quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Advento Ano A



ANO A 



1º DOMINGO DO ADVENTO


Tema do 1º Domingo do Advento

A liturgia deste domingo apresenta um apelo veemente à vigilância. O cristão não deve instalar-se no comodismo, na passividade, no desleixo, na rotina; mas deve caminhar, sempre atento e sempre vigilante, preparado para acolher o Senhor que vem e para responder aos seus desafios.
A primeira leitura convida os homens – todos os homens, de todas as raças e nações – a dirigirem-se à montanha onde reside o Senhor… É do encontro com o Senhor e com a sua Palavra que resultará um mundo de concórdia, de harmonia, de paz sem fim.
A segunda leitura recomenda aos crentes que despertem da letargia que os mantém presos ao mundo das trevas (o mundo do egoísmo, da injustiça, da mentira, do pecado), que se vistam da luz (a vida de Deus, que Cristo ofereceu a todos) e que caminhem, com alegria e esperança, ao encontro de Jesus, ao encontro da salvação.
O Evangelho apela à vigilância. O crente ideal não vive mergulhado nos prazeres que alienam, nem se deixa sufocar pelo trabalho excessivo, nem adormece numa passividade que lhe rouba as oportunidades; o crente ideal está, em cada minuto que passa, atento e vigilante, acolhendo o Senhor que vem, respondendo aos seus desafios, cumprindo o seu papel, empenhando-se na construção do “Reino”.

LEITURA I – Is 2,1-5

Leitura do Livro de Isaías

Visão de Isaías, filho de Amós,
acerca de Judá e de Jerusalém:
Sucederá, nos dias que hão-de vir,
que o monte do templo do Senhor
se há-de erguer no cimo das montanhas
e se elevará no alto das colinas.
Ali afluirão todas as nações
e muitos povos ocorrerão, dizendo:
«Vinde, subamos ao monte do Senhor,
ao templo do Deus de Jacob.
Ele nos ensinará os seus caminhos
e nós andaremos pelas suas veredas.
De Sião há-de vir a lei
e de Jerusalém a palavra do Senhor».
Ele será juiz no meio das nações
e árbitro de povos sem número.
Converterão as espadas em relhas de arado
e as lanças em foices.
Não levantará a espada nação contra nação,
nem mais se hão-de preparar para a guerra.
Vinde, ó casa de Jacob,
caminhemos à luz do Senhor.

AMBIENTE

O texto de Is 2,2-4 encontra-se – com algumas variantes e uma adição – em Mi 4,1-3, o que parece favorecer a hipótese de uma fonte comum, anterior a Isaías e a Miqueias, na qual os redatores dos dois livros se teriam inspirado (embora haja quem defenda, mais simplesmente, que o texto original é de Isaías e que Miqueias apenas o reproduziu com variantes).
Pelo conteúdo estamos, provavelmente, diante de um oráculo inspirado nas grandes movimentações de peregrinos que, por alturas das festas, sobem para Jerusalém. Imaginemos, como hipótese, que o poeta contempla desde o monte Sião a chegada das caravanas israelitas que acorrem em peregrinação para celebrar uma festa popular – por exemplo, a festa das Tendas… Ele nota que essas caravanas procedem de todas as partes do território habitado pelo Povo de Deus; vê-las convergir para a cidade santa, subir pela colina em direção ao Templo onde reside Deus; à medida que se aproximam, o poeta ouve distintamente os “cânticos de ascensão” com que os peregrinos saúdam o Senhor e pedem a paz para Jerusalém e para toda a nação… Subitamente, na fantasia do poeta, a cena transforma-se: ele vê, num futuro sem data definida, uma multidão de povos de todas as raças e nações que, atraídas por Jahwéh, se dirigem ao encontro da salvação de Deus. É, provavelmente, um “sonho” destes que dá origem a este oráculo escatológico. Estamos diante de um dos oráculos mais inspirados, mais profundos e mais bonitos de todo o Antigo Testamento.

MENSAGEM

O nosso oráculo é o poema da paz universal e da convergência de todos os povos à volta de Deus.
Na visão do profeta, o “monte do Senhor” (o monte do Templo) eleva-se e transforma-se no centro do mundo, sobressaindo entre todos os montes, não por ser o mais alto, mas por ser a morada de Jahwéh (2a.b). De todas as partes do mundo vêem-se convergir caravanas de povos e de nações que avançam, confluem e sobem montanha acima, ao encontro do Senhor ( 2c-3a)… Quem foi que os convocou, que força os atrai?
A resposta está no próprio cântico que acompanha a caminhada de toda esta gente: eles vêm atraídos pela força irresistível da Palavra de Deus; querem conhecer o ensinamento (Torah) e ser instruídos nos caminhos de Jahwéh (3b.c.d.e). A Palavra salvadora e libertadora de Jahwéh atrai e agarra todos os povos que percorrem os caminhos do mundo, lança-os num movimento único e universal, reúne-os à volta de Deus.
À medida que todos se juntam à volta de Deus, escutam a sua Palavra e aprendem os seus caminhos, as divisões, as hostilidades, os conflitos da humanidade vão-se desvanecendo. Primeiro, eles aceitam a arbitragem justa e pacífica de Deus (4a); depois, compreendem que não são necessárias armas: as máquinas de guerra transformam-se em instrumentos pacíficos de trabalho e de vida (4b.c.d). Do encontro com Deus e com a sua Palavra, resulta a harmonia, o progresso, o entendimento entre os povos, a vida em abundância, a paz universal.
Este quadro é o reverso de Babel… Na história da torre de Babel (cf. Gn 11,1-9), os homens escolheram o confronto com Deus, o orgulho e a auto-suficiência; e isso conduziu à divisão, ao conflito, à confusão, à falta de entendimento, à dispersão… Agora, os homens escolheram escutar Deus e seguir os caminhos indicados por ele; o resultado é a reunião de todos os povos, o entendimento, a harmonia, o progresso, a paz universal. Quando se realizará esta profecia?

ATUALIZAÇÃO

Para a reflexão pessoal, considerar os seguintes elementos:

• O sonho do profeta começa a realizar-se em Jesus. Ele é a Palavra viva de Deus, que Se fez carne e que veio habitar no meio de nós, a fim de trazer a “paz aos homens” amados por Deus (cf. Lc 2,14); da escuta dessa Palavra, nasce a comunidade universal da salvação, aberta a todos os povos da terra (cf. At 2,5-11), de que fala a leitura que nos é proposta. Se é verdade que todo o processo tem a marca da iniciativa divina, também é verdade que o homem tem de responder positivamente à ação de Deus: tem de escutar essa proposta, acolhê-la no coração e na vida, partir ao encontro de Deus (a nossa leitura fala de uma peregrinação à montanha sagrada). Estamos a começar o tempo de preparação para acolher Jesus (Advento) e a proposta de salvação que, através d’Ele, o Pai quer fazer aos homens: estamos dispostos a ir ao seu encontro, a acolhê-lO, a escutar a sua Palavra, a aderir a essa proposta de vida que Ele veio fazer?

• Um olhar, ainda que desatento, ao mundo que nos rodeia, revela que estamos muito longe dessa terra ideal de justiça e de paz, construída à volta de Deus e da sua Palavra – apesar de Jesus, a Palavra viva de Deus, ter vindo ao nosso encontro há já dois mil anos… O que é que está a impedir ou, pelo menos, a atrapalhar a chegada desse mundo de justiça e de paz? Nisso, eu não terei a minha parte de responsabilidade? Que posso eu fazer para que o sonho de Isaías – o sonho de todos os homens de boa vontade – se concretize?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 121 (122)

Refrão: Vamos com alegria para a casa do Senhor.

Alegrei-me quando me disseram:
«Vamos para a casa do Senhor».
Detiveram-se os nossos passos
às tuas portas, Jerusalém.

Para lá sobem as tribos, as tribos do Senhor,
segundo costume de Israel,
para celebrar o nome do Senhor;
ali estão os tribunais da justiça,
os tribunais da casa de David.

Pedi a paz para Jerusalém:
«Vivam seguros quantos te amam.
Haja paz dentro dos teus muros,
tranqüilidade em teus palácios».

Por amor de meus irmãos e amigos,
pedirei a paz para ti.
Por amor da casa do Senhor,
pedirei para ti todos os bens.

LEITURA II – Rom 13,11-14

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos

Irmãos:
Vós sabeis em que tempo estamos:
Chegou a hora de nos levantarmos do sono,
porque a salvação está agora mais perto de nós
do que quando abraçámos a fé.
A noite vai adiantada e o dia está próximo.
Abandonemos as obras das trevas
e revistamo-nos das armas da luz.
Andemos dignamente, como em pleno dia,
evitando comezainas e excessos de bebida,
as devassidões e libertinagens, as discórdias e os ciúmes;
não vos preocupeis com a natureza carnal,
para satisfazer os seus apetites,
mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo.

AMBIENTE

Quando Paulo redige a Carta aos Romanos, está em Corinto, no termo da sua terceira viagem missionária… Prepara-se para partir para Jerusalém com o produto da coleta que organizou na Macedônia e na Acaia em benefício dos “santos de Jerusalém que estão na pobreza” (1 Cor 16,1; cf. Rom 15,25-26). Paulo acha que terminou a sua missão no oriente (cf. Rom 15,19-20) e quer, agora, levar o Evangelho ao ocidente. Estamos no ano 57 ou 58.
O pretexto da carta é preparar a ida de Paulo a Espanha (cf. Rom 15,24)… Na realidade, Paulo aproveita para contatar a comunidade de Roma e para apresentar aos romanos (e aos crentes, em geral) os principais problemas que o preocupam… Estamos numa altura em que o perigo da divisão ameaça a Igreja: de um lado estão as comunidades de origem judeu-cristã e de outro as comunidades pagã-cristãs; uns e outros têm algumas dificuldades de entendimento e há um perigo real de cisão. Paulo escreve, então, sublinhando a unidade da fé e chamando a atenção para a igualdade fundamental de todos – judeu-cristãos e pagão-cristãos – no processo da salvação.
A primeira parte da Carta aos Romanos (cf. Rom 1,18-11,36) é de caráter dogmático e procura mostrar que o Evangelho é a força que congrega e que salva todo o crente; a segunda parte (cf. Rom 12,1-15,13) é de caráter prático e exorta judeu-cristãos e pagão-cristãos a viver no amor.
O texto que hoje nos é proposto pertence à segunda parte da carta. Depois de exortar os cristãos que pertencem à comunidade de Roma ao amor mútuo (cf. Rom 13,8-10), Paulo pede-lhes que estejam vigilantes e preparados, a fim de acolher o Senhor que vem.

MENSAGEM

Referindo-se à “hora” que os cristãos estão a viver, Paulo pede-lhes que se levantem “do sono, porque a salvação está mais perto”. Ao dizer que a salvação está perto, o que é que Paulo está a sugerir?
Paulo pensava, certamente, na vinda mais ou menos iminente de Jesus Cristo, a fim de concluir a história da salvação; no entanto, a ausência de especulações apocalípticas mostra claramente que o interesse de Paulo não é no “quando” e no “como”, mas no significado e nas conseqüências dessa vinda. O fato que aqui interessa é, portanto, que os cristãos estão a viver os “últimos tempos” (que começaram quando Jesus deixou o mundo e encarregou os discípulos de serem testemunhas da salvação diante dos homens) antes da vinda de Jesus… Quais as conseqüências disso?
Antes de serem batizados, os cristãos viviam nas trevas e a sua vida estava pontuada pelo egoísmo (excessos de comida e de bebida, devassidões, libertinagens, discórdias e ciúmes); mas, com o batismo, eles nasceram para uma nova realidade… É para essa realidade de uma vida nova, liberta do egoísmo e do pecado, que eles devem acordar definitivamente, enquanto esperam o Senhor que vem: quando o Senhor chegar, deve encontrá-los despidos do velho mundo das trevas; e deve encontrá-los atentos e preparados, revestidos dessa vida nova que Cristo lhes ofereceu, vivendo na fé, no amor, no serviço.
Fundamentalmente, há aqui um convite a que os crentes vivam este “tempo” como um tempo último e definitivo, que tem de ser um tempo de caminhada ao encontro de Jesus Cristo e ao encontro da salvação.

ATUALIZAÇÃO

Considerar as seguintes questões:

• A questão fundamental que está em jogo neste texto é a da conversão: os crentes são convidados a deixar a vida das trevas e embarcar, decididamente, na vida da luz… As “trevas” caracterizam essa realidade negativa que produz mentira, injustiça, opressão, medo, cobardia, materialismo (e que é uma realidade que toca tantas vezes, direta ou indiretamente, a nossa existência); a “luz” é a realidade de quem vive na dinâmica de Deus… Falar de “conversão” implica falar de uma transformação profunda das estruturas e dos corações… Quais são, na sociedade, as estruturas que são responsáveis pelas “trevas” que envolvem a vida de tantos homens? O que é que na Igreja é menos “luminoso” e necessita de conversão? O que é que em mim próprio é necessário transformar com urgência?

• Quase todos nós somos pessoas razoáveis e sérias e não andamos todos os dias em bebedeiras, devassidões, libertinagens e discórdias; mas, apesar da nossa bondade e seriedade, é possível que o cansaço, a monotonia, a preguiça nos adormeçam, que caiamos na indiferença, na inércia, na passividade, no comodismo; é possível que deixemos correr as coisas e que esqueçamos os compromissos que um dia assumimos com Jesus e com o “Reino”… É para nós que Paulo grita: “acordai!; renovai o vosso entusiasmo pelos valores do Evangelho; é preciso estar preparado – sempre preparado – para acolher o Senhor que vem”.

• Há também, neste texto, um convite à esperança: “o Senhor vem! A noite vai adiantada e o dia está próximo”. Deus não nos abandona; Ele continua a vir ao nosso encontro e a construir conosco esse mundo novo de justiça e de paz… Por muito que nos assustem as trevas que envolvem o mundo, a presença de Deus garante-nos que a injustiça, a exploração, a morte não são o final inevitável: a última palavra que a história vai ouvir é a Palavra libertadora e salvadora de Deus.

ALELUIA – Salmo 84,8

Aleluia. Aleluia.

Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia
e dai-nos a vossa salvação.

EVANGELHO – Mt 24,37-44

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Como aconteceu nos dias de Noé,
assim sucederá na vinda do Filho do homem.
Nos dias que precederam o dilúvio,
comiam e bebiam, casavam e davam em casamento,
até ao dia em que Noé entrou na arca;
e não deram por nada,
até que veio o dilúvio, que a todos levou.
Assim será também na vinda do Filho do homem.
Então, de dois que estiverem no campo,
um será tomado e outro deixado;
de duas mulheres que estiverem a moer com a mó,
uma será tomada e outra deixada.
Portanto, vigiai,
porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor.
Compreendei isto:
se o dono da casa soubesse a que horas da noite viria o ladrão,
estaria vigilante e não deixaria arrombar a sua casa.
Por isso, estai vós também preparados,
porque na hora em que menos pensais,
virá o Filho do homem.

AMBIENTE

Os capítulos 24 e 25 do Evangelho segundo Mateus apresentam o último grande discurso de Jesus antes da sua paixão e morte. Para compô-lo, Mateus reelaborou o chamado “discurso escatológico” de Marcos (cf. Mc 13), ampliando-o e mudando substancialmente o tema central: se no discurso transmitido por Marcos a questão principal é a dos sinais que precederão a destruição de Jerusalém e do Templo, no discurso reelaborado por Mateus a questão central é a da vinda do Filho do Homem e das atitudes com que os discípulos devem preparar a dita vinda.
Esta mudança de perspectiva pode explicar-se a partir da situação em que vivia a comunidade de Mateus e com as suas necessidades. Estamos na década de 80. Passaram dez anos sobre a destruição de Jerusalém e ainda não aconteceu a segunda vinda de Jesus. Os crentes estão desanimados e desiludidos… O evangelista contempla com preocupação os sinais de abandono, de desleixo, de rotina, de esfriamento que começam a aparecer na comunidade e sente que é preciso renovar a esperança e levar os crentes a comprometer-se na história, construindo o “Reino”. Nesta situação, Mateus descobre que as palavras de Jesus encerram um profundo ensinamento e compõe com elas uma exortação dirigida aos cristãos. Esta exortação fundamenta-se numa profunda convicção: a vinda do “Filho do Homem” é um fato certo, ainda que não aconteça em breve; enquanto não chega o momento, é preciso preparar este grande acontecimento, vivendo de acordo com os ensinamentos de Jesus.
A linguagem destes capítulos é estranha e enigmática… Trata-se, no entanto, de um gênero usado com alguma freqüência por alguns grupos judeus e cristãos da época de Jesus. É a linguagem “apocalíptica”, porque o seu objetivo é “revelar algo escondido” (“apocaliptico). Em muitas ocasiões, esta revelação é dirigida a comunidades que vivem numa situação de sofrimento, de desespero, de perseguição; o objetivo é animá-las, dar-lhes esperança, mostrar-lhes que a vitória final será de Deus e dos que lhe forem fiéis.

