sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Quaresma e Domingo de Ramos Ano A



ANO A 

1º DOMINGO DA QUARESMA 

No início da nossa caminhada quaresmal, a Palavra de Deus convida-nos à “conversão” – isto é, a recolocar Deus no centro da nossa existência, a aceitar a comunhão com ele, a escutar as suas propostas, a concretizar no mundo – com fidelidade – os seus projetos.
A primeira leitura afirma que Deus criou o homem para a felicidade e para a vida plena. Quando escutamos as propostas de Deus, conhecemos a vida e a felicidade; mas, sempre que prescindimos de Deus e nos fechamos em nós próprios, inventamos esquemas de egoísmo, de orgulho e de prepotência e construímos caminhos de sofrimento e de morte.
A segunda leitura propõe-nos dois exemplos: Adão e Jesus. Adão representa o homem que escolhe ignorar as propostas de Deus e decidir, por si só, os caminhos da salvação e da vida plena; Jesus é o homem que escolhe viver na obediência às propostas de Deus e que vive na obediência aos projetos do Pai. O esquema de Adão gera egoísmo, sofrimento e morte; o esquema de Jesus gera vida plena e definitiva.
O Evangelho apresenta, de forma mais clara, o exemplo de Jesus. Ele recusou – de forma absoluta – uma vida vivida à margem de Deus e dos seus projetos. A Palavra de Deus garante que, na perspectiva cristã, uma vida que ignora os projetos do Pai e aposta em esquemas de realização pessoal é uma vida perdida e sem sentido; e que toda a tentação de ignorar Deus e as suas propostas é uma tentação diabólica e que o cristão deve, firmemente, rejeitar.

LEITURA I – Gn 2,7-9;3,1-7

Leitura do Livro do Gênesis

O Senhor Deus formou o homem do pó da terra,
insuflou em suas narinas um sopro de vida,
e o homem tornou-se um ser vivo.
Depois, o Senhor Deus plantou um jardim no Éden, a oriente,
e nele colocou o homem que tinha formado.
Fez nascer na terra toda a espécie de árvores,
de frutos agradáveis à vista e bons para comer,
entre as quais a árvore da vida, no meio do jardim,
e a árvore da ciência do bem e do mal.
Ora, a serpente era o mais astucioso
de todos os animais do campo
que o Senhor Deus tinha feito.
Ela disse à mulher:
«É verdade que Deus vos disse:
“Não podeis comer o fruto de nenhuma árvore do Jardim”?»
A mulher respondeu:
«Podemos comer o fruto das árvores do jardim;
mas, quanto ao fruto da árvore que está no meio do jardim,
Deus avisou-nos:
“Não podeis comer dele nem tocar-lhe, senão morrereis”».
A serpente replicou à mulher:
«De maneira nenhuma! Não morrereis.
Mas Deus sabe que, no dia em que o comerdes,
abrir-se-ão os vossos olhos e sereis como deuses,
ficando a conhecer o bem e o mal».
A mulher viu então que o fruto da árvore
era bom para comer e agradável à vista,
e precioso para esclarecer a inteligência.
Colheu o fruto e comeu-o;
depois deu-o ao marido, que estava junto dela,
e ele também comeu.
Abriram-se então os seus olhos
e compreenderam que estavam despidos.
Por isso, entrelaçaram folhas de figueira
e cingiram os rins com elas.

AMBIENTE

O texto de Gn 2,4b-3,24 – conhecido como relato jahwista da criação – é, de acordo com a maioria dos comentadores, um texto do séc. X a.C., que deve ter aparecido em Judá na época do rei Salomão. Apresenta-se num estilo exuberante, colorido, pitoresco. Parece ser obra de um catequista popular, que ensina recorrendo a imagens sugestivas, coloridas e fortes.
Não podemos, de forma nenhuma, ver neste texto uma reportagem jornalística de acontecimentos passados na aurora da humanidade. A finalidade do autor não é científica ou histórica, mas teológica: mais do que ensinar como o mundo e o homem apareceram, ele quer dizer-nos que na origem da vida e do homem está Jahwéh. Trata-se, portanto, de uma página de catequese e não de um tratado destinado a explicar cientificamente as origens do mundo e da vida.
Para apresentar essa catequese aos homens do séc. X a.C., os teólogos jahwistas utilizaram elementos simbólicos e literários das cosmogonias mesopotâmicos (por exemplo, a formação do homem “do pó da terra” é um elemento que aparece sempre nos mitos de origem mesopotâmicos); no entanto, transformaram e adaptaram os símbolos retirados das narrações lendárias de outros povos, dando-lhes um novo enquadramento, uma nova interpretação e pondo-os ao serviço da catequese e da fé de Israel. Ou seja: a linguagem e a apresentação literária das narrações bíblicas da criação apresentam paralelos significativos com os mitos de origem dos povos da zona do Crescente Fértil; mas as conclusões teológicas – sobretudo o ensinamento sobre Deus e sobre o lugar que o homem ocupa no projeto de Deus – são muito diferentes.

MENSAGEM

A primeira parte (cf. Gn 2,7-9) do texto que nos é proposto apresenta-nos dois quadros significativos.

O primeiro quadro (vers. 7), pinta – com cores quentes e sugestivas – a origem do homem: “o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e insuflou-lhe nas narinas um sopro de vida”. O verbo utilizado para descrever a ação de Deus é o verbo “yasar” (“formar”, “modelar”), que é um verbo técnico ligado ao trabalho do oleiro. Deus aparece, assim, como um oleiro, que modela a argila. Estamos muito próximos das concepções mesopotâmicas, onde o homem é criado pelos deuses a partir do barro (o jogo de palavras “’adam” – “homem” - e “’adamah” – “terra”, sugere que o homem – “’adam” - vem da “terra” – “’adamah” - e, morrendo, voltará à terra de onde foi tirado).
No entanto, o homem formado da terra não é apenas terra, pois ele recebe também o “sopro” (“neshamá”) de Deus. A palavra hebraica utilizada significa “sopro”, “hálito”, “respiração”. É a vida que vem de Deus que torna o homem vivo… O homem tem qualquer coisa de divino; a vida do homem procede, diretamente, de Deus.
É significativa a forma como o jahwista sublinha o cuidado de Deus na criação do homem: Deus é o oleiro que modela cuidadosa e amorosamente a sua obra; e, ainda mais, transmite a esse homem formado da terra a sua própria vida divina. O homem aparece, assim, como o centro do projeto criador de Deus: ele ocupa um lugar especial na criação e é para ele que tudo vai ser criado.

No segundo quadro (vers. 8-9), o autor jahwista reflete sobre a situação do homem criado por Deus… Para que é que Deus criou o homem? Para ser escravo dos deuses e prover ao sustento das divindades, como nos mitos mesopotâmicos? Não. Na perspectiva do nosso catequista, o homem foi criado para ser feliz, em comunhão com Deus. Para descrever a situação ideal do homem, criado para a felicidade e a realização plena, o jahwista coloca-o num “jardim” cheio de árvores de fruta. Para um povo que sentia pesar constantemente sobre si a ameaça do deserto árido, o ideal de felicidade seria um lugar com muitas árvores e muita água. Os mitos mesopotâmicos apresentam, aliás, as mesmas imagens.
No meio dessa vegetação abundante, o autor coloca duas árvores especiais: a “árvore da vida” e a “árvore do conhecimento do bem e do mal”. A “árvore da vida” é o símbolo da imortalidade concedida ao homem. Provavelmente, ao falar da “árvore da vida”, o autor está a pensar na "Lei": desde o início, Deus ofereceu ao homem a possibilidade da vida plena e imortal, que passa por uma vida percorrida no caminho da Lei e dos mandamentos… Ao lado da “árvore da vida” e em contraposição a ela (pois traz a morte), está a “árvore do conhecimento do bem e do mal”. Provavelmente, representa o orgulho e a auto-suficiência de quem acha que pode conquistar a sua própria felicidade, prescindindo de Deus. “Comer da árvore do conhecimento do bem e do mal” significa fechar-se em si próprio, querer decidir por si só o que é bem e o que é mal, pôr-se a si próprio em lugar de Deus, reivindicar autonomia total em relação ao criador. O homem que renuncia à comunhão com Deus está a seguir o caminho da morte.
A ideia do nosso catequista é esta: Deus criou o homem para ser feliz; deu-lhe a possibilidade de vida imortal; mas o homem pode escolher prescindir de Deus e percorrer caminhos onde Deus não está.

