado com grandes mestres e que tinha uma família conhecida de todos,
que não se distinguia em nada das outras famílias que habitavam na vila; por isso,
não estavam dispostos a conceder que esse Jesus – perfeitamente conhecido,
julgado e catalogado – lhes trouxesse qualquer coisa de novo e de diferente… Isto
deve fazer-nos pensar nos preconceitos com que, por vezes, abordamos os
nossos irmãos, os julgamos, os catalogamos e etiquetamos… Seremos sempre
justos na forma como julgamos os outros? Por vezes, os nossos preconceitos não
nos impedirão de acolher o irmão e a riqueza que Ele nos traz?
♦ Jesus assume-se como um profeta, isto é, alguém a quem Deus confiou uma
missão e que testemunha no meio dos seus irmãos as propostas de Deus. A
nossa identificação com Jesus faz de nós continuadores da missão que o Pai Lhe
confiou. Sentimo-nos, como Jesus, profetas a quem Deus chamou e a quem
enviou ao mundo para testemunharem a proposta libertadora que Deus quer
oferecer a todos os homens? Nas nossas palavras e gestos ecoa, em cada
momento, a proposta de salvação que Deus quer fazer a todos os homens?
♦ Apesar da incompreensão dos seus concidadãos, Jesus continuou, em absoluta
fidelidade aos planos do Pai, a dar testemunho no meio dos homens do Reino de
Deus. Rejeitado em Nazaré, Ele foi, como diz o nosso texto, percorrer as aldeias
dos arredores, ensinando a dinâmica do Reino. O testemunho que Deus nos
chama a dar cumpre-se, muitas vezes, no meio das incompreensões e
oposições… Frequentemente, os discípulos de Jesus sentem-se desanimados e
frustrados porque o seu testemunho não é entendido nem acolhido (nunca
aconteceu pensarmos, depois de um trabalho esgotante e exigente, que estivemos
a perder tempo?)… A atitude de Jesus convida-nos a nunca desanimar nem
desistir: Deus tem os seus projetos e sabe como transformar um fracasso num
êxito.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 14º DOMINGO DO TEMPO COMUM
1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 14º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver
em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Os ouvintes estão admirados, chocados… Como poderia Jesus fazer milagres quando
se punha em dúvida as suas palavras de profeta e os seus atos de salvador? Com
efeito, os seus conterrâneos olham-no apenas com os olhos de carne, só vêem n’Ele
o filho do carpinteiro com quem tinham jogado, trabalhado, escutado a lei na
sinagoga… Não reconhecem nele o enviado de Deus. Falta-lhes o olhar da fé para ler
no seu ensino a mensagem de Deus e nos seus milagres sinais do Todo-Poderoso. E
nós, como está o nosso olhar de fé, ao vermos Jesus e os seus sinais de salvação?
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Testemunho profético
Afinal, o que é um profeta? A idéia mais espalhada é que é alguém que prevê e
anuncia o futuro. Esses profetas não faltam hoje… Ora, como Ezequiel, o verdadeiro
profeta está habitado, em primeiro lugar, pelo Espírito Santo, para ser em seguida
enviado aos seus irmãos em humanidade e lhes anunciar a Palavra de Deus. Mas não
se trata de uma missão de descanso! A Palavra de Deus inquieta sempre, porque
convida os homens a descentrarem-se de si mesmos. Ezequiel é enviado a um povo
de rebeldes, que têm o rosto duro e o coração obstinado. Nestas circunstâncias, não é
fácil fazer-se ouvir. A missão do profeta não é prazer. Jesus fez a experiência… Basta
ver a atitude dos seus conterrâneos… A própria família tinha tentado impedi-lo de
falar. Ora, pelo nosso batismo e confirmação, todos somos chamados a ser profetas,
a deixarmo-nos habitar pelo Espírito, pela Palavra de Deus, para nos tornarmos
arautos e testemunhas onde vivemos. O Concílio Vaticano II, recuperando esta missão
profética dos batizados, declara que estes últimos recebem todos o sentido da fé e a
graça da palavra, a fim de que brilhe na sua vida quotidiana a força do Evangelho. Os
cristãos não devem esconder este testemunho e esta palavra no segredo do seu
coração, mas devem exprimi-lo também através das estruturas da vida do mundo. Há
que tomar a sério esta missão profética!
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
A cada um o seu chamamento
Cada um de nós pode refletir qual é o chamamento pessoal do Senhor, à volta de
três palavras: vocação – graça – dificuldades. Qual é a minha vocação, a que é que
Deus me chama, aonde me envia? Como se manifesta em mim a sua graça? Quais as
dificuldades que encontro, como as ultrapassar? Viveremos então, no recomeço do
ano, um novo início de caminhada.

15º Domingo do Tempo Comum

A liturgia do 15º Domingo do Tempo Comum recorda-nos que Deus atua no mundo
através dos homens e mulheres que Ele chama e envia como testemunhas do seu
projeto de salvação. Esses “enviados” devem ter como grande prioridade a fidelidade
ao projeto de Deus e não a defesa dos seus próprios interesses ou privilégios.
A primeira leitura apresenta-nos o exemplo do profeta Amós. Escolhido, chamado e
enviado por Deus, o profeta vive para propor aos homens – com verdade e coerência
– os projetos e os sonhos de Deus para o mundo. Atuando com total liberdade, o
profeta não se deixa manipular pelos poderosos nem amordaçar pelos seus próprios
interesses pessoais.
A segunda leitura garante-nos que Deus tem um projeto de vida plena, verdadeira e
total para cada homem e para cada mulher – um projeto que desde sempre esteve na
mente do próprio Deus. Esse projeto, apresentado aos homens através de Jesus
Cristo, exige de cada um de nós uma resposta decidida, total e sem subterfúgios.
No Evangelho, Jesus envia os discípulos em missão. Essa missão – que está no
prolongamento da própria missão de Jesus – consiste em anunciar o Reino e em lutar
objetivamente contra tudo aquilo que escraviza o homem e que o impede de ser feliz.
Antes da partida dos discípulos, Jesus dá-lhes algumas instruções acerca da forma de
realizar a missão… Convida-os especialmente à pobreza, à simplicidade, ao
despojamento dos bens materiais.

LEITURA I – Am 7,12-15
Naqueles dias,
Amasias, sacerdote de Betel, disse a Amós:
«Vai-te daqui, vidente.
Foge para a terra de Judá.
Aí ganharás o pão com as tuas profecias.
Mas não continues a profetizar aqui em Betel,
que é o santuário real, o templo do reino».
Amós respondeu a Amasias:
«Eu não era profeta, nem filho de profeta.
Era pastor de gado e cultivava sicômoros.
Foi o Senhor que me tirou da guarda do rebanho e me disse:
‘Vai profetizar ao meu povo de Israel’».

AMBIENTE
Amós, o “profeta da justiça social”, exerceu o seu ministério profético no reino do Norte
(Israel) em meados do séc. VIII a.C. (possivelmente, por volta de 762 a. C.), durante o
reinado de Jeroboão II. É uma época de prosperidade econômica e de tranquilidade
política: as conquistas de Jeroboão II alargaram consideravelmente os limites do reino
e permitiram a entrada de tributos dos povos vencidos; o comércio e a indústria
(mineira e têxtil) desenvolveram-se significativamente… As construções da burguesia
urbana atingiram um luxo e magnificência até então desconhecidos.
A prosperidade e bem-estar das classes favorecidas contrastavam, porém, com a
miséria das classes baixas. O sistema de distribuição estava nas mãos de
comerciantes sem escrúpulos que, aproveitando o bem-estar econômico,
especulavam com os preços. Com o aumento dos preços dos bens essenciais, as
famílias de menores recursos endividavam-se e acabavam por se ver espoliadas das
suas terras em favor dos grandes latifundiários. A classe dirigente, rica e poderosa,
dominava os tribunais e subornava os juízes, impedindo que o tribunal fizesse justiça
aos mais pobres e defendesse os direitos dos menos poderosos.
Entretanto, a religião florescia num esplendor ritual nunca visto. Magníficas festas,
abundantes sacrifícios de animais, um culto esplendoroso, marcavam a vida religiosa
dos israelitas… O problema é que esse culto não tinha nada a ver com a vida: no dia a
dia, os mesmos que participavam nesses ritos cultuais majestosos praticavam
injustiças contra o pobre e cometiam toda a espécie de atropelos ao direito. Ainda
mais: os ricos ofereciam a Deus abundantes ofertas, a fim de serenar as suas
consciências culpadas e a fim de assegurar a cumplicidade de Deus para os seus
negócios escuros… Além disso, a influência da religião cananéia estava a levar os
israelitas para o sincretismo religioso: o culto a Jahwéh misturava-se com rituais
pagãos provenientes dos cultos a Baal e Astarte. Essa confusão religiosa punha em
sérios riscos a pureza da fé jahwista.
É neste contexto que aparece o profeta Amós. Natural de Técua (uma pequena aldeia
situada no deserto de Judá), Amós não é profeta profissional; mas, chamado por
Deus, deixa a sua terra e parte para o reino vizinho para gritar à classe dirigente a sua
denúncia profética. A rudeza do seu discurso, aliada à integridade e afoiteza da sua fé,
traz algo do ambiente duro do deserto e contrasta com a indolência e o luxo da
sociedade israelita da época.
O episódio que a primeira leitura deste domingo nos propõe leva-nos até ao santuário
de Betel, no centro da Palestina. Trata-se de um lugar considerado sagrado, desde
tempos imemoriais. De acordo com Gn 35,1-8, Jacob construiu aí um altar e dedicou-o
a Jahwéh. Mais tarde, Betel aparece como o local onde se reúne a assembléia de
“todo o Israel” para “consultar Deus” (cf. Jz 20,18), para chorar diante de Deus a sua
infelicidade (cf. Jz 20,26) e para se encontrar com Deus (cf. Jz 21,2). Tudo isto reflete
a importância cultual do lugar.
Quando o Povo de Deus se dividiu em dois reinos, após a morte de Salomão (932
a.C.), os reis do norte (Israel) potenciaram o culto em Betel, para impedir que os seus
súbditos tivessem de deslocar-se a Jerusalém, situado no reino inimigo do sul (Judá).
Então, Betel transformou-se numa espécie de “santuário oficial” do regime, onde o
culto era financiado, em grande parte, pelo próprio rei. O sacerdote que presidia ao
culto era uma espécie de “funcionário real”, encarregado de zelar para que os
interesses do rei fossem defendidos, nesse local por onde passava uma parte
significativa dos fiéis de Israel. Na época em que Amós exerce o seu ministério
profético em Betel, o sacerdote encarregado do santuário era um tal Amasias. Alguns
elementos que chegaram até nós parecem indiciar também a existência em Betel de
uma imagem de um bezerro, que representava Jahwéh e que era adorado pelos fiéis
(cf. Os 10,5).
Betel é um dos lugares onde ecoa a denúncia profética de Amós. Provavelmente,
Amós criticou as injustiças cometidas pelo rei e pela classe dirigente; e, certamente,
denunciou, nesse lugar, um culto que era aliado da injustiça e que procurava
comprometer Deus com os esquemas corruptos dos poderosos.

MENSAGEM
O nosso texto descreve o confronto entre o sacerdote Amasias e o profeta Amós. É
um texto fundamental para entendermos a missão do profeta, a sua liberdade face aos
interesses do mundo e dos poderes instituídos.
O sacerdote Amasias é o homem da religião oficial, voltado aos interesses do rei e
da ordem estabelecida, comprometida com o poder político. Para ele, o que interessa
é manter intocável um sistema que assegura benefícios mútuos, quer ao trono, quer
ao altar. Nesse sistema, o rei é o guardião supremo da ordem instituída e não há lugar
(nem necessidade) de uma intervenção que ponha em causa a ordem estabelecida. A
tarefa da religião é, na perspectiva de Amasias, proteger e legitimar os interesses do
rei; em troca, o rei sustenta o santuário. Trono e religião são, assim, cúmplices ligados
por interesses mútuos, que fazem tudo para manter os privilégios. O
próprio Amasias tem muito a perder, se as coisas não correrem bem, já que é um
funcionário real cuja função é defender os interesses do rei. A religião de Amasias é
uma religião escrava dos interesses, que se ajoelha diante dos poderosos e que está
completamente fechada aos desafios de Deus (que, se fossem escutados e acolhidos,
poderiam desarranjar o sistema). Nesta perspectiva, a denúncia de Amós soa a
rebelião contra os interesses enlaçados do poder e da religião, a doutrina subversiva
que põe em causa as estruturas e que abala os fundamentos da ordem estabelecida.
Por isso, há que usar toda a força do sistema para calar a voz incômoda do profeta.
Amós é, portanto, denunciado, convidado a deixar o santuário e a voltar à sua terra
para “ganhar aí o seu pão”.
A resposta de Amós deixa claro que o profeta é um homem livre, que não atua por
interesses humanos (próprios ou alheios), mas por mandato de Deus. A iniciativa de
ser profeta não foi sua… Deus é que veio ao seu encontro, interrompeu a normalidade
da sua vida e convocou-o para a missão. De resto, a profecia não é, para ele, uma
ocupação profissional, ou uma forma de realizar interesses pessoais. Amós é profeta
porque Deus irrompeu na sua vida com uma força irresistível, tomou conta dele e
enviou-o a Israel. O profeta não está, portanto, preocupado com os interesses do rei
ou com os interesses do sacerdote Amasias, ou com a perpetuação de uma ordem
social injusta e opressora… Ele foi convocado para ser a voz de Deus e só lhe
interessa cumprir a missão que Deus lhe confiou. Doa a quem doer, é isso que Amós
procurará fazer. Ele não pode, nem quer ficar calado… A sua missão (ainda que isso
custe a Amasias e ao rei) tem autoridade por si própria, porque vem de Deus e Deus é
infinitamente maior do que o rei. Munido dessa autoridade (que não só o legitima na
sua ação profética, mas até o obriga a ser fiel à missão que lhe foi confiada), Amós
anuncia (num desenvolvimento que o texto que nos é proposto não conservou – cf.
Am 7,16-17) o castigo para o rei, para Amasias e para toda a nação infiel.

ATUALIZAÇÃO
♦ Neste texto – como em tantos outros textos proféticos – transparece a absoluta
convicção de que o profeta é um homem de Deus, escolhido por Deus, chamado
por Deus, enviado por Deus, legitimado por Deus. Deus está na origem da
vocação profética; e a atuação do profeta só faz sentido se partir de Deus e se
tiver como objetivo apresentar aos homens as propostas de Deus. É preciso que
nós crentes – constituídos profetas pelo Batismo – tenhamos Deus como a
referência de onde parte e para onde se orienta a nossa ação e missão
proféticas. Nenhum profeta o é por sua iniciativa pessoal, ou para anunciar
propostas pessoais; mas é Deus que nos chama, que nos envia e que está na
base desse testemunho que somos chamados a dar no meio dos homens.
♦ O profeta é um homem livre, que não se amedronta nem se dobra face aos
interesses dos poderosos. Por isso, o profeta não pode calar-se perante a
injustiça, a opressão, a exploração, tudo o que rouba a vida e impede a realização
plena do homem. Amasias – o sacerdote que alinha ao lado dos poderosos, que
defende intransigentemente a ordem estabelecida, que se compromete com ela,
que vende a sua consciência para manter o lugar e que transige com a injustiça
para não incomodar os poderosos – é um exemplo a não seguir… Amós, o profeta
que não se cala nem se vende, que está disposto a arriscar tudo (inclusive a
própria vida) para defender os pequenos e os fracos e que não hesita em propor
os projetos de Deus para o homem e para o mundo, deve ser o modelo para
qualquer crente a quem Deus chama a cumprir uma missão profética no meio do
mundo.
♦ Amasias é o homem comodamente instalado nos seus privilégios, benesses, que
cala a voz da própria consciência porque tem muito a perder e não quer arriscar;
Amós é o profeta livre da preocupação com os bens materiais, que não está
preocupado com a defesa dos próprios interesses, mas sim com a defesa
intransigente dos interesses dos pobres e marginalizados, que são os interesses
de Deus. A diferença entre os dois é a diferença entre aquele para quem os
valores materiais são a prioridade fundamental e aquele para quem os valores de
Deus são a prioridade fundamental. O verdadeiro profeta não pode colocar os
bens materiais como a sua prioridade fundamental; se isso acontecer, perderá a
sua liberdade profética e tornar-se-á um escravo de quem lhe paga.
♦ Este texto fala-nos também da promiscuidade entre a religião e o poder. Trata-se
de uma combinação que não produz bons frutos (como, aliás, a história da Igreja
tem demonstrado nas mais diversas épocas e lugares). A Igreja, para poder
exercer com fidelidade a sua missão profética, tem de evitar colar-se aos
poderosos e depender deles, sob pena de ser infiel à missão que Deus lhe confiou.
Uma Igreja que está preocupada em não incomodar o poder para manter
privilégios fiscais, ou para continuar a receber dinheiro para as instituições que
tutela, será uma Igreja escrava, de mãos atadas, dependente, que está longe de
Jesus Cristo e da sua proposta libertadora.

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 84 (85)
Refrão 1: Mostrai-nos, Senhor, o vosso amor
e dai-nos a vossa salvação.
Refrão 2: Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia.
Deus fala de paz ao seu povo e aos seus fiéis
e a quantos de coração a Ele se convertem.
A sua salvação está perto dos que O temem
e a sua glória habitará na nossa terra.
Encontraram-se a misericórdia e a fidelidade,
abraçaram-se a paz e a justiça.
A fidelidade vai germinar da terra
e a justiça descerá do Céu.
O Senhor dará ainda o que é bom,
e a nossa terra produzirá os seus frutos.
A justiça caminhará à sua frente
e a paz seguirá os seus passos.

LEITURA II – Ef 1,3-14
Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo,
que do alto dos Céus nos abençoou
com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo.
N’Ele nos escolheu, antes da criação do mundo,
para sermos santos e irrepreensíveis,
em caridade, na sua presença.
Ele nos predestinou, de sua livre vontade,
para sermos seus filhos adotivos, por Jesus Cristo,
para que fosse enaltecida a glória da sua graça,
com a qual nos favoreceu em seu amado Filho.
N’Ele, pelo seu sangue,
temos a redenção, a remissão dos pecados.
Segundo a riqueza da sua graça,
que Ele nos concedeu em abundância,
com plena sabedoria e inteligência,
deu-nos a conhecer o mistério da sua vontade:
segundo o beneplácito que nele de antemão estabelecera,
para se realizar na plenitude dos tempos:
instaurar todas as coisas em Cristo,
tudo o que há nos Céus e na terra.
Em Cristo fomos constituídos herdeiros,
por termos sido predestinados,
segundo os desígnios daquele que tudo realiza
conforme a decisão da sua vontade,
para servir à celebração da sua glória,
nós que desde o começo esperamos em Cristo.
Foi nele que vós também,
depois de ouvirdes a palavra da verdade,
o Evangelho da vossa salvação,
abraçastes a fé e fostes marcados pelo Espírito Santo prometido,
que é o penhor da nossa herança,
para a redenção do povo que Deus adquiriu
para louvor da sua glória.

AMBIENTE
A cidade de Éfeso, capital da Província romana da Ásia, estava situada na costa
ocidental da Ásia Menor. O seu importante porto e a sua numerosa população faziam
dela uma cidade florescente. Paulo passou em Éfeso na sua segunda viagem
missionária (cf. At 18,19-21) e, durante a sua terceira viagem missionária, fez de
Éfeso o quartel-general, a partir do qual evangelizou toda a zona ocidental da Ásia
Menor.
A nossa Carta aos Efésios é, provavelmente, um dos exemplares de uma “carta
circular” enviada a várias igrejas da Ásia Menor, numa altura em que Paulo está na
prisão (em Cesareia? Em Roma?). O seu portador é um tal Tíquico.
Alguns vêem nesta carta uma espécie de síntese da teologia paulina, numa altura em
que a missão do apóstolo está praticamente terminada no oriente. O tema mais
importante da carta aos Efésios é aquilo que o autor chama “o mistério”: trata-se do
projeto salvador de Deus, definido e elaborado desde sempre, escondido durante
séculos, revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos e,
nos “últimos tempos”, tornado presente no mundo pela Igreja.
O texto que nos é hoje proposto aparece no início da carta. É um hino litúrgico que
deve ter circulado nas comunidades cristãs antes de ser enxertado aqui por Paulo.
Este hino dá graças pela ação do Pai (cf. Ef 1,3-6), do Filho (cf. Ef 1,7-12) e do
Espírito Santo (cf. Ef 1,13-14), no sentido de oferecer aos homens a salvação.

MENSAGEM
A ação de graças dirige-se a Deus, pois Ele é a fonte última de todas as graças
concedidas aos homens. Essas graças atingiram os homens através do Filho, Jesus
Cristo.
Qual é então, segundo este hino, a acção do Pai?
O Pai, no seu amor, elegeu-nos desde sempre (“antes da criação do mundo”). Para quê? A resposta é: “para sermos santos e irrepreensíveis”. A palavra “santo”
indica a situação de alguém que foi separado do mundo e consagrado a Deus, para o
serviço de Deus; a palavra “irrepreensível” era usada para falar das vítimas oferecidas
em sacrifício a Deus, que deviam ser imaculadas e sem defeito… Significa, pois, uma
santidade (isto é, uma consagração a Deus) verdadeira e radical.
Além de nos eleger, o Pai predestinou-nos “para sermos seus filhos adotivos”.
Através de Cristo, o Pai ofereceu-nos a sua vida e integrou-nos na sua família na
qualidade de filhos. O fim desta ação de Deus é o louvor da sua glória.
“Eleição” e “adoção como filhos” resultam do imenso amor de Deus pelos homens –
um amor que é gratuito, incondicional e radical.
E Jesus Cristo, o Filho, que papel teve neste processo?
Nos vers. 7-10, o autor do hino refere-se ao sangue derramado de Cristo e ao seu
significado redentor. A morte de Jesus na cruz é o sinal evidente do espantoso amor
de Deus pelos homens; e dessa forma, Deus ensinou-nos a viver no amor, no amor
total e radical. Através de Cristo, Deus derramou sobre nós a sua graça, tornando-nos
pessoas novas e diferentes, capazes de viver no amor. Assim, Deus manifestou-nos o
seu projeto de salvação (que o hino chama “o mistério”) e que consiste em levar-nos
a uma identificação plena com Jesus (na sua ilimitada capacidade de amar e de dar
vida), a uma unidade e harmonia totais com Jesus. Identificando-nos com Cristo e
ensinando-nos a viver no amor total e radical, Deus reconciliou-nos consigo, com
todos os outros e com a própria natureza. Da ação redentora de Cristo nasceu, pois,
um Homem Novo, capaz de um novo tipo de relacionamento (não marcado pelo
egoísmo, pelo orgulho, pela auto-suficiência, mas marcado pelo amor e pelo dom da
vida) com Deus, com os outros homens e mulheres e com toda a criação.
Dessa forma, em Cristo fomos constituídos filhos de Deus e herdeiros da salvação,
conforme o projeto de Deus preparado desde toda a eternidade em nosso favor (vers.
11-12).
Os crentes que aderiram a Jesus foram marcados pelo “selo” do Espírito. Esse “selo” é
a marca que atesta a nossa integração na família divina e a garantia de que um dia
participaremos na vida eterna, plena e verdadeira, conforme o plano que Deus tem
para nós (vers. 13-14).

ATUALIZAÇÃO
♦ O nosso texto afirma, de forma clara, que Deus tem um projeto de vida plena e
total para os homens, um projeto que desde sempre esteve na mente de Deus. É
muito importante termos isto em conta: não somos um acidente de percurso na
evolução inexorável do cosmos, mas somos atores principais de uma história de
amor que o nosso Deus sempre sonhou e que Ele quis escrever e viver
conosco… No meio das nossas desilusões e dos nossos sofrimentos, da nossa
finitude e do nosso pecado, dos nossos medos e dos nossos dramas, não
esqueçamos que somos filhos amados de Deus, a quem Ele oferece
continuamente a vida definitiva, a verdadeira felicidade.
♦ De acordo com o nosso texto, Deus “elegeu-nos… para sermos santos e
irrepreensíveis”. Já vimos que “ser santo” significa ser consagrado para o serviço
de Deus. O que é que isto implica em termos concretos? Entre outras coisas,
implica tentar descobrir o plano de Deus, o projeto que Ele tem para cada um de
nós e concretizá-lo dia a dia com verdade, fidelidade e radicalidade. No meio das
solicitações do mundo e das exigências da nossa vida profissional, social e
familiar, temos tempo para Deus, para dialogar com Ele e para tentar perceber os
seus projetos e propostas? E temos disponibilidade e vontade de concretizar as
suas propostas, mesmo quando elas não são conciliáveis com os nossos
interesses pessoais?
♦ O nosso texto afirma ainda a centralidade de Cristo nesta história de amor que
Deus quis viver conosco… Jesus veio ao nosso encontro, cumprindo com
radicalidade a vontade do Pai e oferecendo-Se até à morte para nos ensinar a
viver no amor. Como é que assumimos e vivemos essa proposta de amor que
Jesus nos apresentou? Aprendemos com Ele a amar sem exceção e com
radicalidade? Somos profetas que testemunham, diante do mundo, o projeto de
Deus? Aqueles que caminham pelo mundo ao nosso lado encontram nos nossos
gestos e atitudes sinais vivos do amor de Deus revelado em Jesus?

ALELUIA – cf. Ef 1,17-18
Aleluia. Aleluia.
Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo,
ilumine os olhos do nosso coração,
para sabermos a que esperança fomos chamados.

EVANGELHO – Mc 6,7-13
Naquele tempo,
Jesus chamou os doze Apóstolos
e começou a enviá-los dois a dois.
Deu-lhes poder sobre os espíritos impuros
e ordenou-lhes que nada levassem para o caminho,
a não ser o bastão:
nem pão, nem alforje, nem dinheiro;
que fossem calçados com sandálias,
e não levassem duas túnicas.
Disse-lhes também:
«Quando entrardes em alguma casa,
ficai nela até partirdes dali.
E se não fordes recebidos em alguma localidade,
se os habitantes não vos ouvirem,
ao sair de lá, sacudi o pó dos vossos pés
como testemunho contra eles».
Os Apóstolos partiram e pregaram o arrependimento,
expulsaram muitos demônios,
ungiram com óleo muitos doentes e curaram-nos.

AMBIENTE
Toda a primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1,14-8,30) está montada
à volta da ideia de que Jesus é o Messias que proclama o Reino de Deus. Como ponto
de partida está um sumário-anúncio inicial (cf. Mc 1,14-15) onde se proclama a
chegada do Reino; em seguida, Jesus apresenta a proposta do Reino a um grupo de
discípulos, que escutam o apelo e aceitam embarcar na aventura do Reino de Deus
(cf. Mc 1,16-20); depois, Marcos descreve como Jesus, com palavras e com gestos
concretos, vai propondo essa nova realidade que é o Reino e vai intercalando as
propostas de Jesus com as respostas positivas ou negativas dos fariseus, do povo e
dos próprios discípulos (cf. Mc 1,21-8,30).
À medida que o “caminho do Reino” avança, os discípulos vão aparecendo cada vez
mais ligados a Jesus e cada vez mais implicados no projeto do Reino. Chamados por
Jesus, eles responderam positivamente a esse chamamento e seguiram-n’O; depois,
durante a caminhada que fizeram com Jesus, eles escutaram os ensinamentos de
Jesus e testemunharam os seus gestos e sinais. Formados por Jesus na “escola do
Reino”, os discípulos podem agora ser enviados ao mundo, a fim de anunciar a todos
os homens a chegada desse mundo novo que Jesus chamava o “Reino de Deus”.

MENSAGEM
O nosso texto é uma autêntica catequese sobre a missão dos discípulos de Jesus no
meio do mundo. As instruções postas aqui na boca de Jesus conservam o seu sentido
e valor para os discípulos de todo o tempo e lugar.
Marcos começa por deixar claro que a iniciativa do chamamento dos discípulos é de
Jesus: Ele “chamou-os” (vers. 7). Não há qualquer explicação sobre os critérios que
levaram a essa escolha: falar de vocação e de eleição é falar de um mistério
insondável, que depende de Deus e que o homem nem sempre consegue
compreender e explicar.
Depois, Marcos aponta o número dos discípulos que são enviados (“doze”). Porquê
exatamente “doze”? Trata-se de um número simbólico, que lembra as doze tribos que
formavam o antigo Povo de Deus. Estes “doze” discípulos representam
simbolicamente a totalidade do Povo de Deus, do novo Povo de Deus. É a totalidade
do Povo de Deus que é enviada em missão.
Os “doze” são enviados “dois a dois”. É provável que o envio “dois a dois” tenha a ver
com o costume judaico de viajar acompanhado, para ter ajuda e apoio em caso de
necessidade; pode também pensar-se que esta exigência de partir em missão “dois a
dois” tenha a ver com as exigências da lei judaica, de acordo com a qual eram
necessárias duas testemunhas para dar credibilidade a um qualquer anúncio (cf. Dt
19,15; Mt 18,16). Em qualquer caso, a exigência de partir em missão “dois a dois”
sugere também que a evangelização tem sempre uma dimensão comunitária. Os
discípulos nunca devem trabalhar sós, à margem do resto da comunidade; não devem
anunciar as suas idéias, mas a fé da Igreja. Quem anuncia o Evangelho, anuncia-o em
nome da comunidade; e o seu anúncio deve estar em sintonia com a fé da
comunidade.
Em seguida, Marcos define a missão que Jesus lhes confiou (“deu-lhes poder sobre os
espíritos impuros). Os espíritos impuros representam aqui tudo aquilo que escraviza o
homem e que o impede de chegar à vida em plenitude. A missão dos discípulos é,
pois, lutar contra tudo aquilo – seja de caráter físico, seja de caráter espiritual – que
destrói a vida e a felicidade do homem (podemos dizer que a missão dos discípulos é
lutar contra o “pecado”). É da ação libertadora dos discípulos (que atuam por
mandato de Jesus) que nasce um mundo novo, de homens livres – o mundo do
“Reino”.
Em seguida, vêm as instruções para a missão (vers. 8-9). Na perspectiva de Jesus, os
discípulos devem partir para a missão, num despojamento total de todos os bens e
seguranças humanas… Podem levar um cajado (na versão de Mateus e de Lucas, os
discípulos não deviam levar cajado – cf. Mt 10,10; Lc 9,3); mas não devem levar nem
pão, nem alforje, nem moedas (essas pequenas moedas de cobre que o viajante
levava sempre consigo para as suas pequenas necessidades), nem duas túnicas. Os
discípulos devem ser totalmente livres e não estar amarrados a bens materiais; caso
contrário, a preocupação com os bens materiais pode roubar-lhes a liberdade e a
disponibilidade para a missão. Por outro lado, essa atitude de pobreza e de
despojamento ajudará também os discípulos a perceber que a eficácia da missão não
depende da abundância dos bens materiais, mas sim da acção de Deus. Finalmente, a
sobriedade e o desapego são sinais de que o discípulo confia em Deus e contribuem
para dar credibilidade ao testemunho.
Um outro gênero de instruções refere-se ao comportamento dos discípulos diante da
hospitalidade que lhes for oferecida (vers. 10-11). Quando forem acolhidos numa casa,
devem aí permanecer algum tempo (seguramente para formar uma comunidade) e
não devem saltar de um lugar para o outro, ao sabor das amizades, dos interesses
próprios ou alheios ou das suas próprias conveniências pessoais. Quando não forem
recebidos num lugar, devem “sacudir o pó dos pés” ao abandonar esse lugar: trata-se
de um gesto que os judeus praticavam quando regressavam do território pagão e que
simboliza a renúncia à impureza. Aqui, deve significar o repúdio pelo fechamento às
propostas libertadoras de Deus.
Finalmente, Marcos descreve a realização da missão dos discípulos (vers. 12-13):
pregavam a conversão (“metanóia” – isto é, uma mudança radical de mentalidade, de
valores, de atitudes, um voltar-se para Jesus Cristo e um acolher o seu projeto),
expulsavam demônios, curavam os doentes. Trata-se de continuar a missão de Jesus:
libertar o homem de tudo aquilo que o oprime e lhe rouba a vida, para fazer aparecer
um mundo de homens livres e salvos (“Reino de Deus”).
O anúncio que é confiado aos discípulos é o anúncio que Jesus fazia (o “Reino”); os
gestos que os discípulos são convidados a fazer para anunciar o “Reino” são os
mesmos que Jesus fez. Ao apresentar a missão dos discípulos em paralelo e em
absoluta continuidade com a missão de Jesus, Jesus convida a Igreja (os discípulos) a
continuar na história a obra libertadora que Ele começou em favor do homem.