MENSAGEM

Para Mateus, a vinda do Senhor é certa, embora ninguém saiba o dia nem a hora (cf. Mt 24,36); aos crentes resta estar vigilantes, preparados e ativos… Para transmitir esta mensagem, Mateus usa três quadros…
O primeiro (37-39) é o quadro da humanidade na época de Noé: os homens viviam, então, numa alegre inconsciência, preocupados apenas em gozar a sua “vidinha” descomprometida; quando o dilúvio chegou, apanhou-os de surpresa e despreparados… Se o “gozar” a vida ao máximo for para o homem a prioridade fundamental, ele arrisca-se a passar ao lado do que é importante e a não cumprir o seu papel no mundo.
O segundo (40-41) coloca-nos diante de duas situações da vida quotidiana: o trabalho agrícola e a moagem do trigo… Os compromissos e trabalhos necessários à subsistência do homem também não podem ocupá-lo de tal forma que o levem a negligenciar o essencial: a preparação da vinda do Senhor.
O terceiro (43-44) coloca-nos frente ao exemplo do dono de uma casa que adormece e deixa que a sua casa seja saqueada pelo ladrão… Os crentes não podem, nunca, deixar-se adormecer, pois o seu adormecimento pode levá-los a perder a oportunidade de encontrar o Senhor que vem.
A questão fundamental é, portanto, esta: o crente ideal é aquele que está sempre vigilante, atento, preparado, para acolher o Senhor que vem. Não perde oportunidades, porque não se deixa distrair com os bens deste mundo, não vive obcecado com eles e não faz deles a sua prioridade fundamental… Mas, dia a dia, cumpre o papel que Deus lhe confiou, com empenho e com sentido de responsabilidade.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão deste texto pode partir dos seguintes dados:

• O que é que significa para nós “estar vigilantes”, “estar atentos”, “estar preparados” para acolher o Senhor? Significa ter a “alminha” na “graça de Deus” para que, se a morte chegar de repente, Deus não consiga encontrar em nós qualquer pecado não confessado e não tenha qualquer razão para nos mandar para o inferno? Significa, fundamentalmente, acolher todas as oportunidades de salvação que Deus nos oferece continuamente… Se Ele vem ao meu encontro, me desafia a cumprir uma determinada missão e eu prefiro continuar a viver a minha “vidinha” fácil e sem compromisso, estou a perder uma oportunidade de dar sentido à minha vida; se Ele vem ao meu encontro, me convida a partilhar algo com os meus irmãos mais pobres e eu escolho a avareza e o egoísmo, estou a perder uma oportunidade de abrir o meu coração ao amor, à alegria, à felicidade…

• O Evangelho que nos é proposto apresenta alguns dos motivos que impedem o homem de “acolher o Senhor que vem”… Fala da opção por “gozar a vida”, sem ter tempo nem espaço para compromissos sérios (quanta gente, ao domingo, tem todo o tempo do mundo para dormir até ao meio dia, mas não para celebrar a fé com a sua comunidade cristã); fala do viver obcecado com o trabalho, esquecendo tudo o mais (quanta gente trabalha quinze horas por dia e esquece que tem uma família e que os filhos precisam de amor); fala do adormecer, do instalar-se, não prestando atenção às realidades mais essenciais (quanta gente encolhe os ombros diante do sofrimento dos irmãos e diz que não tem nada com isso: é o governo ou o Papa que têm que resolver a situação)… E eu: o que é que na minha vida me distrai do essencial e me impede, tantas vezes, de estar atento ao Senhor que vem?

• Neste tempo de preparação para a celebração do nascimento de Jesus, sou convidado a recentrar a minha vida no essencial, a redescobrir aquilo que é importante, a estar atento às oportunidades que o Senhor, dia a dia, me oferece, a acordar para os compromissos que assumi para com Deus e para com os irmãos, a empenhar-me na construção do “Reino”… É essa a melhor forma – ou melhor, a única forma – de preparar a vinda do Senhor.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 1º DOMINGO DO ADVENTO

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 1º Domingo do Advento, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

2. GESTO DE RECOLHIMENTO E DE ACOLHIMENTO:
O gesto-símbolo para este primeiro domingo poderia ser: começar por nos sentarmos em silêncio, depois do presidente da assembléia ter dito, por exemplo: “Irmãos e irmãs, façamos silêncio, é preciso vigiar, o Senhor vem…”. Depois, após um bom momento de recolhimento, entoa-se o cântico de entrada seguido da palavra de acolhimento; ou o presidente profere umas palavras de acolhimento, seguindo-se o cântico de entrada.

3. FAZER A PROCISSÃO DO LIVRO DA PALAVRA.
Depois da oração de coleta, que conclui o rito de abertura da celebração, o lecionário é trazido do fundo da igreja por um leigo, rodeado de quatro crianças com velas acesas ou lamparinas. Depois da leitura do Evangelho, o lecionário é colocado, aberto, num lugar preparado e visível para toda a assembléia.

4. BILHETE DE EVANGELHO.
Aos homens sem armas, Deus promete a vitória da Paz. Um homem desarmado é um homem vulnerável… mas ele pode também desarmar os violentos que lhe fazem face. Jesus veio precisamente desarmar os homens. Apresenta-se como “Príncipe da Paz”. Proclama felizes os construtores de Paz, porque a Paz é uma obra: faz-se a Paz, infelizmente também se faz a guerra. Neste período da nossa história marcado pela violência, apresentemo-nos sem armas; apenas com a da reconciliação, dando um passo…, a do diálogo, escutando e falando…, a do respeito, olhando e ousando falar…, a da solidariedade, estendendo a mão… Os desarmados não são gente que baixa os braços dizendo: “nunca se conseguirá!” A vitória é-lhes assegurada pelo próprio Deus: “Glória a Deus e paz na terra aos homens por Ele amados!”

5. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:
Bendito sejas, Deus nosso Pai! Numa humanidade ferida pelas espadas e pelas lanças das querelas e das guerras, Tu revelaste o caminho da paz, comunicando a Palavra e instruindo o teu povo.
Nós Te pedimos pelas Igrejas espalhadas por todo o universo: que elas irradiem a tua luz para traçar no mundo o caminho da paz.

No final da segunda leitura:
Nosso Pai, nós Te bendizemos pelo tempo da salvação: Tu nos anuncias o fim da noite e a vinda do dia, e em cada domingo se torna presente a ressurreição do teu Filho, Jesus, nosso irmão.
Nós Te pedimos por nós mesmos: guarda-nos das atividades das trevas, reveste-nos para o combate da luz, reveste-nos do Senhor Jesus.

No final do Evangelho:
Nós Te damos graças pela tua vigilância e pela tua solicitude: mesmo nas infelicidades da nossa terra, Tu vigias os teus fiéis, com atenção e bondade.
Nós Te pedimos ainda: que o teu Espírito nos torne atentos e preparados, que o teu Filho Jesus nos encontre em situação de vigilância, na oração e na atenção ao próximo.

6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
Pode-se escolher a Oração Eucarística III, por se relacionar mais explicitamente com os textos da liturgia da Palavra de hoje…

7. PALAVRA EXPLICADA 1: SIÃO.
SIÃO. É a antiga denominação do lugar de Jerusalém, antes da instalação dos Hebreus. Em sentido estrito, este nome designa a colina sul da cidade, mas foi estendido em seguida a toda a cidade (2Re 19,31). E aplicado, em particular, ao lugar do templo (Is 2,3, primeira leitura deste domingo), como lugar da presença de Deus (Am 1,2). A população da cidade era chamada “Filha de Sião”, como é indicado pelos Evangelhos para a entrada de Jesus em Jerusalém (Mt 21,5 e Jo 12,15, que citam Zac 9,9 e Is 62,11). Nas visões cristãs do mundo que virá, o monte Sião é transposto para o céu, para a grande reunião da multidão dos eleitos (os 144.000 segundo Ap 14,1), na cidade celeste do Deus vivo (Heb 12,22). Antigas tradições cristãs situavam igualmente nesta mesma colina de Sião o local (chamado cenáculo) no qual Jesus tinha celebrado a Ceia e que se considerava também como o lugar onde se encontravam os apóstolos no Pentecostes (At 2,1). Sião, nesta compreensão, era, pois, o lugar de nascimento da Igreja. Na liturgia, isso orientou a compreensão dos salmos, que evocam Sião e a sua aplicação à Igreja.

8. PALAVRA EXPLICADA 2: VIGÍLIA.
VIGÍLIA. A oração na noite é uma originalidade cristã, como testemunham já os Atos a propósito da prisão de Pedro (12,12), depois de Paulo e de Silas (16,25) e a propósito do encontro de Troas (20,7). Por volta de 250, um regulamento de comunidade (“Tradição Apostólica” 41) justificava a vigília pela parábola do cortejo nupcial e o convite de Cristo a vigiar (Mt 25,6.13), para acrescentar: “os antigos que transmitiram a tradição ensinaram-nos assim que a esta hora toda a criação repousa um momento para louvar o Senhor: os astros, as árvores, as águas e todos os anjos, com as almas dos justos. Eis porque aqueles que crêem devem apressar-se em rezar a esta hora”. Do século IV veio-nos o testemunho de São Basílio de Cesaréia: “Entre nós, durante a noite, o povo levanta-se para se dirigir à casa de oração. Depois de passar a noite numa salmodia repartida em vários coros e na qual intercalam orações, quando o dia começa já a aparecer, todos juntos, numa só boca e num só coração, fazem subir para o Senhor o salmo da confissão”.

9. ATENÇÃO ÀS CRIANÇAS: Pensar em Jesus!
Durante a celebração, se há a coroa de Advento com as quatro velas, pode-se pedir às crianças para acender a primeira vela, com uma palavra de introdução. Mas pode-se também pensar em algo relacionado com as palavras de Jesus no Evangelho: “na hora em que menos pensais…” No fundo, ao longo dos dias, pensamos regularmente em Jesus? Um modo de fazer as crianças pensar em Jesus é entregar a cada uma, no final da celebração, uma pequena carta, com o título: “Advento 2007 – Eu penso em ti, Jesus!” E, por baixo, as crianças anotarão durante a semana, os momentos em que terão pensado em Jesus.

10. PALAVRA PARA O CAMINHO.
Vigiai! Para esperar o quê? Ou quem? Que esperamos concretamente? Vigiai! Como no tempo de Noé ou de Jesus, estamos absorvidos por tantos interesses! Vigiai! A vida é curta! Paulo indica-nos alguns meios muito práticos para ficar vigilantes e reorientar a nossa espera. Vigiai! Em tempo de Advento, em cada dia da semana que nos é dada para viver!


 2º DOMINGO DO ADVENTO

Tema do 2º Domingo do Advento

A liturgia deste domingo convida-nos a despir esses valores efemeros e egoístas a que, às vezes, damos uma importância excessiva e a realizar uma revolução da nossa mentalidade, de forma a que os valores fundamentais que marcam a nossa vida sejam os valores do “Reino”.
Na primeira leitura, o profeta Isaías apresenta um enviado de Jahwéh, da descendência de David, sobre quem repousa a plenitude do Espírito de Deus; a sua missão será construir um reino de justiça e de paz sem fim, de onde estarão definitivamente banidas as divisões, as desarmonias, os conflitos.
No Evangelho, João Baptista anuncia que a concretização desse “Reino” está muito próxima… Mas, para que o “Reino” se torne realidade viva no mundo, João convida os seus contemporâneos a mudar a mentalidade, os valores, as atitudes, a fim de que nas suas vidas haja lugar para essa proposta que está para chegar… “Aquele que vem” (Jesus) vai propor aos homens um batismo “no Espírito Santo e no fogo” que os tornará “filhos de Deus” e capazes de viver na dinâmica do “Reino”.
A segunda leitura dirige-se àqueles que receberam de Jesus a proposta do “Reino”: sendo o rosto visível de Cristo no meio dos homens, eles devem dar testemunho de união, de amor, de partilha, de harmonia entre si, acolhendo e ajudando os irmãos mais débeis, a exemplo de Jesus.

LEITURA I – Is 11,1-10

Leitura do Livro de Isaías

Naquele dia,
sairá um ramo do tronco de Jessé
e um rebento brotará das suas raízes.
Sobre ele repousará o espírito do Senhor:
espírito de sabedoria e de inteligência
espírito de conhecimento e de temor de Deus.
Animado assim do temor de Deus,
não julgará segundo as aparências,
nem decidirá pelo que ouvir dizer.
Julgará os infelizes com justiça
e com sentenças retas os humildes do povo.
Com o chicote da sua palavra atingirá o violento
e com o sopro dos seus lábios exterminará o ímpio.
A justiça será a faixa dos seus rins
e a lealdade a cintura dos seus flancos.
O lobo viverá com o cordeiro
e a pantera dormirá com o cabrito;
o bezerro e o leãozinho andarão juntos
e um menino os poderá conduzir.
A vitela e a ursa pastarão juntamente,
suas crias dormirão lado a lado;
e o leão comerá feno como o boi.
A criança de leite brincará junto ao ninho da cobra
e o menino meterá a mão na toca da víbora.
Não mais praticarão o mal nem a destruição
em todo o meu santo monte:
o conhecimento do Senhor encherá o país,
como as águas enchem o leito do mar.
Nesse dia, a raiz de Jessé surgirá como bandeira dos povos;
as nações virão procurá-la e a sua morada será gloriosa.

AMBIENTE

A primeira leitura apresenta-nos um poema que alimenta o sonho do regresso a essa época ideal do reinado de David e que dá fôlego à corrente messiânica.
Não é claro o enquadramento histórico em que este oráculo aparece. Para alguns autores, contudo, este poema (e outros semelhantes) surge na fase final da atividade profética de Isaías…
Quando o rei Ezequias atingiu a maioridade e começou a dirigir os destinos de Judá (por volta de 714 a.C.), preocupou-se em consolidar uma frente anti-assíria (a potência que, nessa época, ameaçava os países da zona), com o Egipto, a Fenícia e a Babilônia. Isaías condenou essas iniciativas… Elas significavam um colocar a confiança e a esperança no poder de exércitos estrangeiros, negligenciando o poder de Jahwéh: eram, portanto, um grave sinal de infidelidade ao Deus de Judá. Essas iniciativas, na opinião do profeta, não poderiam conduzir senão à ruína da nação… De fato, as previsões funestas de Isaías realizaram-se quando Senaquerib invadiu Judá, cercou Jerusalém e obrigou Ezequias a submeter-se ao poderio assírio (701 a.C.).
Por essa altura, desiludido com a política dos reis de Judá, o profeta teria começado a sonhar com um tempo novo, sem armas e sem guerras, de justiça e de paz sem fim. Tal “reino” só poderia surgir da iniciativa de Jahwéh (os reis humanos de há muito que se haviam revelado incapazes de conduzir o Povo em direção a um futuro de paz); e o instrumento de Jahwéh na implementação desse “reino” seria, na opinião do profeta, um descendente de David. Este texto será, talvez, dessa época em que a profecia e o sonho de um mundo melhor se combinam.

MENSAGEM

Na primeira parte do poema (1-5), o profeta apresenta a personagem que será o instrumento de Deus na realização desse “reino” de justiça e de paz…
Em primeiro lugar, o profeta anuncia que esse instrumento de Deus virá “da raiz de Jessé”. Jessé era o pai de David; portanto, ele será da descendência de David (o que nos liga à promessa feita por Deus a David – cf. 2 Sm 7) e, presumivelmente, fará voltar esse tempo ideal de bem-estar, de abundância e de paz que o Povo de Deus conheceu durante o reinado ideal de David.
Em segundo lugar, essa personagem será animada pelo Espírito de Deus (“ruah Jahwéh”). É o mesmo Espírito que ordenou o universo na aurora da criação (cf. Gn 1,2), que animou os heróis carismáticos de Israel (cf. Jz 3,10; 6,34; 11,29), que inspirou os profetas (cf. Nm 11,17; 1 Sm 10,6.10; 19,20; 2 Sm 23,2; 2 Re 2,9; Mi 3,8; Is 48,16; 61,1; Zac 7,12). Esse Espírito confere a esse enviado de Deus as virtudes eminentes dos seus antepassados: sabedoria e inteligência como Salomão, espírito de conselho e de fortaleza como David, espírito de conhecimento e de temor de Deus como os patriarcas e profetas (aos seis dons aqui enunciados, a tradução grega dos “Setenta” acrescentará a “piedade”: é esta a origem da nossa lista dos sete dons do Espírito Santo).
Da plenitude dos carismas brota o exercício da justiça e a construção de um “reino” onde os direitos dos mais pobres são respeitados e onde os oprimidos conhecerão a liberdade e a paz. Desse “reino” serão excluídas, definitivamente, a injustiça, a mentira, a opressão… Tal será o “reino” que o “messias” virá inaugurar.
Na segunda parte do oráculo ( 6-9), o profeta apresenta – recorrendo a imagens muito belas – o quadro desse mundo novo que o “Messias” vai instaurar. A revolta do homem contra Deus (cf. Gn 3) havia introduzido no mundo fatores de desequilíbrio que quebraram a harmonia entre o homem e a natureza (cf. Gn 3,17-19), entre o homem e o seu irmão (cf. Gn 4)… Mas agora o “Messias” trará a paz e, dessa forma, cumprir-se-á o projeto inicial que Deus tinha para o mundo e para o homem: os animais selvagens e os animais domésticos viverão em harmonia (o lobo e o cordeiro; a pantera e o cabrito, o bezerro e o leão; a vaca e o urso) e todos eles estarão submetidos ao homem (representado pela criança – isto é, o homem na sua fragilidade máxima). A própria serpente (o animal que despoletou a desarmonia universal, ao estar na origem do afastamento do homem do Deus criador) comungará desta harmonia e desta paz sem fim: é a superação total do desequilíbrio, do conflito, da divisão que o pecado do homem introduziu no mundo.
Destruídas as inimizades, superadas as desarmonias, o homem viverá em paz, em comunhão total com o seu Deus (9). No primeiro paraíso, o homem escolheu ser adversário de Deus e escolheu viver no orgulho e na auto-suficiência; agora, por ação do “Messias”, ele regressou à comunhão com o seu criador e passou a viver no “conhecimento de Deus”. É o regresso ao paraíso original.