Na segunda parte do nosso texto (cf. Gn 3,1-7), o autor jahwista reflete sobre a questão do mal. De onde vem o mal que enfeia o mundo e que impede o homem de ter vida plena? Esse mal – sugere o nosso teólogo jahwista – vem das opções erradas que, desde o início da história, o homem tem feito.
Para dizer isto, o autor jawista recorre à imagem da serpente. Entre os povos antigos, a serpente aparece como um símbolo por excelência da vida e da fecundidade (provavelmente por causa da sua configuração fálica). Entre os cananeus, estava também bastante difundido o culto da serpente. Nos santuários cananeus invocavam-se os deuses da fertilidade (representados muitas vezes pela serpente) e realizavam-se rituais mágicos destinados a assegurar a fecundidade dos campos… Ora, os israelitas, instalados na Terra, depressa se deixaram fascinar por esses cultos e praticavam os rituais dos cananeus destinados a assegurar a vida e a fecundidade dos campos e dos rebanhos. No entanto, isso significava prescindir de Jahwéh e abandonar o caminho da Lei e dos mandamentos. A “serpente” surge aqui, portanto, como símbolo de tudo o que afasta os homens de Deus e das suas propostas, sugerindo-lhes caminhos de orgulho, de egoísmo e de auto-suficiência.
Em conclusão: Deus criou o homem para ser feliz e indicou-lhe o caminho da imortalidade e da vida plena; no entanto, o homem escolhe muitas vezes o caminho do orgulho e da auto-suficiência e vive à margem de Deus e das suas propostas. Na opinião do autor jahwista, é essa a origem do mal que destrói a harmonia do mundo.

ATUALIZAÇÃO

Considerar, na reflexão, os seguintes elementos:

• De onde vimos? Para onde vamos? Porque é que estamos aqui? Qual o sentido da nossa vida? São perguntas eternas, que o homem de todos os tempos coloca a si próprio. A Palavra de Deus que hoje nos é proposta responde: é Deus a nossa origem e o nosso destino último. Não somos um minúsculo e insignificante grão de areia perdido numa galáxia qualquer; mas somos seres que Deus criou com amor, a quem Ele deu o seu próprio “sopro”, a quem animou com a sua própria vida. O fim último da nossa existência não é o fracasso, a dissolução no nada, mas a vida definitiva, a felicidade sem fim, a comunhão plena com Deus.

• Como é que chegamos a essa felicidade que está inscrita no projeto que Deus tem para os homens e para o mundo? Deus nada impõe e respeita sempre – de forma absoluta – a nossa liberdade; no entanto, insiste em mostrar-nos, todos os dias, o caminho para essa plenitude de vida que Ele sonhou para os homens. Quando aceitamos a nossa condição de criaturas e reconhecemos em Deus, esse Pai que nos dá vida, que nos ama e que nos indica caminhos de realização e de felicidade, construímos uma existência harmoniosa, um "paraíso" onde encontramos vida, harmonia, felicidade e realização.

• E o mal que vemos, todos os dias, tornar sombria e deprimente essa “casa” que é o mundo: vem de Deus ou do homem? A Palavra de Deus responde: o mal nunca vem de Deus; o mal resulta das nossas escolhas erradas, do nosso orgulho, do nosso egoísmo e auto-suficiência. Quando o homem escolhe viver orgulhosamente só, ignorando as propostas de Deus e prescindindo do amor, constrói cidades de egoísmo, de injustiça, de prepotência, de sofrimento, de pecado… Quais os caminhos que eu escolho? As propostas de Deus fazem sentido e são, para mim, indicações seguras para a felicidade, ou prefiro ser eu próprio a fazer as minhas escolhas, prescindindo das indicações de Deus?

SALMO RESPONSORIAL – SALMO 50 (51)

Refrão 1: Pecamos, Senhor: tende compaixão de nós.

Refrão 2: Tende compaixão de nós, Senhor,
porque somos pecadores.

Compadecei-Vos de mim, ó Deus, pela vossa bondade,
pela vossa grande misericórdia, apagai os meus pecados.
Lavai-me de toda a iniqüidade e purificai-me de todas as faltas.

Porque eu reconheço os meus pecados
e tenho sempre diante de mim as minhas culpas.
Pequei contra Vós, só contra Vós,
e fiz o mal diante dos vossos olhos.

Criai em mim, ó Deus, um coração puro
e fazei nascer dentro de mim um espírito firme.
Não queirais repelir-me da vossa presença
e não retireis de mim o vosso espírito de santidade.

Dai-me de novo a alegria da vossa salvação
e sustentai-me com espírito generoso.
Abri, Senhor, os meus lábios
e a minha boca cantará o vosso louvor.

LEITURA II – Rom 5,12-19

Leitura do apóstolo São Paulo aos Romanos

Irmãos:
Assim como por um só homem entrou o pecado no mundo
e pelo pecado a morte,
assim também a morte atingiu todos os homens,
porque todos pecaram.
De fato, até à Lei, existia o pecado no mundo.
Mas o pecado não é levado em conta, se não houver lei.
Entretanto, a morte reinou desde Adão até Moisés,
mesmo para aqueles que não tinham pecado
por uma transgressão à semelhança de Adão,
que é figura d’Aquele que havia de vir.
Mas o dom gratuito não é como a falta.
Se pelo pecado de um só pereceram muitos,
com muito mais razão a graça de Deus,
dom contido na graça de um só homem, Jesus Cristo,
se concedeu com abundância a muitos homens.
E esse dom não é como o pecado de um só:
o julgamento que resultou desse único pecado
levou à condenação,
ao passo que o dom gratuito, que veio depois de muitas faltas,
leva à justificação.
Se a morte reinou pelo pecado de um só homem,
com muito mais razão, aqueles que recebem com abundância
a graça e o dom da justiça,
reinarão na vida por meio de um só, Jesus Cristo.
Porque, assim como pelo pecado de um só,
veio para todos os homens a condenação,
assim também, pela obra de justiça de um só,
virá para todos a justificação que dá a vida.
De fato, como pela desobediência de um só homem,
muitos se tornaram pecadores,
assim também, pela obediência de um só,
muitos se tornarão justos.