ATUALIZAÇÃO
♦ Como é que Deus age, hoje, no mundo? A resposta que o Evangelho deste
domingo dá é: através desses discípulos que aceitaram responder positivamente
ao chamamento de Jesus e embarcaram na aventura do “Reino”. Eles continuam
hoje no mundo a obra de Jesus e anunciam – com palavras e com gestos – esse
mundo novo de felicidade sem fim que Deus quer oferecer aos homens.
♦ Atenção: Jesus não chama apenas um grupo de “especialistas” para o seguir e
para dar testemunho do “Reino”. Os “doze” representam a totalidade do Povo de
Deus. É a totalidade do Povo de Deus (os “doze”) que é enviada, a fim de
continuar a obra de Jesus no meio dos homens e anunciar-lhes o “Reino”. Tenho
consciência de que isto me diz respeito e que eu pertenço à comunidade que
Jesus envia em missão?
♦ Qual é a missão dos discípulos de Jesus? É lutar objetivamente contra tudo
aquilo que escraviza o homem e que o impede de ser feliz. Hoje há estruturas que
geram guerra, violência, terror, morte: a missão dos discípulos de Jesus é
contestá-las e desmontá-las; hoje há “valores” (apresentados como o “último grito”
da moda, do avanço cultural ou científico) que geram escravidão, opressão,
sofrimento: a missão dos discípulos de Jesus é recusá-los e denunciá-los; hoje há
esquemas de exploração (disfarçados de sistemas econômicos geradores de bem
estar) que geram miséria, marginalização, debilidade, exclusão: a missão dos
discípulos de Jesus é combatê-los. A proposta libertadora de Jesus tem de estar
presente (através dos discípulos) em qualquer lado onde houver um irmão vítima
da escravidão e da injustiça. É isso que eu procuro fazer?
♦ As advertências de Jesus para que os discípulos se apresentem sempre numa
atitude de sobriedade e de despojamento significam, em primeiro lugar, que o
discípulo nunca deve fazer dos bens materiais a sua prioridade fundamental. Se o
discípulo estiver obcecado pelo “ter”, tornar-se-á escravo dos bens, acomodar-se-á
e não terá espaço nem disponibilidade para se lançar na aventura do anúncio do
Reino. Por outro lado, o discípulo que erige os bens materiais como a prioridade
da sua vida sentirá sempre a tentação de se calar, de não incomodar os
poderosos, a fim de preservar os seus interesses econômicos e os seus benefícios
particulares.
♦ As advertências de Jesus para que os discípulos se apresentem sempre numa
atitude de sobriedade e de despojamento significam também o desapego das
idéias e preconceitos, dos hábitos e costumes, das paixões e afetos que podem
constituir um obstáculo para a missão de anunciar o Reino.
♦ As palavras de Jesus recomendam ainda aos discípulos que atuam por um tempo
prolongado num determinado lugar, a moderação e o agradecimento para com
aqueles que os acolhem. Quem é recebido numa casa ou num lugar como
hóspede, deve converter-se numa bênção para essa casa e comportar-se com
sobriedade, equilíbrio e maturidade.
♦ Com frequência os discípulos de Jesus têm de lidar com a oposição e a recusa da
proposta que eles testemunham. É um fato que deve ser visto com normalidade e
compreensão. No entanto, quando isto suceder, é missão dos discípulos alertar os
implicados para a gravidade da recusa. Quem recusa as propostas de Deus, deve
estar plenamente consciente de que está a perder oportunidades únicas e a
afastar-se da sua realização plena, da vida verdadeira.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 15º DOMINGO DO TEMPO COMUM
1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 15º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver
em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Testemunho do “nós”.
Jesus envia os discípulos dois a dois. Ele sabe que a sua missão será difícil de
cumprir. Mesmo Ele, Jesus, fez-Se acompanhar de uma equipa. O testemunho é
sempre um “nós” para nunca se falar em nome próprio mas, com outros, em nome
daquele que envia. Algumas recomendações a estes peregrinos da Boa Nova: contar
apenas com Deus; pôr-se a caminho para se fazer peregrino; aceitar a hospitalidade
para se apresentar como um pobre; não forçar as portas para respeitar a liberdade.
Quanto à mensagem a proclamar, é a mensagem do Mestre: “convertei-vos!” E quanto
aos atos, são os mesmos de Jesus: expulsar os demônios e curar os doentes.
Decididamente, o servo não é maior do que o seu mestre, e o enviado faz sempre
referência àquele que o envia. Hoje, o “nós” é o da Igreja. Oxalá ela possa contar
apenas com Deus, fazer-se peregrina, apresentar-se pobre, respeitar a liberdade dos
homens…
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Testemunhas do amor de Deus.
“Jesus chamou os doze Apóstolos e começou a enviá-los dois a dois. Deu-lhes poder
sobre os espíritos impuros”. O apelo dos Apóstolos está ligado ao seu envio, à sua
missão. Serem os companheiros de Jesus, não para ficarem abrigados perto dele,
mas para serem enviados como suas testemunhas até aos confins da terra. Ele
envia-os dois a dois. Sem dúvida, porque na altura um testemunho só era reconhecido
como autêntico se levado por duas testemunhas. Mas, mais profundamente, Jesus
veio para colocar os homens na “circulação do amor”. Deus criou os homens para
serem à sua imagem. Como “Deus é Amor”, os homens serão imagens de Deus na
medida em que construírem juntos relações de amor fraterno. Ora, eles recusaram
isso. O espírito do mal é chamado de diabo, aquele que divide em vez de unir. Jesus
veio para acabar com a divisão. Ele é aquele que reconcilia os homens com Deus e
entre si. Eis porque Jesus envia os Apóstolos dois a dois: para que sejam
primeiramente, pelo seu comportamento e pela sua vida, testemunhas desta obra de
reconciliação. A salvação nunca é individual, é colocada na relação dos homens entre
si, no movimento de amor de Deus. A missão dos Apóstolos é, pois, de lutar contra o
mal que divide e corrompe. Então, compreendemos melhor porque Jesus dá
conselhos de pobreza. Encher-se de riquezas materiais é arriscar cair na armadilha da
possessão egoísta, é entrar no círculo infernal da vontade de poder, da inveja. É
centrar-se sobre si mesmo em lugar de dar lugar aos outros. É obscurecer o seu olhar
interior e não ser mais suficientemente disponível para acolher o outro. É sempre
válido para todos os batizados cuja missão é serem testemunhas da Boa Nova no
coração do mundo!
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Bendizer no quotidiano
Em cada dia desta semana, dirigir ao Senhor uma curta oração de bênção: para a
felicidade partilhada nesse dia, para um encontro enriquecedor, para uma refeição
partilhada e cheia de amizade, para a beleza da Criação, para um nascimento ou a
alegria das crianças, etc.

16º Domingo do Tempo Comum

A liturgia do 16º Domingo do Tempo Comum dá-nos conta do amor e da solicitude de
Deus pelas “ovelhas sem pastor”. Esse amor e essa solicitude traduzem-se,
naturalmente, na oferta de vida nova e plena que Deus faz a todos os homens.
Na primeira leitura, pela voz do profeta Jeremias, Jahwéh condena os pastores
indignos que usam o “rebanho” para satisfazer os seus próprios projetos pessoais; e,
paralelamente, Deus anuncia que vai, Ele próprio, tomar conta do seu “rebanho”,
assegurando-lhe a fecundidade e a vida em abundância, a paz, a tranquilidade e a
salvação.
O Evangelho recorda-nos que a proposta salvadora e libertadora de Deus para os
homens, apresentada em Jesus, é agora continuada pelos discípulos. Os discípulos
de Jesus são – como Jesus o foi – as testemunhas do amor, da bondade e da
solicitude de Deus por esses homens e mulheres que caminham pelo mundo perdidos
e sem rumo, “como ovelhas sem pastor”. A missão dos discípulos tem, no entanto, de
ter sempre Jesus como referência… Com frequência, os discípulos enviados ao
mundo em missão devem vir ao encontro de Jesus, dialogar com Ele, escutar as suas
propostas, elaborar com Ele os projetos de missão, confrontar o anúncio que
apresentam com a Palavra de Jesus.
Na segunda leitura, Paulo fala aos cristãos da cidade de Éfeso da solicitude de Deus
pelo seu Povo. Essa solicitude manifestou-se na entrega de Cristo, que deu a todos os
homens, sem exceção, a possibilidade de integrarem a família de Deus. Reunidos na
família de Deus, os discípulos de Jesus são agora irmãos, unidos pelo amor. Tudo o
que é barreira, divisão, inimizade, ficou definitivamente superado.

LEITURA I – Jr 23,1-6
Diz o Senhor:
«Ai dos pastores que perdem e dispersam
as ovelhas do meu rebanho!»
Por isso, assim fala o Senhor, Deus de Israel,
aos pastores que apascentam o meu povo:
«Dispersastes as minhas ovelhas
e as escorraçastes, sem terdes cuidado delas.
Vou ocupar-Me de vós e castigar-vos,
pedir-vos contas das vossas más ações
- oráculo do Senhor.
Eu mesmo reunirei o resto das minhas ovelhas
de todas as terras onde se dispersaram
e as farei voltar às suas pastagens,
para que cresçam e se multipliquem.
Dar-lhes-ei pastores que as apascentem
e não mais terão medo nem sobressalto;
nem se perderá nenhuma delas – oráculo do Senhor.
Dias virão, diz o Senhor,
em que farei surgir para David um rebento justo.
Será um verdadeiro rei e governará com sabedoria;
Há de exercer no país o direito e a justiça.
Nos seus dias, Judá será salvo e Israel viverá em segurança.
Este será o seu nome: ‘O Senhor é a nossa justiça’».

AMBIENTE
Jeremias, o profeta nascido em Anatot por volta de 650 a.C., exerceu a sua missão
profética desde 627/626 a.C., até depois da destruição de Jerusalém pelos Babilônios
(586 a.C.). O cenário da atividade do profeta é, em geral, o reino de Judá (e,
sobretudo, a cidade de Jerusalém).
A primeira fase da pregação de Jeremias abrange parte do reinado de Josias. Este rei
– preocupado em defender a identidade política e religiosa do Povo de Deus – leva a
cabo uma impressionante reforma religiosa, destinada a banir do país os cultos aos
deuses estrangeiros. A mensagem de Jeremias, neste período, traduz-se num
constante apelo à conversão, à fidelidade a Jahwéh e à aliança.
No entanto, em 609 a.C., Josias é morto, em combate contra os egípcios. Joaquim
sucede-lhe no trono. A segunda fase da atividade profética de Jeremias abrange o
tempo de reinado de Joaquim (609-597 a.C.).
O reinado de Joaquim é um tempo de desgraça e de pecado para o Povo, e de
incompreensão e sofrimento para Jeremias. Nesta fase, o profeta aparece a criticar as
injustiças sociais (às vezes fomentadas pelo próprio rei) e a infidelidade religiosa
(traduzida, sobretudo, na busca das alianças políticas: procurar a ajuda dos egípcios
significava não confiar em Deus e, em contrapartida, colocar a esperança do Povo em
exércitos estrangeiros). Jeremias está convencido de que Judá já ultrapassou todas as
medidas e que está iminente uma invasão babilônica que castigará os pecados do
Povo de Deus. É, sobretudo, isso que ele diz aos habitantes de Jerusalém… As
previsões funestas de Jeremias concretizam-se: em 597 a.C., Nabucodonosor invade
Judá e deporta para a Babilônia uma parte da população de Jerusalém.
No trono de Judá fica, então, Sedecias (597-586 a.C.). A terceira fase da missão
profética de Jeremias desenrola-se, precisamente, durante este reinado.
Após alguns anos de calma submissão à Babilônia, Sedecias volta a experimentar a
velha política das alianças com o Egito. Jeremias não está de acordo que se confie
em exércitos estrangeiros mais do que em Jahwéh… Mas, nem o rei, nem os notáveis
lhe prestam qualquer atenção à opinião do profeta. Considerado um amargo “profeta
da desgraça”, Jeremias apenas consegue criar o vazio à sua volta.
Em 587 a.C., Nabucodonosor põe cerco a Jerusalém; no entanto, um exército egípcio
vem em socorro de Judá e os babilônios retiram-se. Nesse momento de euforia
nacional, Jeremias aparece a anunciar o recomeço do cerco e a destruição de
Jerusalém (cf. Jr 32,2-5). Acusado de traição, o profeta é encarcerado (cf. Jr 37,11-
16) e corre, inclusive, perigo de vida (cf. Jr 38,11-13). Enquanto Jeremias continua a
pregar a rendição, Nabucodonosor apossa-se, de fato, de Jerusalém, destrói a cidade
e deporta a sua população para a Babilônia (586 a.C.).
O texto que nos é hoje proposto como primeira leitura faz referência a esses tempos
em que Judá, sem líderes capazes, já perdeu as referências e a esperança no futuro. No texto, Deus condena os “pastores” de Israel porque dispersaram as ovelhas do rebanho, o que parece aludir ao exílio na Babilônia.
Provavelmente, este texto deve situar-se entre 597 e 586 a. C., no tempo que vai
desde o primeiro exílio (após a primeira queda de Jerusalém – 597 a. C.) ao segundo
exílio (após a segunda tomada de Jerusalém pelos Babilônios – 586 a. C.).
O uso da imagem do “pastor” para falar dos líderes da nação é bastante frequente no
Antigo Testamento. Aliás, a imagem adquiriu uma força especial na sequência de
David, o pastor que Jahwéh ungiu e transformou em rei, encarregando-o de cuidar do
rebanho do Povo de Deus.

MENSAGEM
O nosso texto começa com uma breve exposição da culpa: os “pastores” de Judá
perderam, dispersaram, escorraçaram as ovelhas do Senhor, sem terem cuidado
delas (vers. 1-2a). Cada um dos verbos utilizados faz referência a fatos concretos
(bem recentes) da história de Judá. O aventureirismo, os interesses pessoais, as
jogadas políticas, a inconsciência dos líderes trouxeram consequências funestas ao
Povo, ao “rebanho” de Deus. Os líderes de Judá não procuraram servir o Povo, mas
serviram-se do Povo para concretizar os seus objetivos pessoais. Ora, o “rebanho”
não é propriedade dos “pastores”, mas do Senhor… Deus chamou-os a uma missão
concreta, encarregou-os de cuidar do seu “rebanho” e eles, depois de terem aceite o
compromisso, falharam totalmente.
Depois da culpa, vem a sentença: Deus vai “ocupar-se” desses maus pastores: vai
castigá-los, pedir-lhes contas das suas más ações (vers. 2b). Deus não está disposto
a tolerar abusos de confiança, nem pode pactuar com líderes que exploram o
“rebanho” em seu benefício próprio. Na perspectiva de Deus, trata-se de algo
intolerável e que não pode ser deixado em claro.
Mas a intervenção de Deus não se fica pelo pedir contas aos maus líderes… O próprio
Jahwéh vai intervir, no sentido de salvar o seu “rebanho”. A intervenção de Deus
justifica-se pelo fato de se tratar do “rebanho” do Senhor e de Ele ter
responsabilidades para com as suas ovelhas.
A intervenção de Deus vai desenvolver-se em três tempos, ou momentos… O primeiro
é a repatriação dos exilados: as ovelhas serão devolvidas “às sua pastagens para que
cresçam e se multipliquem” (vers. 3). Para esta tarefa, Deus não conta com
intermediários: Ele mesmo vai liderar o processo de libertação e de regresso dos
exilados à terra.
O segundo momento da intervenção de Deus consiste na escolha de “pastores”
exemplares (vers. 4). A missão desses “pastores” será, simplesmente, “apascentar”.
Isso implica, naturalmente, o cuidado, a solicitude, o amor, a ternura pelo rebanho…
Esses pastores estarão, naturalmente, ao serviço do rebanho e não usarão o rebanho
para concretizar os seus interesses pessoais. As “ovelhas” aprenderão a confiar nesse
“pastor” que as ama e não terão mais “medo nem sobressalto”.
O terceiro momento da intervenção de Deus é projetado para um futuro sem data
marcada. Promete a chegada de um “rebento justo” da dinastia de David (vers. 5). A
imagem tirada do reino vegetal (“rebento”) sugere fecundidade e vida em abundância,
porque ele dará vida em abundância ao rebanho de Jahwéh. Ele assegurará “o direito
e a justiça” e trará salvação e segurança ao Povo de Deus. O nome desse rei será “o
Senhor é a nossa justiça” (vers. 6), pois é Deus que o legitima e a sua missão será
administrar a justiça que Deus quer. Garantindo a justiça, esse “pastor” irá trazer a
harmonia, a paz, a tranquilidade, a salvação, a vida verdadeira ao Povo de Deus. Esta
promessa com contornos messiânicos pretende anular a frustração e o desespero e
inaugurar um tempo de esperança para o Povo de Deus.

ATUALIZAÇÃO
♦ Antes de mais, o nosso texto mostra a preocupação de Deus com a vida e a
felicidade do seu Povo. Nos momentos conturbados da nossa história (coletiva ou
pessoal) sentimo-nos, muitas vezes órfãos, perdidos e abandonados ao sabor dos
ventos e das marés… As catástrofes que afetam o mundo, os conflitos que
dividem os povos, a miséria que toca a vida de tantos dos nossos irmãos, os
perigos dos fundamentalismos, as mudanças vertiginosas que o mundo todos os
dias sofre, a perda dos valores em que apostávamos, as novas e velhas doenças,
as crises pessoais, os problemas laborais, as dificuldades familiares trazem-nos a
consciência da nossa pequenez e impotência frente aos grandes desafios que o
mundo hoje nos apresenta. Sentimo-nos, então, “ovelhas” sem rumo e sem
destino, abandonadas à nossa sorte. Por vezes, no nosso desespero, apostamos
em “pastores” humanos que, em lugar de nos conduzirem para a vida e para a
felicidade, nos usam para satisfazer a sua ânsia de protagonismo e para realizar
os seus projetos egoístas… A Palavra de Deus que nos é proposta neste
domingo garante-nos que Deus é o “Pastor” que se preocupa conosco, que está
atento a cada uma das suas “ovelhas”; Ele cuida das nossas necessidades e está
permanentemente disposto a intervir na nossa história para nos conduzir por
caminhos seguros e para nos oferecer a vida e a paz. É nele que temos de
apostar, é nele que temos de confiar. Esta constatação deve ser, para todos os
crentes, uma fonte de alegria, de esperança, de serenidade e de paz.
♦ As ameaças contra os maus pastores apresentadas neste texto de Jeremias talvez
nos tenham levado a pensar nos líderes do mundo, nos nossos governantes e,
talvez também, nos líderes da Igreja. Na verdade, a nossa história recente está
cheia de situações em que as pessoas encarregadas de cuidar da comunidade
humana usaram o “rebanho” em benefício próprio e magoaram, torturaram,
roubaram, assassinaram, privaram de vida e de felicidade essas pessoas que
Deus lhes confiou… De qualquer forma, este texto toca-nos a todos, pois todos
somos, de alguma forma, responsáveis pelos irmãos que caminham conosco.
Convida-nos a refletir sobre a forma como tratamos os irmãos, na família, na
Igreja, no emprego, em qualquer lado… Recorda-nos que os irmãos que
caminham conosco não estão ao serviço dos nossos interesses pessoais e que a
nossa função é ajudar todos a encontrar a vida e a felicidade.
♦ O nosso texto faz referência a “um rei” que Deus vai enviar ao encontro do seu
Povo e que governará com sabedoria e justiça. Jesus é a concretização desta
promessa. Ele veio propor ao “rebanho” de Deus a vida plena e verdadeira…
Como é que nós, as “ovelhas” a quem se destina a proposta de salvação que Deus
nos faz em Jesus, acolhemos o que Ele nos veio dizer? As propostas de Jesus
encontram eco na nossa vida? Estamos sempre dispostos a acolher as indicações
e os valores que Ele nos apresenta?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 22 (23)
Refrão: O Senhor é meu pastor: nada me faltará.
O Senhor é meu pastor: nada me falta.
Leva-me a descansar em verdes prados,
conduz-me às águas refrescantes
e reconforta a minha alma.
Ele me guia por sendas direitas por amor do seu nome.
Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos,
não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo:
o vosso cajado e o vosso báculo me enchem de confiança.
Para mim preparais a mesa
à vista dos meus adversários;
com óleo me perfumais a cabeça,
e o meu cálice transborda.
A bondade e a graça hão de acompanhar-me
todos os dias da minha vida,
e habitarei na casa do Senhor
para todo o sempre.

LEITURA II – Ef 2,13-18
Irmãos:
Foi em Cristo Jesus que vós, outrora longe de Deus,
vos aproximastes dele, graças ao sangue de Cristo.
Cristo é, de fato, a nossa paz.
Foi Ele que fez de judeus e gregos um só povo
e derrubou o muro da inimizade que os separava,
anulando, pela imolação do seu corpo,
a Lei de Moisés com as suas prescrições e decretos.
E assim, de uns e outros,
Ele fez em Si próprio um só homem novo,
estabelecendo a paz.
Pela cruz reconciliou com Deus
uns e outros, reunidos num só Corpo,
levando em Si próprio a morte á inimizade.
Cristo veio anunciar a boa nova da paz,
paz para vós, que estáveis longe,
e paz para aqueles que estavam perto.
Por Ele, uns e outros podemos aproximar-nos do Pai,
num só Espírito.

AMBIENTE
A Carta aos Efésios é, provavelmente, um dos exemplares de uma “carta circular”
enviada a várias Igrejas da Ásia Menor, numa altura em que Paulo está na prisão (em
Roma? em Cesareia?). O seu portador é um tal Tíquico. Estamos por volta dos anos
58/60.
Alguns vêem nesta carta uma espécie de síntese da teologia paulina, numa altura em
que Paulo sente ter terminado a sua missão apostólica na Ásia e não sabe
exatamente o que o futuro próximo lhe reserva (recordemos que ele está, por esta
altura, prisioneiro e não sabe como vai terminar o cativeiro).
O tema central da carta aos Efésios é aquilo a que Paulo chama “o mistério”: o
desígnio (ou projeto) salvador de Deus, definido desde toda a eternidade, escondido
durante séculos aos homens, revelado e concretizado plenamente em Jesus,
comunicado aos apóstolos, desfraldado e dado a conhecer ao mundo na Igreja.
O texto que nos é aqui proposto integra a parte dogmática da carta. Depois de refletir
sobre o papel de Cristo no projeto de salvação que Deus tem para os homens (cf. Ef
2,1-10), Paulo refere-se à reconciliação operada por Cristo, que com a sua doação
uniu judeus e pagãos num mesmo Povo (cf. Ef 2,11-22).

MENSAGEM
Paulo dirige-se aos pagãos (“vós outrora longe de Deus” – vers. 13) e explica-lhes que
foi pelo sangue de Cristo que eles se aproximaram de Deus. Antes, eles adoravam os
ídolos e tinham convicções religiosas; mas desconheciam o verdadeiro Deus e a sua
proposta de salvação; agora, foram admitidos a fazer parte da família de Deus.
Além disso, a entrega de Cristo derrubou a tradicional barreira de inimizade que
separava judeus e pagãos e fez de todos um único Povo. Os judeus, convencidos de
que eram um Povo à parte, desprezavam os pagãos e não queriam qualquer contacto
com eles; as suas leis pugnavam por uma rígida separação e interditavam o contacto
com os outros povos. Os pagãos, por sua vez, nutriam um profundo desprezo pelos
judeus, pela sua diferença, pela sua arrogância…
Ora, Cristo veio apresentar uma proposta de vida que é para todos, sem exceção. O
que é decisivo, agora, não é a pertença a um determinado Povo, mas a forma como se
responde à proposta de vida que Jesus faz. Responder positivamente à proposta de
Cristo é passar a integrar a comunidade dos santos. A Lei de Moisés, com as suas
prescrições e exigências (que, na prática, vedavam aos pagãos a possibilidade de
integrar o Povo de Deus), fica anulada… Na nova economia da salvação, o que conta
é a disponibilidade para acolher a vida que Deus oferece e ser Homem Novo.
Nasce, assim, um “corpo” que integra os mais diversos membros, pertencentes a
todos os quadrantes da família humana. Todos aqueles que aceitaram integrar a
comunidade de Jesus, sem diferenças de etnias, de raças, de cor da pele, de classes
sociais ou culturais, pertencem à mesma família, a família de Deus. Todos – judeus e
pagãos – são, agora, membros da comunidade trinitária do Pai (que oferece a vida),
do Filho (que vem ao encontro dos homens para lhes comunicar a vida do Pai) e do
Espírito (que mantém unidos os membros deste “corpo” entre si e com Deus.

ATUALIZAÇÃO
♦ O texto que nos é proposto tem, em pano de fundo, essa verdade fundamental que
a liturgia nos recorda todos os domingos: Deus tem uma proposta de salvação
para oferecer a todos os homens, sem exceção; e essa proposta tem como
finalidade inserir-nos na família de Deus. A constatação de que para Deus não há
distinções e todos são, igualmente, filhos amados – para além das possíveis
diferenças raciais, étnicas, sociais ou culturais – é algo que nos tranquiliza, que
nos dá serenidade, esperança e paz. O nosso Deus é um pai que não marginaliza
nenhum dos seus filhos; e, se tem alguma predileção, não é por aqueles que o
mundo admira e endeusa, mas é pelos mais débeis, pelos mais fracos, pelos
oprimidos, pelos que mais sofrem.
♦ O que é verdadeiramente importante, na perspectiva de Deus, não é a cor da pele,
nem as capacidades intelectuais, nem as qualidades humanas, nem a pertença a
determinada instituição política ou religiosa, nem as contribuições (em dinheiro ou
em obras) que se dão à Igreja; mas o que é decisivo é ter disponibilidade para
acolher a vida que Ele oferece e para aderir à proposta de caminho que Ele faz.
Estou sempre numa permanente atitude de escuta das propostas de Deus, ou vivo
fechado a Deus e às suas indicações, num caminho de orgulho e de auto-suficiência?
Para mim, o que é que significam as propostas de Deus? Elas
influenciam as minhas opções, os meus valores, as minhas atitudes? A forma
como eu me relaciono com todos os homens e mulheres que encontro nos
caminhos deste mundo é coerente com essa proposta de vida que Deus me faz?
♦ A comunidade cristã é uma família de irmãos, que partilham a mesma fé e a
mesma proposta de vida. É um “corpo”, formado por uma grande diversidade de
membros, onde todos se sentem unidos em Cristo e entre si numa efetiva
fraternidade. As nossas comunidades (cristãs ou religiosas) são, efetivamente,
comunidades de irmãos que se amam, para além das diferenças legítimas que há
entre os membros? Nas nossas comunidades todos os irmãos são acolhidos e
amados, ou há irmãos considerados de segunda classe, marginalizados e
maltratados? Eu, pessoalmente, como é que vejo esses irmãos na fé que
caminham comigo? Perante as diferenças de perspectiva, como é que eu reajo:
com respeito pela opinião do outro, ou com intolerância?
♦ No mundo de hoje o fenômeno da globalidade aproxima-nos dos outros homens
que partilham conosco esta casa comum que é o mundo e torna-nos mais
tolerantes para com as diferenças. Contudo, subsistem muros – alicerçados nas
diferenças raciais, políticas, religiosas, sociais, afetivas – que impedem uma total
experiência de fraternidade universal. Na nossa vida pessoal e familiar, na nossa
vida pessoal e na nossa experiência de caminhada comunitária, aparecem
frequentemente muros que nos dividem, que impedem a comunicação, o encontro,
a comunhão. Nós, os discípulos desse Cristo que veio reconciliar “judeus e gregos”
e fazer de todos “um só povo”, temos o dever de dar testemunho da paz e da
unidade e de lutar objetivamente contra todas as barreiras que separam os
homens.

ALELUIA – Jo 10,27
Aleluia. Aleluia.
As minhas ovelhas escutam a minha voz, diz o Senhor;
Eu conheço as minhas ovelhas e elas seguem-Me.

EVANGELHO – Mc 6,30-34
Naquele tempo,
os Apóstolos voltaram para junto de Jesus
e contaram-Lhe tudo o que tinham feito e ensinado.
Então Jesus disse-lhes:
«Vinde comigo para um lugar isolado
e descansai um pouco».
De fato, havia sempre tanta gente a chegar e a partir
que eles nem tinham tempo de comer.
Partiram, então, de barco
para um lugar isolado, sem mais ninguém.
Vendo-os afastar-se, muitos perceberam para onde iam;
e, de todas as cidades, acorreram a pé para aquele lugar
e chegaram lá primeiro que eles.
Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão
e compadeceu-Se de toda aquela gente,
que eram como ovelhas sem pastor.
E começou a ensinar-lhes muitas coisas.

AMBIENTE
O Evangelho do passado domingo mostrava-nos Jesus a enviar os discípulos, dois a
dois, para pregarem o arrependimento, expulsarem os demônios, ungirem e curarem
os doentes (cf. Mc 6,7-13). O anúncio que é confiado aos discípulos é o anúncio que
Jesus fazia (o “Reino”); os gestos que os discípulos são convidados a fazer para
anunciar o “Reino”, são os mesmos que Jesus fez.
O Evangelho deste domingo apresenta-nos o regresso dos enviados de Jesus. Marcos
chama-lhes, agora, “apóstolos” (enviados): é a única vez que a palavra aparece no
Evangelho segundo Marcos. A missão correu bem e os “apóstolos” estão
entusiasmados, mas naturalmente cansados.
Não há, no texto, qualquer indicação do lugar onde a cena se teria desenrolado.

MENSAGEM
O nosso texto começa com a narração do regresso dos discípulos que,
entusiasmados, contam a Jesus a forma como se tinha desenrolado a missão que lhes
fora confiada (vers. 30). Na sequência, Jesus convida-os a irem com Ele para um lugar
isolado e a descansarem um pouco (vers. 31). Os discípulos foram, com Jesus, para
um lugar deserto (vers. 32); mas as multidões adivinharam para onde Jesus e os
discípulos se dirigiam e chegaram primeiro (vers. 33). Ao desembarcar, Jesus viu as
pessoas, teve compaixão delas (“porque eram como ovelhas sem pastor”) e pôs-se a
ensiná-las (vers. 34).
O episódio, em si, é banal… No entanto, Marcos vai aproveitá-lo para desenvolver a
sua catequese sobre o discipulado. A catequese apresentada por Marcos desenvolvesse à volta dos seguintes pontos:
1. Os apóstolos são os enviados de Jesus, chamados a continuar no mundo a missão
de Jesus. Essa missão consiste em anunciar o Reino. Para a concretizar, os apóstolos
convidam os homens que escutam a mensagem a mudarem a sua vida e a acolherem
a proposta que Jesus lhes faz. Os gestos dos discípulos (“expulsaram demônios,
curaram doentes” – Mc 6,13) anunciam esse mundo novo de homens livres e esse
projeto de vida verdadeira e plena que Deus quer oferecer a todos os homens.
2. A referência à necessidade de os “apóstolos” descansarem (pois nem sequer
tinham tempo para comer) pretende ser um aviso contra o ativismo exagerado, que
destrói as forças do corpo e do espírito e leva, tantas vezes, a perder o sentido da
missão.
3. Os “apóstolos” são convidados por Jesus a irem com Ele para um lugar isolado. Já
dissemos, acima, que não se nomeia esse lugar: na realidade, o que interessa aqui
não é o lugar geográfico, mas sim que esse “descanso” deve acontecer junto de
Jesus. É ao lado de Jesus, escutando-O, dialogando com Ele, gozando da sua
intimidade, que os discípulos recuperam as suas forças. Se os discípulos não
confrontarem, frequentemente, os seus esquemas e projetos pastorais com Jesus e a
sua Palavra, a missão redundará num fracasso.
4. Entretanto, as multidões tinham seguido Jesus e os discípulos a pé – quer dizer,
deslocando-se à volta do Lago de Tiberíades, com o barco sempre à vista. Esta busca
incansável e impaciente espelha, com algum dramatismo, a ânsia de vida que as
pessoas sentem… Jesus, cheio de compaixão, compara a multidão a um rebanho sem
pastor. Não é nos líderes religiosos ou políticos da nação que elas encontram
segurança e esperança; não é nos ritos da religião tradicional que elas encontram paz
e sentido para a vida… Mas é em Jesus e na sua proposta que as multidões
encontram vida verdadeira e plena. Na sequência, Marcos vai narrar-nos a cena da
multiplicação dos pães e dos peixes, que saciam a fome de cinco mil homens.

ATUALIZAÇÃO
♦ A proposta salvadora e libertadora de Deus para os homens, apresentada em
Jesus, é agora continuada pelos discípulos. Os discípulos de Jesus são – como
Jesus o foi – as testemunhas do amor, da bondade e da solicitude de Deus por
esses homens e mulheres que caminham pelo mundo perdidos e sem rumo, “como
ovelhas sem pastor”. As vítimas da economia global, os que são colocados à
margem da sociedade e da vida, os estrangeiros que buscam noutro país
condições dignas de vida e são empurrados de um lado para o outro, os doentes
que não têm acesso a um sistema de saúde eficiente, os idosos abandonados pela
família, as crianças que crescem nas ruas, aqueles que a vida magoou e que
ainda não conseguiram sarar as suas feridas, encontram em cada um de nós,
discípulos de Jesus, o amor, a bondade e a solicitude de Deus? Que fizemos com
essa proposta de vida nova e de libertação que Jesus nos mandou testemunhar
diante das “ovelhas sem pastor”?
♦ A missão dos discípulos não pode ser desligada de Jesus. Os discípulos devem,
com frequência, reunir-se à volta de Jesus, dialogar com Ele, escutar os seus
ensinamentos, confrontar permanentemente a pregação feita com a proposta de
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Jesus. Por vezes os discípulos (verdadeiramente comovidos com a situação das
“ovelhas sem pastor”) mergulham num ativismo descontrolado e acabam por
perder as referências; deixam de ter tempo e disponibilidade para se encontrarem
com Jesus, para confrontarem as suas opções e motivações com o projeto de
Jesus… Por vezes, passam a “vender”, como verdade libertadora, soluções que
são parciais e que geram dependência e escravidão (e que não vêm de Jesus);
outras vezes, tornam-se funcionários eficientes, que resolvem problemas sociais
pontuais, mas sem oferecerem às “ovelhas sem pastor” uma libertação verdadeira
e global; outras, ainda, cansam-se e abandonam a atividade e o testemunho…
Jesus é que dá sentido à missão do discípulo e que permite ao discípulo, tantas
vezes fatigado e desanimado, voltar a descobrir o sentido das coisas e renovar o
se empenho.
♦ A comoção de Jesus diante das “ovelhas sem pastor” é sinal da sua preocupação
e do seu amor. Revela a sua sensibilidade e manifesta a sua solidariedade para
com todos os sofredores. A comoção de Jesus convida-nos a sermos sensíveis às
dores e necessidades dos nossos irmãos. Todo o homem é nosso irmão e tem
direito a esperar de nós um gesto de bondade e de acolhimento. Não podemos
ficar no nosso canto, comodamente instalados, com a consciência em paz (porque
até já fomos à missa e rezamos as orações que a Igreja manda), a ver o nosso
irmão a sofrer. O nosso coração tem de doer, a nossa consciência tem de
questionar-nos, quando vimos um homem ou uma mulher (nem que seja um
desconhecido, nem que seja um estrangeiro), ser magoado, explorado, ofendido,
marginalizado, privado dos seus direitos e da sua dignidade. Um cristão é alguém
que tem de sentir como seus os sofrimentos do irmão.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 16º DOMINGO DO TEMPO COMUM
1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 16º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver
em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Deus tem piedade…
Uma grande multidão pode abafar física e moralmente. Compreende-se que Jesus
queira preservar os seus apóstolos: eles foram ao encontro das multidões para as
ensinar e fazer milagres, então Ele propõe-lhes para se afastarem para um lugar
deserto a fim de retomar o fôlego e não perderem o sentido daquilo que é essencial.
Mas a multidão tem fome de palavras e de sinais, é ela que dirige o curso dos
acontecimentos, parece querer recordar a Jesus e aos seus discípulos que eles não
têm o direito de fugir. Como reagem os apóstolos? Não sabemos. O que sabemos é
que Jesus se enche de piedade; este sentimento que o anima revela-nos algo do rosto
do Pai. É o coração de Deus que bate no coração de Jesus cheio de piedade. Sim,
Deus tem piedade da multidão na margem do lado Tiberíades, como outrora teve
piedade do seu povo escravo no Egito. E quando Deus tem piedade, Ele age.
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Instituição evangélica das férias!
«Vinde comigo para um lugar isolado e descansai um pouco». É a instituição
evangélica das férias! De fato, a multidão era tão numerosa que os Apóstolos nem
tinham tempo para comer. Deviam estar esgotados, tanto mais que regressavam do
primeiro envio em missão, que não terá sido propriamente um tempo de repouso.
Conhecemos a vida de Jesus, a sua missão, as grandes fadigas, as noites em oração,
sem dormir, após um dia extenuante… Numa das travessias de barco, aproveita
mesmo para repousar um pouco e dormir… Assim, Ele sabe estar atento à fadiga dos
seus companheiros. Convida-os a respeitar também as exigências da natureza
corporal, a ter um pouco de repouso. E nós, hoje? Sabemos bem que as férias não
são um luxo, se corresponderem àquilo para que existem: precisamente para respeitar
a nossa natureza humana, que exige tempos de relaxe, de recuperação, não apenas
física mas também intelectual e espiritual. As férias não são um tempo de ócio, mas de
“re-criação”, de retomar energias. Sabemos que há ainda muitos homens, mulheres e
crianças que são explorados como vulgares máquinas para produzir. Isso não é
respeitar a vontade criadora de Deus. O Evangelho de hoje, que cai bem em período
de férias, recorda-nos isso de modo muito oportuno. Isso é também válido para os
servidores do Evangelho! Os Apóstolos diminuem, as funções pastorais aumentam…
a fadiga também. Cabe a cada um tirar as devidas consequências evangélicas!
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Com o Salmo 22.
Como no Evangelho, temos de necessidade de nos afastar, de tomar alguma distância
em relação à nossa vida trepidante, para repousarmos… Mas, de fato, sabemos
repousar? Sem televisão, sem leitor de CD e DVD, sem Internet, sem vídeo, sem
barulhos de todas as espécies. Ousamos encontrar-nos no silêncio,
face a nós mesmos, face a Deus? Este momento que passarmos, só com Deus, pode
ser, antes de mais, um tempo de silêncio para nos colocarmos na sua presença,
seguindo-se um tempo de oração lenta e intensa do Salmo 22…

17º Domingo do Tempo Comum

A liturgia do 17º domingo Comum dá-nos conta da preocupação de Deus em saciar a
“fome” de vida dos homens. De forma especial, as leituras deste domingo dizem-nos
que Deus conta conosco para repartir o seu “pão” com todos aqueles que têm “fome”
de amor, de liberdade, de justiça, de paz, de esperança.
Na primeira leitura, o profeta Eliseu, ao partilhar o pão que lhe foi oferecido com as
pessoas que o rodeiam, testemunha a vontade de Deus em saciar a “fome” do mundo;
e sugere que Deus vem ao encontro dos necessitados através dos gestos de partilha e
de generosidade para com os irmãos que os “profetas” são convidados a realizar.
O Evangelho repete o mesmo tema. Jesus, o Deus que veio ao encontro dos homens,
dá conta da “fome” da multidão que O segue e propõe-Se libertá-la da sua situação de
miséria e necessidade. Aos discípulos (aqueles que vão continuar até ao fim dos
tempos a mesma missão que o Pai lhe confiou), Jesus convida a despirem a lógica do
egoísmo e a assumirem uma lógica de partilha, concretizada no serviço simples e
humilde em benefício dos irmãos. É esta lógica que permite passar da escravidão à
liberdade; é esta lógica que fará nascer um mundo novo.
Na segunda leitura, Paulo lembra aos crentes algumas exigências da vida cristã.
Recomenda-lhes, especialmente, a humildade, a mansidão e a paciência: são atitudes
que não se coadunam com esquemas de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de
preconceito em relação aos irmãos.