ATUALIZAÇÃO

Para a reflexão, considerar as seguintes questões:

• Para nós, cristãos, Jesus Cristo é o “Messias” que veio tornar realidade o sonho do profeta. Ele iniciou esse “reino” novo de justiça, de harmonia, de paz sem fim… Cheio do Espírito de Deus, Ele passou pelo mundo convidando os homens a tornarem-se “filhos de Deus” e a viverem no amor, na partilha, no dom da vida… Nós, seguidores de Jesus, temos dado uma contribuição efetiva para que o “Reino” se torne realidade no mundo?

• A Igreja deve ser o sinal vivo desse “reino” novo de justiça e de paz… É isso que acontece? Ela tem anunciado – com palavras e com gestos – o projeto de Jesus? As nossas comunidades cristãs e religiosas dão testemunho de harmonia, de entendimento, de amor sem limites?

• Que a realidade do “Reino” se concretize ou não, depende também daquilo que faço ou não faço. Em termos pessoais: o que é que, nas minhas atitudes, nos meus comportamentos, é contra-testemunho e impede o nascimento do “Reino” da felicidade e da paz?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 71 (72)

Refrão: Nos dias do Senhor nascerá a justiça e a paz para sempre.

Ó Deus, dai ao rei o poder de julgar
e a vossa justiça ao filho do rei.
Ele governará o vosso povo com justiça
e os vossos pobres com equidade.

Florescerá a justiça nos seus dias
e uma grande paz até ao fim dos tempos.
Ele dominará de um ao outro mar,
do grande rio até aos confins da terra.

Socorrerá o pobre que pede auxílio
e o miserável que não tem amparo.
Terá compaixão dos fracos e dos pobres
e defenderá a vida dos oprimidos.

O seu nome será eternamente bendito
e durará tanto como a luz do sol;
nele serão abençoadas todas as nações,
todos os povos da terra o hão de bendizer.

LEITURA II – Rom 15,4-9

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos

Irmãos:
Tudo o que foi escrito no passado
foi escrito para nossa instrução,
a fim de que, pela paciência e consolação que vêm das Escrituras,
tenhamos esperança.
O Deus da paciência e da consolação vos conceda
que alimenteis os mesmos sentimentos uns para com os outros,
segundo Cristo Jesus,
para que, numa só alma e com uma só voz,
glorifiqueis a Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Acolhei-vos, portanto, uns aos outros,
como Cristo vos acolheu,
para glória de Deus.
Pois Eu vos digo que Cristo Se fez servidor dos judeus,
para mostrar a fidelidade de Deus
e confirmar as promessa feitas aos nossos antepassados.
Por sua vez, os gentios dão glória a Deus pela sua misericórdia,
como está escrito:
«Por isso eu Vos bendirei entre as nações
e cantarei a glória do vosso nome».

AMBIENTE

A Carta aos Romanos – já o dissemos no passado domingo – é uma carta de reconciliação, endereçada aos romanos, mas dirigida a toda a Igreja fundada por Jesus. Pretende – numa altura em que fundos culturais diversos e sensibilidades diferentes dividiam os cristãos vindos do judaísmo e os cristãos vindos do paganismo – afastar o perigo da divisão da Igreja e levar todos os crentes (judeu-cristãos e pagão-cristãos) a redescobrir a unidade da fé e a igualdade fundamental de todos diante de Deus. Desde que optaram por Cristo e receberam o batismo, todos receberam o dom de Deus, tiveram acesso à salvação e tornaram-se irmãos, chamados a viver no amor.
O texto que nos é proposto pertence à segunda parte da carta. Nessa parte (que vai de Rm 12,1 a 15,13), Paulo exorta os cristãos a viver no amor; em concreto, dá aos cristãos algumas indicações de caráter prático acerca do comportamento que devem assumir para com os irmãos.

MENSAGEM

O texto que nos é apresentado como segundo leitura tem de ser entendido no contexto mais amplo que vai de 15,1 a 15,13. Literariamente, esta mensagem está construída na base de dois parágrafos simétricos (cf. Rm 15,1-6 e 15,7-13) que apresentam uma mesma seqüência e uma mesma organização: a) exortação; b) motivação cristológica; c) iluminação a partir da Escritura; d) súplica final.
Na primeira parte da mensagem (cf. Rm 15,1-6), Paulo exorta os cristãos a vencer qualquer tipo de egoísmo e de auto-suficiência e a dar as mãos aos mais débeis e necessitados (a); como motivo para este comportamento, Paulo apresenta o exemplo de Cristo, que não procurou seguir um caminho de facilidade, mas escolheu o amor e o dom da vida (b); este comportamento que Paulo pede aos cristãos (e é aqui que começa o nosso texto de hoje) é aquele que a Escritura – que foi escrita para nossa instrução – nos sugere (c); e, finalmente, Paulo pede ao “Deus da perseverança e da consolação” que dê aos cristãos de Roma a harmonia, a fim de que louvem a Deus com um só coração e uma só alma (d).
Na segunda parte da mensagem (cf. Rm 15,7-13), Paulo começa por exortar os crentes a não fazerem discriminações, mas a acolherem todos (a); como motivo para este comportamento, Paulo aponta o exemplo de Cristo, que acolheu a todos os homens (b); e Paulo justifica o que disse atrás com o exemplo da Escritura (e é neste ponto que termina o trecho que a liturgia nos propõe como segunda leitura), citando explicitamente vários textos do Antigo Testamento (c); finalmente, Paulo pede ao “Deus da esperança” que cumule os crentes “de alegria e de paz, na fé” (d).
O mais importante de tudo isto é a mensagem fundamental que sobressai nesta dupla estrutura: a comunidade deve viver em harmonia, acolhendo e ajudando os mais fracos, sem discriminar nem excluir ninguém, no amor e na partilha. Cristo é o exemplo que os membros da comunidade devem ter sempre diante dos olhos… Convém também não esquecer que o ser capaz de viver deste jeito é um dom de Deus – dom que os crentes devem pedir em todos os momentos ao Pai.

ATUALIZAÇÃO

Refletir as seguintes questões:

• A comunidade cristã – como rosto visível de Cristo no mundo – tem de ser o lugar do amor, da partilha fraterna, da harmonia, do acolhimento. No entanto, com bastante freqüência encontramos comunidades onde os irmãos estão divididos: criticam os outros de forma avulsa, tomam atitudes agressivas que afastam os mais débeis, discriminam aqueles que não entram na sua “panelinha”, estão aferrados ao poder e fazem tudo para dominar os outros e para afirmar a sua superioridade… Isto acontece na minha comunidade? Eu tenho algumas responsabilidades nessa situação? O que posso fazer para mudar as coisas?

• Convém não esquecer que a conversão à harmonia, à partilha com os mais pobres, ao amor fraterno, ao dom da vida, é algo exigente, que não pode ser feito contando apenas com a boa vontade do homem; mas é algo que só pode ser feito com a força e com a ajuda de Deus… Lembro-me de pedir a Deus a sua ajuda para vencer o meu egoísmo e a minha auto-suficiência e para amar verdadeiramente os meus irmãos? Estou disposto a ir ao seu encontro e a deixar que Ele converta o meu coração e a minha vida?

ALELUIA – Lc 3,4.6

Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas
e toda a criatura verá a salvação de Deus.

EVANGELHO – Mt 3,1-12

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naqueles dias,
apareceu João Baptista a pregar no deserto da Judéia, dizendo:
«Arrependei-vos, porque está perto o reino dos Céus».
Foi dele que o profeta Isaías falou, ao dizer:
«Uma voz clama no deserto:
‘Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas’».
João tinha uma veste tecida com pêlos de camelo
e uma cintura de cabedal à volta dos rins.
O seu alimento eram gafanhotos e mel silvestre.
Acorria a ele gente de Jerusalém,
de toda a Judéia e de toda a região do Jordão;
e eram batizados por ele no rio Jordão,
confessando os seus pecados.
Ao ver muitos fariseus e saduceus que vinham ao seu batismo,
disse-lhes:
«Raça de víboras,
quem vos ensinou a fugir da ira que está para vir?
Praticai ações
que se conformem ao arrependimento que manifestais.
Não penseis que basta dizer:
‘Abraão é nosso pai’,
porque eu vos digo:
Deus pode suscitar, destas pedras, filhos de Abraão.
O machado já está posto à raiz das árvores.
Por isso, toda a árvore que não dá fruto
será cortada e lançada ao fogo.
Eu batizo-vos com água,
para vos levar ao arrependimento.
Mas Aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu
e não sou digno de levar as suas sandálias.
Ele batizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo.
Tem a pá na sua mão:
há de limpar a eira e recolher o trigo no celeiro.
Mas a palha, queimá-la-á num fogo que não se apaga».

AMBIENTE

Depois do Evangelho da Infância (cf. Mt 1-2), Mateus apresenta a figura que prepara os homens para acolher Jesus: João Baptista.
João foi o guia carismático de um movimento de carisma popular, que anunciava a proximidade do juízo de Deus. Vivia no deserto de Judá, nas margens do rio Jordão. A sua mensagem estava centrada na urgência da conversão (pois o “juízo de Deus” estava iminente); incluía um rito de purificação pela água – um rito muito freqüente, aliás, entre alguns grupos judeus da época. É possível que João estivesse, de alguma forma, relacionado com essa comunidade essénia que estava instalada em Qûmran (o tema do juízo de Deus e os rituais de purificação pela água faziam parte do dia a dia da comunidade essénia).
Segundo a mais antiga tradição cristã, Jesus esteve muito relacionado com o movimento de João, nos inícios da sua vida pública e alguns discípulos de João tornaram-se, a partir de certa altura, discípulos de Jesus (cf. Jo 1,35-42).
Os primeiros cristãos identificaram João com o mensageiro anunciado em Is 40,3 e com Elias (2 Re 1,8) que, segundo a tradição judaica, anunciaria a chegada do Messias (Mt 11,14; 17,11; Mal 3,23-24 ou, noutras versões, 4,5-6). Nesta interpretação, João seria o precursor que vem preparar o caminho e Jesus o Messias, enviado por Deus para anunciar o reinado de Jahwéh.

MENSAGEM

Nesta primeira apresentação do Baptista, há vários fatores que nos interessa pôr em relevo: a figura, a mensagem, as reações ao anúncio e a comparação entre o batismo de João e o batismo de Jesus.
A figura do Baptista é uma figura questionante e interpelativa, por si só. João aparece ligado ao deserto (o lugar das privações, do despojamento, mas também o lugar tradicional do encontro entre Jahwéh e Israel) e não ao Templo ou aos sítios “in” onde se reúne a sociedade seleta de Jerusalém; usa “uma veste tecida com pêlos de camelo e uma cintura de cabedal à volta dos rins” (é dessa forma que se vestia, também, Elias – cf. 2 Re 1,8), não as roupas finas, com pregas cuidadosamente estudadas, dos sacerdotes da capital; a sua alimentação frugal (de “gafanhotos e mel silvestre”) está em profundo contraste com as iguarias finas que enchem as mesas da classe dirigente… João é, portanto, um homem que – não só com palavras, mas também com a sua própria pessoa – questiona um certo jeito de viver, voltado para as coisas, para os bens materiais, para o “ter”. Convida a uma conversão, a uma mudança de valores, a esquecer o supérfluo, para dar atenção ao essencial.
O que é que João prega? Mateus resume o anúncio de João numa frase: “convertei-vos (“metanoeite”), porque está perto o Reino dos céus” ( 2). O verbo grego (metanoéo) aqui utilizado tem, normalmente, o sentido de “mudar de mentalidade”; mas, aqui, deve ser visto na perspectiva do Antigo Testamento – isto é, como um apelo a um retorno incondicional ao Deus da Aliança.
Porque é que esta “conversão” é tão urgente? Porque o “Reino dos céus” está perto. Muito provavelmente, João ligava a vinda iminente do “Reino” ao “juízo de Deus”, que iria destruir os maus e inaugurar, com os bons, um mundo novo (por isso, fala da “cólera que está para vir” – vers. 7; e acrescenta: “o machado já está posto à raiz das árvores. Por isso, toda a árvore que não dá fruto será cortada e lançada ao fogo” – vers. 10). A conversão era urgente, na perspectiva de João, pois aproximava-se a intervenção justiceira de Deus na história humana; quem não estivesse do lado de Deus seria aniquilado… É uma perspectiva muito em voga em certos ambientes apocalípticos da época, nomeadamente na teologia dos essénios de Qûmran.
Quem são os destinatários desta mensagem? Aparentemente, é uma mensagem destinada a todos. Mateus fala da “gente que acorria de Jerusalém, de toda a Judéia e de toda a região do Jordão” e que era batizada “por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados” (vers. 5-6).
No entanto, Mateus faz uma referência especial aos fariseus e saduceus, para quem João tem palavras duríssimas: “raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que está para vir? Praticai ações que se conformem ao arrependimento que manifestais. Não penseis que basta dizer: «Abraão é nosso pai»…” (vers. 7-9). Trata-se de pessoas que “à cautela” ou por curiosidade, vêm ao encontro de João; no entanto, sentem que o “juízo de Deus” não os atingirá porque eles são filhos de Abraão, são membros privilegiados do Povo eleito e estão do lado dos bons: Deus não terá outro remédio senão salvá-los, quando vier para julgar o mundo e condenar os maus. João avisa que não há salvação assegurada obrigatoriamente a quem tem o nome inscrito nos registros do Povo eleito: é preciso viver em contínua conversão e fazer as obras de Deus: “toda a árvore que não dá fruto, será cortada e lançada ao fogo” (vers. 10).
Neste texto aparece também, em relevo, um rito praticado por João. Consistia na imersão na água do rio Jordão das pessoas que aderiam a esse apelo à conversão. Era, aliás, um rito praticado em certos ambientes judaicos para significar a purificação do coração (nos ambiente essénios, os banhos quotidianos expressavam o esforço em direção a uma vida pura e a aspiração à graça purificadora)… O batismo de João significava o arrependimento, o perdão dos pecados e a agregação ao “resto de Israel”, subtraído à ira de Deus.
No entanto, João avisa: “aquele que vem depois de mim (…) batizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo” (vers. 11). De fato, o batismo de Jesus vai muito além do batismo de João: confere a quem o recebe a vida de Deus (Espírito) e torna-o “filho de Deus”; implica, além disso, uma incorporação na Igreja (a comunidade dos que aderiram à proposta de salvação que Cristo trouxe) e a participação ativa na missão da Igreja (cf. At 2,1-4). Não significa, apenas, o arrependimento e o perdão dos pecados; significa um quadro de vida completamente novo, uma relação de filiação com Deus e de fraternidade com Jesus e com todos os outros batizados.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão pode partir dos seguintes dados:

• A questão dominante que o Evangelho de hoje nos apresenta é a da conversão. Não é possível acolher “aquele que vem” se o nosso coração estiver cheio de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de preocupação com os bens materiais… É preciso, portanto, uma mudança da nossa mentalidade, dos nossos valores, dos nossos comportamentos, das nossas atitudes, das nossas palavras; é preciso um despojamento de tudo o que rouba espaço ao “Senhor que vem”. Estou disposto a esta mudança, para que no meu coração haja lugar para Jesus? O que é que, prioritariamente, deve mudar na minha vida?

• A figura de João Baptista obriga-nos a questionar as nossas prioridades e valores fundamentais. Ele não se apresenta de “smoking”, pois a sua prioridade não é brilhar em alguma festa do jet-set; nem usa gravata e camisa de seda, pois a sua prioridade não é impressionar os chefes ou mostrar que é um homem de sucesso em termos de ganhos anuais; nem petisca pratos delicados com molhos esquisitos e nomes franceses, pois a sua prioridade não é a satisfação de apetites físicos; nem promete bem-estar e riqueza aos seus interlocutores, pois a sua prioridade não é receber aplausos das massas; nem busca o apoio da hierarquia civil ou religiosa, pois a sua prioridade não é o triunfo, as honras, o poder… Ele é alguém para quem a prioridade é o anúncio do “Reino dos céus”; ora, o “Reino” é despojamento, simplicidade, amor total, partilha, dom da vida… São esses valores que ele procura anunciar, com palavras e com atitudes. E quanto a mim, quais são os valores que me fazem “correr”? Quais são as minhas prioridades? Os meus valores são os valores do “Reino” ou são esses valores efêmeros e fúteis a que a civilização ocidental dá tanta importância, mas que não trazem nada de duradouro e de verdadeiro à vida dos homens?

• O nosso texto deixa claro que não chega ser “filho de Abraão” para ter acesso à salvação que Jesus veio oferecer, mas é preciso viver uma vida de fidelidade a Deus. Quer dizer: não chega ter o nome inscrito no livro de registros de batismo da paróquia, nem ter casado na Igreja, nem ter posto os filhos na catequese e aparecer lá para tirar fotografias na festa da primeira comunhão (o estatuto do “cristão não praticante” faz tanto sentido como um círculo quadrado); mas é preciso uma conversão séria, empenhada, nunca acabada ao “Reino” e aos seus valores e uma vida coerente com a fé que escolhemos quando fomos batizados.