AMBIENTE

No final da década de 50 (a Carta aos Romanos apareceu por volta de 57/58), multiplicavam-se as “crises” entre os cristãos oriundos do mundo judaico e os cristãos oriundos do mundo pagão. Uns e outros tinham perspectivas diferentes da salvação e da forma de viver o compromisso com Jesus Cristo e com o seu Evangelho. Os cristãos de origem judaica consideravam que, além da fé em Jesus Cristo, era necessário cumprir as obras da Lei (nomeadamente a prática da circuncisão) para ter acesso à salvação; mas os cristãos de origem pagã recusavam-se a aceitar a obrigatoriedade das práticas judaicas. Era uma questão “quente”, que ameaçava a unidade da Igreja. Este problema também era sentido pela comunidade cristã de Roma.
Neste cenário, Paulo vai mostrar a todos os crentes (a Carta aos Romanos, mais do que uma carta para a comunidade cristã de Roma, é uma carta para as comunidades cristãs, em geral) a unidade da revelação e da história da salvação: judeus e não judeus são, de igual forma, chamados por Deus à salvação; o essencial não é cumprir a Lei de Moisés – que nunca assegurou a ninguém a salvação; o essencial é acolher a oferta de salvação que Deus faz a todos, por Jesus Cristo.
O texto que nos é proposto faz parte da primeira parte da Carta aos Romanos (cf. Rom 11,18-11,36). Depois de demonstrar que todos (judeus e não judeus) vivem mergulhados no pecado (cf. Rom 1,18-3,20) e que é a justiça de Deus que a todos salva, sem distinção (cf. Rom 3,21-5,11), Paulo ensina que é através de Jesus Cristo que a vida de Deus chega aos homens e que se faz oferta de salvação para todos (cf. Rom 5,12-8,39).

MENSAGEM

Para deixar bem claro que a salvação foi oferecida por Deus aos homens através de Jesus Cristo, Paulo recorre aqui a uma figura literária que aparece, com alguma freqüência, nos seus escritos: a antítese. Em concreto, Paulo vai expor o seu raciocínio através de um jogo de oposições entre duas figuras: Adão e Jesus.
Adão é a figura de uma humanidade que prescinde de Deus e das suas propostas e que escolhe caminhos de egoísmo, de orgulho e de auto-suficiência. Ora, essa escolha produz injustiça, alienação, sofrimento, desarmonia. Porque a humanidade preferiu, tantas vezes, esse caminho, o mundo entrou numa economia de pecado; e o pecado gera morte. A morte deve ser entendida, neste contexto, em sentido global – quer dizer, não tanto como morte físico-biológica, mas, sobretudo como morte espiritual e escatológica que é afastamento temporário ou definitivo de Deus (a fonte da vida autêntica).
Cristo propôs um outro caminho. Ele viveu numa permanente escuta de Deus e das suas propostas, na obediência total aos projetos do Pai. Esse caminho leva à superação do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência e faz nascer um Homem Novo, plenamente livre, que vive em comunhão com o Deus que é fonte de vida autêntica (a vitória de Cristo sobre a morte é a prova provada de que só a comunhão com Deus produz vida definitiva). Foi essa a grande proposta que Cristo fez à humanidade… Assim, Cristo libertou os homens da economia de pecado e introduziu no mundo uma dinâmica nova, uma economia de graça que gera vida plena (salvação).
Não é claro que Paulo se esteja a referir, aqui, àquilo que a teologia posterior designou como “pecado original” (ou seja, um pecado histórico cometido pelo primeiro homem, que atinge e marca todos os homens que nascerem em qualquer tempo e lugar). O que é claro é que, para Paulo, a intervenção de Cristo na história humana se traduziu num dinamismo de esperança, de vida nova, de vida autêntica. Cristo veio propor à humanidade um caminho de comunhão com Deus e de obediência aos seus projetos; é esse caminho que conduz o homem em direção à vida plena e definitiva, à salvação.

ATUALIZAÇÃO

Considerar os seguintes desenvolvimentos:

• A modernidade ensinou-nos que a fonte da salvação não é Deus, mas o homem e as suas conquistas. Disse-nos que as propostas de Deus são resquícios de uma época pré-científica, obscurantista, ultrapassada, e que a plenitude da vida está no corte radical com qualquer autoridade exterior à nossa Razão – inclusive com Deus. Exaltou o individualismo e a auto-suficiência e ensinou-nos que só nos realizaremos totalmente se formos nós – orgulhosamente sós – a definir o nosso caminho e o nosso destino. No entanto, onde nos leva esta cultura que prescinde de Deus e das suas sugestões? A cultura moderna tem feito surgir um homem mais feliz, ou tem potenciado o aparecimento de homens perdidos e sem referências, que muitas vezes apostam tudo em propostas falsas de salvação e que saem dessa experiência de busca mais fragilizados, mais dependentes, mais alienados?

• Alguns acontecimentos que marcam a história do nosso tempo confirmam que uma história construída à margem das propostas de Deus é uma história marcada pelo egoísmo, pela injustiça, pela prepotência e, portanto, é uma história de sofrimento e de morte. Quando o homem deixa de dar ouvidos a Deus, dá ouvidos ao lucro fácil, destrói a natureza, explora os outros homens, torna-se injusto e prepotente, sacrifica em proveito próprio a vida dos seus irmãos… Qual é o nosso papel de crentes, neste processo? O que podemos fazer para que Deus volte a estar no centro da história e a as suas propostas sejam acolhidas?

ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Mt 4,4b

Escolher um dos refrães:

Refrão 1: Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo, Senhor.
Refrão 2: Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
Refrão 3: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.
Refrão 4: Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.
Refrão 5: Louvor a Vós, Jesus Cristo, Rei da eterna glória.
Refrão 6: Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.
Refrão 7: A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.

Nem só de pão vive o homem,
mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.

EVANGELHO – Mt 4,1-11

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo,
Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto,
a fim de ser tentado pelo Demônio.
Jejuou quarenta dias e quarenta noites
e, por fim, teve fome.
O tentador aproximou se e disse lhe:
«Se és Filho de Deus,
diz a estas pedras que se transformem em pães».
Jesus respondeu lhe:
«Está escrito: ‘Nem só de pão vive o homem,
mas de toda a palavra que sai da boca de Deus’».
Então o Demônio conduziu O à cidade santa,
levou O ao pináculo do templo e disse Lhe:
«Se és Filho de Deus, lança Te daqui abaixo, pois está escrito:
‘Deus mandará aos seus Anjos que te recebam nas suas mãos,
para que não tropeces em alguma pedra’».
Respondeu lhe Jesus:
«Também está escrito: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’».
De novo o Demônio O levou consigo a um monte muito alto,
mostrou Lhe todos os reinos do mundo e a sua glória,
e disse Lhe:
«Tudo isto Te darei,
se, prostrado, me adorares».
Respondeu lhe Jesus:
«Vai te, Satanás, porque esta escrito:
‘Adoraras o Senhor teu Deus e só a Ele prestaras culto’».
Então o Demônio deixou O
e logo os Anjos se aproximaram e serviram Jesus.

AMBIENTE

A cena das tentações antecede, em Mateus (e nos outros Sinópticos), a vida pública de Jesus. A cena segue-se imediatamente – quer em termos cronológicos, quer em termos lógicos – ao Batismo (cf. Mt 3,13-17): porque recebeu o Espírito (batismo), Jesus pode afrontar e vencer a tentação de uma proposta de atuação messiânica que o convida a subverter a proposta do Pai.
A cena coloca-nos no deserto. Mateus diz explicitamente que “Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, a fim de ser tentado pelo demônio”. Os quarenta dias e quarenta noites que, de acordo com o relato, Jesus aí passou, resumem os quarenta anos que Israel passou em caminhada pelo deserto. O deserto é, no imaginário judaico, o lugar da “prova”, onde os israelitas experimentaram, por diversas vezes, a tentação do abandono de Jahwéh e do seu projeto de libertação (embora seja, também, o lugar do encontro com Deus, o lugar da descoberta do rosto de Deus, o lugar onde o Povo fez a experiência da sua fragilidade e pequenez e aprendeu a confiar na bondade e no amor de Deus). Será que a história se vai repetir, que Jesus vai ceder à tentação e dizer “não” ao projeto de Deus – como aconteceu com os israelitas?
O relato que hoje nos é proposto não é, contudo, uma reportagem histórica elaborada por um jornalista que presenciou um combate teológico entre Jesus e o diabo, algures no deserto… É, sim, uma página de catequese, cujo objetivo é ensinar-nos que Jesus, apesar de ter sentido – como nós – a mordedura das tentações, soube pôr acima de tudo o projeto do Pai.
O relato de Mateus (bem como o de Lucas) parte, sem dúvida, do relato – muito mais breve – de Marcos (cf. Mc 1,12-13); mas o texto que hoje nos é proposto amplia o relato original de Marcos, com um diálogo entre Jesus e o diabo, feito de citações do Antigo Testamento (sobretudo do livro do Deuteronômio).