LEITURA I – 2 Rs 4,42-44
Naqueles dias,
veio um homem da povoação de Baal-Salisa
e trouxe a Eliseu, o homem de Deus,
pão feito com os primeiros frutos da colheita.
Eram vinte pães de cevada e trigo novo no seu alforje.
Eliseu disse: «Dá-os a comer a essa gente».
O servo respondeu:
«Como posso com isto dar de comer a cem pessoas?»
Eliseu insistiu:
«Dá-os a comer a essa gente,
porque assim fala o Senhor:
‘Comerão e ainda há de sobrar’».
Deu-lhos e eles comeram,
e ainda sobrou, segundo a palavra do Senhor.

AMBIENTE
As tradições proféticas sobre Elias e Eliseu (os “ciclos” de Elias e Eliseu) ocupam um
espaço significativo no Livro dos Reis (cf. 1 Rs 17,1-21,29; 2 Rs 1,1-13,21). Refere se
a um período bastante conturbado – quer em termos políticos, quer em termos
religiosos – da vida do Reino do Norte (Israel). Elias exerce a sua missão profética
durante os reinados de Acab (874-853 a.C.) e de Acazias (853-852 a.C.); Eliseu dá o
seu testemunho profético durante os reinados de Jorão (853-842 a.C.), de Jeú (842-
813 a.C.) e de Joacaz (813-797 a.C.).
Os reis de Israel procuraram sempre estabelecer relações comerciais, econômicas,
políticas e militares com os povos circunvizinhos. Essa abertura de fronteiras teve, no
entanto, os seus custos em termos de fidelidade a Jahwéh e à Aliança, uma vez que os cultos aos deuses estrangeiros entravam no país e ocupavam um lugar significativo na vida e no coração dos israelitas. É uma época de sincretismo religioso, em que a
religião jahwista é, com a complacência até com o apoio declarado dos reis de Israel,
preterida em favor dos cultos de Baal e de Astarte. Em termos sociais, é uma época
em que se multiplicam as injustiças contra os pobres e as arbitrariedades contra os
fracos. Tudo isto consubstancia um quadro de graves infidelidades contra Deus e
contra a Aliança.
É contra este quadro que se levantam Elias e Eliseu. Elias aparece como o
representante desses israelitas fiéis aos valores religiosos tradicionais, que recusavam
a coexistência de Jahwéh e de Baal no horizonte da fé de Israel; e a luta de Elias será
continuada por um dos seus discípulos – Eliseu.
Parece que Eliseu – o ator principal da primeira leitura deste domingo – fazia parte de
uma comunidade de “filhos de profetas” (os “benê nebi'im” – 2 Rs 2,3; 4,1). Trata-se
de uma comunidade de homens que viviam pobremente (2 Rs 4,1-7) e que eram os
seguidores incondicionais de Jahwéh. O Povo consultava-os regularmente e buscava
neles apoio face aos abusos dos poderosos. Eliseu é apresentado muitas vezes, nas
histórias narradas no “ciclo de Eliseu” (cf. 2 Rs 2; 3,4-27; 4,1-8,15; 9,1-10; 13,14-21),
como um profeta “dos milagres”, cujas ações mostram a presença da força e da vida
de Deus no meio do seu Povo. Outras vezes, Eliseu é o profeta da intervenção
política; a sua ação neste campo ultrapassa mesmo as fronteiras físicas de Israel e
chega a Damasco (cf. 2 Rs 8,7-15).

MENSAGEM
O texto que nos é proposto como primeira leitura conta que um homem de Baal-
Shalisha trouxe a Eliseu o “pão das primícias”: vinte pães de cevada e trigo novo num
saco. De acordo com Lv 23,20, o pão das primícias devia ser apresentado diante do
Senhor e consagrado ao Jahwéh, embora depois revertesse em benefício do
sacerdote… Deve ser este costume que está subjacente ao episódio da entrega dos
pães a Eliseu.
Eliseu, no entanto, não conservou os dons para si, mas mandou reparti-los pelas
pessoas que rodeavam o profeta. O “servo” do profeta não acreditava que os
alimentos oferecidos chegassem para cem pessoas; no entanto, chegaram e ainda
sobraram.
Estamos, aqui, diante de uma sucessão de gestos que revelam generosidade e
vontade de partilhar: do homem que leva os dons ao profeta e do profeta que não os
guarda para si, mas os manda partilhar com as pessoas que o rodeiam. A descrição
de uma milagrosa multiplicação de pães de cevada e de grãos de trigo sugere que,
quando o homem é capaz de sair do seu egoísmo e tem disponibilidade para partilhar
os dons recebidos de Deus, esses dons chegam para todos e ainda sobram. A
generosidade, a partilha, a solidariedade, não empobrecem, mas são geradoras de
vida e de vida em abundância.
Este relato fornecerá aos autores neo-testamentários o modelo literário em que se
inspirarão para apresentar os relatos evangélicos das multiplicações dos pães (cf. Mc
6,34-44; 8,1-10; Mt 14,13-21; 15,32-38; Lc 9,10-17).

ATUALIZAÇÃO
♦ O “profeta” é um homem chamado por Deus e enviado a ser o rosto de Deus no
meio do mundo. Nas palavras e nos gestos do “profeta”, é Deus que se manifesta
aos homens e que lhes indica a sua vontade e as suas propostas. No gesto de
repartir o pão para saciar a fome das pessoas, o “profeta” manifesta a eterna
preocupação de Deus com a “fome” do mundo (fome de pão, fome de liberdade,
fome de dignidade, fome de realização plena, fome de amor, fome de paz…) e a
sua vontade de dar aos homens vida em abundância… Não tenhamos dúvidas:
Deus preocupa-Se, todos os dias, em oferecer aos seus filhos vida em
abundância. É Deus que nos dá, dia a dia, o pão que mata a nossa fome de vida.
♦ Como é que Deus atua para saciar a fome de vida dos homens? É fazendo
chover do céu, milagrosamente, o “pão” de que o homem necessita? A nossa
primeira leitura sugere que Deus atua de forma mais simples e mais normal… É
através da generosidade e da partilha dos homens (primeiro do homem que decide
oferecer o fruto do seu trabalho; depois, do profeta que manda distribuir o
alimento) que o “pão” chega aos necessitados. Normalmente, Deus serve-Se dos
homens para intervir no mundo e para fazer chegar ao mundo os seus dons.
Muitas vezes sonhamos com gestos espetaculares de Deus e vivemos de olhos
fixos no céu à espera que Deus se digne intervir no mundo; e acabamos por não
perceber que Deus já veio ao nosso encontro e que Ele Se manifesta na ação
generosa de tantos homens e mulheres que praticam, sem publicidade, gestos de
partilha, de solidariedade, de doação, de entrega. É preciso aprendermos a
detectar a presença e o amor de Deus nesses gestos simples que todos os dias
testemunhamos e que ajudam a construir um mundo mais justo, mais fraterno e
mais solidário.
♦ Ao mostrar que é através das ações dos homens que Deus sacia a fome do
mundo, o nosso texto convida-nos ao compromisso. Deus precisa de nós, da
nossa generosidade e bondade, para ir ao encontro dos nossos irmãos
necessitados e para lhes oferecer vida em abundância. Nós, os crentes, somos
chamados a ser – como o profeta Eliseu – testemunhas desse Deus que quer
partilhar com os homens o seu “pão”; e esse “pão” de Deus deve derramar-se
sobre os nossos irmãos nos nossos gestos de partilha, de generosidade, de
solidariedade, de amor sem limites.

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 144 (145)
Refrão: Abris, Senhor, as vossas mãos e saciais a nossa fome.
Graças Vos dêem, Senhor, todas as criaturas
e bendigam-Vos os vossos fiéis.
Proclamem a glória do vosso reino
e anunciem os vossos feitos gloriosos.
Todos têm os olhos postos em Vós,
e a seu tempo lhes dais o alimento.
Abris as vossas mãos
e todos saciais generosamente.
O Senhor é justo em todos os seus caminhos
e perfeito em todas as suas obras.
O Senhor está perto de quantos O invocam,
de quantos O invocam em verdade.

LEITURA II – Ef 4,1-6
Irmãos:
Eu, prisioneiro pela causa do Senhor,
recomendo-vos que vos comporteis
segundo a maneira de viver a que fostes chamados:
procedei com toda a humildade, mansidão e paciência;
suportai-vos uns aos outros com caridade;
empenhai-vos em manter a unidade de espírito
pelo vínculo da paz.
Há um só Corpo e um só Espírito,
como existe uma só esperança na vida a que fostes chamados.
Há um só Senhor, uma só fé, um só Batismo.
Há um só Deus e Pai de todos,
que está acima de todos, atua em todos
e em todos Se encontra.

AMBIENTE
A Carta aos Efésios (que temos vindo a refletir e cujo texto vai continuar a
acompanhar-nos nos próximos domingos) parece ser uma “carta circular”, enviada a
várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor, inclusive aos cristãos de
Éfeso. É considerada uma “carta de cativeiro”, escrita por Paulo da prisão (os que
aceitam a autoria paulina desta carta discutem qual o lugar onde Paulo está preso,
nesta altura, embora a maioria ligue a carta ao cativeiro de Paulo em Roma entre
61/63).
De qualquer forma, é um texto bem trabalhado, que apresenta uma catequese sólida e
bem elaborada. Poderia ser um texto da fase “madura” de Paulo. Alguns autores
consideram a Carta aos Efésios uma espécie de síntese do pensamento paulino.
O texto que hoje nos é proposto como segunda leitura é o início da parte moral e
ética da carta (cf. Ef 4,1-6,20). Temos, aí, uma espécie de “exortação aos
batizados”, na qual Paulo reflete longamente sobre a edificação e o crescimento do
“Corpo de Cristo”. Em termos sempre bastante concretos, Paulo dá pistas aos cristãos
acerca da forma como eles devem viver os seus compromissos com Cristo, de forma a
chegarem a ser Homens Novos.

MENSAGEM
O nosso texto começa com uma referência ao fato de Paulo estar preso… A condição
de prisioneiro por causa de Jesus e do Evangelho dá um peso especial às
recomendações do apóstolo: são as palavras de alguém que leva tão a sério a
proposta de Jesus, que é capaz de sofrer e de arriscar a vida por ela.
Na perspectiva de Paulo, a vida nova exige, em primeiro lugar, que os crentes vivam
unidos em Cristo. Ora, há comportamentos e atitudes que são condição necessária
para que essa unidade se torne efetiva (vers. 2-3)… Antes de mais, Paulo refere a
humildade, pois só ela permite superar o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência que
afastam os irmãos e que erguem entre eles barreiras de separação; depois, Paulo
refere a mansidão, irmã da humildade, e qualidade que derruba barreiras na
comunhão; Paulo refere também a paciência, que permite ser tolerante e
compreensivo para com as falhas dos irmãos e que permite entender e aceitar as
diferentes maneiras de ser e de agir… Em resumo, trata-se, fundamentalmente, de
fazer com quem a caridade presida às relações que estabelecemos uns com os
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outros; o amor deve ser sempre o suporte das nossas relações humanas. A unidade é
um dom de Deus; mas, a sua efetivação depende do contribuição e do esforço de cada irmão.
Na segunda parte do nosso texto, Paulo apresenta um conjunto de elementos que
fundamentam a obrigatoriedade da unidade dos crentes: “há um só Corpo e um só
Espírito, como existe uma só esperança” na vida a que todos os crentes foram
chamados; “há um só Senhor, uma só fé, um só Batismo; há um só Deus e Pai de
todos, que está acima de todos, atua em todos e em todos se encontra” (vers. 4-6). A
menção do Pai, do Filho e do Espírito, neste contexto, sugere que a Trindade é a fonte
última e o modelo da unidade que os cristãos devem viver, na sua experiência de
caminhada comunitária.

ATUALIZAÇÃO
♦ A Igreja é um “corpo” – o “Corpo de Cristo”. Naturalmente, esse “corpo” é formado
por muitos membros, todos eles diversos; mas todos eles dependem de Cristo (a
“cabeça” desse “corpo”) e recebem dele a mesma vida. Formam, portanto, uma
unidade… Têm o mesmo Pai (Deus), têm um projeto comum (o projeto de
Jesus), têm o mesmo objetivo (fazer parte da família de Deus e encontrar a vida
em plenitude), caminham na mesma direção animados pelo mesmo Espírito, têm
a mesma missão (dar testemunho no mundo do projeto de amor que Deus tem
para os homens). Neste esquema, não fazem qualquer sentido as divisões, os
ciúmes, as rivalidades, as invejas, os ódios, as divergências que tantas vezes
dividem os irmãos da mesma comunidade. Quando os irmãos não se esforçam por
caminhar unidos, provavelmente ainda não descobriram os fundamentos da sua fé.
A minha comunidade (cristã ou religiosa) é uma comunidade que caminha unida e
solidária, partilhando a vida e o amor, apesar das diferenças legítimas dos seus
membros? Em termos pessoais, sinto-me um construtor de unidade, ou um fator
de divisão?
♦ Para que a unidade seja possível, Paulo recomenda aos destinatários da Carta
aos Efésios a humildade, a mansidão e a paciência. São atitudes que não se
coadunam com esquemas de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de
preconceito em relação aos irmãos. Como é que eu me situo face aos outros? A
minha relação com os irmãos é marcada pelo egoísmo ou pela disponibilidade
para servir e partilhar? Procuro estar atento às necessidades dos outros e ir ao seu
encontro, ou levanto muros de orgulho e de auto-suficiência que impedem a
relação, a comunhão, a comunicação? Estou aberto às diferenças e disposto a
dialogar, ou vivo entrincheirado nos meus preconceitos, catalogando e
marginalizando aqueles que não concordam comigo?
♦ A Igreja é uma unidade; mas é também uma comunidade de pessoas muito
diferentes, em termos de raça, de cultura, de língua, de condição social ou
econômica, de maneiras de ser... As diferenças legítimas nunca devem ser vistas
como algo negativo, mas como uma riqueza para a vida da comunidade; não
devem levar ao conflito e à divisão, mas a uma unidade cada vez mais estreita,
construída no respeito e na tolerância. A diversidade é um valor, que não pode
nem deve anular a unidade e o amor dos irmãos.

ALELUIA – Lc 7,17
Aleluia. Aleluia.
Apareceu entre nós um grande profeta:
Deus visitou o seu povo.

EVANGELHO – Jo 6,1-5
Naquele tempo,
Jesus partiu para o outro lado do mar da Galileia,
ou de Tiberíades.
Seguia-O numerosa multidão,
por ver os milagres que Ele realizava nos doentes.
Jesus subiu a um monte
e sentou-Se aí com os seus discípulos.
Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus.
Erguendo os olhos
e vendo que uma grande multidão vinha ao seu encontro,
Jesus disse a Filipe:
«Onde havemos de comprar pão para lhes dar de comer?»
Dizia isto para o experimentar,
pois Ele bem sabia o que ia fazer.
Respondeu-Lhe Filipe:
«Duzentos denários de pão não chegam
para dar um bocadinho a cada um».
Disse-Lhe um dos discípulos, André, irmão de Simão Pedro:
«Está aqui um rapaz que tem cinco pães de cevada e dois peixes.
Mas que é isso para tanta gente?»
Jesus respondeu: «Mandai sentar essa gente».
Havia muita erva naquele lugar
e os homens sentaram-se em número de uns cinco mil.
Então, Jesus tomou os pães, deu graças
e distribuiu-os aos que estavam sentados,
fazendo o mesmo com os peixes;
E comeram quanto quiseram.
Quando ficaram saciados,
Jesus disse aos discípulos:
«Recolhei os bocados que sobraram,
para que nada se perca».
Recolheram-nos e encheram doze cestos
com os bocados dos cinco pães de cevada
que sobraram aos que tinham comido.
Quando viram o milagre que Jesus fizera,
aqueles homens começaram a dizer:
«Este é, na verdade, o Profeta que estava para vir ao mundo».
Mas Jesus, sabendo que viriam buscá-lo para O fazerem rei,
retirou-Se novamente, sozinho, para o monte.

AMBIENTE
A liturgia propõe-nos hoje (e durante mais alguns domingos) a leitura do capítulo 6 do
Evangelho segundo João – a catequese sobre Jesus, o Pão da vida.
Na primeira parte do Evangelho (cf. Jo 4,1-19,42), João apresenta a atividade de
Jesus no sentido de criar e dar vida ao homem, de forma a que surja um Homem
Novo, liberto do egoísmo e do pecado, animado pelo Espírito, capaz de seguir Jesus e
de viver na mesma dinâmica de Jesus – isto é, no amor ao Pai e aos irmãos. Esta
primeira parte divide-se em dois “livros” – o “Livro dos Sinais” (cf. Jo 4,1-11,56) e o
“Livro da Hora” (cf. Jo 12,1-19,42).
No “Livro dos Sinais” (cf. Jo 4,1-11,56), o autor do Quarto Evangelho expõe,
recorrendo a símbolos significativos (a “água” – cf. Jo 4,1-5,47; o “pão” – cf. Jo 6,1-
7,53; a “luz” – cf. Jo 8,12-9,41; o “pastor” – cf. Jo 10,1-42; a “ressurreição” – cf. Jo
11,1-56), a sua catequese sobre a acção de Jesus em favor do homem. Jesus é aí
apresentado como a proposta de vida verdadeira que o homem é convidado a acolher
e a assimilar.
No capítulo 6 – que hoje começamos a ler – João apresenta Jesus como o Pão que
sacia a sede de vida que o homem sente. O episódio hoje narrado é geograficamente
situado “na outra margem” do Lago de Tiberíades (no capítulo anterior, Jesus estava
em Jerusalém, no centro da instituição judaica; agora, sem transição, aparece na
Galileia, a atravessar o “mar” para o outro lado). Em termos cronológicos, João nota
que estava perto a Páscoa, a festa mais importante do calendário religioso judaico,
que celebrava a libertação do Povo de Deus da opressão do Egito.

MENSAGEM
Uma leitura, ainda que superficial, do texto que nos é proposto mostra alguns
interessantes paralelos entre a cena da multiplicação dos pães e a libertação do Povo
de Deus da escravidão do Egito, com Jesus no papel de Moisés, o libertador. O fato
dá-nos, logo à partida, uma chave de leitura para entender esta catequese: João quer
apresentar a ação de Jesus como uma ação libertadora que visa fazer passar o
Povo da terra da escravidão para a terra da liberdade… A catequese que João nos
apresenta vai desenvolver-se em vários passos:
1. Começa com uma referência à “passagem do mar” (que, na realidade, é um lago);
essa referência pode aludir à passagem do Mar Vermelho por Moisés com o Povo
libertado do Egito (cf. Ex 14,15-31). O objetivo final de Jesus é, portanto, fazer o
Povo que o acompanha passar da terra da escravidão para a terra da liberdade.
2. Como aconteceu com Moisés, com Jesus vai uma grande multidão. A multidão que
acompanha Jesus pretende “ver os sinais que ele realizava nos enfermos” (vers. 2). O
termo grego aqui utilizado (“asthenês” – “enfermos”) designa, em geral, alguém que
está numa situação de grande debilidade. A multidão segue Jesus, pois quer ver os
sinais que Ele faz e que representam a libertação do homem da sua debilidade e
fragilidade. É um Povo marcado pela opressão, que quer experimentar a libertação. Já
perceberam que só Jesus, o libertador, conseguirá ajudá-los a superar a sua condição
de miséria e de escravidão.
3. Jesus – diz o nosso texto – subiu a “um monte” (vers. 3). A referência ao “monte”
leva-nos ao contexto da Aliança do Sinai e ao monte onde Deus ofereceu ao Povo,
através de Moisés, os mandamentos. Dizer que Jesus subiu ao “monte” significa dizer
que é através de Jesus que se vai realizar a nova Aliança entre Deus e esse Povo de
gente livre que, com Jesus, “atravessou o mar” em direção à terra da liberdade.
4. A referência à Páscoa que estava próxima (vers. 4) seria uma referência inútil, se
não estivéssemos no contexto da libertação do Povo da escravidão. Na época de
Jesus, a Páscoa era a festa da libertação e da constituição do Povo de Deus; mas era
também a festa que anunciava esse tempo futuro em que o Messias ia libertar
definitivamente o Povo de Deus. Nesta altura, o Povo devia subir a Jerusalém para, no
 “monte” do Templo, celebrar a libertação; em contrapartida, a multidão segue Jesus
para um outro “monte”, do outro lado do mar… O Povo começa a libertar-se do jugo
das instituições judaicas e a perceber que é em Jesus que se vão inaugurar os tempos
novos da liberdade e da paz.
5. A multidão que segue Jesus tem fome e não tem que comer (vers. 5-6). A referência
leva-nos, outra vez, ao Êxodo, ao deserto, quando o Povo que caminhava para a terra
da liberdade sentiu fome. Então, foi Deus que respondeu à necessidade do Povo e lhe
deu comida em abundância; aqui, é Jesus que se apercebe das necessidades da
multidão e tenta remediá-las. Ele mostra, assim, o rosto do Deus do amor e da
bondade, sempre atento às necessidades do seu Povo.
6. Qual a solução que Jesus vai dar à “fome” da multidão? Na procura da solução,
Jesus envolve a comunidade dos discípulos (“onde havemos de comprar pão para
lhes dar de comer?” – vers. 5). A comunidade de Jesus (onde naturalmente Jesus se
inclui) tem de sentir-se responsável pela “fome” dos homens e tem de sentir que é sua
responsabilidade e missão saciar essa “fome”.
João nota que Jesus põe a questão aos discípulos (representados por Filipe) para os
“experimentar” (vers. 6). O problema pode ser posto da seguinte forma: como é que a
comunidade dos discípulos – formados na escola e nos valores de Jesus – pretende
responder à fome do mundo? É recorrendo ao sistema econômico vigente, que se
baseia no egoísmo e no poder do dinheiro e coloca os bens nas mãos de poucos,
gerando uma lógica de opressão, de dependência e de necessidade? Será este o
sistema desse mundo novo e livre que Jesus deseja instituir? Os discípulos de Jesus
alinham com esse sistema opressor, baseado na compra, na venda e no lucro, ou já
perceberam que Jesus tem uma proposta nova a fazer, geradora de libertação e de
vida em abundância para todos?
7. Filipe constata a impossibilidade de resolver o problema, dentro do quadro
econômico vigente… “Duzentos denários não bastariam para dar um pedaço a cada
um” (vers. 7). Um denário equivalia ao salário base de um dia de trabalho; assim, nem
o dinheiro de mais de meio ano de trabalho daria para resolver o problema. Por outras
palavras: confiando no sistema instituído (o da compra e venda, que supõe o sistema
econômico regido pelo lucro egoísta), é impossível resolver o problema da
necessidade dos esfomeados. A comunidade de Jesus é convidada, portanto, a
abandonar este sistema e a encontrar outros…
8. André, porém, vislumbra uma solução diferente (vers. 8-9). Este apóstolo
representa, na comunidade de Jesus, essa categoria dos que aderiram a Jesus de
forma convicta, que têm uma grande intimidade com Jesus e que, portanto, estão mais
conscientes das propostas de Jesus. No entanto, André não está muito convicto dos
resultados (“o que é isso para tanta gente?”). Seria bom – considera André – encontrar
outro sistema diferente do sistema explorador; mas isso não resulta… Jesus vai,
precisamente, provar que é possível encontrar outro sistema que reparta vida e que
elimine a lógica da exploração.
9. A figura do “menino” que apenas aparece na cena da multiplicação dos pães na
versão de João é uma figura desnecessária do ponto de vista da narração: para o
resultado final, tanto dava que o possuidor dos pães e dos peixes fosse uma criança
ou um adulto. Sendo assim, porque é que João insiste em falar de uma criança?
Porque a figura do “menino” é muito significativa: quer pela idade, quer pela condição,
é um “débil”, física e socialmente. Representa a debilidade da comunidade de Jesus
face às enormes carências do mundo. A palavra grega utilizada por João para falar da
criança indica simultaneamente um “menino” e um “servo”: a comunidade,
representada nesse “menino”, apresenta-se diante do mundo como um grupo
socialmente humilde, sem pretensão alguma de poder e de domínio, dedicada ao
serviço dos homens. É essa comunidade simples e humilde, vocacionada para o
serviço, que é chamada a resolver a questão da necessidade dos pobres e a instaurar
um novo sistema libertador. Qual é esse sistema?
10. Os números “cinco” (“pães”) e dois (“peixes”, também não aparecem por acaso: a
sua soma dá “sete” – o número que significa totalidade… Ou seja: é na partilha da
totalidade do que a comunidade possui que se responde à carência dos homens. É
uma totalidade fracionada e diversificada; mas que, posta ao serviço dos irmãos,
sacia a fome do mundo.
11. Sobre os alimentos disponibilizados pela comunidade, Jesus pronuncia uma
“ação de graças” (vers. 11). O “dar graças” significa reconhecer que os bens são
dons que vêm de Deus. Ora, reconhecer que os bens vêm de Deus significa
desvinculá-los do seu poder humano, para reconhecer que eles são um dom
gratuito que Deus oferece aos homens; e Deus não oferece a uns e não a outros…
“Dar graças” é reconhecer que os bens recebidos pertencem a todos e que quem os
possui é apenas um administrador encarregado de os pôr à disposição de todos os
irmãos, com a mesma gratuidade com que os recebeu. Os bens são, assim, libertos
da posse exclusiva de alguns, para serem dom de Deus para todos os homens. É este
o sistema que Deus quer instaurar no mundo; e a comunidade cristã é chamada a
testemunhar esta lógica.
12. Uma vez saciada a fome do mundo, através desses bens que a comunidade
recebeu de Deus e que pôs ao serviço de todos os homens, os discípulos são
chamados a outras tarefas. Há sobras que não se podem perder, mas que devem ser
o princípio de outras abundâncias. É preciso multiplicar incessantemente o amor e o
pão… E a comunidade, uma vez percebido o projeto de Jesus, deve usar o que tem
para continuar a oferecer a vida aos homens. A referência aos doze cestos recolhidos
pelos discípulos pode ser uma alusão a Israel (as doze tribos): se a comunidade dos
discípulos souber partilhar aquilo que recebeu de Deus, pode satisfazer a fome de
todo o Povo (vers. 12-13).
13. Alguns dos que testemunharam a multiplicação dos pães e dos peixes têm
consciência de que Jesus é o Messias que devia vir para dar ao seu Povo vida em
abundância e querem fazê-lo rei (vers. 14-15). Jesus não aceita… Ele não veio
resolver os problemas do mundo instaurando um sistema de autoridade e de poder;
mas veio convidar os homens a viverem numa lógica de partilha e de solidariedade,
que se faz dom e serviço humilde aos irmãos. É dessa forma que Ele se propõe – com
a colaboração dos discípulos – eliminar o sistema opressor, responsável pela fome e
pela miséria. O mundo novo que Jesus veio propor não assenta numa lógica de poder
e autoridade, mas no serviço simples e humilde que leva a partilhar a vida com os
irmãos.
A perícopa que nos é hoje proposta pretende, pois, apresentar o projeto de Deus
realizado em Jesus como um projeto de libertação, que há de eliminar a opressão e
instaurar um mundo de homens livres, salvos do egoísmo e capazes de amar e de
partilhar. Frente ao sistema que se baseia no lucro e na exploração, Jesus propõe
uma nova atitude. É necessário – diz Jesus – substituir o egoísmo pelo amor e pela
partilha. A comunidade de Jesus tem a função de descobrir esta lógica, de a acolher e
de propô-la ao mundo. Ela tem de aprender que os bens são um dom de Deus,
destinados a todos. Procedendo dessa forma, ela está a instaurar um novo sistema e
a libertar os homens desses condicionamentos egoístas que geram injustiça,
necessidade, carência, debilidade, sofrimento. Quem quiser acompanhar Jesus neste
caminho, passará seguramente da escravidão do lucro para a liberdade da partilha, do
serviço, do amor aos irmãos.