• João deixa claro que receber o batismo de Jesus é receber o batismo do Espírito… Equivale a aceitar ser “filho de Deus”, a viver em comunhão com Deus, no amor e na partilha com os irmãos que caminham ao nosso lado. É esse o caminho que eu procuro, dia a dia, percorrer?

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 2º DOMINGO DO ADVENTO

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 2º Domingo do Advento, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

2. PRESTAR ATENÇÃO À VIRGEM MARIA.
A proximidade da Solenidade da Imaculada Conceição, ontem celebrada, cujo dogma foi proclamado há 150 anos, a 8 de Dezembro de 1854 pelo Papa Pio IX, pode convidar hoje a uma atenção particular à Virgem Maria. Esta atenção pode ser expressa por uma decoração mais cuidada de uma imagem da Virgem. Mas ao longo da celebração (talvez no final da missa), algumas crianças podem levar um ramo de flores e/ou algumas lamparinas acesas que colocam aos pés da imagem, enquanto a assembléia canta um cântico a Nossa Senhora com tonalidade do Advento ou alguém lê uma oração ou um poema.

3. JOÃO BATISTA, PROFETA-PERCURSOR.
João Baptista é, em cada ano, uma grande figura deste tempo do Advento. Falamos bastante dele, mas será que o conhecemos bem? Na preparação da liturgia, pode-se comunicar melhor como João Baptista tem um verdadeiro lugar de charneira entre o Antigo e o Novo Testamento. Pode ser uma maneira de sublinhar nas celebrações destes domingos a iminência da vinda de Cristo, a iminência do Reino. As intenções da oração dos fiéis podem ser redigidas nesse sentido. Ou ainda, porque não viver de perto esta celebração com João Baptista? Ele pode ser mencionado no início do rito penitencial, no início do credo, no início do “Cordeiro de Deus” (foi João Baptista que assim designou Jesus).

4. BILHETE DE EVANGELHO.
Aos homens à procura de um coração novo, Deus dá uma terra nova. Jesus veio para falar de novidade: “Convertei-vos! Acreditai na Boa Nova!” Temos necessidade de ouvir palavras novas (ternura, amor, perdão, solidariedade, respeito…) que façam calar as palavras antigas (violência, ódio, vingança, indiferença, racismo…). Temos necessidade de ver gestos novos (assinatura de paz, reconciliação, dom, partilha…) que façam desaparecer os gestos antigos (declaração de guerra, rancor, crispação, egoísmo…). Preparar-se para o Natal… não será dispor-se a falar uma linguagem nova e a fazer atos novos? Isso será a nossa maneira de acolher Aquele que vem fazer todas as coisas novas. Mas não as fará sem nós…

5. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:
Bendito sejas, nosso Pai, por nos teres enviado e dado o teu Filho Jesus. N’Ele reconhecemos a plenitude do teu Espírito: sabedoria, discernimento, conselho, fortaleza, conhecimento e piedade.
Nós Te pedimos pela nossa terra: que o conhecimento de Jesus lhe obtenha a paz, realizando o tempo em que o lobo habitará com o cordeiro.

No final da segunda leitura:
Nós Te bendizemos pelo dom dos livros santos que lemos nas nossas assembléias e pelo dom do teu Filho, que Se fez servidor da nossa humanidade e nos acolheu, apesar dos nossos pecados.
Nós Te pedimos por todas as comunidades cristãs: faz com que estejamos de acordo e vivamos em comunhão segundo o teu Espírito Santo.

No final do Evangelho:
Nós Te damos graças por João Baptista, o precursor, pelos apelos à conversão e pelo batismo no Espírito, que nos incorporou no teu Filho.
Abrimos as mãos para Ti e pedimos-Te ainda por nós mesmos: pelo teu Espírito, produz nos nossos corações os frutos que esperas.

6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
Pode-se escolher a Oração Eucarística II, pois relaciona-se mais explicitamente com os textos da liturgia da Palavra de hoje…

7. PALAVRA EXPLICADA 1: ESCRITURAS OU LIVROS SAGRADOS.
No início da segunda leitura deste domingo, o apóstolo refere-se às Escrituras, que se poderiam denominar também Livros Sagrados. Tais referências são freqüentes no Novo Testamento. Assim, Jesus podia mesmo dizer que as Escrituras d’Ele dão testemunho (Jo 5,39) e os evangelistas apresentam, muitas vezes, as suas palavras e os seus atos como o cumprimento das Escrituras (Mt 1,22; 2,15; etc.). Trata-se aqui dos Livros que os cristãos consideram como constituindo o Antigo Testamento (expressão empregue pelo apóstolo Paulo, 2 Cor 3,14) e aos quais juntaram progressivamente os escritos que constituem o Novo Testamento. O catálogo dos livros reconhecidos, que se chama o Cânon (ou regra) das Escrituras, foi estabelecido pela prática litúrgica. Dito de outro modo, eram considerados como Livros Sagrados aqueles que poderiam ser lidos nas assembléias das sinagogas, para os judeus (como Isaías em Lc 4,17), ou nas igrejas, para os cristãos (primeira menção em 1 Tes 5,27).

8. PALAVRA EXPLICADA 2: FILHOS DE ABRAÃO.
Na oração eucarística I, recordamos que a Deus Lhe agradou “acolher o sacrifício do nosso pai Abraão”. Assim, como cristãos, reconhecemo-nos filhos de Abraão. Este título refere-se à Aliança que Deus fez com Abraão, prometendo-lhe uma descendência inumerável (Gn 15,1-6). Ora, Abraão e a sua mulher Sara, estéril até essa altura, eram de idade avançada (Gn 18,9-15). O nascimento do seu filho, Isaac, foi para eles um dom inesperado de Deus. Em seguida, Deus recusou que este filho Lhe fosse oferecido em sacrifício (Gn 22,11-18). Isaac foi, pois, reconhecido como o filho da promessa, e Abraão como o pai dos crentes, porque tinha dado a Deus a sua plena confiança (Gn 15,6). Isso foi amplamente comentado nos escritos do Novo Testamento, para demonstrar que a verdadeira descendência de Abraão não vinha da geração física, mas da fé: são filhos de Abraão todos aqueles que dão a Deus a sua confiança sem reservas; é por esta fé que são justificados por Deus e não em razão dos seus próprios atos (Rom 4, etc.).

9. ATENÇÃO ÀS CRIANÇAS: A MARAVILHOSA HISTÓRIA CONTADA POR ISAÍAS.
A primeira leitura deste domingo é uma muito bela página profética. Se houver oportunidade de passar algum tempo com as crianças durante a liturgia da Palavra, pode-se utilizar algumas linguagens mais adaptadas: explicar às crianças que Isaías representa aqui a felicidade que Jesus nos traz (harmonia, paz, reconciliação para toda a criação); com as cartas de jogo que representam diversos animais, pode-se ver os que podem estar juntos ou não (por exemplo, um lobo e um cordeiro juntos, o que pode acontecer?); depois, descobrimos que, em Jesus, a felicidade é possível. O que Isaías imagina para os animais pode acontecer também com os homens, se eles quiserem…

10. PALAVRA PARA O CAMINHO.
Convertei-vos! Um sonho muito belo este de Isaías! No estado atual do mundo, como imaginar a sua realização? A chave é-nos dada por João: “Convertei-vos!” Reconhecer o nosso pecado! Deixar o Fogo do Espírito queimar-nos e transformar-nos! É a partir de cada um de nós que começa o mundo novo. É a partir do coração novo de cada um de nós que o mundo poderá ter um novo coração! Mais uma semana para rezar e praticar a conversão! Mãos à obra!
3º DOMINGO DO ADVENTO

Tema do 3º Domingo do Advento

A liturgia deste Domingo lembra a proximidade da intervenção libertadora de Deus e acende a esperança no coração dos crentes. Diz-nos: “não vos inquieteis; alegrai-vos, pois a libertação está a chegar”.
A primeira leitura anuncia a chegada de Deus, para dar vida nova ao seu Povo, para libertá-lo e para conduzi-lo – num cenário de alegria e de festa – para a Terra da liberdade.
O Evangelho descreve-nos, de forma bem sugestiva, a ação de Jesus, o Messias (esse mesmo que esperamos neste Advento): ele irá dar vista aos cegos, fazer com que os coxos recuperem o movimento, curar os leprosos, fazer com que os surdos ouçam ressuscitar os mortos, anunciar aos pobres que o “Reino” da justiça e da paz chegou. É este quadro de vida nova e de esperança que Jesus nos vai oferecer.
A segunda leitura convida-nos a não deixar que o desespero nos envolva enquanto esperamos e a aguardarmos a vinda do Senhor com paciência e confiança.

LEITURA I – Is 35,1-6a.10

Leitura do Livro de Isaías

Alegrem-se o deserto e o descampado,
rejubile e floresça a terra árida,
cubra-se de flores como o narciso,
exulte com brados de alegria.
Ser-lhe-á dada a glória do Líbano,
o esplendor do Carmelo e do Saron.
Verão a glória do Senhor,
o esplendor do nosso Deus.
Fortalecei as mãos fatigadas
e robustecei os joelhos vacilantes.
Dizei aos corações perturbados:
«Tende coragem, não temais:
Aí está o vosso Deus,
vem para fazer justiça e dar a recompensa.
Ele próprio vem salvar-nos».
Então se abrirão os olhos dos cegos
e se desimpedirão os ouvidos dos surdos.
Então o coxo saltará como um veado
e a língua do mudo cantará de alegria.
Voltarão os que o Senhor libertar,
hão de chegar a Sião com brados de alegria,
com eterna felicidade a iluminar-lhes o rosto.
Reinarão o prazer e o contentamento
e acabarão a dor e os gemidos.

AMBIENTE

Os capítulos 34-35 do Livro de Isaías são habitualmente chamados “pequeno apocalipse de Isaías” (para distinguir do “grande apocalipse de Isaías”, que aparece nos capítulos 24-27); descrevem os últimos combates travados por Jahwéh contra as nações, particularmente contra Edom e a vitória definitiva do Povo de Deus. Estes dois capítulos parecem poder ser relacionados com os capítulos 40-55 do Livro de Isaías (cujo autor é esse Deutero-Isaías que atuou na Babilônia entre os exilados, na fase final do Exílio). Porque razão estes dois capítulos se apresentam separados do seu “ambiente natural” (Is 40-55)? Provavelmente, foram atraídos pelas peças escatológicas soltas de Is 28-33 e, especialmente, pelo capítulo 33.
Depois de apresentar o julgamento de Deus (cfr. Is 34,1-4) e o castigo de Edom (cfr. Is 34,5-15), o autor descreve, por contraste, a transformação extraordinária do deserto sírio, pelo qual vão passar os israelitas libertados, que retornam do Exílio. A intenção do profeta é consolar os exilados, desanimados, frustrados e mergulhados no desespero, porque a libertação tarda e parece que Deus os abandonou. Este tema será desenvolvido em profundidade nos capítulos 40-55 do Livro de Isaías.

MENSAGEM

Temos aqui um autêntico “hino à alegria”, destinado a acordar a esperança e a revitalizar o ânimo dos exilados. Qual a razão dessa alegria? É que Deus “aí está para fazer justiça”: ele vai intervir na história, vai salvar Judá do cativeiro, vai abrir uma estrada no deserto para que o seu Povo possa regressar em triunfo a Sião.

O profeta começa por interpelar a natureza e pedir-lhe que se prepare para a ação libertadora de Deus em favor do seu Povo: o deserto e o descampado, estéreis e desolados, são convidados a revestir-se de vida abundante (como o Líbano, o monte Carmelo ou a planície do Sharon, zonas proverbiais de vida e de fecundidade) e a enfeitar-se de flores de todas as formas e cores (vers. 1-2). Dessa forma, a própria natureza manifestará a sua alegria pela intervenção salvadora de Jahwéh; mas, sobretudo, será o cenário adequado para essa intervenção de Deus, destinada a levar vida nova ao Povo. Além disso, a magnificência das árvores e das plantas será a imagem da glória e da beleza do Senhor e falará a todos da grandeza de Deus, da sua capacidade para fazer brotar vida onde só há morte, desolação, esterilidade.
Depois, a palavra do profeta dirige-se aos homens (vers. 3-4). Nada de desânimo, nada de cobardia, nada de baixar os braços: Deus aí está para salvar e libertar o seu Povo. Os exilados devem unir-se à natureza nessa corrente de alegria e de vida nova, pois a libertação chegou.

O resultado da iniciativa salvadora e libertadora de Deus será que os olhos dos cegos se abrirão e se desimpedirão os ouvidos dos surdos… O coxo não apenas andará, mas saltará como um veado; o mudo não apenas falará, mas cantará de alegria (vers. 5-6). A ação de Deus é excessiva, verdadeiramente transformadora e geradora de vida nova em abundância.
A marcha do Povo da terra da escravidão para a terra da liberdade será, pois, um novo êxodo, onde se repetirão as maravilhas operadas pelo Deus libertador quando do primeiro êxodo; no entanto, este segundo êxodo será ainda mais grandioso, quanto à manifestação e à ação de Deus. Será uma peregrinação festiva, uma procissão solene, feita na alegria e na festa. O resultado final desse segundo êxodo será o reencontro com Sião, a eterna felicidade, a alegria sem fim (vers. 10).

ATUALIZAÇÃO

Ter em conta os seguintes elementos:

¨ Para os otimistas, o nosso tempo é um tempo de grandes realizações, de grandes descobertas, em que se abre todo um mundo de possibilidades ao homem; para os pessimistas, o nosso tempo é um tempo de sobre aquecimento do planeta, de subida do nível do mar, de destruição da camada do ozônio, de eliminação das florestas, de risco de holocausto nuclear… Para uns e para outros, é um tempo de desafios, de interpelações, de procura, de risco… Como é que nós nos relacionamos com este mundo? Vemo-lo com os olhos da esperança, ou com os óculos negros do desespero?

¨ Os crentes não podem, contudo, esquecer que “Deus está aí”: a sua intervenção faz com que o deserto se revista de vida e que na planície árida do desespero brote a flor da esperança. É com esta certeza da presença de Deus e com a convicção de que ele não nos deixará abandonados nas mãos das forças da morte que somos convidados a caminhar pela vida e a enfrentar a história.

¨ O Advento é o tempo em que se anuncia e espera a intervenção salvadora de Deus em favor do seu Povo. No entanto, ele só virá, se eu estiver disposto a acolhê-lo; ele só intervirá, se eu estiver disposto a receber de braços abertos a proposta de libertação que ele me vem fazer… Estou preparado para acolher o Senhor? Ele tem lugar na minha vida? A sua proposta libertadora encontrará eco no meu coração?

¨ O profeta é o homem que rema contra a maré… Quando todos cruzam os braços e se afundam no desespero, o profeta é capaz de olhar para o futuro com os olhos de Deus e ver, para lá do horizonte do sol poente, um amanhã novo. Ele vai, então, gritar aos quatro ventos a esperança, fazer com que o desespero se transforme em alegria e que o imobilismo se transforme em luta empenhada por um mundo melhor. É este testemunho de esperança que procuramos dar?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 145 (146)

Refrão 1: Vinde, Senhor, e salvai-nos.

Refrão 2: Vinde salvar-nos, Senhor.

O Senhor faz justiça aos oprimidos,
dá pão aos que têm fome
e a liberdade aos cativos.

O Senhor ilumina os olhos dos cegos,
o Senhor levanta ao abatidos,
o Senhor ama os justos.

O Senhor protege os peregrinos,
ampara o órfão e a viúva
e entrava o caminho aos pecadores.

O Senhor reina eternamente.
O teu Deus, ó Sião,
é rei por todas as gerações.

LEITURA – Tg 5,7-10

Leitura da Epístola de São Tiago

Irmãos:
Esperai com paciência a vinda do Senhor.
Vede como o agricultor espera pacientemente
o precioso fruto da terra,
aguardando a chuva temporã e a tardia.
Sede pacientes, vós também,
e fortalecei os vossos corações,
porque a vinda do Senhor está próxima.
Não vos queixeis uns dos outros,
a fim de não serdes julgados.
Eis que o Juiz está à porta.
Irmãos, tomai como modelos de sofrimento e de paciência
os profetas, que falaram em nome do Senhor.