MENSAGEM

A catequese sobre as opções de Jesus aparece em três quadros ou “parábolas”.

A primeira “parábola” (vers. 3-4) sugere que Jesus poderia ter escolhido um caminho de realização material, de satisfação de necessidades materiais. É a tentação – que todos nós conhecemos muito bem – de fazer dos bens materiais a prioridade fundamental da vida. No entanto, Jesus sabe que “nem só de pão vive o homem” e que a realização do homem não está na acumulação egoísta dos bens. A resposta de Jesus cita Dt 8,3 e sugere que o seu alimento – isto é, a sua prioridade – não é um esquema de enriquecimento rápido, mas é o cumprimento da Palavra (isto é, da vontade) do Pai.

A segunda “parábola” (vers. 5-7) sugere que Jesus poderia ter escolhido um caminho de êxito fácil, mostrando o seu poder através de gestos espetaculares e sendo admirado e aclamado pelas multidões (sempre dispostas a deixarem-se fascinar pelo “show” imediato dos super-heróis). Jesus responde a esta tentação citando Dt 6,16, e sugere que não está interessado em utilizar os dons de Deus para satisfazer projetos pessoais de êxito e de triunfo humano. “Não tentar” o Senhor Deus significa, neste contexto, não exigir de Deus sinais e provas que sirvam para a promoção pessoal do homem e para que ele se imponha aos olhos dos outros homens.

A terceira “parábola” (vers. 8-10) sugere que Jesus poderia ter escolhido um caminho de poder, de domínio, de prepotência, ao jeito dos grandes da terra. No entanto, Jesus sabe que a tentação de fazer do poder e do domínio a prioridade fundamental da vida é uma tentação diabólica; por isso, citando Dt 6,13, diz que, para Ele, só o Pai é absoluto e que só Ele deve ser adorado.

As três tentações aqui apresentadas não são mais do que três faces de uma única tentação: a tentação de prescindir de Deus, de escolher um caminho de egoísmo, de orgulho e de auto-suficiência, à margem das propostas de Deus. Mas, para Jesus, ser “Filho de Deus” significa viver em comunhão com o Pai, escutar a sua voz, realizar os seus projetos, cumprir obedientemente os seus planos. Ao longo da sua vida, diante das diversas “provocações” que os adversários lhe lançam, Jesus vai confirmar esta sua “opção fundamental” e vai procurar concretizar, com total fidelidade, o projeto do Pai.
Israel, ao longo da sua caminhada pelo deserto, sucumbiu frequentemente à tentação de ignorar os caminhos e as propostas de Deus. Jesus, ao contrário, venceu a tentação de prescindir de Deus e de escolher caminhos à margem dos projetos do Pai. De Jesus vai nascer um novo Povo de Deus, cuja vocação essencial é viver em comunhão com o Pai e concretizar o seu projeto para o mundo e para os homens.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão e a partilha poderão ter em conta os seguintes dados:

• A questão essencial que a Palavra de Deus hoje nos propõe é, portanto, esta: Jesus recusou, de forma absoluta, conduzir a sua vida à margem de Deus e das suas propostas. Para Ele, só uma coisa é verdadeiramente decisiva e fundamental: a comunhão com o Pai e o cumprimento obediente do seu projeto… E nós, seguidores de Jesus? É essa também a nossa perspectiva? O que é que é decisivo na minha vida: as propostas de Deus, ou os meus projetos pessoais?

• Quando o homem esquece Deus e as suas propostas, e se fecha no egoísmo e na auto-suficiência, facilmente cai na escravidão de outros deuses que, no entanto, estão longe de assegurar vida plena e felicidade duradoura. Quais são os deuses que, hoje, dominam o horizonte desse homem moderno que prescindiu de Deus? Quais são os deuses que estão no centro da minha própria vida e que condicionam as minhas decisões e opções?

• Deixar-se conduzir pela tentação dos bens materiais, do acumular mais e mais, do subordinar toda a vida à lógica do “ter mais”, é seguir o caminho de Jesus? Olhar apenas para o seu próprio conforto e comodidade, fechar-se à partilha e às necessidades dos outros, pagar salários de miséria e gastar fortunas em noitadas de jogo ou em coisas supérfluas… é seguir o exemplo de Jesus?

• Usar Deus ou os seus dons para saciar a nossa vaidade, para promover o nosso êxito pessoal, para brilhar, para dar espetáculo, para levar os outros a admirar-nos e a bater-nos palmas… é seguir o exemplo de Jesus?

• Procurar o poder a todo o custo (às vezes, entregando ao diabo os nossos valores mais importantes e as nossas convicções mais sagradas) e exercê-lo com prepotência, com intolerância, com autoritarismo (quantas vezes humilhando e magoando os pobres, os débeis, os humildes)… é seguir o exemplo de Jesus?

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 1º DOMINGO DA QUARESMA

1. A liturgia meditada ao longo da semana.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 1º Domingo da Quaresma, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

2. Valorizar a atitude penitencial.
Neste início da Quaresma, podemos dar mais importância ao rito penitencial. Depois da introdução, o sacerdote pode colocar-se face à cruz, de pé. Toda a assembléia recita “Confesso a Deus…” lentamente, enquanto o sacerdote se inclina profundamente. Depois, após a oração de perdão, enquanto se canta o Kyrie (ou o Senhor, tende piedade de nós), o sacerdote e a assembléia mantêm as mãos abertas e ligeiramente estendidas.
Pode valorizar igualmente a oração do Salmo 50, um Salmo para a Quaresma, após a segunda leitura, com alguns tempos intercalares de silêncio, convidando mais intensamente à meditação.

3. Oração na lectio divina.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:
Senhor, criador do céu e da terra, bendito sejas, porque nos insuflaste o teu sopro de vida, e por Jesus ressuscitado, no nosso batismo, enches-nos do teu Espírito e nos recrias para nos tornarmos vivos.
Nós Te pedimos ainda: como os primeiros homens, abandonados a si mesmos, sentimo-nos impotentes diante dos fracassos e das misérias do nosso próximo. Dá-nos o conhecimento do bem.

No final da segunda leitura:
Nós Te damos graças, porque nos enviaste o teu próprio Filho, como um novo Adão, para que Ele tome a cabeça de uma nova humanidade. Nós Te bendizemos pelo dom gratuito da salvação, que nos ultrapassa infinitamente.
Nós Te pedimos pela multidão dos homens: pelo teu Filho Jesus, concede-nos em plenitude o dom da tua graça, que justifica e dá vida.

No final do Evangelho:
Pai, é unicamente diante de Ti que nos prostramos, e Te bendizemos pela Palavra que sai da tua boca: ela é o verdadeiro pão que dá vida, ela é a resposta eficaz nas provações, nós acolhemo-la no teu Filho.
Nós Te pedimos: que o teu Espírito Santo nos torne fiéis à tua Palavra, a exemplo de Jesus, para que possamos segui-l’O no caminho de vida.