ATUALIZAÇÃO
♦ Jesus é o Deus que se revestiu da nossa humanidade e veio ao nosso encontro
para nos revelar o seu amor. O seu projeto – projeto que Ele concretizou em
cada palavra e em cada gesto enquanto percorreu, com os seus discípulos, as
vilas e aldeias da Palestina – consiste em libertar os homens de tudo aquilo que os
oprime e lhes rouba a vida. O nosso texto mostra Jesus atento às necessidades da
multidão, empenhado em saciar a fome de vida dos homens, preocupado em
apontar-lhes o caminho que conduz da escravidão à liberdade. A atitude de Jesus
é, para nós, uma expressão clara do amor e da bondade de um Deus sempre
atento às necessidades do seu Povo. Garante-nos que, ao longo do caminho da
vida, Deus vai ao nosso lado, atento aos nossos dramas e misérias, empenhado
em satisfazer as nossas necessidades, preocupado em dar-nos o “pão” que sacia
a nossa fome de vida. A nós, compete-nos abrir o coração ao seu amor e acolher
as propostas libertadoras que Ele nos faz.
♦ A “fome” de pão que a multidão sente e que Jesus quer saciar é um símbolo da
fome de vida que faz sofrer tantos dos nossos irmãos… Os que têm “fome” são
aqueles que são explorados e injustiçados e que não conseguem libertar-se; são
os que vivem na solidão, sem família, sem amigos e sem amor; são os que têm
que deixar a sua terra e enfrentar uma cultura, uma língua, um ambiente estranho
para poderem oferecer condições de subsistência à sua família; são os
marginalizados, abandonados, segregados por causa da cor da sua pele, por
causa do seu estatuto social ou econômico, ou por não terem acesso à educação
e aos bens culturais de que a maioria desfruta; são as crianças vítimas da
violência e da exploração; são as vítimas da economia global, cuja vida dança ao
sabor dos interesses das multinacionais; são as vítimas do imperialismo e dos
interesses dos grandes do mundo… É a esses e a todos os outros que têm “fome”
de vida e de felicidade, que a proposta de Jesus se dirige.
♦ No nosso Evangelho, Jesus dirige-se aos seus discípulos e diz-lhes: “dai-lhes vós
mesmos de comer”. Os discípulos de Jesus são convidados a continuar a missão
de Jesus e a distribuírem o “pão” que mata a fome de vida, de justiça, de
liberdade, de esperança, de felicidade de que os homens sofrem. Depois disto,
nenhum discípulo de Jesus pode olhar tranquilamente os seus irmãos com “fome”
e dizer que não tem nada com isso… Os discípulos de Jesus são convidados a
responsabilizarem-se pela “fome” dos homens e a fazerem tudo o que está ao seu
alcance para devolver a vida e a esperança a todos aqueles que vivem na miséria,
no sofrimento, no desespero.
♦ No nosso Evangelho, os discípulos constatam que, recorrendo ao sistema
econômico vigente, é impossível responder à “fome” dos necessitados. O sistema
capitalista vigente – que, quando muito, distribui a conta gotas migalhas da riqueza
para adormecer a revolta dos explorados – será sempre um sistema que se apóia
na lógica egoísta do lucro e que só cria mais opressão, mais dependência, mais
necessidade. Não chega criar melhores programas de assistência social ou
programas de rendimento mínimo garantido, ou outros sistemas que apenas
perpetuam a injustiça… Os discípulos de Jesus têm de encontrar outros caminhos
e de propor ao mundo que adote outros valores. Quais?
♦ Jesus propõe algo de realmente novo: propõe uma lógica de partilha. Os
discípulos de Jesus são convidados a reconhecer que os bens são um dom de
Deus para todos os homens e que pertencem a todos; são convidados a quebrar a
lógica do açambarcamento egoísta dos bens e a pôr os dons de Deus ao serviço
de todos. Como resultado, não se obtém apenas a saciedade dos que têm fome,
mas um novo relacionamento fraterno entre quem dá e quem recebe, feito de
reconhecimento e harmonia que enriquece ambos e é o pressuposto de uma nova
ordem, de um novo relacionamento entre os homens. É esta a proposta de Deus; e
é disto que os discípulos são chamados a dar testemunho.
♦ Os discípulos de Jesus não podem, contudo, dirigir-se aos irmãos necessitados
olhando-os “do alto”, instalados nos seus esquemas de poder e autoridade,
usando a caridade como instrumento de apoio aos seus projetos pessoais, ou
exigindo algo em troca… Os discípulos de Jesus devem ser um grupo humilde (a
 “criança” do Evangelho), sem pretensão alguma de poder e de domínio, e que
apenas está preocupado em servir os irmãos com “fome”.
♦ O que resulta da proposta de Jesus é uma humanidade totalmente livre da
escravidão dos bens. Os necessitados tornam-se livres porque têm o necessário
para viverem uma vida digna e humana; os que repartem os bens libertam-se da
lógica egoísta dos bens e da escravidão do dinheiro e descobrem a liberdade do
amor e do serviço.
♦ No final, os discípulos são convidados a recolher os restos, que devem servir para
outras “multiplicações”. A tarefa dos discípulos de Jesus é uma tarefa nunca
acabada, que deverá recomeçar em qualquer tempo e em qualquer lugar onde
haja um irmão “com fome”.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 17º DOMINGO DO TEMPO COMUM
1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 17º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver
em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Jesus não fecha os olhos diante dos homens: não somente vê a multidão, como se
apercebe da sua fome. Antes de fazer o milagre, solicita a confiança dos seus
apóstolos, esta confiança que Ele põe à prova. Então faz dois gestos: vira-se para
Deus seu Pai, dando graças, e distribui o alimento. Que contraste gritante entre esta
multidão que tem fome e o alimento que lhe vai ser oferecido, cinco pães e dois
peixes. E ao mesmo quanta abundância! Não somente a multidão está saciada, mas
sobram doze cestos. É a prodigalidade do Amor: Deus ama infinitamente, e este sinal
operado por Jesus anuncia não o poder de um rei, mas o dom de Deus a todos os
homens. Não somente Jesus veio para o maior número, mas veio dar a vida em
abundância. Este sinal anuncia um outro sinal. Depois de ter comido, a multidão, no
dia seguinte, terá ainda fome. Mas o alimento que Cristo ressuscitado oferecerá aos
homens será a sua vida, e aqueles que comerem este Pão de Vida jamais terão fome.
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Jesus não cria pães e peixes a partir de nada. Cria a partir dos cinco pães e dois
peixes do rapaz. A partir do pão dos pobres! Ao multiplicar os pães e os peixes,
Jesus multiplica o dom do rapaz. Mas é ridículo alimentar uma multidão de cinco mil
homens com tão pequena quantidade. Mas uma pequena quantidade pode ter um
valor infinito. Jesus não olha como nós. O nosso olhar deve ser como o de Jesus.
Quando damos amor, amizade, um pouco do nosso tempo ou simplesmente um
sorriso, quando procuramos respeitar o outro, sem o julgar, quando fazemos um
caminho de perdão… Jesus serve-se desse pequeno pouco para construir conosco,
pacientemente, dia após dia, o seu Reino.
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Procuremos afastar-nos um pouco da vida frenética e stressante, procuremos ser
menos inquietos e mais confiantes… Fiar-se mais no Senhor, dispor-se para
responder às diversas missões e confiar tudo isso ao Senhor, para que Ele
multiplique…

18º Domingo do Tempo Comum

Tema do 18º Domingo do Tempo Comum
A liturgia do 18º Domingo do Tempo Comum repete, no essencial, a mensagem das leituras do passado domingo. Assegura-nos que Deus está empenhado em oferecer ao seu Povo o alimento que dá a vida eterna e definitiva.
A primeira leitura dá-nos conta da preocupação de Deus em oferecer ao seu Povo, com solicitude e amor, o alimento que dá vida. A ação de Deus não vai, apenas, no sentido de satisfazer a fome física do seu Povo; mas pretende também (e principalmente) ajudar o Povo a crescer, a amadurecer, a superar mentalidades estreitas e egoístas, a sair do seu fechamento e a tomar consciência de outros valores.
No Evangelho, Jesus apresenta-Se como o “pão” da vida que desceu do céu para dar vida ao mundo. Aos que O seguem, Jesus pede que aceitem esse “pão” – isto é, que escutem as palavras que Ele diz, que as acolham no seu coração, que aceitem os seus valores, que adiram à sua proposta.
A segunda leitura diz-nos que a adesão a Jesus implica o deixar de ser homem velho e o passar a ser homem novo. Aquele que aceita Jesus como o “pão” que dá vida e adere a Ele, passa a ser uma outra pessoa. O encontro com Cristo deve significar, para qualquer homem, uma mudança radical, um jeito completamente diferente de se situar face a Deus, face aos irmãos, face a si próprio e face ao mundo.

LEITURA I – Ex 16,2-4.12-15
Leitura do Livro do Êxodo
Naqueles dias,
toda a comunidade dos filhos de Israel
começou a murmurar no deserto contra Moisés e Aarão.
Disseram-lhes os filhos de Israel:
«Antes tivéssemos morrido às mãos do Senhor na terra do Egito,
quando estávamos sentados ao pé das panelas de carne
e comíamos pão até nos saciarmos.
Trouxestes-nos a este deserto,
para deixar morrer à fome toda esta multidão».
Então o Senhor disse a Moisés:
«Vou fazer que chova para vós pão do céu.
O povo sairá para apanhar a quantidade necessária para cada dia.
Vou assim pô-lo à prova,
para ver se segue ou não a minha lei.
Eu ouvi as murmurações dos filhos de Israel.
Vai dizer-lhes:
‘Ao cair da noite comereis carne
e de manhã saciar-vos-eis de pão.
Então reconhecereis que Eu sou o Senhor, vosso Deus’».
Nessa tarde apareceram codornizes,
que cobriram o acampamento,
e na manhã seguinte havia uma camada de orvalho
em volta do acampamento.
Quando essa camada de orvalho se evaporou,
apareceu à superfície do deserto uma substância granulosa,
fina como a geada sobre a terra.
Quando a viram, os filhos de Israel perguntaram uns aos outros:
«Man-hu?», quer dizer: «Que é isto?»,
pois não sabiam o que era.
Disse-lhes então Moisés:
«É o pão que o Senhor vos dá em alimento».

AMBIENTE
A secção de Ex 15,22-18,27 desenvolve um dos grandes temas do Pentateuco: a marcha pelo deserto. Aqui estamos, ainda, na primeira etapa dessa marcha – a que vai desde a passagem do mar, até ao Sinai.
Três dos episódios apresentados nesta secção tratam o tema da murmuração do Povo (cf. Ex 15,22-27; 16,1-21; 17,1-7). O esquema é simples e é sempre o mesmo: o Povo desconfia e murmura diante das dificuldades, subleva-se contra Moisés e chega a acusar Deus pelos desconfortos da caminhada; quando estão prestes a sofrer o castigo pela sua revolta, Moisés intercede diante do Jahwéh e o Senhor perdoa o pecado do Povo; finalmente, apesar do pecado, Jahwéh concede ao Povo os bens de que este sente necessidade. Os relatos apresentam-se sempre de uma forma dramática, com um crescendo de intensidade até ao desfecho final, que se apresenta sempre na forma de uma intervenção prodigiosa de Deus, em benefício do seu Povo.
Provavelmente, estes relatos têm por base elementos de caráter histórico (dificuldades reais sentidas pelos hebreus que saíram do Egito com Moisés, no seu caminho para a Terra Prometida, através do deserto do Sinai) e que ficaram na memória coletiva; no entanto, os catequistas bíblicos estão mais interessados em fazer catequese, do que em apresentar uma reportagem jornalística da viagem (o episódio mistura uma catequese “jahwista”, do séc. X a.C. com uma catequese “sacerdotal”, do séc. VI a.C). A catequese apresentada pretende sempre avisar o Povo contra a tentação de procurar refúgio e segurança fora de Jahwéh… Aqui, Israel fala em regressar ao Egito, onde eram escravos, mas tinham pão e carne em abundância: o Egito representa a tentação que o Povo sentiu, em tantas situações da sua história, de voltar atrás, de abandonar os valores e a vida de Deus, de se instalar comodamente em esquemas à margem de Deus. O catequista jahwista garante ao seu Povo que Deus o acompanha sempre ao longo da sua caminhada e que só ele oferece a Israel vida em abundância.
O episódio que hoje nos é proposto – o episódio das codornizes e do maná – é situado no deserto de Sin, “que está entre Elim e o Sinai, no décimo quinto dia do segundo mês após a saída da terra do Egito” (Ex 16,1). O deserto de Sin estende-se de Kadesh-Barnea para ocidente.
A história das codornizes tem por base um fenômeno que se observa, por vezes, na Península do Sinai: a migração em massa de codornizes que, depois de atravessar o mar, chegam ao Sinai muito cansadas da viagem, pousam junto das tendas dos beduínos e deixam-se apanhar com facilidade. A história do maná deve ter por base uma pequena árvore (“tamarix mannifera”) existente em certas zonas do Sinai que, após ser picada por um inseto, segrega uma substância resinosa e espessa que logo se coagula; os beduínos recolhem, ainda hoje, essa substância (que chamam “man”), derretem-na ao calor do sol e passam-na sobre o pão.
Vai ser com estes elementos – elementos que o Povo conheceu e que o impressionaram, ao longo da marcha pelo deserto – que os catequistas bíblicos vão “amassar” a catequese que nos transmitem no texto que nos é proposto.

MENSAGEM
1. O episódio começa com a murmuração do Povo “contra Moisés e contra Aarão” (vers. 2). Por estranho que pareça, Israel sente saudades do tempo em que passou no Egito pois, apesar da escravidão, estava sentado “ao pé de panelas de carne” e comia “pão com fartura” (vers. 3). Ao longo da caminhada, vêm ao de cima as limitações e as deficiências de um grupo humano ainda com mentalidade de escravo, demasiado “verde” e sem maturidade, agarrado à mesquinhez, ao egoísmo, ao comodismo, que prefere a escravidão à liberdade. Por outro lado, é um Povo que ainda não aprendeu a confiar no seu Deus, a segui-lo de olhos fechados, a responder sem hesitações às suas propostas, a segui-l’O incondicionalmente no caminho da fé.
2. A resposta de Deus é “fazer chover pão do céu” (vers. 4) e dar ao Povo carne em abundância (vers. 12). O objetivo de Deus é, não só satisfazer as necessidades materiais do Povo, mas também revelar-Se como o Deus da bondade e do amor, que cuida do seu Povo, que está sempre ao seu lado ao longo da caminhada, que milagrosamente entrega de bandeja a Israel a possibilidade de satisfazer as suas necessidades mais básicas e de vencer as forças da morte que se ocultam nas areias do deserto. Dessa forma, o Povo pode fazer uma experiência de encontro e de comunhão com Deus, que se traduzirá em confiança, em amor, em entrega. O cuidado, a solicitude e o amor de Deus experimentados nesta “crise”, não só ajudarão o Povo a sobreviver, mas irão permitir-lhe, também, superar mentalidades estreitas e egoístas, fazendo-o ver mais além, alargar os horizontes, tornar-se mais adulto, mais consciente, mais responsável e mais santo. Israel aprende, assim, a confiar em Deus, a entregar-se nas suas mãos, a não duvidar do seu amor e fidelidade… Israel aprende, neste percurso, que Jahwéh é a rocha segura em quem se pode confiar nas crises e dramas da vida.
3. O fato de se dizer que Deus apenas dava ao Povo a quantidade de maná necessária “para cada dia” (vers. vers. 4) é uma bonita lição sobre desprendimento e confiança em Deus. Ensina o Povo a não acumular bens, a não viver para o “ter”, a libertar o coração da ganância e do desejo de possuir sempre mais, a não viver angustiado com o futuro e com o dia de amanhã; ensina, também, a confiar em Deus, a entregar-se serenamente nas suas mãos, a vê-l’O como verdadeira fonte de vida.

ATUALIZAÇÃO
• Mais uma vez, a Palavra de Deus que nos é proposta dá-nos conta da preocupação de Deus em oferecer ao seu Povo, com solicitude e amor, o alimento que dá vida. A ação de Deus não vai, apenas, no sentido de satisfazer a fome física do seu Povo; mas pretende também (e principalmente) ajudar o Povo a crescer, a amadurecer, a superar mentalidades estreitas e egoístas, a sair do seu fechamento e a tomar consciência de outros valores. Para Deus, “alimentar” o Povo é ajudá-lo a descobrir os caminhos que conduzem à felicidade e à vida verdadeira. O Deus em quem nós acreditamos é o mesmo Deus que, no deserto, ofereceu a Israel a possibilidade de libertar-se de uma mentalidade de escravo e de descobrir o caminho para a vida nova da liberdade e da felicidade… Ele vai conosco ao longo da nossa caminhada pelo deserto da vida, vê as nossas necessidades, conhece os nossos limites, percebe a nossa tendência para o egoísmo e o comodismo e, em cada dia, aponta-nos caminhos novos, convida-nos a ir mais além, mostra-nos como podemos chegar à terra da liberdade e da vida verdadeira. Este texto fala-nos da solicitude e do amor com que Deus acompanha a nossa caminhada de todos os dias; convida-nos, também, a escutar esse Deus, a aceitar as propostas de vida que Ele faz e a confiar incondicionalmente n’Ele.
• As “saudades” que os israelitas sentem do Egito, onde estavam “sentados junto de panelas de carne” e tinham “pão com fartura”, revelam a realidade de um Povo acomodado à escravidão, instalado tranquilamente numa vida sem perspectivas e sem saída, incapaz de arriscar, de enfrentar a novidade, de querer mais, de aceitar a liberdade que se constrói na luta e no risco. Esta mentalidade de escravidão continua, bem viva, no nosso mundo… É a mentalidade daqueles que vivem obcecados pelo “ter” e que são capazes de renunciar à sua dignidade para acumular bens materiais; é a mentalidade daqueles que trocam valores importantes pelos “cinco minutos de fama” e de exposição mediática; é a mentalidade daqueles que têm como único objetivo na vida a satisfação das suas necessidades mais básicas; é a mentalidade daqueles que se instalam comodamente nos seus esquemas cômodos, nos seus preconceitos e se recusam a ir mais além, a deixarem-se interpelar pela novidade e pelos desafios de Deus; é a mentalidade daqueles que vivem voltados para o passado, que idealizam o passado, recusando-se a enfrentar os desafios da história e a descobrir o que há de positivo e de desafiante nos novos tempos; é a mentalidade daqueles que se resignam à mediocridade e que não fazem nenhum esforço para que a sua vida faça sentido… A Palavra de Deus que nos é proposta diz-nos: o nosso Deus não Se conforma com a resignação, o comodismo, a instalação, a mediocridade que fazem de nós escravos e que nos impedem de chegar à vida verdadeira, plenamente vivida e assumida; Ele vem ao nosso encontro, desafia-nos a ir mais além, aponta-nos caminhos, convida-nos a crescer e a dar passos firmes e seguros em direção à liberdade e à vida nova… E, durante o caminho, nunca estaremos sozinhos, pois Ele vai ao nosso lado.
• A ideia de que Deus dá ao seu Povo, dia a dia, o pão necessário para a subsistência (proibindo “juntar” mais do que o necessário para cada dia) pretende ajudar o Povo a libertar-se da tentação do “ter”, da ganância, da ambição desmedida. É um convite, também a nós, a não nos deixarmos dominar pelo desejo descontrolado de posse dos bens, a libertarmos o nosso coração da ganância que nos torna escravos das coisas materiais, a não vivermos obcecados e angustiados com o futuro, a não colocarmos na conta bancária a nossa segurança e a nossa esperança. Só Deus é a nossa segurança, só n’Ele devemos confiar, pois só Ele (e não os bens materiais) nos liberta e nos leva ao encontro da vida definitiva.

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 77 (78)
Refrão: O Senhor deu-lhes o pão do céu.
Nós ouvimos e aprendemos,
os nossos pais nos contaram
os louvores do Senhor e o seu poder
e as maravilhas que Ele realizou.
Deus ordens às nuvens do alto
e abriu as portas do céu;
para alimento fez chover o maná,
deu-lhes o pão do céu.
O homem comeu o pão dos fortes!
Mandou-lhes comida com abundância
e introduziu-os na sua terra santa,
na montanha que a sua direita conquistou.

LEITURA II – Ef 4,17.20-24
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios
Irmãos:
Eis o que vos digo e aconselho em nome do Senhor:
Não torneis a proceder como os pagãos,
que vivem na futilidade dos seus pensamentos.
Não foi assim que aprendestes a conhecer a Cristo,
se é que d’Ele ouvistes pregar e sobre Ele fostes instruídos,
conforme a verdade que está em Jesus.
É necessário abandonar a vida de outrora
e pôr de parte o homem velho,
corrompido por desejos enganadores.
Renovai-vos pela transformação espiritual da vossa inteligência
e revesti-vos do homem novo, criado á imagem de Deus
na justiça e santidade verdadeiras.

AMBIENTE
Continuamos a ler a Carta aos Efésios, essa “carta circular” que Paulo escreve enquanto está na prisão (em Roma, durante os anos 61-63?) e que envia a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor. É uma carta (já o dissemos atrás) onde Paulo apresenta, de forma extremamente serena e refletida, uma teologia amadurecida, completa, bem elaborada, sobre as exigências da vida nova em Cristo.
A secção da Carta aos Efésios que vai de 4,1 a 6,20 (já o dissemos também no passado domingo) é um texto parenético, que tem por objetivo principal exortar os cristãos a viverem de forma coerente com o seu Batismo e com o seu compromisso com Cristo. Depois de convidar os crentes a viverem na unidade do amor (cf. Ef 4,1-6) e de lhes apresentar uma reflexão sobre a comunidade, Corpo de Cristo formado por muitos membros (cf. Ef 4,7-13), Paulo exorta os cristãos a viverem de acordo com a sua condição de Homens Novos em Cristo (cf. 4,14-5,14). O texto que nos é hoje proposto como segunda leitura é parte dessa exortação.
MENSAGEM
O nosso texto é, fundamentalmente, um convite – feito com a veemência que Paulo usava sempre nas suas exortações – a deixar a vida antiga e os esquemas do passado, para abraçar definitivamente a vida nova que Cristo veio propor.
Paulo usa duas expressões opostas para definir a realidade do homem antes do encontro com Cristo e depois do encontro com Cristo. O homem que ainda não aderiu a Cristo é, para Paulo, o homem velho, cuja vida é marcada pela mediocridade, pela futilidade (vers. 17), pela corrupção, pela escravidão aos “desejos enganadores” (vers. 22). O homem que já encontrou Cristo e que aderiu à sua proposta é o homem novo, que vive na verdade (vers. 21), na justiça e na santidade verdadeiras (vers. 24).
O Batismo – o momento da adesão a Cristo – é o momento decisivo da transformação do homem velho em homem novo. O próprio rito do Batismo (o imergir na água significa o morrer para a vida antiga de pecado; o emergir da água significa o nascimento de um outro homem, purificado do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência, do pecado) sugere a transformação e a ressurreição do homem para uma vida nova – a vida em Cristo. A partir daí, o homem devia adotar uma nova maneira de pensar e de agir, consequência do seu compromisso com Cristo e com a proposta de vida que Cristo veio apresentar.
Contudo, mesmo depois de ter optado por Cristo, o homem continua marcado pela sua condição de debilidade e de fragilidade… Essa condição faz com que, por vezes, sinta a tentação de regressar ao homem velho do egoísmo, do orgulho, do pecado… O crente, animado pelo Espírito é, portanto, chamado a renovar cada dia a sua adesão a Cristo e a construir a sua existência de forma coerente com os compromissos que assumiu no dia do seu Batismo. O homem novo não é uma realidade adquirida de uma vez por todas, no dia em que se optou por Cristo; mas é uma realidade continuamente a fazer-se, que exige um trabalho contínuo e uma constante renovação.

ATUALIZAÇÃO
• O cristão é, antes de mais, alguém que encontrou Cristo, que escutou o seu chamamento, que aderiu à sua proposta. A consequência dessa adesão é passar a viver de uma forma diferente, de acordo com valores diferentes, e com uma outra mentalidade. O encontro com Cristo deve significar, para qualquer homem, uma mudança radical, um jeito completamente diferente de se situar face a Deus, face aos irmãos, face a si próprio e face ao mundo. Antes de mais devemos tomar consciência de que também nós encontramos Cristo, fomos chamados por Ele, aderimos à sua proposta e assumimos com Ele um compromisso. O momento do nosso Batismo não foi um momento de folclore religioso ou uma ocasião para cumprir um rito cultural qualquer; mas foi um verdadeiro momento de encontro com Cristo, de compromisso com Ele e o início de uma caminhada que Deus nos chama a percorrer, com coerência, pela vida fora, até chegarmos ao homem novo.
• Paulo convida insistentemente os crentes a deixar a vida do homem velho… O homem velho é o homem dominado pelo egoísmo, pelo orgulho, que vive de coração fechado a Deus e aos irmãos, que vive instalado em esquemas de opressão e de injustiça, que gasta a vida a correr atrás dos deuses errados (o dinheiro, o poder, o êxito, a moda…), que se deixa dominar pela cobiça, pela corrupção, pela concupiscência, pela ira, pela maldade e se recusa a escutar a proposta libertadora que Deus lhe apresenta. Provavelmente, não nos revemos na totalidade deste quadro; mas não teremos momentos em que construímos a nossa vida à margem das propostas de Deus e em que negligenciamos os valores de Deus para abraçar outros valores que nos escravizam?
• Paulo apela a que os crentes vivam a vida do homem novo. O homem novo é o homem continuamente atento às propostas de Deus, que aceita integrar a família de Deus, que não se conforma com a maldade, a injustiça, a exploração, a opressão, que procura viver na verdade, no amor, na justiça, na partilha, no serviço, que pratica obras de bondade, de misericórdia, de humildade, que dia a dia dá testemunho, com alegria e simplicidade, dos valores de Deus. É este o meu “projeto” de vida? Os meus gestos e atitudes de cada dia manifestam a realidade de um homem novo, que vive em comunhão com Deus e no amor aos irmãos?
• Todos nós, no dia do nosso Batismo, optamos pelo homem novo… É preciso, no entanto, termos consciência que a construção do homem novo nunca é um processo acabado… A monotonia, o cansaço, os problemas da vida, as influências do mundo, a nossa preguiça e o nosso comodismo levam-nos, muitas vezes, a instalarmo-nos na mediocridade, nas “meias tintas”, na não exigência, na acomodação; então, o homem velho espreita-nos a cada esquina e toma conta de nós… Precisamos de ter consciência de que em cada minuto que passa tudo começa outra vez; precisamos de renovar continuamente as nossas opções e o nosso compromisso, numa atenção constante ao chamamento de Deus. O cristão não cruza os braços considerando que já atingiu um nível satisfatório de perfeição; mas está sempre numa atitude de vigilância e de conversão, para poder responder adequadamente, em cada instante, aos desafios sempre novos de Deus.

ALELUIA – Mt 4,4b
Aleluia. Aleluia.
Nem só de pão vive o homem,
mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.

EVANGELHO – Jo 6,24-35
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo,
quando a multidão viu
que nem Jesus nem os seus discípulos estavam à beira do lago,
subiram todos para as barcas
e foram para Cafarnaum, à procura de Jesus.
Ao encontrá-l’O no outro lado do mar, disseram-Lhe:
«Mestre, quando chegaste aqui?»
Jesus respondeu-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo:
vós procurais-Me, não porque vistes milagres,
mas porque comestes dos pães e ficastes saciados.
Trabalhai, não tanto pela comida que se perde,
mas pelo alimento que dura até à vida eterna
e que o Filho do homem vos dará.
A Ele é que o Pai, o próprio Deus,
marcou com o seu selo».
Disseram-Lhe então:
«Que devemos nós fazer para praticar as obras de Deus?»
Respondeu-lhes Jesus:
«A obra de Deus
consiste em acreditar n’Aquele que Ele enviou».
Disseram-Lhe eles:
«Que milagres fazes Tu,
para que nós vejamos e acreditemos em Ti?
Que obra realizas?
No deserto os nossos pais comeram o maná,
conforme está escrito:
‘Deu-lhes a comer um pão que veio do céu’».
Jesus respondeu-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo:
Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu;
meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do Céu.
O pão de Deus é o que desce do Céu
para dar a vida ao mundo».
Disseram-Lhe eles:
«Senhor, dá-nos sempre desse pão».
Jesus respondeu-lhes:
«Eu sou o pão da vida:
quem vem a Mim nunca mais terá fome,
quem acredita em Mim nunca mais terá sede».
AMBIENTE
No passado domingo, João contou-nos como Jesus alimentou a multidão com cinco pães e dois peixes, na “outra” margem do Lago de Tiberíades (cf. Jo 6,1-15). Ao “cair da tarde” desse dia, Jesus e os discípulos voltaram a Cafarnaum (cf. Jo 6,16-21).
O episódio que o Evangelho de hoje nos apresenta situa-nos em Cafarnaum, no “dia seguinte” ao episódio da multiplicação dos pães e dos peixes. Nessa manhã, a multidão que tinha sido alimentada pelos pães e pelos peixes multiplicados e que ainda estava do “outro lado” do lago apercebeu-se de que Jesus tinha regressado a Cafarnaum e dirigiu-se ao seu encontro.
A multidão encontra Jesus na sinagoga de Cafarnaum – uma cidade situada na margem ocidental do Lago e à volta da qual se desenrola uma parte significativa da atividade de Jesus na Galiléia. Confrontado com a multidão, Jesus profere um discurso (cf. Jo 6,22-59) que explica o sentido do gesto precedente (a multiplicação dos pães e dos peixes).
MENSAGEM
A cena inicial (vers. 24) parece sugerir, à primeira vista, que a pregação de Jesus alcançou um êxito total: a multidão está entusiasmada, procura Jesus com afã e segue-O para todo o lado. Aparentemente, a missão de Jesus não podia correr melhor.
Contudo, Jesus percebe facilmente que a multidão está equivocada e que O procura pelas razões erradas. Na verdade, a multiplicação dos pães e dos peixes pretendeu ser, por parte de Jesus, uma lição sobre amor, partilha e serviço; mas a multidão não foi sensível ao significado profundo do gesto, ficou-se pelas aparências e só percebeu que Jesus podia oferecer-lhe, de forma gratuita, pão em abundância. Assim, o facto de a multidão procurar Jesus e Se dirigir ao seu encontro não significa que tenha aderido à sua proposta; significa, apenas, que viu em Jesus um modo fácil e barato de resolver os seus problemas materiais.
Na verdade, o gesto de repartir pela multidão os pães e os peixes gerou um perigoso equívoco. Jesus está consciente de que é preciso desfazer, quanto antes, esse mal-entendido. Por isso, nem sequer responde à pergunta inicial que Lhe põem (“Mestre, quando chegaste aqui?” – vers. 25); mas, mal se encontra diante da multidão, procura esclarecer coisas bem mais importantes do que a hora da sua chegada a Cafarnaum… As palavras que Jesus dirige àqueles que O rodeiam põem o problema da seguinte forma: eles não procuram Jesus, mas procuram a resolução dos seus problemas materiais (vers. 26). Trata-se de uma procura interesseira e egoísta, que é absolutamente contrária à mensagem que Jesus procurou passar-lhes. Depois de identificar o problema, Jesus deixa-lhes um aviso: é preciso esforçar-se por conseguir, não só o alimento que mata a fome física, mas sobretudo o alimento que sacia a fome de vida que todo o homem tem. A multidão, ao preocupar-se apenas com a procura do alimento material, está a esquecer o essencial – o alimento que dá vida definitiva. Esse alimento que dá a vida eterna é o próprio Jesus que o traz (vers. 27).
O que é preciso fazer para receber esse pão? – pergunta-se a multidão (vers. 28). A resposta de Jesus é clara: é preciso aderir a Jesus e ao seu projeto (vers. 28). Na cena da multiplicação dos pães, a multidão não aderiu ao projeto de Jesus (que falava de amor, de partilha, de serviço); apenas correu atrás do profeta milagreiro que distribuía pão e peixes gratuitamente e em abundância… Mas, para receber o alimento que dá vida eterna e definitiva, é preciso, que a multidão acolha as propostas de Jesus e aceite viver no amor que se faz dom, na partilha daquilo que se tem com os irmãos, no serviço simples e humilde aos outros homens. É acolhendo e interiorizando esse “pão” que se adquire a vida que não acaba.
Os interlocutores de Jesus não estão, no entanto, convencidos de que esse “pão” garanta a vida definitiva. Custa-lhes a aceitar que a vida eterna resulte do amor, do serviço, da partilha. O que é que garante, perguntam eles, que esse seja um caminho verdadeiro para a vida definitiva (vers. 30)? Qual a prova de que a realização plena do homem passe pelo dom da própria vida aos demais? Porque é que Jesus não realiza um gesto espetacular – como Moisés, que fez chover do céu o maná, não apenas para cinco mil pessoas, mas para todo o Povo e de forma continuada – para provar que a proposta que Ele faz é verdadeiramente uma proposta geradora de vida (vers. 31)?
Jesus responde pondo a questão da seguinte forma: o maná foi um dom de Deus para saciar a fome material do seu Povo; mas o maná não é esse “pão” que sacia a fome de vida eterna do homem. Só Deus dá aos homens, de forma contínua, a vida eterna; e esse dom do Pai não veio ao encontro dos homens através de Moisés, mas através de Jesus (vers. 32-33). Portanto, o importante não é testemunhar gestos espetaculares, que deslumbram e impressionam mas não mudam nada; mas é acolher a proposta que Jesus faz e vivê-la nos gestos simples de todos os dias.
A última frase do nosso texto identifica o próprio Jesus, já não com o “portador” do pão, mas como o próprio pão que Deus quer oferecer ao seu Povo para lhe saciar a fome e a sede de vida (vers. 35). “Comê-lo” será escutar a sua Palavra, acolher a sua proposta, assimilar os seus valores, interiorizar o seu jeito de viver, fazer da vida (como Jesus fez) um dom total de amor aos irmãos. Seguindo Jesus, acolhendo a sua proposta no coração e deixando que ela se transforme em gestos concretos de amor, de partilha, de serviço, o homem encontrará essa “qualidade” de vida que o leva à sua realização plena, à vida eterna.

ATUALIZAÇÃO
• O caminho que percorremos nesta terra é sempre um caminho marcado pela procura da nossa realização, da nossa felicidade, da vida plena e verdadeira. Temos fome de vida, de amor, de felicidade, de justiça, de paz, de esperança, de transcendência e procuramos, de mil formas, saciar essa fome; mas continuamos sempre insatisfeitos, tropeçando na nossa finitude, em respostas parciais, em tentativas falhadas de realização, em esquemas equívocos, em falsas miragens de felicidade e de realização, em valores efêmeros, em propostas que parecem sedutoras mas que só geram escravidão e dependência… Na verdade, o dinheiro, o poder, a realização profissional, o êxito, o reconhecimento social, os prazeres, os amigos são valores efêmeros que não chegam para “encher” totalmente a nossa vida e para lhe dar um sentido pleno. Como podemos “encher” a nossa vida e dar-lhe pleno significado? Onde encontrar o “pão” que mata a nossa fome de vida?
• Jesus de Nazaré é o “pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo”. É esta a questão central que o Evangelho deste domingo nos propõe. É em Jesus e através de Jesus que Deus sacia a fome e a sede dos homens e lhes oferece a vida em plenitude. Isto leva-nos às seguintes questões: que lugar é que Jesus ocupa na nossa vida? Ele é, verdadeiramente, a coordenada fundamental à volta da qual construímos a nossa existência? Para nós, Jesus é uma figura do passado (embora tenha sido um homem excepcional) que a história absorveu e digeriu, ou é o Deus que continua vivo e a caminhar ao nosso lado, oferecendo-nos vida em plenitude? Ele é “mais uma” das nossas referências (ao lado de tantas outras) ou a nossa referência fundamental? Ele é alguém a quem adoramos, com respeito e à distância, ou o irmão que nos indica o caminho, que nos propõe valores, que condiciona a nossa atitude face a Deus, face aos irmãos e face ao mundo?
• O que é preciso fazer para ter acesso a esse “pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo”? De acordo com o Evangelho deste domingo, a resposta é clara: é preciso aderir (“acreditar”) a Jesus, o “pão” que o Pai enviou ao mundo para saciar a fome dos homens. Aderir a Jesus é escutar o seu chamamento, acolher a sua Palavra, assumir e interiorizar os seus valores, segui-l’O no caminho do amor, da partilha, do serviço, da entrega da vida a Deus e aos irmãos. Trata-se de uma adesão que deve ser consequente e traduzir-se em obras concretas. Não chegam declarações de boas intenções, ou atos institucionais que nos fazem constar dos livros de registro da nossa paróquia; aderir a Jesus é assumir o seu estilo de vida e fazer da própria vida um dom de amor, até à morte.
• No Evangelho deste domingo, Jesus mostra-Se profundamente incomodado quando constata que a multidão o procura pelas razões erradas e, sem preâmbulos, apressa-Se em desfazer os equívocos. Ele não quer, de forma nenhuma, que as pessoas O sigam por engano, ou iludidas. Há, aqui, um convite implícito a repensarmos as razões porque nos envolvemos com Cristo… É um equívoco procurar o Batismo porque é uma tradição da nossa cultura; é um equívoco celebrar o matrimônio na Igreja porque, assim, a cerimônia é mais espetacular e proporciona fotografias mais bonitas; é um equívoco assumir tarefas na comunidade cristã para nos auto-promovermos ou para resolvermos os nossos problemas materiais; é um equívoco receber o sacramento da Ordem porque o sacerdócio nos proporciona uma vida cômoda e tranquila; é um equívoco praticarmos certos atos de piedade para que Jesus nos recompense, nos livre de desgraças, nos pague resolvendo algumas das nossas necessidades materiais… A nossa adesão a Jesus deve partir de uma profunda convicção de que só Ele é o “pão” que nos dá vida.
• A recusa de Jesus em realizar gestos espetaculares (como fazer o maná cair do céu), mostra que, normalmente, Deus não vem ao encontro do homem para lhe oferecer a sua vida em gestos portentosos, que deixam toda a gente espantada e que testemunham, de forma inequívoca, a sua presença no mundo; mas Deus atua na vida do homem de forma discreta, embora duradoura e permanente. Deus vem, todos os dias, ao encontro do homem e, sem forçar nem se impor, convida-o a escutar a Palavra de Jesus, propõe-lhe a adesão a Jesus e ao seu projeto, ensina-lhe os caminhos do amor, da partilha, do serviço. Convém que nos familiarizemos com os métodos de Deus, para o conseguirmos perceber e encontrar, no caminho da nossa vida.