AMBIENTE

A carta de onde foi extraída a nossa segunda leitura de hoje é um escrito de um tal Tiago (cfr. Tg 1,1), que a tradição liga a esse Tiago “irmão” do Senhor, que presidiu à Igreja de Jerusalém e do qual os evangelhos falam, acidentalmente, como filho de certa Maria (cfr. Mt 13,55;27,56). Teria morrido decapitado em Jerusalém no ano 62… No entanto, a atribuição deste escrito a tal personagem levanta bastantes dificuldades. O mais certo é estarmos perante um outro qualquer Tiago, desconhecido até agora (o “Tiago, filho de Alfeu” – de que se fala em Mc 3,18 e par. – e o “Tiago, filho de Zebedeu” e irmão de João – de que se fala em Mc 1,19 e par. – também não se encaixam neste perfil). É, de qualquer forma, um autor que escreve em excelente grego, recorrendo até, com freqüência, à “diatribe” – um gênero muito usado pela filosofia popular helênica. Inspira-se particularmente na literatura sapiencial, para extrair dela lições de moral prática; mas depende também profundamente dos ensinamentos do Evangelho. Trata-se de um sábio judeu-cristão que repensa, de maneira original, as máximas da sabedoria judaica, em função do cumprimento que elas encontraram na boca e no ensinamento de Jesus.
A carta foi enviada “às doze tribos que vivem na Diáspora” (Tg 1,1). Provavelmente, a expressão alude a cristãos de origem judaica, dispersos no mundo greco-romano, sobretudo nas regiões próximas da Palestina – como a Síria ou o Egito; mas, no geral, a carta parece dirigir-se a todos os crentes, exortando-os a que não percam os valores cristãos autênticos herdados do judaísmo através dos ensinamentos de Cristo. Denuncia, sobretudo, certas interpretações consideradas abusivas da doutrina paulina da salvação pela fé, sublinhando a importância das obras; e ataca com extrema severidade os ricos (cfr. Tg 1,9-11;2,5-7;4,13-17;5,1-6).
O nosso texto pertence à terceira parte da carta (Tg 3,14-5,20). Aí, o autor apresenta, num conjunto de desenvolvimentos e de sentenças aparentemente sem ordem nem lógica, indicações concretas destinadas a favorecer uma vida cristã mais autêntica.

MENSAGEM

Depois de uma violenta denúncia dos ricos que oprimem os pobres e que enriquecem retendo os salários dos seus trabalhadores (cfr. Tg 5,1-6), o autor da carta dirige-se aos pobres e convida-os a esperar com paciência a vinda do Senhor (como o agricultor, depois de ter feito o seu trabalho, fica pacientemente, mas cheio de esperança, à espera que a terra produza os seus frutos). Todo o enquadramento está dominado pela perspectiva da vinda do Senhor.
A questão é, portanto, esta: os pobres vivem numa situação intolerável de exploração e de injustiça; mas não devem resolver o seu problema com queixas e com violências: devem confiar em Deus e esperar a intervenção que os salvará e libertará. A paciência e a espera confiada no Senhor é a atitude correta, nestes tempos em que se prepara a intervenção final de Deus na história.
Haverá, aqui, um apelo à passividade, a cruzar os braços, a demitir-se da luta pelo mundo melhor? Não devemos entender o apelo de Tiago nesta perspectiva; o que há aqui é um apelo a confiar no Senhor e a não embarcar no mesmo esquema injusto e violento dos opressores… O acento é posto na esperança que deve alumiar o coração de quem sofre: a libertação está a chegar.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão pode partir dos seguintes elementos:

¨ Muitos irmãos nossos fazem, todos os dias, a experiência intolerável de viver na injustiça, no medo, no sofrimento, à margem da vida, privados de dignidade… Tiago diz-lhes: “apesar do sem sentido da vida, apesar do sofrimento, Deus não vos abandonou nem esqueceu, mas vai libertar-vos; aproxima-se a dia da intervenção salvadora de Deus… Esperai-o, não com o coração cheio de revolta (que vos destrói e que magoa todos aqueles que, sem ter culpa, vivem e caminham a vosso lado), mas com esperança e confiança”.

¨ Atenção: isto não significa instalar-se numa resignação que aliena e numa passividade que é renúncia à própria dignidade humana… Isto significa, sobretudo, não deixar que sentimentos agressivos e destrutivos tomem posse de nós, pois a libertação de Deus não pode chegar a qualquer coração dominado pelo ódio, pelo rancor, pelo desejo de vingança.

¨ Nós, Igreja de Jesus, testemunhas do projeto libertador de Deus, temos de anunciar o projeto libertador de Deus aos escravos e oprimidos e não deixar que a luz da esperança se apague… Anunciamos a salvação aos pobres e oprimidos, com as nossas palavras e com os nossos gestos?

¨ A salvação de Deus chega ao mundo através do nosso testemunho… Lutamos, objetivamente, para tornar realidade o projeto libertador de Deus e para silenciar a opressão, a injustiça, tudo o que rouba a vida e a dignidade a qualquer homem ou a qualquer mulher?

ALELUIA – Is 61,1

Aleluia. Aleluia.

O Espírito do Senhor está sobre mim:
enviou-me a anunciar a boa nova aos pobres.

EVANGELHO – Mt 11,2-11

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo,
João Baptista ouviu falar, na prisão, das obras de Cristo
e mandou-Lhe dizer pelos discípulos:
«És Tu Aquele que há de vir ou devemos esperar outro?»
Jesus respondeu-lhes:
«Ide contar a João o que vedes e ouvis:
os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são curados,
os surdos ouvem, os mortos ressuscitam
e a boa nova é anunciada aos pobres.
E bem-aventurado aquele que não encontrar em Mim
motivo de escândalo».
Quando os mensageiros partiram,
Jesus começou a falar de João às multidões:
«Que fostes ver ao deserto? Uma cana agitada pelo vento?
Então que fostes ver? Um homem vestido com roupas delicadas?
Mas aqueles que usam roupas delicadas
encontram-se nos palácios dos reis.
Que fostes ver então? Um profeta?
Sim – Eu vo-lo digo – e mais que profeta.
É dele que está escrito:
‘Vou enviar à tua frente o meu mensageiro,
para te preparar o caminho’.
Em verdade vos digo:
Entre os filhos de mulher,
não apareceu ninguém maior do que João Baptista.
Mas o menor no reino dos Céus é maior do que ele».

AMBIENTE

Na secção precedente do Evangelho (cfr. Mt 4,17-11,1), Mateus apresentou de forma sistemática o anúncio do “Reino”, manifestado nas palavras e nos gestos de Jesus, e difundido pelos seus discípulos… Agora, começa outra secção, em que todo o interesse do evangelista é mostrar as atitudes que as distintas pessoas ou grupos vão assumir diante de Jesus (cfr. Mt 11,2-12,50). A narração é retomada com a pergunta dos enviados de João Baptista (que está na prisão, por ordem de Herodes Antipas, a quem o Baptista havia criticado por viver maritalmente com a cunhada – cfr. Mt 14,1-5): Jesus é mesmo “o que está para vir”?
A pergunta não é ociosa… João esperava um Messias que viesse lançar fogo à terra, castigar os maus e os pecadores, dar início ao “juízo de Deus” (cfr. Mt 3,11-12); e, ao contrário, Jesus aproximou-se dos pecadores, dos marginais, dos impuros, estendeu-lhes a mão, mostrou-lhes o amor de Deus, ofereceu-lhes a salvação (cfr. Mt 8-9). João e os seus discípulos estão, pois, desconcertados: Jesus será o Messias esperado, ou é preciso esperar um outro que venha atuar de uma forma mais decidida, mais lógica e mais justiceira?
Mateus tem um interesse especial pela figura de João Baptista. Para ele, João é o precursor, que veio preparar os homens para acolher Jesus. É provável que, ao fazer esta apresentação, o evangelista se queira dirigir aos discípulos de João que ainda continuavam ativos na época em que o Evangelho foi escrito… Mateus pretende clarificar as coisas e “piscar o olho” aos discípulos de João, no sentido de que eles adiram à proposta cristã e entrem na Igreja de Jesus.

MENSAGEM

O nosso texto divide-se em duas partes… Na primeira, Jesus responde à pergunta de João e dá a entender que ele é o Messias (vers. 2-6); na segunda, temos a apreciação que o próprio Jesus faz da figura e da ação profética de João (vers. 7-11).

Jesus tem consciência de ser o Messias? A resposta é obviamente positiva; para dá-la, Jesus recorre a um conjunto de citações de Isaías que definem, na perspectiva dos profetas, a ação do Messias enviado de Deus: dar vida aos mortos (cfr. Is 26,19), curar os surdos (cfr. Is 29,18), dar vista aos cegos, dar liberdade de movimentos aos coxos (cfr. Is 35,5-6), anunciar a Boa Nova aos pobres (cfr. Is 61,1). Ora, se Jesus realizou estas obras (cfr. Mt 8-9), é porque Ele é o Messias, enviado por Deus para libertar os homens e para lhes trazer o “Reino”. A sua mensagem e os seus gestos contêm uma proposta libertadora que Deus faz aos homens.

Na segunda parte, temos a declaração de Jesus sobre o Baptista. Mateus utiliza um recurso retórico muito conhecido: uma série de perguntas que convidam os ouvintes a dar uma resposta concreta. A resposta às duas primeiras questões é, evidentemente, negativa: João não é um pregador oportunista cuja mensagem segue as modas, nem um elegante convencido que vive no luxo. A resposta à terceira é positiva: João é um profeta e mais do que um profeta. A declaração, que começa com uma referência à Escritura (cfr. Ex 23,20; Mal 3,1) pretende clarificar qual a relação entre ambos e o lugar de João no “Reino”: João é o precursor do Messias; é “Elias”, aquele que tinha de vir antes, a fim de preparar o caminho para o Messias (cfr. Mal 3,23-24)… No entanto, aqueles que entraram no “Reino” através do seguimento de Jesus são mais do que Ele.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão deste texto pode partir das seguintes questões:

¨ O nosso texto identifica Jesus com a presença salvadora e libertadora de Deus no meio dos homens. Neste tempo de espera, somos convidados a aguardar a sua chegada, com a certeza de que Deus não nos abandonou, mas continua a vir ao nosso encontro e a oferecer-nos a salvação.

¨ Os “sinais” que Jesus realizou enquanto esteve entre nós têm de continuar a acontecer na história; agora, são os discípulos de Jesus que têm de continuar a sua missão e de perpetuar no mundo, em nome de Jesus, a ação libertadora de Deus. Os que vivem amarrados ao desespero de uma doença incurável encontram em nós um sinal vivo do Cristo libertador que lhes traz a salvação? Os “surdos”, fechados num mundo sem comunicação e sem diálogo, encontram em nós a Palavra viva de Deus que os desperta para a comunhão e para o amor? Os “cegos”, encerrados nas trevas do egoísmo ou da violência, encontram em nós o desafio que Deus lhes apresenta de abrir os olhos à luz? Os “coxos”, privados de movimento e de liberdade, escondidos atrás das grades em que a sociedade os encerra, encontram em nós a Boa Nova da liberdade? Os “pobres”, marginalizados, sem voz nem dignidade, sentem em nós o amor de Deus?

¨ Mais uma vez, somos interpelados e questionados pela figura vertical e coerente de João… Ele não é um pregador da moda, cujas idéias variam conforme as flutuações da opinião pública ou os interesses dos poderosos; nem é um charlatão bem vestido, que prega apara ganhar dinheiro, para defender os seus interesses, ou para ter uma vida cômoda e sem grandes exigências… Mas é um profeta, que recebeu de Deus uma missão e que procura cumpri-la, com fidelidade e sem medo. A minha vida e o meu testemunho profético cumprem-se com a mesma verticalidade e honestidade, ou estou disposto e vender-me a interesses menos próprios, se isso me trouxer benefícios?

¨ A “dúvida” de João acerca da messianidade de Jesus não é chocante, mas é sinal de uma profunda honestidade… Devemos ter mais medo daqueles que têm certezas inamovíveis, que estão absolutamente certos das suas verdades e dos seus dogmas, do que daqueles que procuram, honestamente, as respostas às questões que a vida todos os dias põe. Sou um fundamentalista, que nunca se engana e raramente tem dúvidas, ou alguém que sabe que não tem o monopólio da verdade, que ouve os irmãos, e que procura, com eles, descobrir o caminho verdadeiro?

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 3º DOMINGO DO ADVENTO

1. A liturgia meditada ao longo da semana.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 3º Domingo do Advento, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

2. Uma assembléia em alegria!
Tudo deverá concorrer para que a assembléia celebre em estado de alegria: luzes, flores, música… mas também uma primeira leitura (um imenso grito de alegria!) lida por um leitor feliz e que contagie felicidade, sem falar do próprio presidente cujo tom influenciará muito o clima deste domingo. Que estes elementos brotem do interior de todos os que participam na celebração, comungando da enorme felicidade em acolher a Palavra de Deus na Eucaristia…

3. Oração na lectio divina.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:
Deus nosso Salvador, gritamos a nossa alegria e exultamos, porque vens até nós, como outrora, quando pelos profetas anunciaste ao teu povo exilado o fim da provação e o regresso do cativeiro.
Nós Te pedimos pelos infelizes e desencorajados: fortifica as mãos cansados, torna firmes os joelhos dobrados, ilumina os seus rostos.

No final da segunda leitura:
Nós Te bendizemos pela tua paciência: como o agricultor, Tu preparaste a terra e lançaste a semente da Boa Nova.
Nós Te pedimos pelas nossas comunidades: que o teu Espírito nos livre de gemer uns contra os outros, que Ele nos fortaleça na concórdia e nos guie na preparação de uma nova terra.

No final do Evangelho:
Nós Te damos graças por João Baptista, por quem preparaste o caminho para o teu Filho e manifestaste o cumprimento das Escrituras.
Nós Te suplicamos por aqueles cuja vista está tapada, os passos incertos, a vida envenenada… novos leprosos presentes nos nossos caminhos. Que o teu Espírito nos inspire as palavras e os gestos capazes de abri-los à tua presença.

4. Oração Eucarística.
Pode-se escolher a Oração Eucarística III da Missa com Crianças, pois exprime bem o clima das leituras.

5. Palavra para o caminho.
Paciência!
Uma palavra em total sentido contrário aos nossos comportamentos: exigimos tudo, imediatamente!
Dois milênios em que esperamos a vinda do Senhor! Ainda não veio! Mas já está!
Renovemos, reajustemos o nosso olhar de fé e redescubramo-lo bem presente, e em ação, em lugares em que tantas vezes não esperávamos encontrá-lO! Em atitude de alegria e de esperança!


4º DOMINGO DO ADVENTO


Tema do 4º Domingo do Advento


A liturgia deste domingo diz-nos, fundamentalmente, que Jesus é o “Deus-conosco”, que veio ao encontro dos homens para lhes oferecer uma proposta de salvação e de vida nova.
Na primeira leitura, o profeta Isaías anuncia que Jahwéh é o Deus que não abandona o seu Povo e que quer percorrer, de mãos dadas com ele, o caminho da história… É nele (e não nas sempre falíveis seguranças humanas) que devemos colocar a nossa esperança.
O Evangelho apresenta Jesus como a encarnação viva desse “Deus conosco”, que vem ao encontro dos homens para lhes apresentar uma proposta de salvação. Contém, naturalmente, um convite implícito a acolher de braços abertos a proposta que Ele traz e a deixar-se transformar por ela.
Na segunda leitura, sugere-se que, do encontro com Jesus, deve resultar o testemunho: tendo recebido a Boa Nova da salvação, os seguidores de Jesus devem levá-la a todos os homens e fazer com que ela se torne uma realidade libertadora em todos os tempos e lugares.

LEITURA I – Is 7,10-14

Leitura do Livro de Isaías

Naqueles dias,
o Senhor mandou ao rei Acaz a seguinte mensagem:
«Pede um sinal ao Senhor teu Deus,
quer nas profundezas do abismo,
quer lá em cima nas alturas».
Acaz respondeu:
«Não pedirei, não porei o Senhor à prova».
Então Isaías disse:
«Escutai, casa de David:
Não vos basta que andeis a molestar os homens
para quererdes também molestar o meu Deus?
Por isso, o próprio Senhor vos dará um sinal:
a virgem conceberá e dará à luz um filho
e o seu nome será Emanuel».

AMBIENTE

Em 734 a.C., Acaz sobe ao trono de Judá (o Povo de Deus está, nesta altura, dividido: a norte, há um reino formado por dez tribos, com o nome de Israel e com a capital na Samaria; a sul, há outro reino, formado por duas tribos, com o nome de Judá e com a capital em Jerusalém). Por esta época, Judá goza de alguma prosperidade econômica e de relativa tranqüilidade política… No entanto, as campanhas militares de Tiglat-Pileser III, rei da Assíria, rapidamente lançam os países da zona em alvoroço e anunciam tempos complicados para os pequenos reinos da terra de Canaan.
As coisas complicam-se quando Pecah, rei de Israel, tenta formar uma coligação anti-assíria, capaz de resistir às investidas imperialistas de Tiglat-Pileser III. O rei de Israel pretende que essa coligação integre a Síria e Judá. No entanto Acaz, rei de Judá, recusa-se a embarcar nessa aventura; então Pecah, rei de Israel, e Rezin, da Síria, lançam as suas tropas contra Judá. Acaz, assustado, decide pedir a ajuda dos assírios para resistir aos invasores. O profeta Isaías, no entanto, não concorda: para ele, a única esperança e segurança com que Judá deve contar, é Jahwéh, o seu Deus; confiar a segurança da nação a potências e a exércitos estrangeiros é abandonar Deus e expor o país a dependências que só podem trazer sofrimento e opressão. No entanto, Acaz insiste em pedir a ajuda Assíria… É então que o profeta Isaías se dirige ao rei e lhe pede que, se não acredita nas suas recomendações, peça a Deus um “sinal” para decidir o que Deus quer e o que é melhor para o Povo. Acaz tem a decisão tomada e recusa pedir a Deus um “sinal”… Mas Isaías quer, mesmo assim, deixar ao rei um “sinal” de Deus…

MENSAGEM

O “sinal” de Deus é este: “a jovem (em hebraico: “ha-‘almah”) conceberá e dará à luz um filho, e o seu nome será Deus conosco” (em hebraico: “‘Imanu El”) (vers. 14). O profeta refere-se a quê, em concreto?
Certamente ao fato histórico da gravidez da jovem esposa do rei (Abia, filha de Zacarias; o título “a jovem” aparece, aliás, em certos textos de Ugarit para designar a esposa do rei) e posterior nascimento do filho Ezequias, que veio a ocupar o trono de Judá quando Acaz morreu… O nascimento desse bebé será a garantia de que a descendência de David continuará e de que, apesar do ataque dos inimigos (Pecah de Israel e Rezin de Damasco), Judá terá um futuro. Este bebé é, portanto, um sinal de que “Deus está conosco” e que continua a cuidar do seu Povo e a oferecer-lhe um futuro de esperança.