4. Oração Eucarística.
Pode-se escolher a Oração Eucarística II para as Missas da Reconciliação, pois põe em evidência a fidelidade de Deus…

5. Palavra para o caminho.
Tu poderias…
“Se és Filho de Deus…”
Não nos acontece, às vezes, estar também do lado do tentador?
“Se és Filho de Deus…”
Tu poderias suprimir as fomes, as guerras, a miséria…
Tu poderias tornar a tua Igreja próspera e célebre aos olhos das nações…
Tu poderias…
“Vai-te embora, Satanás!”

2º DOMINGO DA QUARESMA  

No segundo Domingo da Quaresma, a Palavra de Deus define o caminho que o verdadeiro discípulo deve seguir: é o caminho da escuta atenta de Deus e dos seus projetos, da obediência total e radical aos planos do Pai.
O Evangelho relata a transfiguração de Jesus. Recorrendo a elementos simbólicos do Antigo Testamento, o autor apresenta-nos uma catequese sobre Jesus, o Filho amado de Deus, que vai concretizar o seu projeto libertador em favor dos homens através do dom da vida. Aos discípulos, desanimados e assustados, Jesus diz: o caminho do dom da vida não conduz ao fracasso, mas à vida plena e definitiva. Segui-o, vós também.
Na primeira leitura apresenta-se a figura de Abraão. Abraão é o homem de fé, que vive numa constante escuta de Deus, que sabe ler os seus sinais, que aceita os apelos de Deus e que lhes responde com a obediência total e com a entrega confiada. Nesta perspectiva, ele é o modelo do crente que percebe o projeto de Deus e o segue de todo o coração.
Na segunda leitura, há um apelo aos seguidores de Jesus, no sentido de que sejam, de forma verdadeira, empenhada e coerente, as testemunhas do projeto de Deus no mundo. Nada – muito menos o medo, o comodismo e a instalação – pode distrair o discípulo dessa responsabilidade.

LEITURA I – Gn 12,1-4

“1. O Senhor disse a Abrão: “Deixa tua terra, tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que eu te mostrar. 2. Farei de ti uma grande nação; eu te abençoarei e exaltarei o teu nome, e tu serás uma fonte de bênçãos. 3. Abençoarei aqueles que te abençoarem, e amaldiçoarei aqueles que te amaldiçoarem; todas as famílias da terra serão benditas em ti.” 4. Abrão partiu como o Senhor lhe tinha dito, e Lot foi com ele. Abrão tinha setenta e cinco anos, quando partiu de Harã”.

AMBIENTE 
 A primeira leitura de hoje faz parte de um bloco de textos a que se dá o nome genérico de “tradições patriarcais” (cf. Gn 12-36). Trata-se de um conjunto de relatos singulares, originalmente independentes uns dos outros, sem grande unidade e sem caráter de documento histórico. Nesses capítulos aparecem, de forma indiferenciada, “mitos de origem” (descreviam a “tomada de posse” de um lugar pelo patriarca do clã), “lendas cultuais” (narravam como um deus tinha aparecido nesse lugar ao patriarca do clã), indicações mais ou menos concretas sobre a vida dos clãs nômades que circularam pela Palestina durante o 2º milênio e reflexões teológicas posteriores destinadas a apresentar aos crentes israelitas modelos de vida e de fé.
Por detrás do quadro teológico e catequético que nos é proposto, estão as migrações históricas de povos nômades, antepassados do povo bíblico, nos inícios do 2º milênio a.C. Por essa época, a história registra um forte movimento migratório de povos amorreus entre a Mesopotâmia e o Egito, passando pela terra de Canaan. São povos que não conseguiram fixar-se na Mesopotâmia (ou que tiveram de a abandonar por causa de convulsões políticas registradas nessa zona no início do 2º milênio) e que continuaram o seu caminho migratório, à procura de uma terra onde “plantar definitivamente a sua tenda”, de forma a escapar aos perigos e incômodos da vida nômade. Os nossos patriarcas bíblicos fazem, provavelmente, parte dessa onda migratória.
Os clãs referenciados nas “tradições patriarcais” – nomeadamente os de Abraão, Isaac e Jacob – tinham os seus sonhos e esperanças. O denominador comum desses sonhos era a esperança de encontrar uma terra fértil e bem irrigada, bem como possuir uma família forte e numerosa que perpetuasse a “memória” da tribo e se impusesse aos inimigos.

MENSAGEM  
 Nos capítulos anteriores (cf. Gn 3-11), o autor descreveu uma humanidade que escolheu o pecado e que se afastou de Deus; agora, o autor vai apresentar um novo ponto de partida: Deus ainda não desistiu da humanidade e continua a querer construir com ela uma história de salvação. Para isso, interpela diretamente um homem no meio de uma multidão de nações. Esta “eleição” não é um privilégio, mas um convite a realizar uma tarefa difícil: ser um sinal de Deus no meio dos homens.
O tema central do nosso texto é a interpelação de Deus a Abraão. Segundo o teólogo jahwista, Deus chamou Abraão, convidou-o a deixar a sua terra e a sua família e a partir ao encontro de uma outra terra; ligado a este convite, aparece uma bênção e a promessa de a família de Abraão se tornar uma grande nação. Porquê esta iniciativa de Deus? Porquê o chamamento a este homem, em particular? O catequista jahwista não dá qualquer tipo de explicação. Temos aqui um exemplo perfeito desse mistério, sempre novo e sempre sem explicação, chamado “vocação”.
Como é que Abraão reage ao chamamento de Deus? É preciso ter em conta que, para os antigos, abandonar a terra (o horizonte natural onde o clã vive e onde tem as suas referências – inclusive em termos de paisagem), a pátria (isto é, o espaço onde o clã encontra o afeto e a solidariedade e, além disso, o seu espaço protegido por usos, leis e costumes) e a família (o círculo familiar íntimo, onde o homem encontra o apoio e o seu complemento), era pouco menos do que irrealizável. Abraão será capaz de arriscar tudo, deixando o seguro para apostar em algo nebuloso e incerto?
Diante do desafio de Deus, Abraão permanece mudo, sem discutir nem questionar. Com consumada mestria, o autor jahwista limita-se a descrever a seqüência dos acontecimentos, como se as ações de Abraão valessem por mil explicações: o patriarca, simplesmente, pôs-se a caminho. O verbo “yalak” utilizado no vers. 4 (“ir”, “partir”, “pôr-se a caminho”) tem uma força extraordinária e expressa a audácia do crente que é capaz de arriscar tudo, de deixar o seguro para apostar em algo que não é certo, confiando apenas na Palavra de Deus. Trata-se de um rasgo maravilhoso, que define uma atitude de fé radical, de confiança total, de obediência incondicional aos desígnios de Deus. Esta é uma das passagens onde o que se conta de Abraão tem um valor de modelo: o autor jahwista pretende ensinar aos seus concidadãos a obediência cega às propostas de Deus.
Deus, por sua vez, compromete-se com Abraão e acena-lhe com uma promessa. A promessa expressa-se, neste contexto, através da bênção (a raiz “abençoar” é repetida cinco vezes, nestes poucos versículos). A bênção é uma comunicação de vida, através da qual Deus realiza a sua promessa de salvação. Na promessa aqui formulada, a bênção concretiza-se como descendência numerosa (noutros textos das “tradições patriarcais”, a bênção de Deus é, além da descendência numerosa, promessa de uma terra).
Particularmente importante, neste contexto da promessa é a idéia de que o Povo nascido de Abraão será uma fonte de bênção para todas as nações (vers. 3c): inaugura-se, aqui, a idéia de que Israel é o centro do mundo e de que a sua “vocação” é ser testemunha da salvação de Deus diante de todos os povos da terra. Não se trata de um privilégio concedido a Israel, mas de uma responsabilidade.