19º Domingo do Tempo Comum

A liturgia do 19º Domingo do Tempo Comum dá-nos conta, uma vez mais, da
preocupação de Deus em oferecer aos homens o “pão” da vida plena e definitiva. Por
outro lado, convida os homens a prescindirem do orgulho e da auto-suficiência e a
acolherem, com reconhecimento e gratidão, os dons de Deus.
A primeira leitura mostra como Deus se preocupa em oferecer aos seus filhos o
alimento que dá vida. No “pão cozido sobre pedras quentes” e na “bilha de água” com
que Deus retempera as forças do profeta Elias, manifesta-se o Deus da bondade e do
amor, cheio de solicitude para com os seus filhos, que anima os seus profetas e lhes
dá a força para testemunhar, mesmo nos momentos de dificuldade e de desânimo.
O Evangelho apresenta Jesus como o “pão” vivo que desceu do céu para dar a vida
ao mundo. Para que esse “pão” sacie definitivamente a fome de vida que reside no
coração de cada homem ou mulher, é preciso “acreditar”, isto é, aderir a Jesus,
acolher as suas propostas, aceitar o seu projeto, segui-lo no “sim” a Deus e no amor
aos irmãos.
A segunda leitura mostra-nos as consequências da adesão a Jesus, o “pão” da
vida… Quando alguém acolhe Jesus como o “pão” que desceu do céu, torna-se um
Homem Novo, que renuncia à vida velha do egoísmo e do pecado e que passa a viver
no caridade, a exemplo de Cristo.

LEITURA I – 1 Rs 19,4-8
Naqueles dias,
Elias entrou no deserto e andou o dia inteiro.
Depois sentou-se debaixo de um junípero
e, desejando a morte, exclamou:
«Já basta, Senhor. Tirai-me a vida,
porque não sou melhor que meus pais».
Deitou-se por terra e adormeceu à sombra do junípero.
Nisto, um Anjo do Senhor tocou-lhe e disse:
«Levanta-te e come».
Ele olhou e viu à sua cabeceira
um pão cozido sobre pedras quentes e uma bilha de água.
Comeu e bebeu e tornou a deitar-se.
O Anjo do Senhor veio segunda vez, tocou-lhe e disse:
«Levanta-te e come,
porque ainda tens um longo caminho a percorrer».
Ele levantou-se, comeu e bebeu.
Depois, fortalecido com aquele alimento,
caminhou durante quarenta dias e quarenta noites
até ao monte de Deus, Horeb.

AMBIENTE
Elias atua no Reino do Norte (Israel) durante o século IX a.C., num tempo em que a
fé jahwista é posta em causa pela preponderância que os deuses estrangeiros
(especialmente Baal) assumem na cultura religiosa de Israel. Provavelmente, estamos
diante de uma tentativa de abrir Israel a outras culturas, a fim de facilitar o intercâmbio
cultural e comercial… Mas essas razões políticas não são entendidas nem aceites
pelos círculos religiosos de Israel. O ministério profético de Elias desenvolve-se
sobretudo durante o reinado de Acab (873-853 a.C.), embora a sua voz também se
tenha feito ouvir no reinado de Ocozias (853-852 a.C.).
Elias é o grande defensor da fidelidade a Jahwéh. Ele aparece como o representante
dos israelitas fiéis que recusavam a coexistência de Jahwéh e de Baal no horizonte da
fé de Israel. Num episódio dramático, o próprio profeta chegou a desafiar os profetas
de Baal para um duelo religioso que terminou com um massacre de quatrocentos
profetas de Baal no monte Carmelo (cf. 1 Re 18). Esse episódio é, certamente, uma
apresentação teológica dessa luta sem tréguas que se trava entre os fiéis a Jahwéh e
os que abrem o coração às influências culturais e religiosas de outros povos.
Para além da questão do culto, Elias defende a Lei em todas as suas vertentes (vejase, por exemplo, a sua defesa intransigente das leis da propriedade em 1 Re 21, no célebre episódio da usurpação das vinhas de Nabot): ele representa os pobres de
Israel, na sua luta sem tréguas contra uma aristocracia e uns comerciantes todopoderosos que subvertiam a seu bel-prazer as leis e os mandamentos de Jahwéh.
Após o massacre dos 400 profetas de Baal no monte Carmelo, Acab e a sua esposa
fenícia juraram matar Elias; e o profeta fugiu para o sul, a fim de salvar a vida.
Chegado à zona de Beer-Sheba, Elias internou-se no deserto. É precisamente nesse
contexto que o episódio do Livro dos Reis que hoje nos é proposto nos situa.

MENSAGEM
A cena apresenta-nos um Elias abatido, deprimido e solitário face à incompreensão e
à perseguição de que é alvo. O profeta sente que falhou, que a sua missão está
condenada ao fracasso e que a sua luta o conduziu a um beco sem saída; sente medo
e está prestes a desistir de tudo… O pedido que o profeta faz a Deus no sentido de lhe
dar a morte (vers. 4) reflete o seu profundo desânimo, desilusão, angústia e
desespero. É uma cena tocante, que nos recorda que o profeta é um homem e que
está, por isso, condenado a fazer a experiência da sua fragilidade e da sua finitude.
No entanto, Deus não está longe e não abandona o seu profeta. O nosso texto refere,
neste contexto, a solicitude e o amor de Deus, que oferece a Elias “pão cozido sobre
pedras quentes e uma bilha de água” (vers. 6). É a confirmação de que o profeta não
está perdido nem abandonado por Deus, mesmo quando é incompreendido e
perseguido pelos homens. A cena garante-nos a presença contínua de Deus e o seu
cuidado com aqueles que chama e a quem dá o alimento e o alento para serem fiéis à
missão, mesmo em contextos adversos. Repare-se como Deus não anula a missão do
profeta, nem elimina os perseguidores; mas limita-se a dar ao profeta a força para
continuar a sua peregrinação.
Alimentado pela força de Deus, o profeta caminha durante “quarenta dias e quarenta
noites até ao monte de Deus, o Horeb” (vers. 8). A referência aos “quarenta dias e
quarenta noites” alude certamente à estadia de Moisés na montanha sagrada (cf. Ex
24,18), onde se encontrou com Deus e onde recebeu de Jahwéh as tábuas da Lei;
também pode aludir à caminhada do Povo durante quarenta anos pelo deserto, até
alcançar a Terra Prometida. Em qualquer caso, esta peregrinação ao Horeb – o monte
da Aliança – é um regresso às fontes, uma peregrinação às origens de Israel como
Povo de Deus… Perseguido, incompreendido, desesperado, Elias necessita revitalizar
a sua fé e reencontrar o sentido da sua missão como profeta de Jahwéh e como
defensor dessa Aliança que Deus ofereceu ao seu Povo no Horeb/Sinai.

ATUALIZAÇÃO
♦ No quadro que o texto nos apresenta, Elias aparece como um homem vencido
pelo medo e pela angústia, marcado pela decepção e pelo desânimo, que
experimentou dramaticamente a sua impotência no sentido de mudar o coração do
seu Povo e que, por isso, desistiu de lutar; a sua desilusão é de tal forma grande,
que ele prefere morrer a ter de continuar. “Este” Elias testemunha essa condição
de fragilidade e de debilidade que está sempre presente na experiência profética.
É um quadro que todos nós conhecemos bem… A nossa experiência profética
está, muitas vezes, marcada pelas incompreensões, pelas calúnias, pelas
perseguições; outras vezes, é o sentimento da nossa impotência no sentido de
mudar o mundo que nos angustia e desanima; outras vezes ainda, é a constatação
da nossa fragilidade, dos nossos limites, da nossa finitude que nos assusta…
Como responder a um quadro deste tipo e como encarar esta experiência de
fragilidade e de debilidade? A solução será baixar os braços e abandonar a luta?
Quem pode ajudar-nos a enfrentar o drama da desilusão e da decepção?
♦ O nosso texto garante-nos que Deus não abandona aqueles a quem chama a dar
testemunho profético. No “pão cozido sobre pedras quentes” e na “bilha de água”
com que Deus retempera as forças de Elias, manifesta-se o Deus da bondade e do
amor, cheio de solicitude para com os seus filhos, que anima os seus profetas e
lhes dá a força para testemunhar, mesmo nos momentos de dificuldade e de
desânimo. Quando tudo parece cair à nossa volta e quando a nossa missão
parece condenada ao fracasso, é em Deus que temos de confiar e é n’Ele que
temos de colocar a nossa segurança e a nossa esperança.
♦ Como nota marginal, atentemos na forma de atuar de Deus: Ele não resolve
magicamente os problemas do profeta, nem se substitui ao profeta… O profeta
deve continuar a sua missão, enfrentando os mesmos problemas de sempre; mas
Deus “apenas” alimenta o profeta, dando-lhe a coragem para continuar a sua
missão. Por vezes, pedimos a Deus que nos resolva milagrosamente os
problemas, com um golpe mágico, enquanto nós ficamos, de braços cruzados, a
olhar para o céu… O nosso Deus não Se substitui ao homem, não ocupa o nosso
lugar, não estimula com a sua ação a nossa preguiça e a nossa instalação; mas
está ao nosso lado sempre que precisamos d’Ele, dando-nos a força para vencer
as dificuldades e indicando-nos o caminho a seguir.
♦ A “peregrinação” de Elias ao Horeb/Sinai, para se reencontrar com as origens da
fé israelita e para recarregar as baterias espirituais, sugere-nos a necessidade de,
por vezes, encontrarmos momentos de “paragem”, de reflexão, de “retiro”, de
reencontro com Deus, de redescoberta dos fundamentos da nossa missão… Essa
“paragem” não será nunca um tempo perdido; mas será uma forma de
recentrarmos a nossa vida em Deus e de redescobrirmos os desafios que Deus
nos faz, no âmbito da missão que nos confiou.

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 33 (34)
Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.
A toda a hora bendirei o Senhor,
o seu louvor estará sempre na minha boca.
A minha alma gloria-se no Senhor:
escutem e alegrem-se os humildes.
Enaltecei comigo o Senhor
e exaltemos juntos o seu nome.
Procurei o Senhor e Ele atendeu-me,
libertou-me de toda a ansiedade.
Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes,
o vosso rosto não se cobrirá de vergonha.
Este pobre clamou e o Senhor o ouviu,
salvou-o de todas as angústias.
O Anjo do Senhor protege os que O temem
e defende-os dos perigos.
Saboreai e vede como o Senhor é bom:
feliz o homem que n’Ele se refugia.

LEITURA II – Ef 4,30-5,2
Irmãos:
Não contristeis o Espírito Santo de Deus,
que vos assinalou para o dia da redenção.
Seja eliminado do meio de vós
tudo o que é azedume, irritação, cólera, insulto, maledicência
e toda a espécie de maldade.
Sede bondosos e compassivos uns para com os outros
e perdoai-vos mutuamente,
como Deus também vos perdoou em Cristo.
Sede imitadores de Deus, como filhos muito amados.
Caminhai na caridade, a exemplo de Cristo,
que nos amou e Se entregou por nós,
oferecendo-Se como vítima agradável a Deus.

AMBIENTE
A nossa segunda leitura apresenta-nos, mais uma vez, um texto dessa “carta circular”
que Paulo escreveu a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor
(inclusive aos cristãos de Éfeso), enquanto estava na prisão (em Roma, durante os
anos 61-63?). Esta carta (escrita na fase final da vida de Paulo) é uma carta onde o
apóstolo expõe aos cristãos, de forma serena e refletida, as principais exigências da
vida nova que resulta do Batismo.
Na secção que vai de 4,1 a 6,20, temos uma “exortação aos batizados”: é um texto
parenético, que tem por objetivo principal exortar os cristãos a viverem de forma
coerente com o seu Batismo e com o seu compromisso com Cristo. A perícopa de
4,14-15,14 (que inclui o nosso texto) deve ser entendida como um convite a viver de
acordo com a condição de Homem Novo, que o cristão adquiriu no dia do seu
Batismo.

MENSAGEM
Pelo Batismo, cada cristão tornou-se morada do Espírito; e ao acolher o Espírito,
recebeu um sinal ou selo que prova a sua pertença a Deus. Tem, portanto, de viver
em consequência e de expressar, nas suas ações concretas, a vida nova do Espírito.
A exortação a “não contristar” o Espírito (4,30) deve entender-se como “não
decepcioneis o Espírito que habita em vós, continuando a viver de acordo com o
homem velho”.
Em concreto, o que é que implica ser “morada do Espírito”?
Significa, por um lado, que os vícios do “homem velho” (o azedume, a irritação, a
cólera, o insulto, a maledicência e toda a espécie de maldade – 4,31) devem ser
eliminados da vida do cristão. Repare-se como todos estes “vícios” dizem respeito ao
mundo da relação com os irmãos: o cristão deve evitar qualquer ação que se oponha
ao amor.
Significa, por outro lado, pautar toda a vida por atitudes de bondade, de compaixão, de
perdão, de amor, tendo Cristo como o modelo de vida (4,32).
O que fundamenta todas estas exortações é o fato de os crentes serem “filhos bem
amados de Deus”; por isso, devem imitar a perfeição, a bondade e o amor de Deus.
Como exemplo concreto, os crentes têm diante dos olhos Cristo, o Filho bem amado
de Deus que, cumprindo os projetos do Pai, ofereceu a sua vida por amor aos
homens (5,1-2).

ATUALIZAÇÃO
♦ Pelo Batismo, os cristãos tornam-se filhos amados de Deus e passam a integrar a
comunidade de Deus. O Batismo não é, portanto, uma tradição familiar, um rito
cultural, ou uma obrigação social; mas é um momento sério de opção por Deus e
de compromisso com os valores de Deus. Tenho consciência de que me
comprometi com a família de Deus e que devo viver como filho de Deus? Tenho
consciência de que assumi o compromisso de testemunhar no mundo, com os
meus gestos e atitudes, os valores de Deus? Tenho consciência de que devo,
portanto, procurar ser perfeito “como o Pai do céu é perfeito” (cf. Mt 5,48)?
♦ Para os batizados, o modelo do “Filho amado de Deus” que cumpre
absolutamente os planos do Pai, é Jesus… A vida de Jesus concretizou-se na
contínua escuta dos projetos do Pai e no amor total aos homens. Esse amor (que
teve a sua expressão máxima na cruz) expressou-se sempre em gestos de entrega
aos homens, de serviço humilde aos irmãos, de dom de si próprio, de acolhimento
de todos os marginalizados, de bondade sem fronteiras, de perdão sem limites…
Dessa forma, Jesus foi o paradigma do Homem Novo, o modelo que Deus propõe
a todos os outros seus filhos. Como é que me situo face a esse “modelo” que é
Jesus? Como Ele, vivo numa atenção constante às propostas de Deus e disposto
a responder positivamente aos seus desafios? Como Ele, estou disposto a despirme
do egoísmo, a caminhar na caridade e a fazer da minha vida um dom total aos
irmãos?
♦ Seguir Cristo e ser um Homem Novo implica, na perspectiva de Paulo, assumir
uma nova atitude nas relações com os irmãos. O apóstolo chega a especificar que
o azedume, a irritação, os rancores, os insultos, as violências, a má língua, a
inveja, os orgulhos mesquinhos devem ser totalmente banidos da vida dos
cristãos. Esses “vícios” são manifestações do “homem velho” que não cabem na
existência de um “filho de Deus”, cuja vida foi marcada com o selo do Espírito. É
necessário que estejamos cientes desta realidade: quando na nossa vida pessoal
ou comunitária nos deixamos levar pelo rancor, pelo ciúme, pelo ódio, pela
violência, pela mesquinhez e magoamos os irmãos que nos rodeiam, estamos a
ser incoerentes com o compromisso que assumimos no dia do nosso Batismo e a
cortar a nossa relação com a família de Deus.

ALELUIA – Jo 6,51
Aleluia. Aleluia.
Eu sou o pão vivo que desceu do Céu, diz o Senhor;
quem comer deste pão viverá eternamente.

EVANGELHO – Jo 6,41-51
Naquele tempo,
os judeus murmuravam de Jesus, por Ele ter dito:
«Eu sou o pão que desceu do Céu».
E diziam: «Não é ele Jesus, o filho de José?
Não conhecemos o seu pai e a sua mãe?
Como é que Ele diz agora: ‘Eu desci do Céu’?»
Jesus respondeu-lhes:
«Não murmureis entre vós.
Ninguém pode vir a Mim,
se o Pai, que Me enviou, não o trouxer;
e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia.
Está escrito no livro dos Profetas:
‘Serão todos instruídos por Deus’.
Todo aquele que ouve o Pai e recebe o seu ensino
vem a Mim.
Não porque alguém tenha visto o Pai;
só Aquele que vem de junto de Deus viu o Pai.
Em verdade, em verdade vos digo:
Quem acredita tem a vida eterna.
Eu sou o pão da vida.
No deserto, os vossos pais comeram o maná e morreram.
Mas este pão é o que desce do Céu
para que não morra quem dele comer.
Eu sou o pão vivo que desceu do Céu.
Quem comer deste pão viverá eternamente.
E o pão que Eu hei de dar é a minha carne,
que Eu darei pela vida do mundo».

AMBIENTE
No seu “Livro dos Sinais” (cf. Jo 4,1-11,56), João apresenta-nos um conjunto de cinco
catequeses sobre Jesus; e, em cada uma delas, usando diferentes símbolos, Jesus é
apresentado como o Messias que veio ao mundo para cumprir o plano do Pai e fazer
aparecer um Homem Novo. Todas essas catequeses (“Jesus, a água que dá a vida” –
cf. Jo 4,1-5,47; “Jesus, o verdadeiro pão que sacia todas as fomes” – cf. Jo 6,1-7,53;
“Jesus, a luz que liberta o homem das trevas” – cf. Jo 8,12-9,41; “Jesus, o Bom Pastor
que dá a vida pelas suas ovelhas” – cf. Jo 10,1-42; “Jesus, vida e ressurreição para o
mundo” – cf. Jo 11,1-56) terminam com uma secção onde se manifesta a oposição dos
judeus a essa vida nova que Jesus veio propor aos homens. João vai, dessa forma,
preparando os seus leitores para aquilo que vai acontecer em Jerusalém no final da
caminhada histórica de Jesus: a morte na cruz.
O texto que nos é hoje proposto apresenta-nos uma dessas histórias de confronto
entre Jesus e os judeus. No final do discurso explicativo da multiplicação dos pães e
dos peixes, pronunciado na sinagoga de Cafarnaum (cf. Jo 6,22-40), Jesus propusesse como “o Pão da vida” e convidara os seus interlocutores a aderirem à sua proposta para nunca mais terem fome. O nosso texto é a sequência desse episódio. Refere a murmuração dos judeus a propósito das palavras de Jesus e descreve a controvérsia que se seguiu.

MENSAGEM
Os interlocutores de Jesus não aceitam a sua pretensão de Se apresentar como “o
pão que desceu do céu”. Eles conhecem a sua origem humana, sabem que o seu pai
é José, conhecem a sua mãe e a sua família; e, na sua perspectiva, isso exclui uma
origem divina (vers. 41). Em consequência, eles não podem aceitar que Jesus se
arrogue a pretensão de trazer aos homens a vida de Deus.
Em lugar de discutir a questão da sua origem divina, Jesus prefere denunciar aquilo
que está por detrás da atitude negativa dos judeus face à proposta que lhes é feita:
eles não têm o coração aberto aos dons de Deus e recusam-se a aceitar os desafios
de Deus… O Pai apresenta-lhes Jesus e pede-lhes que vejam em Jesus o “pão” de
Deus para dar vida ao mundo; mas os judeus, instalados nas suas certezas,
amarrados às suas seguranças, acomodados a um sistema religioso ritualista, estéril e
vazio, já decidiram que não têm fome de vida e que não precisam para nada do “pão”
de Deus. Não estão, portanto, dispostos, a acolher Jesus, “o pão que desceu do céu”
(vers. 43-46). Eles não escutam Jesus porque estão instalados num esquema de
orgulho e de auto-suficiência e, por isso, não precisam de Deus.
Para aqueles que, efetivamente, O querem aceitar como “o pão de Deus que desceu
do céu”, Jesus traz a vida eterna. Ele “é”, de fato, o “pão” que permite ao homem
saciar a sua fome de vida (“Eu sou o pão da vida” – vers. 48). A expressão “Eu sou” é
uma fórmula de revelação (correspondente ao nome de Deus – “Eu sou aquele que
sou” – tal como aparece em Ex 3,14) que manifesta a origem divina de Jesus e a
validade da proposta de vida que Ele traz. Quem adere a Ele e à proposta que Ele
veio apresentar (“quem acredita” – vers. 47) encontra a vida definitiva. O que é
decisivo, neste processo, é o “acreditar” – isto é, o aderir efetivamente a Jesus e aos
valores que Ele veio propor.
Essa vida que Jesus está disposto a oferecer não é uma vida parcial, limitada e finita;
mas é uma vida verdadeira e eterna. Para sublinhar esta realidade, Jesus estabelece
um paralelo entre o “pão” que Ele veio oferecer e o maná que os israelitas comeram
ao longo da sua caminhada pelo deserto… No deserto, os israelitas receberam um
pão (o maná) que não lhes garantia a vida eterna e definitiva e que nem sequer lhes
assegurava o encontro com a terra prometida e com a liberdade plena (alimentada
pelo antigo maná, a geração saída da escravidão do Egito nunca conseguiu
apropriar-se da vida em plenitude e nem sequer chegou a alcançar essa terra da
liberdade que buscavam); mas o “pão” que Jesus quer oferecer ao homem levará o
homem a alcançar a meta da vida plena (vers. 49-50). “Vida plena” não indica aqui,
apenas, um “tempo” sem fim; mas indica, sobretudo, uma vida com uma qualidade
única, com uma qualidade ilimitada – uma vida total, a vida do homem plenamente
realizado.
Jesus vai dar a sua “carne” (“o pão que Eu hei de dar é a minha carne” – vers. 51)
para que os homens tenham acesso a essa vida plena, total, definitiva. Jesus estará
aqui a referir-se à sua “carne” física? Não. A “carne” de Jesus é a sua pessoa – essa
pessoa que os discípulos conhecem e que se lhes manifesta, todos os dias, em gestos
concretos de amor, de bondade, de solicitude, de misericórdia. Essa “pessoa” revela lhes o caminho para a vida verdadeira: nas atitudes, nas palavras de Jesus, manifestasse historicamente ao mundo o Deus que ama os homens e que os convida, através de gestos concretos, a fazer da vida um dom e um serviço de amor.

ATUALIZAÇÃO
♦ Repetindo o tema central do texto que refletimos no passado domingo, também o
Evangelho que hoje nos é proposto nos convida a acolher Jesus como o “pão” de
Deus que desceu do céu para dar vida aos homens… Para nós, seguidores de
Jesus, esta afirmação não é uma afirmação de circunstância, mas um fato que
condiciona a nossa existência, as nossas opções, todo o nosso caminho. Jesus,
com a sua vida, com as suas palavras, com os seus gestos, com o seu amor, com
a sua proposta, veio dizer-nos como chegar à vida verdadeira e definitiva. Que
lugar é que Jesus ocupa na nossa vida? É à volta d’Ele que construímos a nossa
existência? O projeto que Ele veio propor-nos tem um real impacto na nossa
caminhada e nas opções que fazemos em cada instante?
♦ “Quem acredita em mim, tem a vida eterna” – diz-nos Jesus. “Acreditar” não é,
neste contexto, aceitar que Ele existiu, conhecer a sua doutrina, ou elaborar altas
considerações teológicas a propósito da sua mensagem… “Acreditar” é aderir, de
fato, a essa vida que Jesus nos propôs, viver como Ele na escuta constante dos
projetos do Pai, segui-lo no caminho do amor, do dom da vida, da entrega aos
irmãos; é fazer da própria vida – como Ele fez da sua – uma luta coerente contra o
egoísmo, a exploração, a injustiça, o pecado, tudo o que enfeia a vida dos
homens e traz sofrimento ao mundo. Eu posso dizer, com verdade e objetividade,
que “acredito” em Jesus?
♦ No seu discurso, Jesus faz referência ao maná como um alimento que matou a
fome física dos israelitas em marcha pelo deserto, mas que não lhes deu a vida
definitiva, não lhes transformou os corações, não lhes assegurou a liberdade plena
e verdadeira (só o “pão” que Jesus oferece sacia verdadeiramente a fome de vida
do homem). O maná pode representar aqui todas essas propostas de vida que,
tantas vezes, atraem a nossa atenção e o nosso interesse, mas que vêm a revelasse
falíveis, ilusórias, parciais, porque não nos libertam da escravidão nem geram
vida plena. É preciso aprendermos a não colocar a nossa esperança e a nossa
segurança no “pão” que não sacia a nossa fome de vida definitiva; é necessário
aprendermos a discernir entre o que é ilusório e o que é eterno; é preciso
aprendermos a não nos deixarmos seduzir por falsas propostas de realização e de
felicidade; é necessário aprendermos a não nos deixarmos manipular, aceitando
como “pão” verdadeiro os valores e as propostas que a moda ou a opinião pública
dominante continuamente nos oferecem…
♦ Porque é que os judeus rejeitam a proposta de Jesus e não estão dispostos a
aceitá-lo como “o pão que desceu do céu”? Porque vivem instalados nas suas
grandes certezas teológicas, prisioneiros dos seus preconceitos, acomodados num
sistema religioso imutável e estéril e perderam a faculdade de escutar Deus e de
se deixar desafiar pela novidade de Deus. Eles construíram um Deus fixo,
calcificado, previsível, rígido, conservador, e recusam-se a aceitar que Deus
encontre sempre novas formas de vir ao encontro dos homens e de lhes oferecer
vida em abundância. Esta “doença” de que padecem os líderes e “fazedores” de
opinião do mundo judaico não é assim tão rara… Todos nós temos alguma
tendência para a acomodação, a instalação; e quando nos
deixamos dominar por esse esquema, tornamo-nos prisioneiros dos ritos, dos
preconceitos, das idéias política ou religiosamente corretas, de catecismos muito
bem elaborados mas parados no tempo, das elaborações teológicas muito
coerentes e muito bem arrumadas mas que deixam pouco espaço para o mistério
de Deus e para os desafios sempre novos que Deus nos faz. É preciso
aprendermos a questionar as nossas certezas, as nossas idéias pré-fabricadas, os
esquemas mentais em que nos instalamos comodamente; é preciso a termos
sempre o coração aberto e disponível para esse Deus sempre novo e sempre
dinâmico, que vem ao nosso encontro de mil formas para nos apresentar os seus
desafios e para nos oferecer a vida em abundância.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 19º DOMINGO DO TEMPO COMUM
1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 19º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver
em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Antes de nos pormos a caminho para receber o Pão da Vida, Jesus recorda-nos que,
antes de mais, somos convidados, que é Deus que dá o primeiro passo: “Felizes os
convidados para a ceia do Senhor!” De seguida, pede-nos que façamos um ato de fé:
“Dizei uma palavra e serei salvo!” Crer n’Aquele que Deus enviou. Crer, isto é, ter
confiança nas suas palavras e nos seus gestos. Aquele que tem confiança sabe que
não ficará decepcionado. O que Cristo quer é que vivamos plenamente, enquanto
vamos ao seu encontro: a sua palavra é alimento, a sua carne (a sua pessoa) é
alimento, com Ele ficamos saciados. Ele vem até nós para que vivamos d’Ele e, por
Ele, a nossa vida ganhe sentido, os nossos gestos possam dar a vida, as nossas
palavras possam exprimir a ternura, a nossa oração se torne relação filial com o Pai.
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Os judeus recriminavam Jesus: “Esse homem não é Jesus, filho de José?
Conhecemos bem seu pai e sua mãe. Como pode dizer «Eu desci do céu»?” Os
adversários de Jesus discutiam a sua origem e a sua pretensão exorbitante. Devemos
reconhecer que a dificuldade dos compatriotas não era pequena. Jesus não tinha nada
de extraterrestre. Se estivéssemos lá, talvez tivéssemos a mesma atitude… Ora, para
descobrir o mistério profundo de Jesus, é preciso ir para além das aparências. Para
conhecer Jesus, é preciso acolher a luz que vem da Palavra de Deus, ter o olhar da fé.
A fé é uma “luz obscura”, pede um salto numa “confiança noturna”, na noite. Isso
verifica-se já nas nossas relações humanas de amor e de amizade. A fé-confiança não
é uma evidência “científica” que leva a uma adesão imediata da inteligência. A fé só se
pode aceitar e viver numa relação de amor, de amizade. Para além das aparências…
Só podemos aceitar a Palavra de Jesus se nos abrirmos a Deus. Jesus pede aos seus
discípulos para terem confiança: “Crede em Deus, crede também em Mim”. A fé é uma
graça, um dom gratuito. Mas é também um combate, segundo São Paulo: “Combati
até ao fim o bom combate… guardei a fé”. Em definitivo, somos reenviados a uma
escolha que, certamente, não suprime as exigências da nossa razão, mas ultrapassasse, porque aceitamos entrar numa relação de amor e de amizade com Jesus, “o filho de José”, que reconhecemos também como “o Filho de Deus”.
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Saborear Deus, saborear a bondade da Criação… O verão presta-se muito
particularmente, em qualquer lugar onde estivermos, a fazer-nos saborear a bondade
do Senhor através da beleza da sua Criação. Paisagens, elementos naturais, animais,
astros, etc. E, no cume, as pessoas que encontramos, todas criadas à imagem do
Criador…
20º Domingo do Tempo Comum

A liturgia do 20º Domingo do Tempo Comum repete o tema dos últimos domingos:
Deus quer oferecer aos homens, em todos os momentos da sua caminhada pela terra,
o “pão” da vida plena e definitiva. Naturalmente, os homens têm de fazer a sua
escolha e de acolher esse dom.
No Evangelho, Jesus reafirma que o objetivo final da sua missão é dar aos homens
o “pão da vida”. Para receber essa vida, os discípulos são convidados a “comer a
carne” e a “beber o sangue” de Jesus – isto é, a aderir à sua pessoa, a assimilar o seu
projeto, a interiorizar a sua proposta. A Eucaristia cristã (o “comer a carne” e “beber o
sangue” de Jesus) é um momento privilegiado de encontro com essa vida que Jesus
veio oferecer.
A primeira leitura oferece-nos uma parábola sobre um banquete preparado pela
“senhora sabedoria” para os “simples” e para os que querem vencer a insensatez.
Convida-nos à abertura aos dons de Deus e à disponibilidade para acolher a vida de
Deus (o “pão de Deus que desce do céu”).
A segunda leitura lembra aos cristãos a sua opção por Cristo (aquele Cristo que o
Evangelho de hoje chama “o pão de Deus que desceu do céu para a vida do mundo”).
Convida-os a não adormecerem, a repensarem continuamente as suas opções e os
seus compromissos, a não se deixarem escorregar pelo caminho da facilidade e do
comodismo, a viverem com empenho e entusiasmo o seguimento de Cristo, a
empenharem-se no testemunho dos valores em que acreditam.

LEITURA I – Pr 9,1-6
A Sabedoria edificou a sua casa e levantou sete colunas.
Abateu os seus animais,
preparou o vinho e pôs a mesa.
Enviou as suas servas
a proclamar nos pontos mais altos da cidade:
«Quem é inexperiente venha por aqui».
E aos insensatos ela diz:
«Vinde comer do meu pão e beber do vinho que vos preparei.
Deixai a insensatez e vivereis;
segui o caminho da prudência».

AMBIENTE
O “Livro dos Provérbios” apresenta várias coleções de ditos, de sentenças, de
máximas, de provérbios (“mashal”) onde se cristaliza o resultado da reflexão e da
experiência (“sabedoria”) de várias gerações de “sábios” antigos (israelitas e alguns
não israelitas). O objetivo desses provérbios é definir uma espécie de “ordem” do
mundo e da sociedade que, uma vez apreendida e aceite pelo indivíduo, o levará a
uma integração plena no meio em que está inserido. Dessa forma, o indivíduo poderá
viver sem traumas nem sobressaltos que destruam a sua harmonia interior e o
incapacitem para dar o seu contributo à comunidade. Ficará, assim, de posse da
chave para viver em harmonia consigo mesmo e com os outros, e assegurará uma
vida feliz, tranquila e próspera.
O livro apresenta-se como tendo sido composto por Salomão (cf. Pr 1,1), o rei
“sábio”, conhecido pelos seus dotes de governar, pelos seus dons literários, por
numerosas sentenças sábias (cf. 1 Rs 3,16-28; 5,7; 10,1-9.23) e que se tornou uma
espécie de “padrão” da tradição sapiencial… Na realidade, não podemos aceitar, de
forma acrítica, essa indicação: a leitura atenta do livro revela que estamos diante de
coleções de proveniência diversa, compostas em épocas diversas. Alguns dos
materiais apresentados no livro podem ser do séc. X a.C. (época de Salomão; no
entanto, isso não implica que venham do próprio Salomão); outros, no entanto, são
bem mais recentes.
O nosso texto integra uma secção que poderíamos chamar, genericamente,
“instruções e advertências” (cf. Pr 1,8-9,16). Trata-se de um conjunto de exortações
e de instruções de um pai/educador, convidando o filho a adquirir a “sabedoria”. É
dentro desta secção que nos aparece a antítese entre a “senhora sabedoria” e a
“senhora loucura” (cf. Pr 9,1-6.13-18) – um dos textos emblemáticos do “Livro dos
Provérbios”. A primeira leitura deste domingo é, precisamente, a primeira parte da
antítese (a apresentação da “senhora sabedoria”).
Segundo os especialistas, esta secção é a parte mais recente do “Livro dos
Provérbios” e não pode ser anterior ao séc. IV ou III a.C. Provavelmente foi escrita
como introdução ao “Livro dos Provérbios” quando todas as outras secções já estavam
organizadas.