Ao abordar este texto, a versão grega dos “Setenta” utilizou o vocábulo “parthénos” (“virgem”) para traduzir o hebraico “‘almah” (“jovem”). Por isso, desde o séc. II a.C. (ou até antes), uma parte da tradição judaica viu neste nascimento excepcional uma referência ao Messias, que haveria de nascer de uma “virgem”. A tradição cristã, naturalmente, aplicou este oráculo a Jesus; e Maria, a mãe de Jesus, passou a ser essa “virgem” nomeada no texto grego de Is 7,14.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão pode fazer-se a partir das seguintes linhas:

¨ O fato decisivo, neste texto, é a afirmação de que Deus não abandona o seu Povo, mas que é e será sempre o “Deus-connosco”. A próxima celebração do nascimento de Jesus recorda e celebra esse fato fundamental: Deus ama-nos de tal forma, que continua a vir ao nosso encontro… Neste tempo de espera da vinda, somos convidados a tomar consciência do amor de Deus, que se manifesta numa presença permanente a nosso lado; com Ele a dar-nos a mão e a palmilhar conosco a estrada da vida, podemos enfrentar todos os desafios.

¨ A partir deste texto e do ambiente em que ele nasce, podemos também pôr o problema das falsas seguranças e das falsas esperanças. Acaz confiava mais na segurança dos exércitos estrangeiros do que em Jahwéh… Em que é que o homem de hoje coloca a sua confiança e a sua esperança? Para evitar um holocausto nuclear, é no equilíbrio das armas que podemos confiar? Para termos uma sociedade mais justa e mais fraterna, é nos políticos que podemos confiar? Para nos sentirmos seguros e confortáveis, é no dinheiro que podemos confiar? Para iludirmos a doença ou a morte, é nos novos medicamentos ou nos progressos da medicina que podemos confiar? Onde está a nossa “rocha segura” que não falha: em Deus ou nas estruturas humanas?

¨ Acaz não quis ou não soube “ler” os “sinais” que Deus colocou diante dos seus olhos, não conseguiu fazer a escolha acertada e acabou por conduzir o seu Povo por caminhos de morte e de desgraça… Isto coloca-nos o problema dos “sinais”: um erro na leitura do radar pode fazer em destroços um avião ou um navio; uma falha na sinalização luminosa causa um desastre inevitável… Estamos atentos aos “sinais” que Deus semeia na estrada da nossa vida e através dos quais nos indica o caminho a seguir, ou caminhamos numa alegre inconsciência, ao sabor da corrente, desviando-nos por atalhos que nos afastam do objetivo e nos fazem sofrer?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 23 (24)

Refrão 1: Venha o Senhor: é Ele o rei glorioso.

Refrão 2: O Senhor virá: Ele é o rei da glória.

Do Senhor é a terra e o que nela existe,
o mundo e quantos nele habitam.
Ele a fundou sobre os mares
e a consolidou sobre as águas.

Quem poderá subir à montanha do Senhor?
Quem habitará no seu santuário?
O que tem as mãos inocentes e o coração puro,
que não invocou o seu nome em vão nem jurou falso.

Este será abençoado pelo Senhor
e recompensado por Deus, seu Salvador.
Esta é a geração dos que O procuram,
que procuram a face do Deus de Jacob.

LEITURA II – Rm 1,1-7

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos

Paulo, servo de Jesus Cristo,
apóstolo por chamamento divino,
escolhido para o Evangelho
que Deus tinha de antemão prometido pelos profetas
nas Sagradas Escrituras, acerca de seu Filho,
nascido da descendência de David, segundo a carne,
mas, pelo Espírito que santifica,
constituído Filho de Deus em todo o seu poder
pela sua ressurreição de entre os mortos:
Ele é Jesus Cristo, Nosso Senhor.
Por Ele recebemos a graça e a missão de apóstolo,
a fim de levarmos todos os gentios a obedecerem à fé,
para honra do seu nome,
dos quais fazeis parte também vós,
chamados por Jesus Cristo.
A todos os que habitam em Roma,
amados por Deus e chamados a serem santos,
a graça e a paz de Deus nosso Pai
e do Senhor Jesus Cristo.

AMBIENTE

A “Carta aos Romanos” é uma carta escrita no final da terceira viagem missionária de Paulo. Preparando-se para partir de Corinto a caminho de Jerusalém, o apóstolo sente que terminou a sua missão no Mediterrâneo oriental e prepara-se para continuar o seu trabalho missionário no ocidente. O seu olhar dirige-se, agora, para Roma e para a Península Ibérica (cfr. Rm 15,24): os seus planos passam por anunciar aí o Evangelho de Jesus… Estamos no ano 57 ou 58.
Paulo está preocupado com o futuro da Igreja, pois manifestam-se algumas dificuldades de relacionamento entre judeu-cristãos e pagão-cristãos, fruto das diferenças sociais, culturais e religiosas subjacentes aos dois grupos. Na comunidade de Roma, essas diferenças sentem-se com alguma intensidade e ameaçam a unidade da Igreja… Nesta situação, Paulo escreve para sublinhar aquilo que a todos une e insiste que todos – judeus e não judeus – fazem parte do mesmo Povo de Deus e devem viver no amor e na fraternidade.
O texto que nos é hoje proposto é parte da introdução à carta. Sabendo que se trata de uma comunidade que não foi fundada por ele, Paulo adota singulares precauções diplomáticas, a fim de não melindrar os cristãos de Roma. Começa por se apresentar e por definir a missão que Deus lhe confiou.

MENSAGEM

Num começo solene, Paulo define-se a si mesmo com três apelativos: ele é servo de Jesus Cristo, é apóstolo por chamamento divino e é eleito para anunciar o Evangelho.
Dizer que é “servo de Jesus Cristo” significa dizer que ele pôs a sua vida, incondicionalmente, ao serviço de Jesus Cristo. A designação “servo” não tem aqui qualquer conotação com escravidão (o que, de resto, estaria em contradição com a consciência que Paulo tem da liberdade cristã); mas deve ser entendida como entrega amorosa a Cristo. Desta forma, Paulo define o sentido da sua atividade missionária: é um serviço a Cristo e ao seu projeto libertador em favor dos homens.
Dizer que é “apóstolo por chamamento divino” equivale a dizer que ele é uma testemunha fiel de Jesus e da sua mensagem. Deus chamou-o para dar esse testemunho; e Paulo, consciente desse fato, está disposto a enfrentar todas as dificuldades, a fim de ser fiel a esse chamamento.
Dizer que é “escolhido para o Evangelho” quer dizer que Paulo tem consciência de ser, desde sempre (inclusive, antes do seu nascimento), eleito por Deus para a tarefa de levar a Boa Nova da libertação aos homens de toda a terra. Ele nasceu para anunciar o Evangelho e para ser testemunha do projeto de salvação que Deus quer oferecer aos homens.
Estes três apelativos têm como centro o anúncio do “Evangelho”. Na perspectiva de Paulo, o “Evangelho” é a proposta libertadora de Deus, que se tornou viva e presente no mundo através da pessoa de Jesus Cristo, o Messias, e que se destina à salvação de todos os homens. Não se trata de uma coleção de textos mortos, ou de uma doutrina bem ou mal articulada; mas trata-se de uma proclamação viva, ativa, transformadora, capaz de gerar vida nova e liberdade plena naqueles que a escutam e a acolhem. Paulo sente que toda a sua vida está ao serviço desse projeto e que a sua missão é levá-lo a todos os homens.
No nosso texto há, ainda, uma primitiva fórmula, na qual Paulo afirma a sua fé em Jesus Cristo, nascido da descendência de David, mas constituído Filho de Deus pelo Espírito que santifica; o seu poder manifestou-se na ressurreição – a “prova provada” da sua filiação divina.

ATUALIZAÇÃO

Para a reflexão, considerar os seguintes dados:

¨ A primeira coisa que convém ter em conta, a partir do texto, é que Jesus Cristo veio ao mundo para apresentar aos homens um projeto de salvação; esse projeto é o caminho seguro para deixarmos cair as cadeias que nos oprimem e para chegarmos à vida plena, que Deus nos quer oferecer. Neste tempo de Advento, esperamos a salvação de Deus, que vem ao nosso encontro oferecer-nos a vida nova.

¨ Ser cristão é ser chamado a testemunhar no mundo essa proposta de vida nova e de liberdade. Não se trata de aceitar umas fórmulas de fé cobertas de poeira, nem de estudar nos livros um sistema filosófico ou teológico coerente, que ensinamos com lógica e com alguma pedagogia; trata-se de trazer ao mundo uma proposta viva, transformadora, libertadora, da qual damos testemunho com palavras e com gestos concretos. É isso que acontece? Testemunho a minha fé com a vida? O meu testemunho é transformador e libertador para os meus irmãos escravizados?

¨ Para Paulo, o anúncio do Evangelho não é uma forma de sobressair, de se elevar acima dos outros, de adquirir importância e estatuto; mas é uma missão, que Deus confia àqueles que elegem e que deve ser cumprida com amor e com espírito de serviço. É desta forma que eu testemunho o Evangelho?

ALELUIA – Mt 1,23

Aleluia. Aleluia.

A Virgem conceberá e dará à luz um Filho,
que será chamado Emanuel, Deus conosco.

EVANGELHO – Mt 1,18-24

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

O nascimento de Jesus deu-se do seguinte modo:
Maria, sua Mãe, noiva de José,
Antes de terem vivido em comum,
Encontrara-se grávida por virtude do Espírito Santo.
Mas José, seu esposo,
Que era justo e não queria difamá-la,
Resolveu repudiá-la em segredo.
Tinha ele assim pensado,
Quando lhe apareceu num sonho o Anjo do Senhor,
Que lhe disse:
«José, filho de David,
não temas receber Maria, tua esposa,
pois o que nela se gerou é fruto do Espírito Santo.
Ela dará à luz um Filho
E tu por-lhe-ás o nome de Jesus,
Porque Ele salvará o povo dos seus pecados».
Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o senhor anunciara
Por meio do Profeta, que diz:
«A Virgem conceberá e dará à luz um Filho,
que será chamado ‘Emanuel’,
que quer dizer ‘Deus conosco’».
Quando despertou do sono,
José fez como o Anjo do Senhor lhe ordenara
E recebeu sua esposa.

AMBIENTE

O texto que nos é hoje proposto pertence ao “Evangelho da Infância” na versão de Mateus. De acordo com os biblistas atuais, os textos do “Evangelho da Infância” pertencem a um gênero literário especial, chamado homologese. Este gênero não pretende ser um relato jornalístico e histórico de acontecimentos; mas é, sobretudo, uma catequese destinada a proclamar certas realidades salvíficas (que Jesus é o Messias, que ele vem de Deus, que ele é o “Deus conosco”). Desenvolve-se em forma de narração e recorre às técnicas do midrash haggádico (uma técnica de leitura e de interpretação do texto sagrado usada pelos rabis judeus da época de Jesus). A homologese utiliza e mistura tipologias (fatos e pessoas do Antigo Testamento, encontram a sua correspondência em fatos e pessoas do Novo Testamento) e aparições apocalípticas (anjos, aparições, sonhos) para fazer avançar a narração e para explicitar determinada catequese sobre Jesus. O Evangelho que nos é hoje proposto deve ser entendido a esta luz: não interessa, pois, estar aqui à procura de fatos históricos; interessa, sobretudo, perceber o que é que a catequese cristã primitiva nos ensina, através destas narrações, sobre Jesus.

Há ainda, outra questão que importa ter em conta, para percebermos o pano de fundo da narração que nos é proposta: a situação de Maria e de José. O casamento hebraico considerava o compromisso matrimonial em duas etapas: havia uma primeira fase, na qual os noivos se prometiam um ao outro (os “esponsais”); só numa segunda fase surgia o compromisso definitivo (as cerimônias do matrimônio propriamente dito)… Entre os “esponsais” e o rito do matrimônio, passava um tempo mais ou menos longo, durante o qual qualquer uma das partes podia voltar atrás, ainda que sofrendo uma penalidade. Durante os “esponsais”, os noivos não viviam em comum; mas o compromisso que os dois assumiam tinha já um caráter estável, de tal forma que, se surgia um filho, este era considerado filho legítimo de ambos. A Lei de Moisés considerava a infidelidade da “prometida” como uma ofensa semelhante à infidelidade da esposa (cfr. Dt 22,23-27)… E a união entre os dois “prometidos” só podia dissolver-se com a fórmula jurídica do divórcio. Ora, segundo o texto que nos é proposto, José e Maria estavam na situação de “prometidos”: ainda não tinham celebrado o matrimônio, mas já tinham celebrado os “esponsais”.

MENSAGEM

Segundo a narração de Mateus, José apercebeu-se que Maria estava grávida, durante a fase dos esponsais… Como sabia não ser o pai do bebê que estava para chegar, resolveu abandonar Maria, em segredo; mas um anjo do Senhor apareceu-lhe em sonhos e esclareceu o mistério: “aquele que vai nascer é fruto do Espírito Santo”. O que é que temos aqui? Reportagem de acontecimentos históricos?
O anúncio do anjo a José (vers. 20-24) segue o esquema dos relatos do antigo Testamento, em que se anuncia o nascimento de uma personagem importante (cfr. Jz 13): a) o anúncio está rodeado de sinais divinos (o “anjo do Senhor”, o sonho); b) que provocam medo e espanto; c) o mensageiro divino anuncia qual será o nome e a missão da criança que vai nascer; d) dá-se um sinal que confirma o anúncio (o cumprimento das Escrituras). A função destes anúncios é vincular a personagem, desde o seu nascimento, com o projeto divino. Este mesmo esquema estereotipado é, aliás, usado por Lucas para descrever o nascimento de João Baptista (cfr. Lc 1,5-25).
Neste episódio temos, portanto, não uma descrição de fatos históricos, mas uma catequese sobre Jesus (que é apresentada recorrendo a esquemas literários, conhecidos dos escritores bíblicos). Então, o que é que esta catequese procura ensinar?
Fundamentalmente, procura-se mostrar que Jesus vem de Deus, que a sua origem é divina (Maria encontra-se grávida por virtude do Espírito Santo” – vers. 18). Procura-se, ainda, ensinar qual será a missão de Jesus: o nome que Lhe é atribuído mostra que Ele vem de Deus com uma proposta de salvação para os homens (“Jesus” significa “Jahwéh salva”). Também se diz, de forma clara, que Ele é o Messias de Deus, da descendência de David, que os profetas anunciaram (a referência ao seu nascimento de uma “virgem” não deve ser vista como a afirmação do dogma da virgindade de Maria, mas como a afirmação de que Jesus é o Messias anunciado pelos profetas – nomeadamente pelo texto de Is 7,14 – enviado por Deus para restaurar o reino de David).

De qualquer forma, a figura de José desempenha aqui um papel muito interessante… O anjo dirige-se a ele como “filho de David” (vers. 20) e pede-lhe que receba Maria e que ponha um nome à criança (vers. 21). A imposição do nome é o rito através do qual um pai recebe uma criança como filha. Assim, Jesus passa a fazer parte da família de David e a ser, naturalmente, a esperança para a restauração desse reino ideal de paz e de felicidade pelo qual todo o Povo ansiava. Pela obediência de José, realizam-se os planos e as promessas de Deus ao seu Povo.

ATUALIZAÇÃO

Refletir a partir das seguintes questões:

¨ Esse Jesus que esperamos é – de acordo com a catequese que a primitiva comunidade cristã nos apresenta por intermédio de Mateus – o “Deus que vem ao encontro dos homens”, para lhes oferecer a salvação. A festa do Natal que se aproxima deve ser o encontro de cada um de nós com este Deus; e esse encontro só será possível se tivermos o coração disponível para O acolher e para abraçar a proposta que Ele nos veio fazer. É isto que acontece?

¨ Com freqüência, o Natal é a festa pagã do consumismo, das prendas obrigatórias, da refeição melhorada, das tradições familiares que têm de ser respeitadas mesmo quando não significam nada… O meu Natal – este Natal que estou a preparar no meu coração – é uma celebração pagã ou um verdadeiro encontro com esse Deus libertador, cuja proposta de salvação estou interessado em escutar e acolher?

¨ A figura de Maria é uma figura incontornável para quem prepara o Natal: é a figura que está sempre disponível para escutar os apelos de Deus e que lhes responde com um “sim” de disponibilidade total… É esse “sim” e essa disponibilidade que tornam possível a presença salvadora de Deus no mundo. Estou na mesma atitude de disponibilidade aos desafios de Deus? Sou capaz de dizer todos os dias “sim”, de forma a que, através de mim, Deus possa nascer no mundo e salvar os homens?