ATUALIZAÇÃO 
Na reflexão e partilha, considerar os seguintes dados:  • A figura de Abraão que nos foi apresentada pelos catequistas de Israel tem sido, ao longo dos tempos, uma figura inspiradora para todos os crentes. Abraão é o homem que encontra Deus, que está atento aos seus sinais e sabe interpretá-los, que responde aos desafios de Deus com uma obediência total e com uma entrega confiada… Esta figura constitui uma interpelação muito forte a esse homem moderno que nunca tem tempo para encontrar Deus nem para perceber os seus sinais, pois está demasiado ocupado a ganhar dinheiro ou a construir a carreira profissional. Eu tenho tempo para me encontrar com Deus, para aprofundar a comunhão com Ele? Preocupo-me em detectar a sua presença, as suas indicações e propostas nos acontecimentos do dia a dia? A minha resposta aos seus desafios é um “sim” incondicional, ou é uma procura de razões para justificar os meus pontos de vista e esquemas pessoais?
• A figura de Abraão questiona, também, o homem instalado e comodista, que prefere apostar na segurança do que já tem, em vez de arriscar na novidade de Deus, ou deixar que a Palavra de Deus ponha em causa os seus velhos hábitos, a sua forma de vida e a sua instalação. Estou disposto a mudar, a “pôr-me a caminho” em direção a essa terra nova da vida plena e autêntica, ou prefiro continuar prisioneiro dos meus esquemas pré-concebidos, dos meus medos, dos meus velhos hábitos, das minhas velhas formas de pensar, de agir e de julgar os outros?
• Este texto diz-nos, também, que por detrás da história da humanidade há um Deus que tem um projeto para os homens e para o mundo e que esse projeto é de amor e de salvação… Apesar de os homens o ignorarem e prescindirem das suas orientações e propostas, Deus continua a vir ao seu encontro, a desafiá-los a caminhar em direção ao novo, a propor-lhes ir mais além. O homem, por sua vez, é convidado a participar neste projeto, por meio da fé (entendida como adesão plena aos planos de Deus). Estou disposto a colaborar com esse Deus que tem um plano para o mundo e para os homens e a embarcar com Ele na construção de um mundo mais feliz?

SALMO RESPONSORIAL – SALMO 32 (33)

LEITURA II – 2 Tim 1,8b-10

“8.Não te envergonhes, portanto, do testemunho de nosso Senhor, nem de mim, seu prisioneiro, mas sofre comigo pelo Evangelho, fortificado pelo poder de Deus. 9. Deus nos salvou e chamou para a santidade, não em atenção às nossas obras, mas em virtude do seu desígnio, da graça que desde a eternidade nos destinou em Cristo Jesus, 10. e agora nos manifestou mediante a aparição de nosso Salvador Jesus Cristo, que destruiu a morte e suscitou a vida e a imortalidade, pelo Evangelho”.

AMBIENTE  
Segundo os Atos dos Apóstolos, Paulo encontrou Timóteo em Listra, cidade da Licaónia, no decurso da sua segunda viagem missionária. Filho de pai grego e de mãe judeo-cristã, Timóteo devia ser ainda bastante jovem, nessa altura (cf. At 16,1). No entanto, Paulo não hesitou em levá-lo consigo através da Ásia Menor, da Macedônia e da Grécia. Tímido e reservado, de saúde delicada (em 1 Tim 5,23 Paulo aconselha: "não continues a beber só água, mas mistura-a com um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas freqüentes indisposições), Timóteo tornou-se um companheiro fiel e discreto do apóstolo no trabalho missionário. Para não ter problemas com os judeus, Paulo se fez circuncidar (cf. At 16,3); e, numa data desconhecida para nós, Timóteo recebeu dos anciãos a “imposição das mãos” (cf. 1 Tim 4,14) que o designava como enviado da comunidade para anunciar o Evangelho de Jesus.
A atividade de Timóteo está bastante ligada a Paulo, como o demonstram as contínuas referências que Paulo lhe faz nos seus escritos. Com ternura, Paulo refere-se a Timóteo como o “nosso irmão, colaborador de Deus na pregação do Evangelho de Cristo” (1 Ts 3,2); e faz referências a Timóteo nas Cartas aos Tessalonicenses (cf. 1 Tes 11,1; 2 Ts 1,1), na 2 Coríntios (cf. 2 Cor 1,1), na Carta aos Romanos (cf. Rom 16,21), na Carta aos Filipenses (cf. Fl 1,1), na Carta aos Colossenses (cf. Col 1,1) e na Carta a Filémon (cf. Fl 1). Encarregou-o, também, de missões particulares entre os Tessalonicenses (cf. 1 Ts 3,2.6) e entre os Coríntios (cf. 1 Cor 4,17).
Em relação à segunda Carta a Timóteo há, no entanto, um problema sério: a maioria dos comentadores considera esta carta posterior a Paulo (o mesmo acontece com a 1 Timóteo e com a Carta a Tito), sobretudo por aí aparecer um modelo de organização da Igreja que parece ser de uma época tardia, isto é, de finais do séc. I ou princípios do séc. II). A questão continua em aberto.
Timóteo é, por esta altura, bispo de Éfeso, na costa ocidental da Ásia Menor. Estão a começar as grandes perseguições; muitos cristãos estão desanimados e vacilam na fé. É preciso que os líderes das comunidades – entre os quais está Timóteo – mantenham o ânimo e ajudem as comunidades a enfrentar, com fortaleza, as dificuldades que se avizinham.

MENSAGEM  
O nosso texto apresenta-se como uma exortação de Paulo a Timóteo, convidando-o a superar a sua juventude e timidez e a ser um modelo de fidelidade e de fortaleza no testemunho da fé.
O autor da segunda Carta a Timóteo apresenta os motivos que devem impulsionar Timóteo a cumprir com fidelidade a sua missão apostólica. Neste texto que nos é proposto, em concreto, o autor da carta recorda a Timóteo o projeto salvífico de Deus que, de forma gratuita, quer salvar os homens e chamá-los à santidade (cf. 2 Tim 1,9). Esse projeto manifestou-se em Jesus Cristo, o libertador, que destruiu a morte e o pecado e ofereceu a todos os homens a vida plena e definitiva (cf. 2 Tim 1,9-10). Ora Paulo (nesta altura prisioneiro por causa do Evangelho), Timóteo e todos os outros são as testemunhas deste projeto de Deus e não podem ficar calados diante do enfraquecimento da vida cristã que se constata nas comunidades; mesmo no meio das perseguições e dificuldades, eles não podem demitir-se da missão que Deus lhes confiou… Têm de ser testemunhas vivas, entusiastas e corajosas do projeto salvífico e amoroso de Deus.

ATUALIZAÇÃO  
A reflexão pode partir dos seguintes dados:  • Mais uma vez somos convidados a recordar que Deus tem um projeto de salvação e de vida plena para os homens, para todos os homens. Quase todos os domingos, a Palavra de Deus convida-nos a tomar consciência desse fato; mas nunca é demais lembrá-lo, até porque os homens do nosso tempo tendem a esquecer Deus e a viver sem a consciência da sua presença, do seu amor, da sua preocupação com a nossa vida, a nossa realização, a nossa felicidade. Se tivéssemos sempre consciência de que temos um lugar cativo no projeto de Deus e que o próprio Deus está a velar pela nossa realização e pela nossa felicidade, certamente a vida teria um outro sentido e no nosso coração haveria mais serenidade, mais paz, mais esperança.
• Também é preciso termos consciência de que nós, os crentes, somos, aqui e agora, as testemunhas vivas de Deus e do seu projeto para os homens e para o mundo. Nada – e muito menos o nosso comodismo e instalação – pode distrair-nos dessa responsabilidade. Os homens, nossos irmãos, têm de encontrar em nós – e particularmente naqueles a quem foi confiada a missão de animar e orientar a comunidade – sinais vivos de Deus, do seu amor, da sua bondade e ternura, da sua preocupação com os homens.
• É verdade que não é fácil ser testemunha de Deus e do seu projeto. O mundo de hoje tende a ignorar os apelos de Deus ou até manifesta desprezo pelos valores do Evangelho (esses valores que temos de testemunhar, a fim de sermos sinais do mundo novo que Deus quer propor aos homens). No entanto, as dificuldades não podem ser uma desculpa para nos demitirmos das nossas responsabilidades e de levarmos a sério a vocação a que Deus nos chama.