MENSAGEM
O que está em causa, nesta reflexão dos “sábios” de Israel, é a questão das opções
de vida. Os homens podem escolher entre a “senhora sabedoria” e a “senhora
loucura” (que é apresentada também na sequência – cf. Pr 9,13-18); e essa opção
vai ditar, naturalmente, o êxito, a realização, a felicidade, a vida, ou a falha, o
fracasso, a desgraça, a morte.
O texto que nos é proposto é uma espécie de propaganda da “senhora sabedoria”; a
sua finalidade é levar os destinatários da mensagem a realizarem a opção correta – a
opção que lhes garante a vida e a felicidade. Através de uma parábola, o “sábio” autor
deste texto apresenta a “senhora sabedoria” e o convite que ela dirige a todos aqueles
que querem descobri-la.
A “senhora sabedoria” é apresentada como uma dama fina, da alta sociedade, que
construiu uma “casa” (vers. 1). Essa “casa” tem, naturalmente, “sete colunas”, pois o
número sete é, no universo cultural judaico, o número da plenitude, da perfeição. A
“casa” da “senhora sabedoria” é, portanto, uma “casa” onde se pode encontrar a
perfeição, a plenitude.
Na sua “casa”, a “senhora sabedoria” organiza um “banquete”… Prepara comida e
vinho em abundância e põe a mesa (vers. 2); depois, envia as suas servas para que
levem a toda a cidade o convite para participar na festa (vers. 3). Provavelmente, esta
“casa” para onde a “dona sabedoria” convida é a escola regida pelos “sábios” de Israel
e onde se ensinava a “sabedoria”. A “comida” e o “vinho” devem referir-se ao “alimento
sapiencial” aí servido (quer dizer, a essas regras práticas ensinadas pelos “sábios” nas
escolas sapienciais, e destinadas a “armar” os alunos para enfrentarem os problemas
do dia a dia, de forma a terem êxito nos seus empreendimentos e a serem felizes).
Quem são os destinatários do convite feito pela “senhora sabedoria”? São os “simples”
(na tradução que nos é proposta no Missal Romano, fala-se dos “inexperientes) e os
“insensatos” (vers. 4-6). Estes últimos, porém, devem previamente estar dispostos a
deixar a insensatez e a seguir o “caminho da prudência”. Os “simples” equivalem aos
“pobres” da literatura bíblica: são os pequenos, os humildes, aqueles que não vivem
instalados em esquemas de orgulho e de auto-suficiência e têm sempre o coração
aberto a Deus e às suas propostas. Os “insensatos” que querem seguir o caminho da
prudência são aqueles que não se conformam com a sua fragilidade e debilidade e
estão dispostos a fazer um esforço no sentido de reformular a sua vida… Uns e outros
têm o coração aberto ao convite da “sabedoria” e estão dispostos a acolher os seus
dons.

ATUALIZAÇÃO
• O que está aqui em causa é, portanto, a questão das opções de vida. Optar pela
“senhora sabedoria” significa escolher a vida, a felicidade, a realização; optar pela
“senhora loucura” significa escolher a morte, a infelicidade, o fracasso… O problema
das escolhas corretas é o problema que mais nos angustia e inquieta, ao longo da
nossa caminhada pela vida. A Palavra de Deus que nos é proposta contém um convite
inquestionável a irmos ao banquete da “senhora sabedoria”, a alimentarmo-nos dos
seus dons, a abrirmos o coração às suas propostas. É esse o caminho da verdadeira
realização e da verdadeira felicidade.
• A “sabedoria” ensinada em Israel (bem como nos países circunvizinhos) é um
conjunto de normas práticas, deduzidas da experiência e da reflexão, destinadas a
formar homens íntegros, justos, leais, prudentes, capazes de saber como atuar em
cada circunstância e de cumprir a sua missão, sem violar a ordem cósmica e social.
Trata-se, apenas, de uma “sabedoria” profana, de um humanismo, de um conjunto de
regras para orientar o comportamento e as relações sociais, sem qualquer referência
ao mundo transcendente? Que lugar é que Deus ocupa nesta reflexão? Deus será
necessário ao homem que quer ser “sábio”? O “sábio” israelita é também um crente,
com tudo o que isso implica. Ao longo do Livro dos Provérbios, os “sábios” de Israel
afirmam repetidamente que o verdadeiro fundamento da “sabedoria” é o “temor de
Deus” (cf. Pr 10,27; 14,26; 15,16.33; 16,6; 19,23; 22,4; 23,17; 24,21; 31,30), como
se considerassem que Deus não pode ser excluído da vida do homem que quer ter
êxito e ser feliz. O termo “temor” não acentua (como nas línguas modernas) a
dimensão do “medo”; mas indica uma atitude do crente diante de Deus caracterizada
pela reverência, pelo respeito, pela obediência, pela confiança. Ora, de acordo com os
“sábios” do “Livro dos Provérbios”, essa atitude religiosa face a Deus é condição
indispensável para a aquisição de uma “sabedoria” genuína, de um verdadeiro
conhecimento. Não há, pois, “sabedoria” autêntica sem uma abertura decidida à
transcendência. Todos nós queremos, naturalmente, aceitar o convite da “senhora
sabedoria”, saborear os alimentos que ela nos oferece e munir-nos dos instrumentos
necessários para triunfar na vida, para alcançar a realização e a felicidade; no entanto,
com frequência, buscamos a nossa realização plena e a nossa felicidade contra Deus
ou, pelo menos, à margem de Deus e dos seus valores… Para nós, crentes, o
encontro com a “senhora sabedoria” passa pela escuta de Deus e dos seus planos,
pelo entrega confiada nas mãos de Deus, pela obediência radical às propostas de vida
que Deus nos faz. Não poderemos chegar à nossa realização plena ignorando Deus e
as suas propostas.
• É por isso que só os “simples” e os “insensatos que querem deixar a insensatez e
seguir o caminho da prudência” são admitidos à mesa da “senhora sabedoria”. Os
“simples” são aqueles que não têm o coração demasiado cheio de si próprio, que não
se fecham no orgulho e na auto-suficiência, que reconhecem a sua pequenez e
finitude e que se entregam com humildade e confiança nas mãos de Deus; os
“insensatos que buscam o caminho da prudência” são aqueles que estão dispostos a
mudar, que não se conformam com a vida do homem velho e querem ir mais além…
Uns e outros são o paradigma de uma determinada atitude: a atitude de abertura aos
dons de Deus, de disponibilidade para acolher a vida de Deus… São aqueles que
reconhecem que precisam de Deus e dos seus dons pois, por si sós, são incapazes de
encontrar o caminho para a realização, para a felicidade, para a vida plena.

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 33 (34)
Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.
A toda a hora bendirei o Senhor,
o seu louvor estará sempre na minha boca.
A minha alma gloria se no Senhor:
escutem e alegrem-se os humildes.
Temei o Senhor, vós os seus fiéis,
porque nada falta aos que O temem.
Os poderosos empobrecem e passam fome,
aos que procuram o Senhor não faltará riqueza alguma.
Vinde, filhos, escutai-me,
vou ensinar-vos o temor do Senhor.
Qual é o homem que ama a vida,
que deseja longos dias de felicidade?
Guarda do mal a tua língua
e da mentira os teus lábios.
Evita o mal e faz o bem,
procura a paz e segue os seus passos.

LEITURA II – Ef 5,15-20
Irmãos:
Vede bem como procedeis.
Não vivais como insensatos, mas como pessoas inteligentes.
Aproveitai bem o tempo, porque os dias que correm são maus.
Por isso não sejais irrefletidos,
mas procurai compreender qual é a vontade do Senhor.
Não vos embriagueis com o vinho, que é causa de luxúria,
mas enchei-vos do Espírito Santo,
recitando entre vós salmos, hinos e cânticos espirituais,
cantando e salmodiando em vossos corações,
dando graças, por tudo e em todo o tempo, a Deus Pai,
em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.

AMBIENTE
A segunda leitura deste domingo apresenta-nos, mais uma vez, um texto dessa carta
que Paulo enviou da prisão (de Roma?) a diversas comunidades cristãs da zona
ocidental da Ásia Menor (entre as quais se contava a comunidade cristã de Éfeso).
O nosso texto pertence à segunda parte da carta (cf. Ef 4,1-6,20). Nessa “exortação
aos batizados”, Paulo retoma alguns dos temas tradicionais do catecismo primitivo e
convida os cristãos a deixarem a antiga forma de viver para assumir a nova,
revestindo-se de Cristo (cf. Ef 4,17-31), imitando Deus (cf. Ef 4,32-5,2), passando das
trevas à luz (cf. Ef 5,3-20). Como cenário de fundo da reflexão paulina está sempre a
necessidade de os cristãos deixarem a vida do homem velho, para assumirem a vida
do Homem Novo. É neste sentido que devem ser entendidos essas normas práticas
de conduta que Paulo apresenta aos seus cristãos no texto que nos é proposto.
Estamos no início da década de 60… Passou já o entusiasmo inicial que levou muitos
crentes (os de Éfeso também) a uma adesão entusiástica a Jesus e à sua proposta de
vida… Agora, a monotonia, a instalação, o comodismo são realidades que estão
presentes em muitas comunidades e na vida de muitos cristãos. Embora preso, Paulo
continua a preocupar-se com a vida dos cristãos e das comunidades que ele
acompanhou; por isso, vai exortar os crentes a uma vida de coerência com os
compromissos um dia assumidos diante de Cristo e diante dos irmãos da comunidade.

MENSAGEM
O nosso texto é antecedido pelo fragmento de um antigo hino cristão que convida os
crentes a despertarem do sono em que jazem e a redescobrirem a luz de Cristo (cf. Ef
5,14). O que é que significa, na perspectiva de Paulo, acordar de novo para a luz, ou o
viver como “filhos da luz”?
Os cristãos, definitivamente comprometidos com Cristo desde o dia do seu Batismo,
não podem, estupidamente (“como insensatos” – vers. 15), voltar aos valores do
homem velho. É verdade que os tempos não são favoráveis e não ajudam a que se
viva com coerência a própria fé e os valores de Jesus; mas é precisamente nesses
ambientes mais difíceis e adversos que se torna mais necessário dar testemunho dos
projetos de Deus e cumprir a vontade do Senhor (vers. 16-17).
“Não vos embriagueis com vinho, que leva à vida desregrada, mas deixai-vos encher
do Espírito” (vers. 18) – aconselha Paulo. O “vinho” representa aqui, provavelmente,
todos esses valores materiais que seduzem os homens, que os levam ao
desregramento e que os fazem esquecer os seus compromissos; o Espírito significa a
vida de Deus – essa vida que os crentes receberam no dia do seu Batismo, que deve
encher os seus corações e que deve transformar-se em gestos de amor e de doação a
Deus e aos irmãos.
O nosso texto termina com um convite à oração, ao louvor, à ação de graças ao
Senhor. Os crentes não podem esquecer a sua ligação ao Senhor e o seu diálogo com
Ele, pois é esse diálogo que os mantém atentos e vigilantes, comprometidos com o
projeto de Deus. Quando a oração é feita em comunidade, ela torna-se partilha
mútua e uma caminhada comum na descoberta dos planos de Deus para os homens e
para o mundo (vers. 19-20).

ATUALIZAÇÃO
• A tentação da acomodação, da instalação, do “deixar correr”, do viver o seguimento
de Cristo de forma “morna” e pouco empenhada, do deixarmo-nos envolver por
comportamentos e valores pouco consentâneos com o nosso compromisso com
Cristo, é uma tentação real e que todos nós conhecemos bem. Como diz Paulo, é uma
estupidez termos descoberto a vida verdadeira e deixarmos que o homem velho do
egoísmo e do pecado nos domine de novo… O texto da Carta aos Efésios que nos é
proposto é um convite a não adormecermos, a repensarmos continuamente as nossas
opções e os nossos compromissos, a não nos deixarmos escorregar pelo caminho da
facilidade e do comodismo, a vivermos com empenho e entusiasmo o seguimento de
Cristo, a empenharmo-nos no testemunho dos valores em que acreditamos. A opção
que fizemos no dia do nosso Batismo tem de ser confirmada e revitalizada por uma
infinidade de novas opções, todos os dias da nossa vida.
• Paulo recomenda aos seus cristãos que não se embriaguem “com vinho, que leva à
vida desregrada”. Dizíamos acima que o embriagar-se com “vinho” representa, nestas
circunstâncias, o deixar-se seduzir por esses valores materiais que afastam os
homens dos valores eternos, dos valores do Reino… Pessoalmente, quais são os
valores a que eu dou mais importância? Algum desses valores constitui um obstáculo
para que eu viva, de forma verdadeiramente comprometida, os valores de Jesus e do
Evangelho?
• O viver como “filhos da luz” implica ainda, na perspectiva de Paulo, a oração, o
louvor, a ação de graças. Um crente que tem Deus como a coordenada fundamental
da sua existência e que se sente chamado a fazer parte da família de Deus é um
crente que vive em diálogo contínuo com Deus. É nesse diálogo que ele percebe os
planos e os projetos de Deus para si próprio e para o mundo e encontra a coragem
para percorrer o caminho da fidelidade e do compromisso. Consigo encontrar tempo e
disponibilidade para falar com Deus, para escutar as propostas que Ele me apresenta?
Estou consciente dos dons de Deus e respondo-Lhe com o louvor e a ação de
graças?

ALELUIA – Jo 6,56
Aleluia. Aleluia.
Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue
permanece em mim e Eu nele, diz o Senhor.

EVANGELHO – Jo 6,51-58
Naquele tempo,
disse Jesus à multidão:
«Eu sou o pão vivo que desceu do Céu.
Quem comer deste pão viverá eternamente.
E o pão que Eu hei de dar é minha carne,
que Eu darei pela vida do mundo».
Os judeus discutiam entre si:
«Como pode ele dar-nos a sua carne a comer?»
E Jesus disse-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo:
Se não comerdes a carne do Filho do homem
e não beberdes o seu sangue,
não tereis a vida em vós.
Quem come a minha carne e bebe o meu sangue
tem a vida eterna;
e Eu o ressuscitarei no último dia.
A minha carne é verdadeira comida
e o meu sangue é verdadeira bebida.
Quem come a minha carne e bebe o meu sangue
permanece em Mim e eu nele.
Assim como o Pai, que vive, Me enviou
e eu vivo pelo Pai,
também aquele que Me come viverá por Mim.
Este é o pão que desceu do Céu;
não é como o dos vossos pais, que o comeram e morreram:
quem comer deste pão viverá eternamente».

AMBIENTE
O trecho que nos é proposto neste domingo como Evangelho situa-nos ainda na
sinagoga de Cafarnaum (cf. Jo 6,59) e no contexto do discurso sobre o “pão que
desceu do céu para dar vida ao mundo”. Neste trecho, no entanto, Jesus vai um pouco
mais além: convida os seus interlocutores a comer a sua carne e a beber o seu
sangue.
Alguns biblistas pensam que esta parte do discurso é uma reflexão da primitiva
comunidade cristã que reinterpretou a primeira parte do discurso, explicitando-a a
partir da celebração eucarística posterior; outros pensam que João reelaborou uma
série de materiais que estariam inicialmente incluídos no relato da última ceia e que
foram deslocados para aqui por conveniências teológicas (na sua versão da última
ceia, João preferiu dar relevo à lavagem dos pés; contudo, não quis omitir o discurso
eucarístico de Jesus, um dado tão importante para a tradição cristã. Sendo assim,
transladou-o para outro lugar; e o lugar mais indicado para o situar pareceu-lhe ser,
precisamente, na continuação do discurso sobre o “pão descido do céu para dar vida
ao mundo”). Em qualquer caso, esta parte do discurso (cf. Jo 6,51-58) não deve ter
sido feita na sinagoga de Cafarnaum… Ela só faz sentido após a instituição da
Eucaristia, na última ceia.
O discurso sobre o “pão da vida” (cf. Jo 6,22-58) ficou, portanto, no esquema de João,
com o seguinte enquadramento lógico: os homens buscam o pão material; Jesus traz lhes o “pão do céu que dá vida ao mundo”; e o pão eucarístico realiza, de forma plena,
a missão de Jesus no sentido de dar vida ao homem.

MENSAGEM
Depois de se apresentar como “o pão vivo que desceu do céu” para dar aos homens a
vida definitiva (vers. 51a), Jesus identifica esse “pão” com a sua “carne” (vers. 51b). A
palavra “carne” (em grego: “sarx”) designa a realidade física do homem, na sua
condição débil, transitória e caduca. Ora, foi precisamente na “carne” de Jesus – isto
é, no seu corpo físico – que se manifestou, em gestos concretos, a sua doação e o
seu amor até ao extremo. Na realidade física de Jesus, Deus tornou-se presente e
visível no meio dos homens, mostrou a sua vontade de comunicar com os homens e
manifestou-lhes o seu amor. É esta “carne” (isto é, a sua vida física, o “lugar” onde
Deus se manifesta aos homens e lhes mostra o seu amor) que Jesus vai dar a “comer”
para que o mundo tenha vida.
Os judeus não entendem as palavras de Jesus (vers. 51). Quando Jesus se
apresentou como “pão vivo descido do céu para dar a vida ao mundo”, eles
entenderam que Jesus pretendia ser uma espécie de “mestre de sabedoria” que trazia
aos homens palavras de Deus (também isso, eles tinham dificuldade em aceitar; mas,
pelo menos, entendiam aonde Ele queria chegar)… Mas agora Jesus fala em “comer”
a sua carne. O que significam as suas palavras? São palavras difíceis de entender, se
não nos colocarmos numa perspectiva eucarística; e, por isso, os judeus não as
entendem… Para a comunidade de João, contudo, as palavras de Jesus são claras,
pois são entendidas tendo em conta a celebração e o significado da Eucaristia.
Na sequência, Jesus reitera a sua afirmação, desta vez com mais desenvolvimentos:
Ele não só vai dar a “comer” a sua carne, mas também a beber o seu sangue; e quem
os aceitar recebe vida definitiva (vers. 53-54). A referência ao “sangue” coloca-nos no
contexto da paixão e da morte. Dizer que Jesus é “carne” significa que Ele se tornou
pessoa como nós, assumiu a nossa condição de debilidade, aceitando passar, até,
pela experiência da morte. Dizer que o pão que Ele há de dar é a sua “carne para a
vida do mundo” significa que Jesus fez da sua vida um dom, uma “entrega” por amor
aos homens; e que o momento mais alto dessa vida feita “dom” e “entrega” é a morte
na cruz. Na cruz, manifestou-se, através da “carne” de Jesus – isto é, através da sua
realidade física – o seu amor, o seu dom, a sua entrega… Ora, é essa realidade que
se manifestou na cruz – realidade de amor, de doação, de entrega – que os discípulos
são convidados a “comer” e a “beber”. “Comer” e “beber” significam, neste contexto,
“aderir”, “acolher”, interiorizar”, “assimilar”.
A questão é, portanto, esta: Jesus não está a falar da sua “carne” física e do seu
“sangue” físico… Está a pedir, simplesmente, que os seus discípulos acolham e
assimilem essa vida de amor, de dom, de entrega, que Ele mostrou na sua pessoa
(isto é, nos seus gestos, no seu amor, na sua doação aos homens) e que teve a sua
expressão mais radical na cruz, quando Jesus, por amor, ofereceu totalmente a sua
vida, até à última gota de sangue. Quem “acolher” e “assimilar” esta vida e aceitar
viver da mesma forma – no amor e no dom total da vida, até à morte – terá vida plena
e definitiva.
A Eucaristia atualiza esta realidade na comunidade cristã e na vida dos crentes. Esse
mesmo Jesus que amou até às últimas consequências, que pôs a sua vida ao serviço
dos homens, que Se deu na cruz, oferece-Se como alimento aos seus. O discípulo
que “come” e “bebe” a sua “carne” e o seu “sangue” assimila esta proposta e
compromete-se a viver e a dar a vida como Ele (vers. 55).
Um dos efeitos de “comer a carne” e “beber o sangue” de Jesus é ficar em união
íntima, em comunhão de vida com Jesus. O discípulo que interioriza a proposta de
Jesus identifica-se com Ele e torna-se um com Ele (vers. 56). O cristão é, antes de
mais, alguém que recebe vida de Jesus e vive em união com Ele.
Outro efeito de “comer a carne” e “beber o sangue” de Jesus é comprometer-se com o
mesmo projeto de Jesus. Jesus Cristo foi enviado pelo Pai ao mundo para dar vida
ao mundo e o seu plano consiste em concretizar esse projeto; o cristão assimila esse
mesmo projeto e dedica toda a sua existência a concretizá-lo no meio dos homens
(vers. 57).
É neste caminho que se chega a essa vida plena e definitiva que Jesus veio propor
aos homens. Do “comer a carne” e “beber o sangue” de Jesus nascerá uma nova
humanidade de gente livre, que venceu a morte e que vive para sempre (vers. 58).
O discurso que João põe na boca de Jesus não se dirige aos judeus (pois os judeus
não eram capazes de entender as palavras de Jesus), mas dirige-se aos discípulos. O
seu objetivo é explicar o programa de Jesus, pedir aos discípulos que assimilem esse
programa e o testemunhem no meio dos homens. A Eucaristia cristã (“comer a carne”
e beber o sangue”) é, assim, uma forma privilegiada de “atualizar” na vida dos
crentes a vida e o amor de Jesus, de estar em comunhão com Jesus, de “assimilar” o
projeto de Jesus e de o concretizar no mundo.

ATUALIZAÇÃO
• Nas semanas anteriores, a liturgia disse-nos, repetidamente, que Jesus era o “pão
descido do céu para dar vida ao mundo”… O Evangelho deste domingo liga esta
afirmação com a Eucaristia: uma das formas privilegiadas de Jesus continuar
presente, no tempo, a “dar vida” ao mundo é através do “pão” que Ele distribui à mesa
da Eucaristia. A Eucaristia que as comunidades cristãs celebram cada domingo (ou
mesmo cada dia) não é um rito tradicional a que “assistimos” por obrigação, para
acalmar a consciência ou para cumprir as regras do “religiosamente correcto”; mas é
um encontro com esse Cristo que Se faz “dom” e que vem ao nosso encontro para nos
oferecer a vida plena e definitiva. Como é que eu “sinto” a Eucaristia? Que importância
é que ela assume na minha vida e na minha existência cristã?
• Participar no encontro eucarístico, “comer a carne” e “beber o sangue” de Jesus é
encontrar-se, hoje, com esse Cristo que veio ao encontro dos homens e que tornou
presente na sua “carne” (na sua pessoa física) uma vida feita amor, partilha, entrega,
até ao dom total de si mesmo na cruz (“sangue”). Participar no encontro eucarístico,
“comer a carne” e “beber o sangue” de Jesus, é acolher, assimilar e interiorizar essa
proposta de vida, aceitar que ela é um caminho para a felicidade, para a realização
plena do homem, para a vida definitiva.
• Sentar-se à mesa da Eucaristia é também identificar-se com Jesus, viver em união
com Ele. Na Eucaristia, o alimento servido é o próprio Cristo. Por isso, é a própria vida
de Cristo que passa a circular nas veias dos crentes. Quem acolhe essa vida que
Jesus oferece torna-se, portanto, um com Ele. Comer cada domingo (ou cada dia) à
mesa com Jesus desse alimento que Ele próprio dá e que é a sua pessoa, leva os
crentes a uma comunhão total de vida com Jesus e a fazer parte da família do próprio
Jesus. Convém termos consciência desta realidade: celebrar a Eucaristia é
aprofundarmos os laços familiares que nos unem a Jesus, identificarmo-nos com Ele,
deixarmos que a sua vida circule em nós. Este crente, identificado com Cristo, torna-se
uma pessoa nova, à imagem de Cristo.
• Na concepção judaica, a partilha do mesmo alimento à volta da mesa gera entre os
convivas familiaridade e comunhão. Assim, os crentes que participam da Eucaristia
passam a ser irmãos: em todos circula a mesma vida, a vida do Cristo do amor total.
Dessa forma, a participação na Eucaristia tem de resultar no reforço da comunhão dos
irmãos. Uma comunidade que celebra a Eucaristia e que vive depois na divisão, no
ciúme, no conflito, no orgulho, na auto-suficiência, na indiferença para com as dores e
as necessidades dos irmãos, é uma comunidade que não está a ser coerente com
aquilo que celebra; e, nesse caso, a celebração eucarística é uma incoerência e uma
mentira.
• Finalmente, o “comer a carne” e “beber o sangue” de Jesus implica um compromisso
com esse mesmo projeto que Jesus procurou concretizar em toda a sua vida, em
todos os seus gestos, em todas as suas palavras. Como Jesus, o crente que celebra a
Eucaristia tem de levar ao mundo e aos homens essa vida que aí recebe… Tem de
lutar, como Jesus, contra a injustiça, o egoísmo, a opressão, o pecado; tem de
esforçar-se, como Jesus, por eliminar tudo o que enfeia o mundo e causa sofrimento
e morte; tem de construir, como Jesus, um mundo de liberdade, de amor e de paz; tem
de testemunhar, como Jesus, que a vida verdadeira é aquela que se faz amor, serviço,
partilha, doação até às últimas consequências. Se a Eucaristia for, de fato, uma
experiência profunda e sentida de adesão a Cristo e ao seu projeto, dela resultará o
imperativo de uma entrega semelhante à de Cristo em favor dos nossos irmãos e da
construção de um mundo novo.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 20º DOMINGO DO TEMPO COMUM
1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 20º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver
em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
O conviva é aquele que “vive com” o tempo de uma refeição. Jesus faz continuamente
referência à relação que O une a seu Pai; eles vivem a convivência, Eu vivo pelo Pai”,
diz Jesus. Mas acrescenta: “também aquele que Me come viverá por Mim”. Em cada
Eucaristia, não estamos ao lado de Cristo ressuscitado, Ele vem morar em nós para
viver em nós. Temos de dizer, como São Paulo: “Não sou eu que vivo, é Cristo que
vive em mim”. É isso a comunhão, esta união total. É o momento de dizer: “Este
mistério é grande!” É grande, porque nunca acabaremos de nos maravilharmos e de
dar graças. Hoje, se Cristo vem habitar em nós, é para que nós habitemos n’Ele.
Vivamos as nossas Eucaristias verdadeiramente como um tempo de convivência.
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Jesus é insistente: não pára de repetir que os seus discípulos devem comer a sua
carne e beber o seu sangue! Ainda hoje, tal linguagem é chocante, inaceitável para a
nossa razão e para a nossa sensibilidade. Sabemos, é certo, que São João escreve
depois da Ressurreição e que as palavras de Jesus só se podem aceitar e
compreender a essa luz. Uma das palavras-chave do discurso de Jesus é “morar”:
aqui e em tantas passagens do Evangelho… Morar com alguém é entrar na sua
intimidade, para ficar juntos. É isso que Deus quer: “estar com” com os homens,
“Emanuel”, para que nós estejamos também com Ele. Não podemos aceder ao sentido
profundo das palavras de Jesus sobre a sua carne a comer e o seu sangue a beber se
não nos colocarmos no registro do amor que exige a presença, o “estar com” dos dois
seres que se amam. No amor, é tudo ou nada. O seu amor por nós é tal que Ele quer
dar-Se na totalidade do seu ser e quer que esse dom dure sempre. Esta experiência já
acontece humanamente: num momento de intensa comunhão com o ser amado,
desejamos ardentemente que isso dure sempre. Ao escolher o meio do banquete
eucarístico para colocar em nós a sua presença de Ressuscitado, Jesus quer enraizar-
Se em nós e alimentar o gérmen da Vida eterna que será doravante a sua. Eis porque
Ele pode afirmar: “quem comer deste pão viverá eternamente”. Participar na
Eucaristia, comungar do corpo e do sangue de Jesus ressuscitado, é oferecer-Lhe o
nosso “espaço humano” muito concreto, toda a nossa pessoa para que Ele venha
habitar em nós. Então podemos, desde agora, ser um com Ele: “já não sou Eu que
vivo, é Cristo que vive em mim!”.
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
O importante é viver e partilhar a vida. Nesta semana, poderíamos estar
particularmente atentos àqueles que têm dificuldade em viver, porque o seu sofrimento
é demasiado pesado… Talvez poderemos, simplesmente, estar presentes a seu lado
e dizer-lhes uma palavra de vida, algumas palavras do coração que saibam reacender
a esperança.