¨ Outra figura que nos interpela e questiona neste tempo de Advento é a figura de José… Ele é o homem a quem Deus envolve nos seus planos – planos que, provavelmente, lhe parecem misteriosos e inacessíveis – mas que tudo aceita, numa obediência total a Deus. Sou capaz de acolher os projetos de Deus – mesmo quando eles desorganizam os meus projetos pessoais – com a mesma disponibilidade de José, na obediência total aos esquemas de Deus?

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 4º DOMINGO DO ADVENTO

1. A liturgia meditada ao longo da semana.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 4º Domingo do Advento, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

2. Favorecer os tempos de silêncio.
O gesto-símbolo para este domingo pode ser a comunhão em silêncio: é no silêncio e na contemplação que Maria acolheu o Corpo Sagrado; é num profundo recolhimento que podemos receber nas nossas mãos o grão lançado à terra… Recolhimento que deverá caracterizar o conjunto de toda esta missa, a começar pelas pausas que serão indicadas no rito de abertura da celebração.

3. Renovar a Profissão de Fé.
Depois da homilia e de um breve tempo de silêncio, todos se levantam, o leitor da segunda leitura vai ao ambão e, lenta e solenemente, proclama de novo esta passagem da Carta aos Romanos: «…nascido da descendência de David, segundo a carne, mas, pelo Espírito que santifica, constituído Filho de Deus em todo o seu poder pela sua ressurreição de entre os mortos: Ele é Jesus Cristo, Nosso Senhor». Depois, após uma breve pausa, o presidente diz: “Irmãos e irmãs, nós que acreditamos nesta Boa Nova, professemos a nossa fé!”

4. Oração na lectio divina.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:
Nós Te louvamos pelas promessas feitas ao teu povo, à Casa de David. Tu abriste-nos o espírito: da casa de tijolos orientaste-nos para esta casa de pedras vivas cuja fundação e lar é Jesus.
Nós Te pedimos pela tua Casa, que é a tua Igreja, na multidão das suas comunidades: que ela manifeste a presença do Emanuel!

No final da segunda leitura:
Nós Te damos glória, Deus nosso Pai, pela graça e pela paz, pelo apelo de Ti recebido, pela Boa Nova do teu Filho, pela sua ressurreição de entre os mortos e pelo teu Espírito que santifica.
Nós Te suplicamos por todas as nações pagãs: que o teu Nome seja honrado um dia em todas as línguas da terra.

No final do Evangelho:
Nós Te damos graças pela vinda misteriosa de Jesus à nossa humanidade, como Filho de David. Nós Te louvamos pela ação do teu Espírito em Maria, por esta nova criação, aurora de uma nova humanidade.
Nós Te pedimos pelas tuas comunidades: que elas acolham e partilhem a vida nova recebida pela comunicação do teu Filho.

5. Oração Eucarística.
Pode-se escolher a Oração Eucarística IV.

6. Palavra para o caminho.
Sinais!
Deus está sempre a dar-nos sinais, mas nós procuramos sempre do lado do extraordinário. Raramente Deus está no extraordinário.
O sinal que Ele nos oferece é o de uma família humana, como as nossas, em que Ele se faz corpo para ser «Deus conosco».
Que espaço Lhe abrimos nas nossas vidas de homens e de mulheres para que o Sinal da sua Presença e do seu Amor seja visível para todos os que O procuram hoje?
Só com o coração aberto a Deus poderemos acolher os irmãos… Só deixando que Deus seja Natal nas nossas vidas poderemos ser Natal para os outros…
Nem mais! Mãos à obra em mais uma semana que Deus nos concede, a semana do Natal!

SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO DA VIRGEM SANTA MARIA

Tema da Solenidade da Imaculada Conceição

Na Solenidade da Imaculada Conceição somos convidados a equacionar o tipo de resposta que damos aos desafios de Deus. Ao propor-nos o exemplo de Maria de Nazaré, a liturgia convida-nos a acolher, com um coração aberto e disponível, os planos de Deus para nós e para o mundo.
A segunda leitura garante-nos que Deus tem um projeto de vida plena, verdadeira e total para cada homem e para cada mulher – um projeto que desde sempre esteve na mente do próprio Deus. Esse projeto, apresentado aos homens através de Jesus Cristo, exige de cada um de nós uma resposta decidida, total e sem subterfúgios.
A primeira leitura mostra (recorrendo à história mítica de Adão e Eva) o que acontece quando rejeitamos as propostas de Deus e preferimos caminhos de egoísmo, de orgulho e de auto-suficiência… Viver à margem de Deus leva, inevitavelmente, a trilhar caminhos de sofrimento, de destruição, de infelicidade e de morte.
O Evangelho apresenta a resposta de Maria ao plano de Deus. Ao contrário de Adão e Eva, Maria rejeitou o orgulho, o egoísmo e a auto-suficiência e preferiu conformar a sua vida, de forma total e radical, com os planos de Deus. Do seu “sim” total, resultou salvação e vida plena para ela e para o mundo.

LEITURA I – Gn 3,9-15.20

Leitura do Livro do Gênesis

Depois de Adão ter comido da árvore,
o Senhor Deus chamou-o e disse-lhe: «Onde estás?»
Ele respondeu:
«Ouvi o rumor dos vossos passos no jardim
e, como estava nu, tive medo e escondi-me».
Disse Deus:
«Quem te deu a conhecer que estavas nu?
Terias tu comido dessa árvore, da qual te proibira comer?»
Adão respondeu:
«A mulher que me destes por companheira
deu-me do fruto da árvore e eu comi».
O Senhor Deus perguntou à mulher:
«Que fizeste?»
E a mulher respondeu:
«A serpente enganou-me e eu comi».
Disse então o Senhor à serpente:
«Por teres feito semelhante coisa,
maldita sejas entre todos os animais domésticos
e entre todos os animais selvagens.
Hás de rastejar e comer do pó da terra
todos os dias da tua vida.
Estabelecerei inimizade entre ti e a mulher,
entre a tua descendência e a descendência dela.
Esta te esmagará a cabeça
e tu a atingirás no calcanhar».
O homem deu à mulher o nome de 'Eva',
porque ela foi a mãe de todos os viventes.

AMBIENTE

O relato jahwista de Gn 2,4b-3,24 sobre as origens da vida e do pecado (ao qual pertence o texto que hoje nos é proposto como primeira leitura) é, de acordo com a maioria dos comentadores, um texto do séc. X a.C., que deve ter aparecido em Judá na época do rei Salomão. Apresenta-se num estilo exuberante e vivo e parece ser obra de um catequista popular, que ensina recorrendo a imagens sugestivas, coloridas e fortes.
Não podemos, de forma nenhuma, ver neste texto uma reportagem jornalística de acontecimentos passados na aurora da humanidade. A finalidade do autor não é científica ou histórica, mas teológica: mais do que ensinar como o mundo e o homem apareceram, ele quer dizer-nos que na origem da vida e do homem está Jahwéh e que na origem do mal e do pecado estão as opções erradas do homem. Trata-se, portanto, de uma página de catequese.
Esta longa reflexão sobre as origens da vida e do mal que desfeia o mundo está estruturada num esquema tripartido, com duas situações claramente opostas e uma realidade central que aparece como charneira e ao redor da qual giram a primeira e a terceira parte… Na primeira parte (cfr. Gn 2,4b-25), o autor descreve a criação do paraíso e do homem; apresenta a criação de Deus como um espaço ideal de felicidade, onde tudo é bom e o homem vive em comunhão total com o criador e com as outras criaturas. Na segunda parte (cfr. Gn 3,1-7), o autor descreve o pecado do homem e da mulher; mostra como as opções erradas do homem introduziram na comunhão do homem com Deus e com o resto da criação fatores de desequilíbrio e de morte. Na terceira parte (cfr. Gn 3,8-24), o autor apresenta o homem e a mulher confrontados com o resultado das suas opções erradas e as conseqüências que daí advieram, quer para o homem, quer para o resto da criação.
Na perspectiva do catequista jahwista, Deus criou o homem para a felicidade… Então, pergunta ele, como é que hoje conhecemos o egoísmo, a injustiça, a violência que desfigura o mundo? A resposta é: algures na história humana, o homem que Deus criou livre e feliz fez escolhas erradas e introduziu na criação boa de Deus dinamismos de sofrimento e de morte.
Os personagens intervenientes são Deus (que “passeia no jardim à brisa do dia” - 8a), Adão e Eva (que se esconderam de Deus por entre o arvoredo do jardim - 8b).

MENSAGEM

A nossa leitura começa com a “investigação” de Deus... Antes de proferir a sua acusação, Deus - o acusador e juiz - investiga, descobre e estabelece os fatos.
Primeira pergunta feita por Deus ao homem: “onde estás?” A resposta do homem é já uma confissão da sua culpabilidade: “ouvi o rumor dos vossos passos no jardim e, como estava nu, tive medo e escondi-me” (9-10). A vergonha e o medo são sinal de uma perturbação interior, de uma ruptura com a anterior situação de inocência, de harmonia, de serenidade e de paz. Como é que o homem chegou a esta situação? Evidentemente, desobedecendo a Deus e percorrendo caminhos contrários àqueles que Deus lhe havia proposto. A resposta do homem trai, portanto, o seu segredo e a sua culpa.
Depois desta constatação, a segunda pergunta feita por Deus ao homem é meramente retórica: “terias tu comido dessa árvore, da qual te proibira de comer?” (11). A árvore em causa – a “árvore do conhecimento do bem e do mal” – significa o orgulho, a auto-suficiência, o prescindir de Deus e das suas propostas, o querer decidir por si só o que é bem e o que é mal, o pôr-se a si próprio em lugar de Deus, o reivindicar autonomia total em relação ao criador. A situação do homem, perturbado e em ruptura, é já uma resposta clara à pergunta de Deus… É evidente que o homem “comeu da árvore proibida” – isto é, escolheu um caminho de orgulho e de auto-suficiência em relação a Deus. Daí a vergonha e o medo.
Ao defender-se, o homem acusa a mulher e, ao mesmo tempo, acusa veladamente o próprio Deus pela situação em que está (“a mulher que me deste por companheira deu-me do fruto da árvore e eu comi” –12). Adão representa essa humanidade que, mergulhada no egoísmo e na auto-suficiência, esqueceu os dons de Deus e vê em Deus um adversário; por outro lado, a resposta de Adão mostra, igualmente, uma humanidade que quebrou a sua unidade e se instalou na cobardia, na falta de solidariedade, no ódio. Escolher caminhos contrários aos de Deus não pode senão conduzir a uma vida de ruptura com Deus e com os outros irmãos.
Vem, depois, a “defesa” da mulher: “a serpente enganou-me e eu comi” (13). Entre os povos cananeus, a serpente estava ligada aos rituais de fertilidade e de fecundidade. Os israelitas deixavam-se fascinar por esses cultos e, com freqüência, abandonavam Jahwéh para seguir os rituais religiosos dos cananeus e assegurar, assim, a fecundidade dos campos e dos rebanhos. Na época em que o autor jahwista escreve a serpente era, pois, o “fruto proibido”, que seduzia os crentes e os levava a abandonar a Lei de Deus. A “serpente” é, neste contexto, um símbolo literário de tudo aquilo que afastava os israelitas de Jahwéh. A resposta da “mulher” confirma tudo aquilo que até agora estava sugerido: é verdade, a humanidade que Deus criou prescindiu de Deus, ignorou as suas propostas e enveredou por outros caminhos. Achou, no seu egoísmo e auto-suficiência, que podia encontrar a verdadeira vida à margem de Deus, prescindindo das propostas de Deus.
Diante disto, não são precisas mais perguntas. Está claramente definida a culpa de uma humanidade que pensou poder ser feliz em caminhos de egoísmo e de auto-suficiência, totalmente à margem dos caminhos que foram propostos por Deus.
Que tem Deus a acrescentar? Pouco mais, a não ser condenar como falsos e enganosos esses cultos e essas tentações que seduziam os israelitas e os colocavam fora da dinâmica da Aliança e dos mandamentos (14-15). O nosso catequista jahwista sabe que a serpente é um animal miserável, que passa toda a sua existência mordendo o pó da terra. O autor vai servir-se deste dado para pintar, plasticamente, a condenação radical de tudo aquilo que leva os homens a afastar-se dos caminhos de Deus e a enveredar por caminhos de egoísmo e de auto-suficiência.
O que é que significa a inimizade e a luta entre a “descendência” da mulher e a “descendência” da serpente? Provavelmente, o autor jahwista está, apenas, a dar uma explicação etiológica (uma “etiologia” é uma tentativa de explicar o porquê de uma determinada realidade que o autor conhece no seu tempo, a partir de um pretenso acontecimento primordial, que seria o responsável pela situação atual) para o fato de a serpente inspirar horror aos humanos e de toda a gente lhe procurar “esmagar a cabeça”; mas a interpretação judaica e cristã viu nestas palavras uma profecia messiânica: Deus anuncia que um “filho da mulher” (o Messias) acabará com as conseqüências do pecado e inserirá a humanidade numa dinâmica de graça.
Atenção: o autor sagrado não está a falar de um pecado cometido nos primórdios da humanidade pelo primeiro homem e pela primeira mulher; mas está a falar do pecado cometido por todos os homens e mulheres de todos os tempos… Ele está apenas a ensinar que a raiz de todos os males está no fato de o homem prescindir de Deus e construir o mundo a partir de critérios de egoísmo e de auto-suficiência. Não conhecemos bem este quadro?

ATUALIZAÇÃO

¨ Um dos mistérios que mais questiona os nossos contemporâneos é o mistério do mal… Esse mal que vemos, todos os dias, tornar sombria e deprimente essa “casa” que é o mundo, vem de Deus, ou vem do homem? A Palavra de Deus responde: o mal nunca vem de Deus… Deus criou-nos para a vida e para a felicidade e deu-nos todas as condições para imprimirmos à nossa existência uma dinâmica de vida, de felicidade, de realização plena.

¨ O mal resulta das nossas escolhas erradas, do nosso orgulho, do nosso egoísmo e auto-suficiência. Quando o homem escolhe viver orgulhosamente só, ignorando as propostas de Deus e prescindindo do amor, constrói cidades de egoísmo, de injustiça, de prepotência, de sofrimento, de pecado… Quais os caminhos que eu escolho? As propostas de Deus fazem sentido e são, para mim, indicações seguras para a felicidade, ou prefiro ser eu próprio a fazer as minhas escolhas, à margem das propostas de Deus?

¨ O nosso texto deixa também claro que prescindir de Deus e caminhar longe dele leva o homem ao confronto e à hostilidade com os outros homens e mulheres. Nasce, então, a injustiça, a exploração, a violência. Os outros homens e mulheres deixam de ser irmãos para passarem a ser ameaças ao próprio bem-estar, à própria segurança, aos próprios interesses. Como é que eu me situo face aos meus irmãos? Como é que eu me relaciono com aqueles que são diferentes, que invadem o meu espaço e interesses, que me questionam e interpelam?

¨ O nosso texto ensina, ainda, que prescindir de Deus e dos seus caminhos significa construir uma história de inimizade com o resto da criação. A natureza deixa de ser, então, a casa comum que Deus ofereceu a todos os homens como espaço de vida e de felicidade, para se tornar algo que eu uso e exploro em meu proveito próprio, sem considerar a sua dignidade, beleza e grandeza. O que é que a criação de Deus significa para mim: algo que eu posso explorar de forma egoísta, ou algo que Deus ofereceu a todos os homens e mulheres e que eu devo respeitar e guardar com amor?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 97 (98)

Refrão: Cantai ao Senhor um cântico novo:
o Senhor fez maravilhas

Cantai ao Senhor um cântico novo,
pelas maravilhas que Ele operou.
A sua mão e o seu santo braço
Lhe deram a vitória.

O Senhor deu a conhecer a salvação,
revelou aos olhos das nações a sua justiça.
Recordou-Se da sua bondade e fidelidade
em favor da casa de Israel.

Os confins da terra puderam ver
a salvação do nosso Deus.
Aclamai o Senhor, terra inteira,
exultai de alegria e cantai.

LEITURA II - Ef 1,3-6.11-12

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios

Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo,
que do alto dos Céus nos abençoou
com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo.
N’Ele nos escolheu, antes da criação do mundo,
para sermos santos e irrepreensíveis,
em caridade, na sua presença.
Ele nos predestinou, conforme a benevolência da sua vontade,
a fim de sermos seus filhos adotivos, por Jesus Cristo,
para louvor da sua glória
e da graça que derramou sobre nós, por seu amado Filho.
Em Cristo fomos constituídos herdeiros,
por termos sido predestinados,
segundo os desígnios d’Aquele que tudo realiza
conforme a decisão da sua vontade,
para sermos um hino de louvor da sua glória,
nós que desde o começo esperamos em Cristo.

AMBIENTE

A
cidade de Éfeso, capital da Província romana da Ásia, estava situada na costa ocidental da Ásia Menor. O seu importante porto e a sua numerosa população faziam dela uma cidade florescente. Paulo passou em Éfeso na sua segunda viagem missionária (At 18,19-21) e, durante a sua terceira viagem missionária, fez de Éfeso o quartel-general, a partir do qual evangelizou toda a zona ocidental da Ásia Menor.
A nossa Carta aos Efésios é, provavelmente, um dos exemplares de uma “carta circular” enviada a várias igrejas da Ásia Menor, numa altura em que Paulo está na prisão (em Roma?). O seu portador é um tal Tíquico. Estamos por volta dos anos 58/60.
Alguns vêem nesta carta uma espécie de síntese da teologia paulina, numa altura em que a missão do apóstolo está praticamente terminada no oriente. O tema mais importante da Carta aos Efésios é aquilo que o autor chama “o mistério”: trata-se do projeto salvador de Deus, definido e elaborado desde sempre, escondido durante séculos, revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos e, nos “últimos tempos”, tornado presente no mundo pela Igreja.
O texto que nos é hoje proposto aparece no início da carta. É parte de um hino litúrgico que deve ter circulado nas comunidades cristãs antes de ser enxertado aqui por Paulo. Este hino dá graças pela ação do Pai (Ef 1,3-6), do Filho (Ef 1,7-12) e do Espírito Santo (Ef 1,13-14) no sentido de oferecer aos homens a salvação.