EVANGELHO – Mt 17,1-9

“1. Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e conduziu-os à parte a uma alta montanha. 2. Lá se transfigurou na presença deles: seu rosto brilhou como o sol, suas vestes tornaram-se resplandecentes de brancura. 3. E eis que apareceram Moisés e Elias conversando com ele. 4. Pedro tomou então a palavra e disse-lhe: Senhor, é bom estarmos aqui. Se queres, farei aqui três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias. Falava ele ainda, quando veio uma nuvem luminosa e os envolveu. E daquela nuvem fez-se ouvir uma voz que dizia: Eis o meu Filho muito amado, em quem pus toda minha afeição; ouvi-o. 6. Ouvindo esta voz, os discípulos caíram com a face por terra e tiveram medo.
7. Mas Jesus aproximou-se deles e tocou-os, dizendo: Levantai-vos e não temais. 8. Eles levantaram os olhos e não viram mais ninguém, senão unicamente Jesus. 9. E, quando desciam, Jesus lhes fez esta proibição: Não conteis a ninguém o que vistes, até que o Filho do Homem ressuscite dos mortos”.

AMBIENTE  
A secção de Mt 16,21-20,34 é uma catequese sobre o discipulado, como seguimento de Jesus até à cruz. O texto que hoje nos é proposto faz parte dessa catequese.
O relato da transfiguração de Jesus é antecedido do primeiro anúncio da paixão (cf. Mt 16,21-23) e de uma instrução sobre as atitudes próprias do discípulo (convidado a renunciar a si mesmo, a tomar a sua cruz e a seguir Jesus no seu caminho de amor e de entrega da vida – cf. Mt 16,24-28). Depois de terem ouvido falar do “caminho da cruz” e de terem constatado aquilo que Jesus pede aos que o querem seguir, os discípulos estão desanimados e frustrados, pois a aventura em que apostaram parece encaminhar-se para um rotundo fracasso; eles vêem esfumar-se – nessa cruz que irá ser plantada numa colina de Jerusalém – os seus sonhos de glória, de honras, de triunfos e perguntam-se se vale a pena seguir um mestre que nada mais tem para oferecer do que a morte na cruz.
É neste contexto que Mateus coloca o episódio da transfiguração. A cena constitui uma palavra de ânimo para os discípulos (e para os crentes, em geral), pois nela manifesta-se a glória de Jesus e atesta-se que Ele é – apesar da cruz que se aproxima – o Filho amado de Deus. Os discípulos recebem, assim, a garantia de que o projeto que Jesus apresenta é um projeto que vem de Deus; e, apesar das suas próprias dúvidas, recebem um complemento de esperança que lhes permite “embarcar” e apostar nesse projeto.
Literariamente, a narração da transfiguração é uma teofânia – quer dizer, uma manifestação de Deus. Portanto, o autor do relato vai colocar no quadro que descreve todos os ingredientes que, no imaginário judaico, acompanham as manifestações de Deus (e que encontramos quase sempre presentes nos relatos teofânicos do Antigo Testamento): o monte, a voz do céu, as aparições, as vestes brilhantes, a nuvem e mesmo o medo e a perturbação daqueles que presenciam o encontro com o divino. Isto quer dizer o seguinte: não estamos diante de um relato fotográfico de acontecimentos, mas de uma catequese (construída de acordo com o imaginário judaico) destinada a ensinar que Jesus é o Filho amado de Deus, que traz aos homens um projeto que vem de Deus.

MENSAGEM  
Esta página de catequese, destinada a ensinar que Jesus é o Filho de Deus e que o projeto que Ele propõe vem de Deus, está construída sobre elementos simbólicos tirados do Antigo Testamento. Que elementos são esses?
O monte situa-nos num contexto de revelação: é sempre num monte que Deus se revela; e, em especial, é no cimo de um monte que Ele faz uma aliança com o seu Povo.
A mudança do rosto e as vestes de brancura resplandecente recordam o resplendor de Moisés, ao descer do Sinai (cf. Ex 34,29), depois de se encontrar com Deus e de ter as tábuas da Lei.
A nuvem, por sua vez, indica a presença de Deus: era na nuvem que Deus manifestava a sua presença, quando conduzia o seu Povo através do deserto (cf. Ex 40,35; Nm 9,18.22; 10,34).
Moisés e Elias representam a Lei e os Profetas (que anunciam Jesus e que permitem entender Jesus); além disso, são personagens que, de acordo com a catequese judaica, deviam aparecer no “dia do Senhor”, quando se manifestasse a salvação definitiva (cf. Dt 18,15-18; Mal 3,22-23).
O temor e a perturbação dos discípulos são a reação lógica de qualquer homem ou mulher diante da manifestação da grandeza, da onipotência e da majestade de Deus (cf. Ex 19,16; 20,18-21).
As tendas parecem aludir à “festa das tendas”, em que se celebrava o tempo do êxodo, quando o Povo de Deus habitou em “tendas”, no deserto.
A mensagem fundamental, amassada com todos estes elementos, pretende dizer quem é Jesus. Recorrendo a simbologias do Antigo Testamento, o autor deixa claro que Jesus é o Filho amado de Deus, em quem se manifesta a glória do Pai. Ele é, também, esse Messias libertador e salvador esperado por Israel, anunciado pela Lei (Moisés) e pelos Profetas (Elias). Mais ainda: ele é um novo Moisés – isto é, aquele através de quem o próprio Deus dá ao seu Povo a nova lei e através de quem Deus propõe aos homens uma nova aliança.
Da ação libertadora de Jesus, o novo Moisés, irá nascer um novo Povo de Deus. Com esse novo Povo, Deus vai fazer uma nova aliança; e vai percorrer com ele os caminhos da história, conduzindo-o através do “deserto” que leva da escravidão à liberdade.
Esta apresentação tem como destinatários os discípulos de Jesus (esse grupo desanimado e frustrado porque no horizonte próximo do seu líder está a cruz e porque o mestre exige dos discípulos que aceitem percorrer um caminho semelhante). Aponta para a ressurreição, aqui anunciada pela glória de Deus que se manifesta em Jesus, pelas vestes resplandecentes (que lembram as vestes resplandecentes dos anjos que anunciam a ressurreição – cf. Mt 28,3) e pelas palavras finais de Jesus (“não conteis a ninguém esta visão, até o Filho do Homem ressuscitar dos mortos” – Mt 17,9): diz-lhes que a cruz não será a palavra final, pois no fim do caminho de Jesus (e, consequentemente, dos discípulos que seguirem Jesus) está a ressurreição, a vida plena, a vitória sobre a morte.
Uma palavra final para o desejo – manifestado por Pedro – de construir três tendas no cimo do monte, como se pretendesse “assentar arraiais” naquele quadro. O pormenor pode significar que os discípulos queriam deter-se nesse momento de revelação gloriosa, ignorando o destino de sofrimento de Jesus. Jesus nem responde à proposta: Ele sabe que o projeto de Deus – esse projeto de construir um novo Povo de Deus e levá-lo da escravidão para a liberdade - tem de passar pelo caminho do dom da vida, da entrega total, do amor até as últimas conseqüências.