21º Domingo do Tempo Comum

A liturgia do 21º Domingo do Tempo Comum fala-nos de opções. Recorda-nos que a
nossa existência pode ser gasta a perseguir valores efêmeros e estéreis, ou a apostar
nesses valores eternos que nos conduzem à vida definitiva, à realização plena. Cada
homem e cada mulher têm, dia a dia, de fazer a sua escolha.
Na primeira leitura, Josué convida as tribos de Israel reunidas em Siquém a
escolherem entre “servir o Senhor” e servir outros deuses. O Povo escolhe claramente
“servir o Senhor”, pois viu, na história recente da libertação do Egito e da caminhada
pelo deserto, como só Jahwéh pode proporcionar ao seu Povo a vida, a liberdade, o
bem estar e a paz.
O Evangelho coloca diante dos nossos olhos dois grupos de discípulos, com opções
diversas diante da proposta de Jesus. Um dos grupos, prisioneiro da lógica do mundo,
tem como prioridade os bens materiais, o poder, a ambição e a glória; por isso, recusa
a proposta de Jesus. Outro grupo, aberto à ação de Deus e do Espírito, está
disponível para seguir Jesus no caminho do amor e do dom da vida; os membros
deste grupo sabem que só Jesus tem palavras de vida eterna. É este último grupo que
é proposto como modelo aos crentes de todos os tempos.
Na segunda leitura, Paulo diz aos cristãos de Éfeso que a opção por Cristo tem
consequências também ao nível da relação familiar. Para o seguidor de Jesus, o
espaço da relação familiar tem de ser o lugar onde se manifestam os valores de
Jesus, os valores do Reino. Com a sua partilha de amor, com a sua união, com a sua
comunhão de vida, o casal cristão é chamado a ser sinal e reflexo da união de Cristo
com a sua Igreja.
LEITURA I – Js 24,1-2a.15-17.18b
Naqueles dias,
Josué reuniu todas as tribos de Israel em Siquém.
Convocou os anciãos de Israel,
os chefes, os juízes e os magistrados,
que se apresentaram diante de Deus.
Josué disse então a todo o povo:
«Se não vos agrada servir o Senhor,
escolhei hoje a quem quereis servir:
se os deuses que os vossos pais serviram no outro lado do rio,
se os deuses dos amorreus em cuja terra habitais.
Eu e a minha família serviremos o Senhor».
Mas o povo respondeu:
«Longe de nós abandonar o Senhor para servir outros deuses;
porque o Senhor é o nosso Deus,
que nos fez sair, a nós e a nossos pais,
da terra do Egito, da casa da escravidão.
Foi Ele que, diante dos nossos olhos,
realizou tão grandes prodígios
e nos protegeu durante o caminho que percorremos
entre os povos por onde passamos.
Também nós queremos servir o Senhor,
porque Ele é o nosso Deus».
AMBIENTE
O Livro de Josué (de onde é tirada a nossa primeira leitura) abarca uma parte do séc.
XII a.C., desde a época da entrada na Terra Prometida das tribos do Povo de Deus
libertadas do Egito, até à morte de Josué. O livro oferece-nos uma visão muito
simplificada da ocupação de Canaan: as doze tribos, unidas sob a liderança de Josué,
realizaram várias expedições militares fulgurantes e apoderaram-se, quase sem
oposição, de todo o território anteriormente nas mãos dos cananeus… Historicamente,
contudo, as coisas não se passaram nem de forma tão fácil, nem de forma tão linear: é
mais verossímil a versão apresentada no Livro dos Juizes e que fala de uma conquista
lenta e difícil (cf. Jz 1), incompleta (cf. Jz 13,1-6; 17,12-16), que não foi obra de um
povo unido à volta de um chefe único, mas de tribos que fizeram a guerra
isoladamente.
O Livro de Josué, antes de ser um livro de história, é um livro de catequese. O
objetivo dos autores deuteronomistas que o escreveram era destacar o poder imenso
de Jahwéh, posto ao serviço do seu Povo: foi Deus (e não a capacidade militar das
tribos) que, com os seus prodígios ofereceu a Israel a Terra Prometida; ao Povo resta lhe aceitar os dons de Deus e responder-Lhe com a fidelidade à Aliança e aos
mandamentos.
O texto que nos é hoje proposto situa-nos na fase final da vida de Josué. Sentindo
aproximar-se a morte, Josué teria reunido em Siquém (no centro do país) os líderes
das diversas tribos do Povo de Deus e ter-lhes-ia proposto uma renovação do seu
compromisso com Jahwéh. De acordo com Js 24,15, Josué teria colocado as coisas
da seguinte forma: “escolhei hoje a quem quereis servir… porque eu e a minha casa
serviremos o Senhor”.
Na versão do autor deuteronomista a quem devemos esta notícia, Josué parece dirigir-se a um grupo de tribos que partilha uma fé comum em Jahwéh. Estaremos diante de
uma assembleia que reúne essas “doze tribos” que, mais tarde (na época de David)
vão constituir uma unidade nacional? Alguns biblistas pensam que não. Entre as tribos
presentes não estaria certamente a tribo de Judá, já que os contactos entre Judá e a
“casa de José” só se estabeleceram na época do rei David. A “casa” de Josué a que o
texto se refere é certamente constituída pelas tribos do centro do país – Efraim,
Benjamim e Manassés – que há muito tempo tinham aderido a Jahwéh e à Aliança. E
as outras tribos, convidadas a comprometer-se com Jahwéh? Provavelmente, o
convite a escolher entre “o Senhor” e os outros deuses (cf. Js 24,14) dirige-se às
tribos do norte do país que, sem dúvida, não abandonaram a Palestina desde a época
dos patriarcas (e que, portanto, não viveram a experiência do Egito, nem fizeram a
experiência de encontro com Jahwéh, o Deus libertador).
Talvez a “assembleia de Siquém” referida em Js 24 seja a primeira tentativa histórica
de estabelecer laços entre as tribos do centro da Palestina (Efraim, Benjamim e
Manassés – as tribos que viveram a experiência do Egito, a libertação, a caminhada
pelo deserto e a Aliança com Jahwéh) e as tribos do norte (Issacar, Zabulón, Neftali,
Asher e Dan – tribos que nem sequer estiveram no Egito). A ligação far-se-ia à volta
de uma fé comum num mesmo Deus. A união das diversas tribos do norte e do centro
não se deu, contudo, de uma vez; mas foi uma caminhada lenta e progressiva, que só
se completou muito tempo depois de Josué.
O ponto de partida para o texto que nos é proposto é o fato histórico em si
(provavelmente, uma assembleia em Siquém, onde Josué propôs às tribos do norte
que aceitassem Jahwéh como seu Deus). No entanto, o autor deuteronomista
responsável por este texto pegou na notícia histórica e transformou-a numa catequese
sobre o compromisso que Israel assumiu para com Jahwéh. O seu objetivo é
convidar os israelitas da sua época (séc. VII a.C.) a não se deixarem seduzir por
outros deuses e a manterem-se fiéis à Aliança.
MENSAGEM
Estamos, portanto, em Siquém, com “todas as tribos de Israel” (vers. 1) reunidas à
volta de Josué. Na interpelação que dirige às tribos, Josué começa por elencar alguns
momentos capitais da história da salvação, mostrando ao Povo como Jahwéh é um
Deus em quem se pode confiar; as suas ações salvadoras e libertadoras em favor de
Israel são uma prova mais do que suficiente do seu poder e da sua fidelidade (cf. Js
24,2-13).
Depois dessa introdução, Josué convida os representantes das tribos presentes a
tirarem as devidas consequências e a fazerem a sua opção. É necessário escolher
entre servir esse Senhor que libertou Israel da opressão, que o conduziu pelo deserto
e que o introduziu na Terra Prometida, ou servir os deuses dos mesopotâmios e os
deuses dos amorreus. Josué e a sua família já optaram: eles escolheram servir
Jahwéh (vers. 15).
A resposta do Povo é a esperada. Todos manifestam a sua intenção de servir o
Senhor, em resposta à sua ação libertadora e à sua proteção ao longo da
caminhada pelo deserto (vers. 16-18). Israel compromete-se a renunciar a outros
deuses e a fazer de Jahwéh o seu Deus.
A aceitação de Jahwéh como Deus de Israel é apresentada, não como uma obrigação
imposta a um grupo de escravos, mas como uma opção livre, feita por pessoas que
fizeram uma experiência de encontro com Deus e que sabem que é aí que está a sua
realização e a sua felicidade. Depois de percorrer com Jahwéh os caminhos da
história, Israel constatou, sem margem para dúvidas, que só em Deus pode encontrar
a liberdade e a vida em plenitude.
ATUALIZAÇÃO
♦ O problema fundamental posto pelo autor do nosso texto é o das opções: “escolhei
hoje a quem quereis servir” – diz Josué ao Povo reunido. É uma questão que
nunca deixará de nos ser posta… Ao longo da nossa caminhada pela vida, vamos
fazendo a experiência do encontro com esse Deus libertador e salvador que Israel
descobriu na sua marcha pela história; mas encontramo-nos também, muito
frequentemente, com outros deuses e outras propostas que parecem garantir-nos
a vida, o êxito, a realização, a felicidade e que, quase sempre, nos conduzem por
caminhos de escravidão, de dependência, de desilusão, de infelicidade. A
expressão “escolhei hoje a quem quereis servir” interpela-nos acerca da nossa
servidão ao dinheiro, ao êxito, à fama, ao poder, à moda, às exigências dos
valores que a opinião pública consagrou, ao reconhecimento público…
Naturalmente, nem todos os valores do mundo são geradores de escravidão ou
incompatíveis com a nossa opção por Deus… Temos, no entanto, que repensar
continuamente a nossa vida e as nossas opções, a fim de não corrermos atrás de
falsos deuses e de não nos deixarmos seduzir por propostas falsas de realização e
de felicidade. O verdadeiro crente sabe que não pode prescindir de Deus e das
suas propostas; e sabe que é nesse Deus que nunca desilude aqueles que n’Ele
confiam que pode encontrar a sua realização plena.
♦ Israel aceitou “servir o Senhor” e comprometer-se com Ele, não por obrigação, mas
pela convicção de que era esse o caminho para a sua felicidade. Por vezes, Deus
é visto como um concorrente do homem e os seus mandamentos como uma
proposta que limita a liberdade e a independência do homem… Na verdade, o
compromisso com Deus e a aceitação das suas propostas não é um caminho de
servidão, mas um caminho que conduz o homem à verdadeira liberdade e à sua
realização plena. O caminho que Deus nos propõe – caminho que somos livres de
aceitar ou não – é um caminho que nos liberta do egoísmo, do orgulho, da auto
suficiência, da escravidão dos bens materiais e que nos projeta para o amor, para
a partilha, para o serviço, para o dom da vida, para a verdadeira felicidade.
♦ Josué, o líder da comunidade do Povo de Deus, tem um papel fundamental no
sentido de interpelar o Povo e de testemunhar a sua opção por Deus. Não é um
líder que diz belas palavras e apresenta belas propostas, mas que desmente com
a vida aquilo que diz… É um líder plenamente comprometido com Deus e que
testemunha, com a própria vida, essa opção. Josué poderia ser um exemplo para
todos aqueles que têm responsabilidades na condução da comunidade do Povo de
Deus em marcha pela história. O seu exemplo convida aqueles que presidem à
comunidade do Povo de Deus a serem uma voz de Deus que interpela e que
questiona aqueles que caminham ao seu lado; e convida também os responsáveis
pelas comunidades cristãs a testemunharem com a própria vida aquilo que
ensinam ao Povo.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 33 (34)
Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.
A toda a hora bendirei o Senhor,
o seu louvor estará sempre na minha boca.
A minha alma gloria-se no Senhor:
escutem e alegrem-se os humildes.
Os olhos do Senhor estão voltados para os justos
e os ouvidos atentos aos seus rogos.
A face do Senhor volta-se contra os que fazem o mal,
para apagar da terra a sua memória.
Os justos clamaram e o Senhor os ouviu,
livrou-os de todas as suas angústias.
O Senhor está perto dos que têm o coração atribulado
e salva os de ânimo abatido.
Muitas são as tribulações do justo,
mas de todas elas o livra o Senhor.
Guarda todos os seus ossos,
nem um só será quebrado.
A maldade leva o ímpio à morte,
os inimigos do justo serão castigados.
O Senhor defende a vida dos seus servos,
não serão castigados os que n’Ele se refugiam.
LEITURA II – Ef 5,21-32
Irmãos:
Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo.
As mulheres submetam-se aos maridos como ao Senhor,
porque o marido é a cabeça da mulher,
como Cristo é a cabeça da Igreja, seu Corpo,
do qual é o Salvador.
Ora, como a Igreja se submete a Cristo,
assim também as mulheres
se devem submeter em tudo aos maridos.
Maridos, amai as vossas mulheres,
como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela.
Ele quis santificá-la,
purificando-a no batismo da água pela palavra da vida,
para a apresentar a Si mesmo como Igreja cheia de glória,
sem mancha nem ruga, nem coisa alguma semelhante,
mas santa e imaculada.
Assim devem os maridos amar as suas mulheres,
como os seus corpos.
Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo.
Ninguém, de fato, odiou jamais o seu corpo,
antes o alimenta e lhe presta cuidados,
como Cristo à Igreja;
porque nós somos membros do seu Corpo.
Por isso, o homem deixará pai e mãe,
para se unir à sua mulher,
e serão dois numa só carne.
É grande este mistério,
digo-o em relação a Cristo e à Igreja.
AMBIENTE
Continuamos a ler a parte moral da Carta aos Efésios (cf. Ef 4,1-6,20).
Nessa parte, Paulo lembra aos crentes a opção que fizeram no dia do seu Batismo e
que os obriga a viver como Homens Novos, à imagem de Jesus.
A vida desse Homem Novo que deixou as trevas e escolheu a luz deve traduzir-se em
atitudes concretas. Por isso, Paulo enumera, a dado passo da sua reflexão, um
conjunto de normas de conduta, através das quais se deve manifestar a opção que o
crente assumiu no dia do seu Batismo.
Na secção de Ef 5,21-6,9 (a que o texto que hoje nos é proposto pertence), Paulo
apresenta as normas que devem reger as relações familiares. De forma especial,
Paulo refere-se aos deveres dos esposos, seguramente porque vê na sua união uma
figura da união de Cristo com a sua Igreja. Trata-se de um dos temas mais
importantes da teologia desenvolvida na Carta aos Efésios.
MENSAGEM
O nosso texto começa com um princípio geral que deve regular as relações entre os
diversos membros da família cristã: “sede submissos uns aos outros no temor de
Cristo” (Ef 5,21). O “ser submisso” expressa aqui a condição daquele que está
permanentemente numa atitude de serviço simples e humilde, sem deixar que a sua
relação com o irmão seja dominada pelo orgulho ou marcada por atitudes de
prepotência. A expressão “no temor de Cristo” recorda aos crentes que o Cristo do
amor, do serviço, da partilha é o exemplo e o modelo que eles devem ter sempre
diante dos olhos.
Depois, Paulo dirige-se aos vários membros da família e propõe-lhes normas
concretas de conduta. O texto que nos é proposto, contudo, apenas conservou a parte
que se refere à relação dos esposos um com o outro (na continuação, Paulo falará
também da conduta dos filhos para com os pais, dos pais para com os filhos, dos
senhores para com os escravos e dos escravos para com os senhores – cf. Ef 6,1-9).
Às mulheres, Paulo pede a submissão aos maridos, porque “o marido é a cabeça da
mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja, seu corpo” (vers. 23). Esta afirmação – que,
à luz da nossa sensibilidade e dos nossos esquemas mentais modernos parece
discriminatória – deve ser entendida no contexto sócio-cultural da época, onde o
homem aparece como a referência suprema da organização do núcleo familiar. De
qualquer forma, a “submissão” de que Paulo fala deve ser sempre entendida no
sentido do amor e do serviço e não no sentido da escravidão.
Aos maridos, Paulo recomenda que amem as suas esposas, “como Cristo amou a
Igreja e se entregou por ela” (vers. 25). Não se trata de um amor qualquer, mas de um
amor igual ao de Cristo pela sua comunidade – isto é, de um amor generoso e total,
que é capaz de ir até ao dom da própria vida. Para Paulo, portanto, o amor dos
maridos pelas esposas deve ser um amor completamente despido de qualquer sinal
de egoísmo e de prepotência; e deve ser um amor cheio de solicitude, que se
manifesta em atitudes de generosidade, de bondade e de serviço, que se faz dom total
à pessoa a quem se ama.
Neste contexto, Paulo desenvolve a sua teologia da relação entre Cristo e a Igreja,
para depois tirar daí as devidas consequências para a união dos esposos cristãos…
Cristo santificou a Igreja, purificando-a “no batismo da água pela palavra da vida”
(vers. 26). Há aqui, certamente, uma alusão ao batismo cristão (inspirada,
provavelmente, nas cerimônias preparatórias do matrimônio, que contemplavam o
“banho” da noiva antes de se apresentar diante do noivo), pelo qual Cristo edifica a
sua comunidade e a purifica do pecado. O batismo é o momento em que Cristo
oferece a vida plena à sua Igreja e em que a Igreja se compromete com Cristo numa
comunidade de amor. A partir desse momento, Cristo e a Igreja formam um só corpo…
Como Cristo e a Igreja formam um só corpo, do mesmo modo marido e esposa,
comprometidos numa comunidade de amor, formam um só corpo: “por isso, o homem
deixará pai e mãe para se unir à sua mulher e serão dois numa só carne” (vers. 31). A
expressão “uma só carne” aqui usada por Paulo não alude só à união carnal dos
esposos, mas a toda a sua vida conjugal, feita de um empenho quotidiano na vivência
do amor, da fidelidade e da partilha de toda a existência.
Este paralelismo estabelecido por Paulo entre a união de Cristo e da Igreja e o amor
que une os esposos dá um significado especial ao casamento cristão: a vocação dos
esposos é anunciar e testemunhar, com o seu amor e a sua união, o amor de Cristo
pela sua Igreja. Dito de outra forma: a união dos esposos cristãos deve ser, aos olhos
do mundo, um sinal e um reflexo do “mistério” de amor que une Cristo e a Igreja.
ATUALIZAÇÃO
♦ O compromisso com Jesus e com a proposta de vida nova que ele veio apresentar
mexe com a totalidade da vida do homem e tem consequências em todos os níveis
da existência, nomeadamente ao nível da relação familiar. Para o seguidor de
Jesus, o espaço da relação familiar tem de ser também o lugar onde se
manifestam os valores de Jesus, os valores do Reino. Com a sua partilha de amor,
com a sua união, com a sua comunhão de vida, o casal cristão é chamado a ser
sinal e reflexo da união de Cristo com a sua Igreja. “Os esposos, feitos à imagem
de Deus e estabelecidos numa ordem verdadeiramente pessoal, estejam unidos
em comunhão de afeto e de pensamento e com mútua santidade de modo que,
seguindo a Cristo, princípio da vida, se tornem, pela fidelidade do seu amor,
através das alegrias e sacrifícios da sua vocação, testemunhas daquele mistério
de amor que Deus revelou ao mundo com a sua morte e ressurreição” (Gaudium et
Spes, 52).
♦ Para Paulo, o amor que une o marido e a esposa deve ser um amor como o de
Cristo pela sua Igreja. Desse amor devem, portanto, estar ausentes quaisquer
sinais de egoísmo, de prepotência, de exploração, de injustiça… Deve ser um
amor que se faz doação total ao outro, que é paciente, que não é arrogante nem
orgulhoso, que compreende os erros e as falhas dos outro, que tudo desculpa,
tudo crê, tudo espera, tudo suporta (cf. 1 Cor 13,4-7).
♦ Para Paulo, o amor que une a esposa e o marido deve ser um amor que se faz
serviço simples e humilde. Não se trata de exigir submissão de um a outro, mas
trata-se de pedir que os crentes manifestem total disponibilidade para servir e para
dar a vida, sem esperar nada em troca. Trata-se de seguir o exemplo de Cristo que
não veio para afirmar a sua superioridade e para ser servido, mas para servir e dar
vida. O matrimônio cristão não pode tornar-se uma competição para ver quem tem
mais direitos ou mais obrigações, mas uma comunhão de vida de pessoas que, a
exemplo de Cristo, fazem da sua existência uma partilha e um serviço a todos os
irmãos que caminham ao seu lado.
♦ Paulo utiliza, neste texto, a propósito das mulheres, uma palavra que não devemos
absolutizar: “submissão”. Esta palavra deve ser entendida no contexto sócio-cultural
da época, em que o marido era considerado a referência fundamental da
ordem familiar. É claro que, nos dias de hoje, Paulo não teria usado este termo
para falar da relação da esposa com o marido. A afirmação de Paulo não pode
servir para fundamentar qualquer tipo de discriminação contra as mulheres… Aliás,
Paulo dirá, noutras circunstâncias, que “não há judeu nem grego, não há escravo
nem livre, não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus” (Gl
3,28).
ALELUIA  
Aleluia. Aleluia.
As vossas palavras, Senhor, são espírito e vida:
Vós tendes palavras de vida eterna.
EVANGELHO – Jo 6,60-69
Naquele tempo,
muitos discípulos, ao ouvirem Jesus, disseram:
«Estas palavras são duras.
Quem pode escutá-las?»
Jesus, conhecendo interiormente
que os discípulos murmuravam por causa disso,
perguntou-lhes:
«Isto escandaliza-vos?
E se virdes o Filho do homem
subir para onde estava anteriormente?
O espírito é que dá vida,
a carne não serve de nada.
As palavras que Eu vos disse são espírito e vida.
Mas, entre vós, há alguns que não acreditam».
Na verdade, Jesus bem sabia, desde o início,
quais eram os que não acreditavam
e quem era aquele que O havia de entregar.
E acrescentou:
«Por isso é que vos disse:
Ninguém pode vir a Mim,
se não lhe for concedido por meu Pai».
A partir de então, muitos dos discípulos afastaram-se
e já não andavam com Ele.
Jesus disse aos Doze:
«Também vós quereis ir embora?»
Respondeu-Lhe Simão Pedro:
«Para quem iremos, Senhor?
Tu tens palavras de vida eterna.
Nós acreditamos
e sabemos que Tu és o Santo de Deus».
AMBIENTE
Estamos no final do episódio que começou com a multiplicação doa pães e dos peixes
(cf. Jo 6,1-15) e que continuou com o “discurso do pão da vida” (cf. Jo 6,22-59). Tratase de um episódio atravessado por diversos equívocos e onde se manifesta a
perplexidade e a confusão daqueles que escutam as palavras de Jesus… A multidão
esperava um messias rei que lhe oferecesse uma vida confortável e pão em
abundância e Jesus mostrou que não veio “dar coisas”, mas oferecer-Se a Ele próprio
para que a humanidade tivesse vida; a multidão esperava de Jesus uma proposta
humana de triunfo e de glória e Jesus convidou-a a identificar-se com Ele e a segui-l’O
no caminho do amor e do dom da vida até à morte… Os interlocutores de Jesus
perceberam claramente que Jesus os tinha colocado diante de uma opção
fundamental: ou continuar a viver numa lógica humana, virada para os bens materiais
e para as satisfações mais imediatas, ou o assumir a lógica de Deus, seguindo o
exemplo de Jesus e fazendo da vida um dom de amor para ser partilhado. Instalados
nos seus esquemas e preconceitos, presos a aspirações e sonhos demasiado
materiais, desiludidos com um programa que lhes parecia condenado ao fracasso, os
interlocutores de Jesus recusaram-se a identificar-se com Ele e com o seu programa.
O nosso texto mostra-nos a reação negativa de “muitos discípulos” às propostas que
Jesus faz. Nem todos os discípulos estão dispostos a identificar-se com Jesus (“comer
a sua carne e beber o seu sangue”) e a oferecer a sua vida como dom de amor que
deve ser partilhado com toda a humanidade. Temos de situar esta “catequese” no
contexto em que vivia a comunidade joânica, nos finais do séc. I… A comunidade
cristã era discriminada e perseguida; muitos discípulos afastavam-se e trilhavam
outros caminhos, recusando-se a seguir Jesus no caminho do dom da vida. Muitos
cristãos, confusos e perplexos, perguntavam: para ser cristão é preciso percorrer um
caminho tão radical e de tanta exigência? A proposta de Jesus será, efetivamente,
um caminho de vida plena, ou um caminho de fracasso e de morte? É a estas
questões que o “catequista” João vai tentar responder.
MENSAGEM
A perícopa divide-se em duas partes. A primeira (vers. 60-66) descreve o protesto de
um grupo de discípulos face às exigências de Jesus; a segunda (vers. 67-69)
apresenta a resposta dos Doze à proposta que Jesus faz. Estes dois grupos (os
“muitos discípulos” da primeira parte e os “Doze” da segunda parte) representam duas
atitudes distintas face a Jesus e às suas propostas.
Para os “discípulos” de que se fala na primeira parte do nosso texto, a proposta de
Jesus é inadmissível, excessiva para a força humana (vers. 60). Eles não estão
dispostos a renunciar aos seus próprios projetos de ambição e de realização
humana, a embarcar com Jesus no caminho do amor e da entrega, a fazer da própria
vida um serviço e uma partilha com os irmãos. Esse caminho parece-lhes, além de
demasiado exigente, um caminho ilógico. Confrontados com a radicalidade do
caminho do Reino, eles não estão dispostos a arriscar.
Na resposta à objeção desses “discípulos”, Jesus assegura-lhes que o caminho que
propõe não é um caminho de fracasso e de morte, mas é um caminho destinado à
glória e à vida eterna. A “subida” do Filho do Homem, após a morte na cruz, para
reentrar no mundo de Deus, será a “prova provada” de que a vida oferecida por amor
conduz à vida em plenitude (vers. 61-62). Esses “discípulos” não estão dispostos a
acolher a proposta de Jesus porque raciocinam de acordo com uma lógica humana, a
lógica da “carne”; só o dom do Espírito possibilitará aos crentes perceber a lógica de
Jesus, aderir à sua proposta e seguir Jesus nesse caminho do amor e da doação que
conduz à vida (vers. 63).
Na realidade, esses discípulos que raciocinam segundo a lógica da “carne” seguem
Jesus pelas razões erradas (a glória, o poder, a fácil satisfação das necessidades
materiais mais básicas). A sua adesão a Jesus é apenas exterior e superficial. Jesus
tem consciência clara dessa realidade. Ele sabe até que um dos “discípulos” O vai trair
e entregar nas mãos dos líderes judaicos (vers. 64). De qualquer forma, Jesus encara
a decisão dos discípulos com tranquilidade e serenidade. Ele não força ninguém;
apenas apresenta a sua proposta – proposta radical e exigente – e espera que o
“discípulo” faça a sua opção, com toda a liberdade.
Em última análise, a vida nova que Jesus propõe é um dom de Deus, oferecido a
todos os homens (vers. 65). O termo deste movimento que o Pai convida o “discípulo”
a fazer é o encontro com Jesus e a adesão ao seu projeto. Se o homem não está
aberto à ação do Pai e recusa os dons de Deus, não pode integrar a comunidade dos
discípulos e seguir Jesus.
A primeira parte da cena termina com a retirada de “muitos discípulos” (vers. 66). O
programa exposto por Jesus, que exige a renúncia às lógicas humanas de ambição e
de realização pessoal, é recusado… Esses “discípulos” mostram-se absolutamente
indisponíveis para percorrer o caminho de Jesus.
Confirmada a deserção desses “discípulos”, Jesus pede ao grupo mais restrito dos
“Doze” que façam a sua escolha: “também vós quereis ir embora?” (vers. 67). Reparese que Jesus não suaviza as suas exigências, nem atenua a dureza das suas
palavras… Ele está disposto a correr o risco de ficar sem discípulos, mas não está
disposto a prescindir da radicalidade do seu projeto. Não é uma questão de teimosia
ou de não querer dar o braço a torcer; mas Jesus está seguro que o caminho que Ele
propõe – o caminho do amor, do serviço, da partilha, da entrega – é o único caminho
por onde é possível chegar à vida plena… Por isso, Ele não pode mudar uma vírgula
ao seu discurso e à sua proposta. O caminho para a vida em plenitude já foi
claramente exposto por Jesus; resta agora aos “discípulos” aceitá-lo ou rejeitá-lo.
Confrontados com esta opção fundamental, os “Doze” definem claramente o caminho
que querem percorrer: eles aceitam a proposta de Jesus, aceitam segui-l’O no
caminho do amor e da entrega. Quem responde em nome do grupo (uso do plural) é
Simão Pedro: “Para quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (vers.
68). A comunidade reconhece, pela voz de Pedro, que só no caminho proposto por
Jesus encontra vida definitiva. Os outros caminhos só geram vida efémera e parcial e,
com frequência, conduzem à escravidão e à morte; só no caminho que Jesus acabou
de propor (e que “muitos” recusaram) se encontra a felicidade duradoura e a
realização plena do homem (vers. 68).
É porque reconhece em Jesus o único caminho válido para chegar à vida eterna que a
comunidade dos “Doze” adere ao que ele propõe (“cremos” – vers. 69a). A “fé”
(adesão a Jesus) traduz-se no seguimento de Jesus, na identificação com Ele, no
compromisso com a proposta que Ele faz (“comer a carne e beber o sangue” que
Jesus oferece e que dão a vida eterna).
A resposta posta na boca de Pedro é precisamente a resposta que a comunidade
joânica (a tal comunidade que vive a sua fé e o seu compromisso cristão em
condições difíceis e que, por vezes, tem dificuldade em renunciar à lógica do mundo e
apostar na radicalidade do Evangelho de Jesus) é convidada a dar: “Senhor, as tuas
propostas nem sempre fazem sentido à luz dos valores que governam o nosso mundo;
mas nós estamos seguros de que o caminho que Tu nos indicas é um caminho que
leva à vida eterna. Queremos escutar as tuas palavras, identificar-nos contigo, viver de
acordo com os valores que nos propões, percorrer contigo esse caminho do amor e da
doação que conduz à vida eterna.
ATUALIZAÇÃO
♦ O Evangelho deste domingo põe claramente a questão das opções que nós,
discípulos de Jesus, somos convidados a fazer… Todos os dias somos desafiados
pela lógica do mundo, no sentido de alicerçarmos a nossa vida nos valores do
poder, do êxito, da ambição, dos bens materiais, da moda, do “politicamente
correto”; e todos os dias somos convidados por Jesus a construir a nossa
existência sobre os valores do amor, do serviço simples e humilde, da partilha com
os irmãos, da simplicidade, da coerência com os valores do Evangelho… É inútil
esconder a cabeça na areia: estes dois modelos de existência nem sempre podem
coexistir e, frequentemente, excluem-se um ao outro. Temos de fazer a nossa
escolha, sabendo que ela terá consequências no nosso estilo de vida, na forma
como nos relacionamos com os irmãos, na forma como o mundo nos vê e,
naturalmente, na satisfação da nossa fome de felicidade e de vida plena. Não
podemos tentar agradar a Deus e ao diabo e viver uma vida “morna” e sem
exigências, procurando conciliar o inconciliável. A questão é esta: estamos ou não
dispostos a aderir a Jesus e a segui-l’O no caminho do amor e do dom da vida?
♦ Os “muitos discípulos” de que fala o texto que nos é proposto não tiveram a
coragem para aceitar a proposta de Jesus. Amarrados aos seus sonhos de riqueza
fácil, de ambição, de poder e de glória, não estavam dispostos a trilhar um
caminho de doação total de si mesmos em benefício dos irmãos. Este grupo
representa esses “discípulos” de Jesus demasiado comprometidos com os valores
do mundo, que até podem frequentar a comunidade cristã, mas que no dia a dia
vivem obcecados com a ampliação da sua conta bancária, com o êxito profissional
a todo o custo, com a pertença à elite que frequenta as festas sociais, com o
aplauso da opinião pública… Para estes, as palavras de Jesus “são palavras
duras” e a sua proposta de radicalidade é uma proposta inadmissível. Esta
categoria de “discípulos” não é tão rara como parece… Em diversos graus, todos
nós sentimos, por vezes, a tentação de atenuar a radicalidade da proposta de
Jesus e de construir a nossa vida com valores mais condizentes com uma visão
“light” da existência. É preciso estarmos continuamente numa atitude de vigilância
sobre os valores que nos norteiam, para não corrermos o risco de “virar as costas”
à proposta de Jesus.
♦ Os “Doze” ficaram com Jesus, pois estavam convictos de que só Ele tem “palavras
que comunicam a vida definitiva”. Eles representam aqueles que não se
conformam com a banalidade de uma vida construída sobre valores efêmeros e
que querem ir mais além; representam aqueles que não estão dispostos a gastar a
sua vida em caminhos que só conduzem à insatisfação e à frustração;
representam aqueles que não estão dispostos a conduzir a sua vida ao sabor da
preguiça, do comodismo, da instalação; representam aqueles que aderem
sinceramente a Jesus, se comprometem com o seu projeto, acolhem no coração
a vida que Jesus lhes oferece e se esforçam por viver em coerência com a opção
por Jesus que fizeram no dia do seu Batismo. Atenção: esta opção pelo
seguimento de Jesus precisa de ser constantemente renovada e constantemente
vigiada, a fim de que o nível da coerência e da exigência se mantenha.
♦ Na cena que o Evangelho de hoje nos traz, Jesus não parece estar tão
preocupado com o número de discípulos que continuarão a segui-l’O, quanto com
o manter a verdade e a coerência do seu projeto. Ele não faz credencias fáceis
para ter êxito e para captar a benevolência e os aplausos das multidões, pois o
Reino de Deus não é um concurso de popularidade… Não adianta escamotear a
verdade: o Evangelho que Jesus veio propor conduz à vida plena, mas por um
caminho que é de radicalidade e de exigência. Muitas vezes tentamos “suavizar”
as exigências do Evangelho, a fim de que ele seja mais facilmente aceite pelos
homens do nosso tempo… Temos de ter cuidado para não desvirtuarmos a
proposta de Jesus e para não despojarmos o Evangelho daquilo que ele tem de
verdadeiramente transformador. O que deve preocupar-nos não é tanto o número
de pessoas que vão à Igreja; mas é, sobretudo, o grau de radicalidade com que
vivemos e testemunhamos no mundo a proposta de Jesus.
♦ Um dos elementos que aparece nitidamente no nosso texto é a serenidade com
que Jesus encara o “não” de alguns discípulos ao projeto que Ele veio propor.
Diante desse “não”, Jesus não força as coisas, não protesta, não ameaça, mas
respeita absolutamente a liberdade de escolha dos seus discípulos. Jesus mostra,
neste episódio, o respeito de Deus pelas decisões (mesmo erradas) do homem,
pelas dificuldades que o homem sente em comprometer-se, pelos caminhos
diferentes que o homem escolhe seguir. O nosso Deus é um Deus que respeita o
homem, que o trata como adulto, que aceita que ele exerça o seu direito à
liberdade. Por outro lado, um Deus tão compreensivo e tolerante convida-nos a dar
mostras de misericórdia, de respeito e de compreensão para com os irmãos que
seguem caminhos diferentes, que fazem opções diferentes, que conduzem a sua
vida de acordo com valores e critérios diferentes dos nossos. Essa “divergência”
de perspectivas e de caminhos não pode, em nenhuma circunstância, afastar-nos
do irmão ou servir de pretexto para o marginalizarmos e para o excluirmos do
nosso convívio.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 21º DOMINGO DO TEMPO COMUM
1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 21º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver
em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Não há dúvida que Pedro não tinha compreendido todas as palavras de Jesus sobre o
Pão da Vida, mas, um dia, ele tinha deixado tudo para seguir este Mestre que falava e
agia com autoridade. Ele tinha-Lhe dado toda a sua confiança sem reservas: as suas
palavras eram palavras de vida, os seus gestos eram gestos de vida. Então porque
não aceitar que toda a sua pessoa fosse doadora de vida eterna? Pedro não se vê,
pois, a deixar Aquele que promete a vida em nome de Deus. Imagina-se o sofrimento
de Jesus ao ver alguns dos seus discípulos deixarem de O seguir. Mas imagina-se
também a sua alegria diante da confiança daqueles que não O deixarão, mesmo se
vierem a conhecer abandono momentâneo, negação, dúvida… Estamos prontos a
fazer o ato de fé de Pedro: “Senhor, para quem iremos nós?” Em Cristo, e somente
n’Ele, nunca ficaremos decepcionados!
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
O escândalo não tardou em rebentar! “Estas palavras são duras. Quem pode escutá-las?”
Desta vez, não são os escribas e os fariseus que se opõem violentamente a
Jesus, mas a maior parte dos seus discípulos. No lugar de Jesus, teríamos, sem
dúvida, tentado acalmar os espíritos dizendo, por exemplo, que comer o seu corpo,
beber o seu sangue para ter a vida eterna, era uma imagem, certamente chocante,
mas apenas uma imagem! Nada disso com Jesus! Ele não apenas não retira nenhuma
das suas palavras, mas provoca os Doze: “Também vós quereis ir embora?” Ele
aceitaria antes ver partir os seus discípulos mais próximos do que negar uma só das
suas palavras! O desafio era capital, incontornável. Não podemos apagar estas
palavras se queremos ser seus discípulos. Tudo à luz do acontecimento central da
Morte e Ressurreição, celebrado na Eucaristia! Isso exige uma dupla atitude para
entrarmos no mistério da Eucaristia: Reconhecemos verdadeiramente neste homem,
Jesus de Nazaré, o Filho de Maria, o verdadeiro Filho único de Deus, nascido do Pai
antes de todos os séculos, como dizemos no Credo? Cremos verdadeiramente que
Jesus ressuscitou e é verdadeiramente vencedor da morte? Aí está o centro da nossa
fé, onde tudo se decide! Quando comungamos o corpo e o sangue de Cristo, dizemos:
“Amém! Adiro a esta presença de Jesus ressuscitado com todas as fibras do meu ser!”
Uma fé celebrada na Eucaristia a marcar toda a nossa existência… Não há meios termos!
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Qual é a minha fé? Cada um de nós pode interrogar-se: posso sinceramente dizer a
minha fé com as palavras de Pedro? Se sim, terei, nos próximos dias, a força de a
testemunhar junto de uma pessoa que duvida, que procura, ou que contesta a fé
cristã? Quais são os meios que tenho para alimentar a minha fé?