MENSAGEM

A ação de graças dirige-se a Deus, pois Ele é a fonte última de todas as graças concedidas aos homens. Essas graças atingiram os homens através do Filho, Jesus Cristo.
Qual é então, segundo este hino, a ação do Pai?
O Pai, no seu amor, elegeu-nos desde sempre (“antes da criação do mundo”). Elegeu-nos para quê? A resposta é: “para sermos santos e irrepreensíveis”. A palavra “santo” indica a situação de alguém que foi separado do mundo e consagrado a Deus, para o serviço de Deus; a palavra “irrepreensível” era usada para falar das vítimas oferecidas em sacrifício a Deus, que deviam ser imaculadas e sem defeito… Significa, pois, uma santidade (isto é, uma consagração a Deus) verdadeira e radical.
Além de nos eleger, o Pai predestinou-nos “para sermos seus filhos adotivos”. Através de Cristo, o Pai ofereceu-nos a sua vida e integrou-nos na sua família na qualidade de filhos. O fim desta ação de Deus, é o louvor da sua glória.
“Eleição” e “adoção como filhos” resultam do imenso amor de Deus pelos homens - um amor que é gratuito, incondicional e radical.
E Jesus Cristo, o Filho, que papel teve neste processo?
Nos vers. 7-10 (que, no entanto, a liturgia deste dia não conservou), o autor do hino refere-se ao sangue derramado de Cristo e ao seu significado redentor. A morte de Jesus na cruz é o sinal evidente do espantoso amor de Deus pelos homens; e dessa forma, Deus ensinou-nos a viver no amor, no amor total e radical. Através de Cristo, Deus derramou sobre nós a sua graça, tornando-nos pessoas novas e diferentes, capazes de viver no amor. Assim, Deus manifestou-nos o seu projeto de salvação (que o hino chama “o mistério”) e que consiste em levar-nos a uma identificação plena com Jesus (na sua ilimitada capacidade de amar e de dar vida), a uma unidade e harmonia totais com Jesus. Identificando-nos com Cristo e ensinando-nos a viver no amor total e radical, Deus reconciliou-nos consigo, com todos os outros e com a própria natureza. Da ação redentora de Cristo nasceu, pois, um Homem Novo, capaz de um novo tipo de relacionamento (não marcado pelo egoísmo, pelo orgulho, pela auto-suficiência, mas marcado pelo amor e pelo dom da vida) com Deus, com os outros homens e mulheres e com toda a criação.
Dessa forma (e voltamos agora a retomar o texto que a liturgia deste dia nos propõe), em Cristo fomos constituídos filhos de Deus e herdeiros da salvação, conforme o projeto de Deus preparado desde toda a eternidade em nosso favor (11-12).

ATUALIZAÇÃO

¨ O nosso texto afirma, de forma clara, que Deus tem um projeto de vida plena e total para os homens, um projeto que desde sempre esteve na mente de Deus. É muito importante termos isto em conta: não somos um acidente de percurso na evolução inexorável do cosmos, mas somos atores principais de uma história de amor que o nosso Deus sempre sonhou e que Ele quis escrever e viver conosco… No meio das nossas desilusões e dos nossos sofrimentos, da nossa finitude e do nosso pecado, dos nossos medos e dos nossos dramas, não esqueçamos que somos filhos amados de Deus, a quem Ele oferece continuamente a vida definitiva, a verdadeira felicidade.

¨ De acordo com o nosso texto, Deus “elegeu-nos… para sermos santos e irrepreensíveis”. Já vimos que “ser santo” significa ser consagrado para o serviço de Deus. O que é que isto implica em termos concretos? Entre outras coisas, implica tentar descobrir o plano de Deus, o projeto que Ele tem para cada um de nós e concretizá-lo dia a dia com verdade, fidelidade e radicalidade. No meio das solicitações do mundo e das exigências da nossa vida profissional, social e familiar, temos tempo para Deus, para dialogar com Ele e para tentar perceber os seus projetos e propostas? E temos disponibilidade e vontade de concretizar as suas propostas, mesmo quando elas não são conciliáveis com os nossos interesses pessoais?

¨ O nosso texto afirma, ainda, a centralidade de Cristo nesta história de amor que Deus quis viver conosco… Jesus veio ao nosso encontro, cumprindo com radicalidade a vontade do Pai e oferecendo-se até à morte para nos ensinar a viver no amor. Como é que assumimos e vivemos essa proposta de amor que Jesus nos apresentou? Aprendemos com Ele a amar sem exceção e com radicalidade?

ALELUIA – cf. Lc 1,28

Aleluia. Aleluia.

Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco,
bendita sois Vós entre as mulheres.

EVANGELHO – Lc 1,26-38

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

Naquele tempo,
o Anjo Gabriel foi enviado por Deus
a uma cidade da Galiléia chamada Nazaré,
a uma Virgem desposada com um homem chamado José.
O nome da Virgem era Maria.
Tendo entrado onde ela estava, disse o anjo:
«Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo».
Ela ficou perturbada com estas palavras
e pensava que saudação seria aquela.
Disse-lhe o Anjo:
«Não temas, Maria,
porque encontraste graça diante de Deus.
Conceberás e darás à luz um Filho,
a quem porás o nome de Jesus.
Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo.
O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David;
reinará eternamente sobre a casa de Jacob
e o seu reinado não terá fim».
Maria disse ao Anjo:
«Como será isto, se eu não conheço homem?»
O Anjo respondeu-lhe:
«O Espírito Santo virá sobre ti
e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra.
Por isso, o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus.
E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice
e este é o sexto mês daquela a quem chamavam estéril;
porque a Deus nada é impossível».
Maria disse então:
«Eis a escrava do Senhor;
faça-se em mim segundo a tua palavra».

AMBIENTE

O texto que nos é hoje proposto pertence ao “Evangelho da Infância” na versão de Lucas. De acordo com os biblistas atuais, os textos do “Evangelho da Infância” pertencem a um gênero literário especial, chamado homologese. Este gênero não pretende ser um relato jornalístico e histórico de acontecimentos; mas é, sobretudo, uma catequese destinada a proclamar certas realidades salvíficas (que Jesus é o Messias, que Ele vem de Deus, que Ele é o “Deus conosco”). Desenvolve-se em forma de narração e recorre às técnicas do midrash haggádico (uma técnica de leitura e de interpretação do texto sagrado usada pelos rabis judeus da época de Jesus). A homologese utiliza e mistura tipologias (fatos e pessoas do Antigo Testamento, encontram a sua correspondência em fatos e pessoas do Novo Testamento) e aparições apocalípticas (anjos, aparições, sonhos) para fazer avançar a narração e para explicitar determinada catequese sobre Jesus. O Evangelho que nos é hoje proposto deve ser entendido a esta luz: não interessa, pois, estar aqui à procura de fatos históricos; interessa, sobretudo, perceber o que é que a catequese cristã primitiva nos ensina, através destas narrações, sobre Jesus.
A cena situa-nos numa aldeia da Galiléia, chamada Nazaré. A Galiléia, região a norte da Palestina, à volta do Lago de Tiberíades, era considerada pelos judeus uma terra longínqua e estranha, em permanente contacto com as populações pagãs e onde se praticava uma religião heterodoxa, influenciada pelos costumes e pelas tradições pagãs. Daí a convicção dos mestres judeus de Jerusalém de que “da Galiléia não pode vir nada de bom”. Quanto a Nazaré, era uma aldeia pobre e ignorada, nunca nomeada na história religiosa judaica e, portanto (de acordo com a mentalidade judaica), completamente à margem dos caminhos de Deus e da salvação.
Maria, a jovem de Nazaré que está no centro deste episódio, era “uma virgem desposada com um homem chamado José”. O casamento hebraico considerava o compromisso matrimonial em duas etapas: havia uma primeira fase, na qual os noivos se prometiam um ao outro (os “esponsais”); só numa segunda fase surgia o compromisso definitivo (as cerimônias do matrimônio propriamente dito)… Entre os “esponsais” e o rito do matrimônio, passava um tempo mais ou menos longo, durante o qual qualquer uma das partes podia voltar atrás, ainda que sofrendo uma penalidade. Durante os “esponsais”, os noivos não viviam em comum; mas o compromisso que os dois assumiam tinha já um caráter estável, de tal forma que, se surgia um filho, este era considerado filho legítimo de ambos. A Lei de Moisés considerava a infidelidade da “prometida” como uma ofensa semelhante à infidelidade da esposa (Dt 22,23-27)… E a união entre os dois “prometidos” só podia dissolver-se com a fórmula jurídica do divórcio. José e Maria estavam, portanto, na situação de “prometidos”: ainda não tinham celebrado o matrimônio, mas já tinham celebrado os “esponsais”.

MENSAGEM

Depois da apresentação do “ambiente” do quadro, Lucas apresenta o diálogo entre Maria e o anjo.
A conversa começa com a saudação do anjo. Na boca deste, são colocados termos e expressões com ressonância vétero-testamentária, ligados a contextos de eleição, de vocação e de missão. Assim, o termo “ave” (em grego, “kaire”) com que o anjo se dirige a Maria, é mais do que uma saudação: é o eco dos anúncios de salvação à “filha de Sião” – uma figura fraca e delicada que personifica o Povo de Israel, em cuja fraqueza se apresenta e representa essa salvação oferecida por Deus e que Israel deve testemunhar diante dos outros povos (2 Re 19,21-28; Is 1,8;12,6; Jer 4,31; Sof 3,14-17). A expressão “cheia de graça” significa que Maria é objeto da predileção e do amor de Deus. A outra expressão “o Senhor está contigo” é uma expressão que aparece com freqüência ligada aos relatos de vocação no Antigo Testamento (cfr. Ex 3,12 - vocação de Moisés; Jz 6,12 - vocação de Gedeão; Jer 1,8.19 - vocação de Jeremias) e que serve para assegurar ao “chamado” a assistência de Deus na missão que lhe é pedida. Estamos, portanto, diante do “relato de vocação” de Maria: a visita do anjo destina-se a apresentar à jovem de Nazaré uma proposta de Deus. Essa proposta vai exigir uma resposta clara de Maria.
Qual é, então, o papel proposto a Maria no projeto de Deus?
A Maria, Deus propõe que aceite ser a mãe de um “filho” especial… Desse “filho” diz-se, em primeiro lugar, que ele se chamará “Jesus”. O nome significa “Deus salva”. Além disso, esse “filho” é apresentado pelo anjo como o “Filho do Altíssimo”, que herdará “o trono de seu pai David” e cujo reinado “não terá fim”. As palavras do anjo levam-nos a 2 Sm 7 e à promessa feita por Deus ao rei David através das palavras do profeta Nathan. Esse “filho” é descrito nos mesmos termos em que a teologia de Israel descrevia o “messias” libertador. O que é proposto a Maria é, pois, que ela aceite ser a mãe desse “messias” que Israel esperava, o libertador enviado por Deus ao seu Povo para lhe oferecer a vida e a salvação definitivas.
Como é que Maria responde ao projeto de Deus?
A resposta de Maria começa com uma objeção… A objeção faz sempre parte dos relatos de vocação do Antigo Testamento (Ex 3,11; 6,30; Is 6,5; Jer 1,6). É uma reação natural de um “chamado”, assustado com a perspectiva do compromisso com algo que o ultrapassa; mas é, sobretudo, uma forma de mostrar a grandeza e o poder de Deus que, apesar da fragilidade e das limitações dos “chamados”, faz deles instrumentos da sua salvação no meio dos homens e do mundo.
Diante da “objeção”, o anjo garante a Maria que o Espírito Santo virá sobre ela e a cobrirá com a sua sombra. Este Espírito é o mesmo que foi derramado sobre os juízes (Oteniel – Jz 3,10; Gedeão –  Jz 6,34; Jefté – Jz 11,29; Sansão – Jz 14,6), sobre os reis (Saul – 1 Sm 11,6; David – 1 Sm 16,13), sobre os profetas ( Maria, a profetisa irmã de Aarão – Ex 15,20; os anciãos de Israel – Nm 11,25-26; Ezequiel – Ez 2,1; 3,12; o terceiro Isaías – Is 61,1), a fim de que eles pudessem ser uma presença eficaz da salvação de Deus no meio do mundo. A “sombra” ou “nuvem” leva-nos, também, à “coluna de nuvem” (Ex 13,21) que acompanhava a caminhada do Povo de Deus em marcha pelo deserto, indicando o caminho para a Terra Prometida da liberdade e da vida nova. A questão é a seguinte: apesar da fragilidade de Maria, Deus vai, através dela, fazer-se presente no mundo para oferecer a salvação a todos os homens.
O relato termina com a resposta final de Maria: “eis a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra”. Afirmar-se como “serva” significa, mais do que humildade, reconhecer que se é um eleito de Deus e aceitar essa eleição, com tudo o que ela implica – pois, no Antigo Testamento, ser “servo do Senhor” é um título de glória, reservado àqueles que Deus escolheu que ele reservou para o seu serviço e que ele enviou ao mundo com uma missão (essa designação aparece, por exemplo, no Deutero-Isaías – cfr. Is 42,1; 49,3; 50,10; 52,13; 53,2.11 – em referência à figura enigmática do “servo de Jahwéh”). Desta forma, Maria reconhece que Deus a escolheu, aceita com disponibilidade essa escolha e manifesta a sua disposição de cumprir, com fidelidade, o projeto de Deus.

ATUALIZAÇÃO

¨ A liturgia deste dia afirma, de forma clara e insofismável, que Deus ama os homens e tem um projeto de vida plena para lhes oferecer. Como é que esse Deus cheio de amor pelos seus filhos intervém na história humana e concretiza, dia a dia, essa oferta de salvação? A história de Maria de Nazaré (bem como a de tantos outros “chamados”) responde, de forma clara, a esta questão: é através de homens e mulheres atentos aos projetos de Deus e de coração disponível para o serviço dos irmãos que Deus atua no mundo, que Ele manifesta aos homens o seu amor, que Ele convida cada pessoa a percorrer os caminhos da felicidade e da realização plena. Já pensamos que é através dos nossos gestos de amor, de partilha e de serviço que Deus se torna presente no mundo e transforma o mundo?

¨ Outra questão é a dos instrumentos de que Deus se serve para realizar os seus planos… Maria era uma jovem mulher de uma aldeia obscura dessa “Galiléia dos pagãos” de onde não podia “vir nada de bom”. Não consta que tivesse uma significativa preparação intelectual, extraordinários conhecimentos teológicos, ou amigos poderosos nos círculos de poder e de influência da Palestina de então… Apesar disso, foi escolhida por Deus para desempenhar um papel primordial na etapa mais significativa na história da salvação. A história vocacional de Maria deixa claro que, na perspectiva de Deus, não são o poder, a riqueza, a importância ou a visibilidade social que determinam a capacidade para levar a cabo uma missão. Deus age através de homens e mulheres, independentemente das suas qualidades humanas. O que é decisivo é a disponibilidade e o amor com que se acolhem e testemunham as propostas de Deus.

¨ Diante dos apelos de Deus ao compromisso, qual deve ser a resposta do homem? É aí que somos colocados diante do exemplo de Maria… Confrontada com os planos de Deus, Maria responde com um “sim” total e incondicional. Naturalmente, ela tinha o seu programa de vida e os seus projetos pessoais; mas, diante do apelo de Deus, esses projetos pessoais passaram naturalmente e sem dramas a um plano secundário. Na atitude de Maria não há qualquer sinal de egoísmo, de comodismo, de orgulho, mas há uma entrega total nas mãos de Deus e um acolhimento radical dos caminhos de Deus. O testemunho de Maria é um testemunho questionante, que nos interpela fortemente… Que atitude assumimos diante dos projetos de Deus: acolhemo-los sem reservas, com amor e disponibilidade, numa atitude de entrega total a Deus, ou assumimos uma atitude egoísta de defesa intransigente dos nossos projetos pessoais e dos nossos interesses egoístas?

¨ É possível alguém entregar-se tão cegamente a Deus, sem reservas, sem medir os prós e os contras? Como é que se chega a esta confiança incondicional em Deus e nos seus projetos? Naturalmente, não se chega a esta confiança cega em Deus e nos seus planos sem uma vida de diálogo, de comunhão, de intimidade com Deus. Maria de Nazaré foi, certamente, uma mulher para quem Deus ocupava o primeiro lugar e era a prioridade fundamental. Maria de Nazaré foi, certamente, uma pessoa de oração e de fé, que fez a experiência do encontro com Deus e aprendeu a confiar totalmente n’Ele. No meio da agitação de todos os dias, encontro tempo e disponibilidade para ouvir Deus, para viver em comunhão com Ele, para tentar perceber os seus sinais nas indicações que Ele me dá dia a dia?

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