22º Domingo do Tempo Comum


A liturgia do 22º Domingo do Tempo Comum propõe-nos uma reflexão sobre a “Lei”.
Deus quer a realização e a vida plena para o homem e, nesse sentido, propõe-lhe a
sua “Lei”. A “Lei” de Deus indica ao homem o caminho a seguir. Contudo, esse
caminho não se esgota num mero cumprimento de ritos ou de práticas vazias de
significado, mas num processo de conversão que leve o homem a comprometer-se
cada vez mais com o amor a Deus e aos irmãos.
A primeira leitura garante-nos que as “leis” e preceitos de Deus são um caminho
seguro para a felicidade e para a vida em plenitude. Por isso, o autor dessa catequese
recomenda insistentemente ao seu Povo que acolha a Palavra de Deus e se deixe
guiar por ela.
No Evangelho, Jesus denuncia a atitude daqueles que fizeram do cumprimento
externo e superficial da “lei” um valor absoluto, esquecendo que a “lei” é apenas um
caminho para chegar a um compromisso efetivo com o projeto de Deus. Na
perspectiva de Jesus, a verdadeira religião não se centra no cumprimento formal das
“leis”, mas num processo de conversão que leve o homem à comunhão com Deus e a
viver numa real partilha de amor com os irmãos.
A segunda leitura convida os crentes a escutarem e acolherem a Palavra de Deus;
mas avisa que essa Palavra escutada e acolhida no coração tem de tornar-se um
compromisso de amor, de partilha, de solidariedade com o mundo e com os homens.
LEITURA I – Dt 4,1-2.6-8
Moisés falou ao povo, dizendo:
«Agora escuta, Israel,
as leis e os preceitos que vos dou a conhecer
e ponde-os em prática,
para que vivais e entreis na posse da terra
que vos dá o Senhor, Deus de vossos pais.
Não acrescentareis nada ao que vos ordeno,
nem suprimireis coisa alguma,
mas guardareis os mandamentos do Senhor vosso Deus,
tal como eu vo-los prescrevo.
Observai-os e ponde-os em prática:
eles serão a vossa sabedoria e a vossa prudência
aos olhos dos povos,
que, ao ouvirem falar de todas estas leis, dirão:
‘Que povo tão sábio e tão prudente é esta grande nação!’
Qual é, na verdade, a grande nação
que tem a divindade tão perto de si
como está perto de nós o Senhor, nosso Deus,
sempre que O invocamos?
E qual é a grande nação
que tem mandamentos e decretos tão justos
como esta lei que hoje vos apresento?»
AMBIENTE
O Livro do Deuteronômio é aquele “livro da Lei” ou “livro da Aliança” descoberto no
Templo de Jerusalém no 18º ano do reinado de Josias (622 a.C.) (cf. 2 Rs 22). Neste
livro, os teólogos deuteronomistas – originários do Norte (Israel) mas, entretanto,
refugiados no sul (Judá) após as derrotas dos reis do norte frente aos assírios –
apresentam os dados fundamentais da sua teologia: há um só Deus, que deve ser
adorado por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e
elegeu Israel e fez com Ele uma aliança eterna; e o Povo de Deus deve ser um único
Povo, a propriedade pessoal de Jahwéh (portanto, não têm qualquer sentido as
questões históricas que levaram o Povo de Deus à divisão política e religiosa, após a
morte do rei Salomão).
Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés,
pronunciados nas planícies de Moab. Pressentindo a proximidade da sua morte,
Moisés deixa ao Povo uma espécie de “testamento espiritual”: lembra aos hebreus os
compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar a sua aliança com
Jahwéh.
O texto que hoje nos é proposto apresenta-se como parte do primeiro discurso de
Moisés (cf. Dt 1,6-4,43). Na primeira parte desse discurso (cf. Dt 1,6-3,29), em estilo
narrativo, o autor deuteronomista põe na boca de Moisés um resumo da história do
Povo, desde a estadia no Horeb/Sinai, até à chegada ao monte Pisga, na
Transjordânia; na parte final desse discurso (cf. Dt 4,1-43), o autor apresenta, em
estilo exortativo, um pequeno resumo da Aliança e das suas exigências. Esta secção
final do primeiro discurso de Moisés começa com a expressão “e agora, Israel…”, que
enlaça esta secção com a precedente: mostra-se que o compromisso que agora se
pede a Israel se apoia nos acontecimentos históricos anteriormente expostos… A
ação de Deus ao longo da caminhada do Povo pelo deserto deve conduzir ao
compromisso.
O capítulo 4 do Livro do Deuteronômio é um texto redigido, muito provavelmente, na
fase final do Exílio do Povo de Deus na Babilônia. Perdido numa terra estrangeira e
mergulhado numa cultura estranha, hostilizado quando tentava afirmar a sua fé em
Jahwéh e celebrá-la através do culto, impressionado com o esplendor ritual e as
solenidades do culto babilônico, o Povo bíblico corria o risco de trocar Jahwéh pelos
deuses babilônicos. É neste contexto que os teólogos da escola deuteronomista vão
convidar o Povo a olhar para a sua história (cf. Dt 1,6-3,29), a redescobrir nela a
presença salvadora e amorosa de Jahwéh e a comprometer-se de novo com Deus e
com a Aliança.
MENSAGEM
Esse Deus que, no passado, interveio na história para salvar e libertar Israel é o
mesmo Deus que agora oferece ao seu Povo leis e preceitos.
Porque é que Israel deve acolher e praticar essas leis e preceitos que Deus lhe
propõe? Em primeiro lugar, como forma de gratidão: é a resposta de Israel a esse
Deus libertador, que mil vezes agiu no passado para salvar o seu Povo… Em segundo
lugar, porque as leis e preceitos do Senhor são inquestionavelmente um caminho que
conduz o Povo pela estrada da felicidade e da liberdade. Em qualquer caso, o viver de
acordo com as leis e os preceitos de Jahwéh ajudará o Povo a concretizar todos os
seus sonhos e esperanças – nomeadamente o grande sonho de se estabelecer numa
terra, escapando aos perigos da vida nômade (vers. 1).
Israel deve, contudo, ter cuidado para não adulterar as leis e preceitos que Deus lhe
propõe. Há sempre o perigo de os homens adaptaram a Palavra de Deus, de forma a
que ela sirva os seus interesses; há sempre o perigo de os homens suavizarem a
Palavra de Deus, de forma a que ela não seja tão exigente; há sempre o perigo de os
homens suprimirem da Palavra de Deus aquilo que os incomoda; há sempre o perigo
de os homens acrescentarem algo à Palavra de Deus, atribuindo a Deus ideias e
propostas com as quais Deus não tem nada a ver… Israel tem de resistir a estas
tentações: a Palavra de Deus deve ser uma proposta sagrada, que o Povo se
esforçará por cumprir integralmente (vers. 2).
Na parte final do texto que nos é proposto, o catequista deuteronomista manifesta o
seu orgulho pelo fato de Israel ser um Povo especial, o Povo eleito de Deus. Essa
eleição manifesta-se na presença amorosa e libertadora de Jahwéh junto do seu Povo
(“qual a grande nação que tem a divindade tão perto de si como está perto o Senhor
nosso Deus sempre que O invocamos?” – vers. 7), no dom da Lei e na “sabedoria”
presente nessas leis e preceitos que o Senhor deu a Israel, a fim de o conduzir pelos
caminhos da história (“qual é a grande nação que tem mandamentos e decretos tão
justos como esta lei que hoje vos apresento?” – vers. 8).
Israel, Povo “de dura cerviz”, nem sempre acolheu e cumpriu as leis e os preceitos que
o Senhor lhe propôs; mas os círculos religiosos de Israel preocuparam-se sempre em
mostrar ao Povo que essa Lei era uma proposta segura para chegar à vida plena, à
felicidade. É essa convicção que o nosso catequista deuteronomista deixa
transparecer nesta “homilia” que nos propõe.
ATUALIZAÇÃO
♦ O autor deste texto é, antes de mais, um crente com um enorme apreço pela
Palavra de Deus. Ele vê nas leis e preceitos de Deus um caminho seguro para a
felicidade e para a vida em plenitude. Por isso, recomenda insistentemente ao seu
Povo que acolha a Palavra de Deus e se deixe guiar por ela. Que importância é
que a Palavra de Deus assume na minha existência? Consigo encontrar tempo e
disponibilidade para escutar, para meditar e interiorizar a Palavra de Deus, de
forma a que ela informe os meus valores, os meus sentimentos e as minhas
ações?
♦ Para muitos dos nossos contemporâneos, as leis e preceitos de Deus são um
caminho de escravidão, que condicionam a autonomia e que limitam a liberdade
do homem; para outros, as leis e preceitos de Deus são uma moral ultrapassada,
que não condiz com os valores do nosso tempo e que deve permanecer, coberta
de pó, no museu da história. Em contrapartida, para o catequista que nos oferece
esta reflexão do Livro do Deuteronômio, a Palavra de Deus é um caminho sempre
atual, que liberta o homem da escravidão do egoísmo e que o conduz ao
encontro da verdadeira vida e da verdadeira liberdade. De fato, a escuta atenta e
o compromisso firme com a Palavra de Deus é, para os crentes, uma experiência
libertadora: salva-nos do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência e projeta-nos
para o amor, para a partilha, para o serviço, para o dom da vida.
♦ Uma das insistentes recomendações do nosso texto é a de não adulterar a Palavra
de Deus, ao sabor dos interesses pessoais dos homens. Existe sempre o perigo,
quer na nossa reflexão pessoal, quer na nossa partilha comunitária, de torcermos
a Palavra ao sabor dos nossos interesses, de limarmos a sua radicalidade, de lhe
cortarmos os aspectos mais questionantes, ou de a fazermos dizer coisas que não
vêm de Deus… É preciso perguntarmo-nos constantemente se a Palavra que
vivemos e anunciamos é a Palavra de Deus ou é a nossa “palavra”, se ela
transmite os valores de Deus ou os nossos valores pessoais, se ela testemunha a
lógica de Deus ou a nossa lógica humana. Este processo de discernimento é mais
fácil quando é feito em comunidade, no diálogo e no confronto com os irmãos que
caminham conosco, que nos questionam e que partilham conosco a sua
perspectiva das coisas.
♦ Nós os crentes comprometidos andamos sempre muito ocupados a fazer coisas
bonitas no sentido de mudar o mundo, num ativismo por vezes exagerado e que,
aos poucos, nos vai fazendo perder o sentido da nossa ação e do nosso
testemunho. No meio dessa atividade frenética, temos de encontrar tempo para
escutar Deus, para meditar as suas propostas, para repensar as suas leis e
preceitos, para descobrir o sentido da nossa ação no mundo. Sem a escuta da
Palavra, a nossa ação torna-se um “fazer coisas” estéril e vazio que, mais tarde
ou mais cedo, nos leva a perder o sentido do nosso testemunho e do nosso
compromisso.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 14 (15)
Refrão 1: Quem habitará, Senhor, no vosso santuário?
Refrão 2: Ensinai-nos, Senhor:
quem habitará em vossa casa?
O que vive sem mancha e pratica a justiça
e diz a verdade que tem no seu coração
e guarda a sua língua da calúnia.
O que não faz mal ao seu próximo nem ultraja o seu semelhante,
o que tem por desprezível o ímpio,
mas estima os que temem o Senhor.
O que não falta ao juramento, mesmo em seu prejuízo,
e não empresta dinheiro com usura,
nem aceita presentes para condenar o inocente.
Quem assim proceder jamais será abalado.
LEITURA II – Tg 1,17-18.21-22.27
Caríssimos irmãos:
Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vêm do alto,
descem do Pai das luzes,
no qual não há variação nem sombra de mudança.
Foi Ele que nos gerou pela palavra da verdade,
para sermos como primícias das suas criaturas.
Acolhei docilmente a palavra em vós plantada,
que pode salvar as vossas almas.
Sede cumpridores da palavra e não apenas ouvintes,
pois seria enganar-vos a vós mesmos.
A religião pura e sem mancha,
aos olhos de Deus, nosso Pai,
consiste em visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações
e conservar-se limpo do contágio do mundo.
AMBIENTE
A carta de onde foi extraída a nossa segunda leitura de hoje é um escrito de um tal
Tiago (cf. Tg 1,1), que a tradição liga a esse Tiago “irmão” do Senhor, que presidiu à
Igreja de Jerusalém e do qual os Evangelhos falam acidentalmente como filho de certa
Maria (cf. Mt 13,55; 27,56). Teria morrido decapitado em Jerusalém no ano 62… No
entanto, a atribuição deste escrito a tal personagem levanta bastantes dificuldades. O
mais certo é estarmos perante um outro qualquer Tiago, desconhecido até agora (o
“Tiago, filho de Alfeu” – de que se fala em Mc 3,18 e par. – e o “Tiago, filho de
Zebedeu” e irmão de João – de que se fala em Mc 1,19 e par. – também não se
encaixam neste perfil). É, de qualquer forma, um autor que escreve em excelente
grego, recorrendo até, com frequência, à “diatribe” – um gênero muito usado pela
filosofia popular helênica. Inspira-se particularmente na literatura sapiencial, para
extrair dela lições de moral prática; mas depende também profundamente dos
ensinamentos do Evangelho. Trata-se de um sábio judeu-cristão que repensa, de
maneira original, as máximas da sabedoria judaica, em função do cumprimento que
elas encontraram na boca e no ensinamento de Jesus.
A carta foi enviada “às doze tribos que vivem na Diáspora” (Tg 1,1). Provavelmente, a
expressão alude a cristãos de origem judaica, dispersos no mundo greco-romano,
sobretudo nas regiões próximas da Palestina – como a Síria ou o Egito; mas, no
geral, a carta parece dirigir-se a todos os crentes, exortando-os a que não percam os
valores cristãos autênticos herdados do judaísmo através dos ensinamentos de Cristo.
Denuncia, sobretudo, certas interpretações consideradas abusivas da doutrina paulina
da salvação pela fé, sublinhando a importância das obras; e ataca com extrema
severidade os ricos (cf. Tg 1,9-11; 2,5-7; 4,13-17; 5,1-6).
O nosso texto pertence à primeira parte da carta (cf. Tg 1,2-27). Aí, o autor apresenta,
num conjunto de desenvolvimentos e de sentenças aparentemente sem ordem nem
lógica, uma síntese ou guia breve da carta, pois oferece um breve panorama dos
problemas que o preocupam e que ele vai tratar nos capítulos seguintes.
MENSAGEM
Os versículos da Carta de Tiago que nos são propostos como segunda leitura
refletem sobre a Palavra de Deus. O autor da carta não desenvolve um raciocínio
continuada, mas vai elencando vários aspectos relacionados com a forma como os
crentes devem ver e acolher a Palavra de Deus…
1. Deus oferece continuamente ao homem os seus dons, a fim de lhe proporcionar
vida e felicidade (vers. 17). A Palavra de Deus é um dom que o “Pai das luzes” oferece
ao homem e destina-se a gerar uma nova humanidade. Os crentes, iluminados pela
“Palavra da verdade” que lhes vem de Deus, podem caminhar em segurança em
direção à vida plena, à felicidade sem fim (vers. 18).
2. Os crentes devem estar sempre disponíveis para acolher a Palavra de Deus. Não
podem fechar-se no seu orgulho e auto-suficiência, ignorando as propostas de Deus;
mas devem abrir o coração para que a Palavra lançada por Deus aí encontre lugar, aí
possa lançar raízes e desenvolver-se (vers. 21b).
3. A escuta e o acolhimento da Palavra têm, contudo, de conduzir à ação. A escuta
da Palavra de Deus tem de conduzir à conversão, à mudança, ao abandono da vida
velha do egoísmo e do pecado, a fim de abraçar uma vida segundo Deus. A escuta da
Palavra de Deus também não pode fechar o homem num espiritualismo alienante e
estéril, mas tem de conduzir a um compromisso efetivo com a transformação do
mundo (vers. 22).
4. No último versículo da nossa leitura (vers. 27), o autor da carta descreve a religião
autêntica (por oposição à religião vazia, inoperante, morta, daqueles que falam muito
mas não praticam ações coerentes com as suas palavras – vers. 26): “visitar os
órfãos e as viúvas nas suas tribulações e conservar-se limpo do contágio do mundo”.
Ligando este versículo com o tema central do resto da leitura (a Palavra de Deus),
podemos dizer que é a escuta atenta da Palavra de Deus que nos projeta para a
ação e para o compromisso. A escuta da Palavra de Deus leva o crente a passar de
uma religião ritual, legalista, externa, superficial, para uma religião de efetivo
compromisso com a realização do projeto de Deus e com o amor dos irmãos.
ATUALIZAÇÃO
♦ Na nossa sociedade, há uma tal superabundância de palavras, que a palavra se
desvalorizou. Todos dizem o que muito bem entendem, às vezes de uma forma
pouco serena e pouco equilibrada, sem pesar as consequências. Habituamo-nos,
portanto, a não levar demasiado a sério as palavras que escutamos e a não lhes
conceder um crédito absoluto. O nosso texto, contudo, valoriza a Palavra de Deus
e sublinha a sua importância no sentido de nos conduzir ao encontro da vida
verdadeira e eterna. É preciso darmos à Palavra que Deus nos dirige um peso
infinitamente superior às palavras sem nexo que todos os dias enchem os nossos
ouvidos e que intoxicam a nossa mente… A Palavra de Deus é Palavra geradora
de vida, de eternidade, de felicidade; por isso, deve ser por nós valorizada.
♦ O excesso de palavras (autêntica poluição sonora!) leva também à dificuldade em
escutar com atenção. Não temos tempo nem paciência para escutar todos os
disparates, todas as conversas sem sentido, toda a verborréia daqueles que
gostam de se ouvir a si próprios, embora não digam nada de importante. Por outro
lado, as exigências da vida moderna, o trabalho excessivo, o corre-corre do dia a
dia, limitam muito a nossa disponibilidade para escutar. Criamos hábitos de não
escuta e tornamo-nos surdos aos apelos que chegam até nós através da palavra.
A nossa leitura convida-nos, entretanto, a encontrar tempo e disponibilidade para
escutar o Deus que nos fala e que, através da Palavra que nos dirige, nos
apresenta as suas propostas para nós e para o mundo.
♦ A Palavra de Deus que escutamos e que acolhemos no coração deve conduzir-nos
à ação. Se ficamos apenas pela escuta e pela contemplação da Palavra, ela
torna-se estéril e inútil. É preciso transformar essa Palavra que escutamos em
gestos concretos, que nos levem à conversão e que tragam um acréscimo de vida
para o mundo. A Palavra de Deus que escutamos tem de levar-nos ao
compromisso – à luta pela justiça, pela paz, pela dignidade dos nossos irmãos,
pelos direitos dos pobres, por um mundo mais fraterno e mais cristão.
♦ A nossa religião, sem a escuta atenta e comprometida da Palavra de Deus, pode
facilmente tornar-se o mero cumprimento de ritos, a fidelidade a certas práticas de
piedade, uma tradição que herdamos e na qual nos instalamos, uma prática que
torna mais fácil a nossa inserção num determinado meio social, uma alienação que
nos faz esquecer certos dramas da nossa vida… É a Palavra de Deus que,
propondo-nos uma escuta contínua de Deus e dos seus projetos e um
compromisso continuamente renovado com a construção do mundo, dá sentido a
toda a nossa experiência religiosa, transformando-a numa verdadeira experiência
de vida nova, de vida autêntica.
ALELUIA – Tg 1,18
Aleluia. Aleluia.
Deus Pai nos gerou pela palavra da verdade,
para sermos como primícias das suas criaturas.
EVANGELHO – Mc 7,1-8.14-15.21-23
Naquele tempo,
reuniu-se à volta de Jesus
um grupo de fariseus e alguns escribas
que tinham vindo de Jerusalém.
Viram que alguns dos discípulos de Jesus
comiam com as mãos impuras, isto é, sem as lavar.
– Na verdade, os fariseus e os judeus em geral
não comem sem terem lavado cuidadosamente as mãos,
conforme a tradição dos antigos.
Ao voltarem da praça pública,
não comem sem antes se terem lavado.
E seguem muitos outros costumes
a que se prenderam por tradição,
como lavar os copos, os jarros e as vasilhas de cobre –.
Os fariseus e os escribas perguntaram a Jesus:
«Porque não seguem os teus discípulos a tradição dos antigos,
e comem sem lavar as mãos?»
Jesus respondeu-lhes:
«Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas,
como está escrito:
‘Este povo honra-Me com os lábios,
mas o seu coração está longe de Mim.
É vão o culto que Me prestam,
e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos’.
Vós deixais de lado o mandamento de Deus,
para vos prenderdes à tradição dos homens».
Depois, Jesus chamou de novo a Si a multidão
e começou a dizer-lhe:
«Ouvi-Me e procurai compreender.
Não há nada fora do homem
que ao entrar nele o possa tornar impuro.
O que sai do homem é que o torna impuro;
porque do interior dos homens é que saem os maus pensamentos:
imoralidades, roubos, assassínios,
adultérios, cobiças, injustiças,
fraudes, devassidão, inveja,
difamação, orgulho, insensatez.
Todos estes vícios saem lá de dentro
e tornam o homem impuro».
AMBIENTE
Na primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1,14-8,30), o autor apresenta
Jesus como o Messias que proclama o Reino de Deus. Deslocando-se por toda a
Galileia, Jesus anuncia a Boa Nova do Reino de Deus com as suas palavras e os seus
gestos, propondo um mundo novo de vida, de liberdade, de fraternidade para todos os
homens. A sua proposta provoca as reações e as respostas mais diversas nos
líderes judaicos, no povo e nos próprios discípulos.
A cena que nos é hoje proposta no Evangelho mostra-nos, precisamente, a reação
dos fariseus e dos doutores da Lei à ação de Jesus. Pouco antes, Jesus tinha
realizado a multiplicação dos pães e dos peixes (cf. Mc 6,34-44), propondo, com o seu
gesto, um mundo novo de fraternidade, de serviço e de partilha (o “Reino de Deus”); e
os líderes judaicos, sem coragem para enfrentar-se diretamente com Jesus e para
pôr em causa a sua proposta, escolhem os discípulos como alvo das suas críticas…
Naturalmente esses fariseus, fanáticos da Lei, vão questionar os discípulos de Jesus
acerca da forma deficiente como eles cumprem a “tradição dos antigos”.
Para os fariseus, a “tradição dos antigos” não se cingia às normas escritas contidas na
Lei (Torah), mas abrangia um imenso conjunto de leis orais onde apareciam as
decisões e as sentenças dos rabis acerca dos mais diversos temas. Na época de
Jesus, essa “tradição dos antigos” constava de 613 leis (tantas quantas as letras do
Decálogo dado a Moisés no Monte Sinai), das quais 248 eram preceitos de formulação
positiva e 365 eram preceitos de formulação negativa. Essas leis – que o Povo tinha
dificuldade em conhecer na sua totalidade e que tinha, ainda mais, dificuldade em
praticar – eram, para os fariseus, o caminho para tornar Israel um Povo santo e para
apressar a vinda libertadora do Messias. Vai ser, precisamente, à volta desta temática
que se vai centrar a polemica entre Jesus e os fariseus que o Evangelho de hoje nos
relata.
Quando Marcos escreveu o seu Evangelho (durante a década de 60), a questão do
cumprimento da Lei judaica ainda era uma questão “quente”. Para os cristãos vindos
do judaísmo, a fé em Jesus devia ser complementada com o cumprimento rigoroso
das leis judaicas… No entanto, a imposição dos costumes judaicos levaria,
certamente, ao afastamento dos cristãos vindos do paganismo. A questão que era
preciso equacionar era a seguinte: o cumprimento da Lei de Moisés era importante,
para a comunidade cristã? Para que o Reino que Jesus propôs se concretizasse, era
necessário o cumprimento integral da Lei judaica? O Concílio de Jerusalém (por volta
do ano 49) já havia dado uma primeira resposta à questão: para os cristãos, o
fundamental é a pessoa de Jesus e o seu Evangelho; não é lícito impor aos cristãos
vindos do paganismo o fardo da Lei de Moisés. No entanto, o problema continuou a
colocar-se durante algumas décadas mais, nomeadamente a propósito dos tabus
alimentares hebraicos e que os cristãos vindos do judaísmo pretendiam impor a toda a
Igreja (cf. Rom 14,1-15,6).
É, provavelmente, a esta temática que o evangelista Marcos quer responder.
MENSAGEM
Os povos antigos, em geral, e os judeus, em particular, sentiam um grande
desconforto quando tinham de lidar com certas realidades desconhecidas e
misteriosas (quase sempre ligadas à vida e à morte) que não podiam controlar nem
dominar. Criaram, então, um conjunto abundante de regras que interditavam o
contacto com essas realidades (por exemplo, os cadáveres, o sangue, a lepra, etc.) ou
que, pelo menos, regulamentavam a forma de lidar com elas, de forma a torná-las
inofensivas. No contexto judaico, quem infringia – mesmo involuntariamente – essas
regras colocava-se a si próprio numa situação de marginalidade e de indignidade que
o impedia de se aproximar do mundo divino (o culto, o Templo) e de integrar a
comunidade do Povo santo de Deus. Dizia-se então que a pessoa ficava “impura”.
Para readquirir o estado de “pureza” e poder reintegrar a comunidade do Povo santo,
o crente necessitava de realizar um rito de “purificação”, cuidadosamente estipulado
na “Lei”.
Na época de Jesus, as regras da “pureza” tinham sido absurdamente ampliadas pelos
doutores da Lei. Na opinião dos rabis de Israel, existia uma lista imensa de coisas que
tornavam o homem “impuro” e que o afastavam da comunidade do Povo santo de
Deus. Daí a obsessão com os rituais de “purificação”, que deviam ser cumpridos a
cada passo da vida diária.
Um desses ritos consistia na lavagem das mãos antes das refeições. Na sua origem
está, provavelmente, a universalização do preceito que mandava os sacerdotes
lavarem os pés e as mãos, antes de se aproximarem do altar para o exercício do culto
(cf. Ex 30,17-21). Na perspectiva dos doutores da Lei, a purificação das mãos antes
das refeições não era uma questão de higiene, mas uma questão religiosa… Em cada
momento o crente corria o risco, mesmo sem o saber, de tropeçar com uma realidade
impura e de lhe tocar; para evitar que a “impureza” (que lhe ficara agarrada às mãos)
se introduzisse, juntamente com os alimentos, no corpo exigia-se a lavagem das mãos
antes das refeições.
Na Galiléia, terra em permanente contacto com o mundo pagão e onde as normas de
“pureza” não eram tão rígidas como em Jerusalém, não se dava demasiada
importância ao ritual de lavar as mãos antes das refeições para evitar a ingestão da
“impureza”. Os fariseus vindos de Jerusalém, testemunhando como os discípulos
comiam sem realizar o gesto ritual de purificação das mãos, ficaram escandalizados e
referiram o caso a Jesus. Provavelmente a história serviu aos fariseus para sondar
Jesus e para averiguar a sua ortodoxia e o seu respeito pela tradição dos antigos.
Para Jesus, a obsessão dos fariseus com os ritos externos de purificação é sintoma de
uma grave deficiência quanto à forma de ver e de viver a religião; por isso, Jesus
responde ao reparo dos fariseus com alguma dureza… Partindo da Escritura (vers. 6-
8) e da análise da práxis dos judeus (vers. 9-13), Jesus denuncia essa vivência
religiosa que aposta apenas na repetição de práticas externas e formalistas, mas que
não se preocupa com a vontade de Deus (“este povo honra-Me com os lábios, mas o
seu coração está longe de mim” – vers. 6) ou com o amor aos irmãos. Trata-se de
uma religião vazia e estéril (“é vão o culto que me prestam” – vers. 7), que não vem de
Deus mas foi inventada pelos homens (“as doutrinas que ensinam não passam de
preceitos humanos” – vers. 7). Àqueles que apostam na religião dos ritos estéreis,
Jesus chama “hipócritas” (vers. 6): interessa-lhes mais o “parecer” do que o “ser”, a
materialidade do que a essência das coisas… Eles cumprem as regras, mas não
amam; vestem com fingimento a máscara da religião, mas não se preocupam
minimamente com a vontade de Deus. Esta religião é uma mentira, uma hipocrisia,
ainda que se revista de ares muito santos e muito piedosos.
Depois, Jesus dirige-se à multidão e formula o princípio decisivo da autêntica
moralidade: “não há nada fora do homem que ao entrar nele o possa tornar impuro; o
que sai do homem é que o torna impuro” (vers. 15). Este princípio geral, à primeira
vista enigmático e passível de várias interpretações, será explicado mais à frente: “do
interior do homem é que saem os maus pensamentos: imoralidades, roubos,
assassínios, adultérios, cobiças, injustiças, fraudes, devassidão, inveja, difamação,
orgulho, insensatez. Todos estes vícios saem lá de dentro e tornam o homem impuro”
(vers. 22-23). O dito de Jesus refere-se, naturalmente, a dois “circuitos” diversos: o do
estômago (onde entram os alimentos que se ingerem) e o do coração (de onde saem
os pensamentos, os sentimentos e as ações). Os alimentos que entram no estômago
não são fonte de “impureza”; os pensamentos e as ações más que saem do coração
do homem é que são fonte de “impureza”: afastam o homem de Deus e da
comunidade do Povo santo.
Na antropologia judaica, o “coração” é o “interior do homem” em sentido amplo; é aí
que está a sede dos sentimentos, dos desejos, dos pensamentos, dos projetos e das
decisões do homem. É nesse “centro vital” de onde tudo parte que é preciso atuar. A
verdadeira religião não passa, portanto, pelo cumprimento de regras externas, que
regulam o que o homem come ou não come; mas passa por uma autêntica conversão
do coração, que leve o homem a deixar a vida velha e a transformar-se num Homem
Novo, que assume e que vive os valores do Reino. A preocupação com as regras
externas de “pureza” é uma preocupação estéril, que não toca com o essencial – o
coração do homem; pode até servir para distrair o crente do essencial, dando-lhe uma
falsa segurança e uma falsa sensação de estar em regra com Deus. A verdadeira
preocupação do crente deve ser moldar o seu coração, a fim de que os seus
sentimentos, os seus desejos, os seus pensamentos, os seus projetos, as suas
decisões se concretizem, no dia a dia, na escuta atenta dos desafios de Deus e no
amor aos irmãos.
ATUALIZAÇÃO
♦ O que é que é decisivo na experiência religiosa? Será o estrito cumprimento das
leis definidas pela Igreja? Serão as manifestações exteriores de religiosidade que
definem quem é bom ou mau, santo ou pecador, amigo ou inimigo de Deus?
♦ As “leis” têm o seu lugar numa experiência religiosa, enquanto sinais indicadores
de um caminho a percorrer. No entanto, é preciso que o crente tenha o
discernimento suficiente para dar à “lei” um valor justo, vendo-a apenas como um
meio para chegar mais além no compromisso com Deus e com os irmãos. A
finalidade da nossa experiência religiosa não é cumprir leis, mas aprofundar a
nossa comunhão com Deus e com os outros homens sendo, eventualmente,
ajudados nesse processo por “leis” que nos indicam o caminho a seguir.
♦ Se fizermos das leis algo de absoluto, elas podem tornar-se para nós um fim e não
um caminho. Nesse caso, as “leis” serão, em última análise, uma forma de acalmar
a nossa consciência, de nos julgarmos em regra com Deus, de sentirmos que
Deus nos deve algo porque nós cumprimos todas as regras estabelecidas.
Tornamo-nos orgulhosos e auto-suficientes, pois sentimos que somos nós que,
com o nosso esforço para estar em regra, conquistamos a nossa salvação.
Deixamos de precisar de Deus, ou só precisamos d’Ele para apreciar o nosso
esforço e para nos dar aquilo que julgamos ser uma “justa recompensa”. O culto
que prestamos a Deus pode tornar-se, nesse caso, um processo interesseiro de
compra e venda de favores e não uma manifestação do amor que nos enche o
coração. A nossa religião será, nesse caso, uma mentira, uma negociata, que
Deus não aprecia nem pode caucionar.
♦ De acordo com os ensinamentos de Jesus, não é muito religioso ou muito cristão
quem aceita todas as “leis” propostas pela Igreja, ou quem cumpre
escrupulosamente todos os ritos; mas é cristão verdadeiro aquele que, no seu
coração, aderiu a Jesus e procura segui-l’O no caminho do amor e da entrega, que
aceita integrar a comunidade dos discípulos, que acolhe com gratidão os dons de
Deus, que celebra a fé em comunidade, que aceita fazer com os irmãos uma
experiência de amor partilhado.
♦ É isso que Jesus quer dizer quando convida os seus discípulos a não se
preocuparem com as leis e os ritos externos, mas a preocuparem-se com o que
lhes sai do coração. É no interior do homem que se definem os sentimentos, os
desejos, os pensamentos, as opções, os valores, as ações do homem. É daí que
nascem os nossos gestos injustos, as discórdias e violências que destroem a
relação, as tentativas de humilhar os irmãos, os rancores que nos impedem de
perdoar e de aceitar os outros, as opções que nos fazem escolher caminhos
errados e que nos escravizam a nós e àqueles que caminham ao nosso lado… A
verdadeira religião passa por um processo de contínua conversão, no sentido de
nos parecermos cada vez mais com Jesus e de acolhermos a proposta de Homem
Novo que Ele nos veio fazer.
♦ É preciso mantermo-nos livres e críticos em relação às “leis” que nos são
propostas, sejam elas leis civis ou religiosas... Elas servem-nos e devem ser
consideradas se nos ajudarem a ser mais humanos, mais fraternos, mais justos,
mais comprometidos, mais coerentes, mais “família de Deus”; elas deixam de
servir se geram escravidão, dependência, injustiça, opressão, marginalização,
divisão, morte. O processo de discernimento das “leis” boas e más não pode,
contudo, ser um processo solitário; mas deve ser um processo que fazemos, com
o Espírito Santo, na partilha comunitária, no confronto fraterno com os irmãos,
numa procura coerente e interessada do melhor caminho para chegarmos à vida
plena e verdadeira.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 21º DOMINGO DO TEMPO COMUM
1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 21º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver
em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Só Deus pode ver o coração, enquanto os homens, esses, vêem as aparências. É,
pois, com toda a confiança filial que podemos deixar Deus olhar-nos. Mas isso é
exigente para nós, porque todas as nossas palavras e todos os nossos gestos devem
estar em harmonia com o que o nosso coração quer exprimir. As nossas palavras e
orações devem ser a expressão do nosso amor filial e fraternal. A lei de Deus está
inscrita no nosso coração, conhecemos a sua vontade, sabemos muito bem o que Lhe
agrada: cabe a nós pormo-nos de acordo sobre os nossos comportamentos e sobre
esta vontade de Deus. Aliás, falta-nos pedir-Lhe: “Que a tua vontade seja feita!” Então,
talvez Deus dir-nos-á: “Honras-Me com os lábios, fazes a minha vontade, mas o teu
coração está longe de Mim”.
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Os escribas e fariseus tinham enchido a Lei de Moisés com tantas interpretações que
se acabou por sacralizá-la e torná-la intocável, sob o nome de “tradições dos antigos”.
A lei tinha-se tornado, em todos os detalhes da vida quotidiana, um fardo insuportável
denunciado pelo próprio Jesus. Assim, era contrário à tradição dos antigos comer sem
ter lavado as mãos. Regra de higiene elementar, sem dúvida, mas que se tinha
intitulado de “purificação”. Não se submeter a essa regra era tornar-se impuro aos
olhos de Deus! O que faziam precisamente alguns discípulos de Jesus. Jesus
aproveita para dar uma lição de moral… A palavra de Jesus tem todo o seu valor e
vigor. Quantas interpretações dadas em Igreja, ao longo dos séculos, que acabamos
por identificar com a Palavra de Deus! Multiplicaram-se leis, obrigações e proibições,
dizendo: “É a tradição!” Nem pensar em mudar uma vírgula das regras litúrgicas ou
morais! É, sem dúvida, uma atitude tranquilizadora, mas esconde muitas vezes medos
e inseguranças. É a mesma reação que a dos escribas e dos fariseus! Ora, não é
protegendo a nossa fé com uma carapaça de leis que a tornamos mais sólida, mas por
uma escuta sem cessar nova daquilo que “o Espírito diz às Igrejas”. Mas é verdade
que o Espírito Santo sempre teve tendência para mexer com os homens e provocá-los, para fazê-los avançar para o grande largo! O Espírito de Jesus quer construir-nos
como seres vivos, com uma coluna vertebral interior e não com uma carapaça exterior,
para que possamos manter-nos de pé, como ressuscitados!
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Ter um objetivo… Não fiquemos pelas boas intenções… Não tenhamos demasiadas
ambições… Cristo não nos pede grandes façanhas, Ele prefere a sinceridade do
coração e a vontade de servir o nosso próximo. Vale mais ter um objetivo razoável
(visitar determinada pessoa que está só, ajudar outra nas suas preocupações
materiais) e tudo fazer para o atingir.


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