ATUALIZAÇÃO 
A reflexão pode fazer-se partindo das seguintes questões: • A questão fundamental expressa no episódio da transfiguração está na revelação de Jesus como o Filho amado de Deus, que vai concretizar o projeto salvador e libertador do Pai em favor dos homens através do dom da vida, da entrega total de si próprio por amor. Pela transfiguração de Jesus, Deus demonstra aos crentes de todas as épocas e lugares que uma existência feita dom não é fracassada – mesmo se termina na cruz. A vida plena e definitiva espera, no final do caminho, todos aqueles que, como Jesus, forem capazes de pôr a sua vida ao serviço dos irmãos.
• Na verdade, os homens do nosso tempo têm alguma dificuldade em perceber esta lógica… Para muitos dos nossos irmãos, a vida plena não está no amor levado até às últimas conseqüências (até ao dom total da vida), mas sim na preocupação egoísta com os seus interesses pessoais, com o seu orgulho, com o seu pequeno mundo privado; não está no serviço simples e humilde em favor dos irmãos (sobretudo dos mais débeis, dos mais marginalizados e dos mais infelizes), mas no assegurar para si próprio uma dose generosa de poder, de influência, de autoridade e de domínio, que dê a sensação de pertencer à categoria dos vencedores; não está numa vida vivida como dom, com humildade e simplicidade, mas numa vida feita um jogo complicado de conquista de honras, de glórias e de êxitos. Na verdade, onde é que está a realização plena do homem? Quem tem razão: Deus, ou os esquemas humanos que hoje dominam o mundo e que nos impõem uma lógica diferente da lógica do Evangelho?
• Por vezes somos tentados pelo desânimo, porque não percebemos o alcance dos esquemas de Deus; ou então, parece que seguindo a lógica de Deus, seremos sempre perdedores e fracassados, que nunca integraremos a elite dos senhores do mundo e que nunca chegaremos a conquistar o reconhecimento daqueles que caminham ao nosso lado… A transfiguração de Jesus grita-nos, do alto daquele monte: não desanimeis, pois a lógica de Deus não conduz ao fracasso, mas à ressurreição, à vida definitiva, à felicidade sem fim.
• Os três discípulos, testemunhas da transfiguração, parecem não ter muita vontade de “descer à terra” e enfrentar o mundo e os problemas dos homens. Representam todos aqueles que vivem de olhos postos no céu, alheados da realidade concreta do mundo, sem vontade de intervir para o renovar e transformar. No entanto, ser seguidor de Jesus obriga a “regressar ao mundo” para testemunhar aos homens – mesmo contra a corrente – que a realização autêntica está no dom da vida; obriga a atolarmo-nos no mundo, nos seus problemas e dramas, a fim de dar a nossa contribuição para o aparecimento de um mundo mais justo e mais feliz. A religião não é um ópio que nos adormece, mas um compromisso com Deus, que se faz compromisso de amor com o mundo e com os homens.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 2º DOMINGO DA QUARESMA
1. A liturgia meditada ao longo da semana.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 2º Domingo da Quaresma, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…
2. “Senhor, desça sobre nós a vossa misericórdia!”.
Mesmo durante a Quaresma, o rito penitencial não deve cair na introspecção culpabilizante. Na celebração, este rito é um convite à assembléia para aderir à misericórdia de Deus na confiança. O Salmo de hoje convida-nos particularmente a esta atitude. Em vez do “Senhor, tende piedade…”, poder-se-ia utilizar o refrão do Salmo responsorial: “Desça sobre nós a vossa misericórdia, porque em Vós esperamos, Senhor”. A equipa litúrgica poderia preparar algumas intenções neste sentido de esperança e confiança no amor de Deus… A proclamação do Salmo responsorial, no momento próprio, teria outra ressonância a partir desta utilização no momento penitencial.
3. Prever um tempo de contemplação.
Pode-se prever, à imagem dos discípulos na montanha, um tempo de contemplação alimentado por um texto, um cântico, um trecho musical ou, muito simplesmente, um longo silêncio quer depois da homilia quer depois da comunhão.
4. Oração na lectio divina.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.
No final da primeira leitura:
Pai de todos os homens, nós Te damos graças por Abraão, que escolheste e chamaste para constituir um povo de amigos.
Nós Te suplicamos por todas as famílias da terra: envia-lhes os teus mensageiros, para que sejam um dia abençoadas no teu Filho.
No final da segunda leitura:
Deus de vida, nós Te bendizemos pelo teu projeto e pela tua graça, porque fizeste resplandecer a vida e a imortalidade pelo anúncio do Evangelho. Tu nos salvaste e nos deste uma vocação santa, apesar da nossa indignidade.
Nós Te pedimos pelos teus servidores que sofrem no anúncio e no testemunho do Evangelho. Sustenta-os com a força do teu Espírito.
No final do Evangelho:
Deus de luz, nós Te damos graças pela transfiguração do teu Filho, pela alegria e pela felicidade que nos dá a sua presença radiosa.
Nós Te pedimos pelo teu povo e pelos teus fiéis: levanta-nos quando estamos paralisados pelo medo; cura os nossos corações e os nossos espíritos, para os tornar atentos a escutar o teu Filho. Estabelece a tua tenda nas nossas casas e nas nossas comunidades, não te afastes de nós.
5. Oração Eucarística.
Pode-se escolher a Oração Eucarística III.
6. Palavra para o caminho.
A aventura da fé
“Deixa a tua terra…”
“Sofre comigo pelo Evangelho…”
“Levou-os, em particular, a um alto monte…”
A aventura da fé não nos deixa qualquer repouso
até ao dia em que toda a Criação se prostrará diante do Filho Bem-Amado.
Cremos verdadeiramente que a nossa pequena parte é indispensável?
E fazemos por isso?

 3º DOMINGO DA QUARESMA

A Palavra de Deus que hoje nos é proposta afirma, essencialmente, que o nosso Deus está sempre presente ao longo da nossa caminhada pela história e que só Ele nos oferece um horizonte de vida eterna, de realização plena, de felicidade perfeita.
A primeira leitura mostra como Jahwéh acompanhou a caminhada dos hebreus pelo deserto do Sinai e como, nos momentos de crise, respondeu às necessidades do seu Povo. O quadro revela a pedagogia de Deus e dá-nos a chave para entender a lógica de Deus, manifestada em cada passo da história da salvação.
A segunda leitura repete, noutros termos, o ensinamento da primeira: Deus acompanha o seu Povo em marcha pela história; e, apesar do pecado e da infidelidade, insiste em oferecer ao seu Povo – de forma gratuita e incondicional – a salvação.
O Evangelho também não se afasta desta temática… Garante-nos que, através de Jesus, Deus oferece ao homem a felicidade (não a felicidade ilusória, parcial e falível, mas a vida eterna). Quem acolhe o dom de Deus e aceita Jesus como “o salvador do mundo” torna-se um Homem Novo, que vive do Espírito e que caminha ao encontro da vida plena e definitiva.

LEITURA I – Ex 17,3-7

Leitura do Livro do Êxodo

Naqueles dias,
o povo israelita, atormentado pela sede,
começou a altercar com Moisés, dizendo:
«Porque nos tiraste do Egito?
Para nos deixares morrer à sede,
a nós, aos nossos filhos e aos nossos rebanhos?»
Então Moisés clamou ao Senhor, dizendo:
«Que hei de fazer a este povo?
Pouco falta para me apedrejarem».
O Senhor respondeu a Moisés:
«Passa para a frente do povo
e leva contigo alguns anciãos de Israel.
Toma na mão a vara com que fustigaste o rio
e põe te a caminho.
Eu estarei diante de ti, sobre o rochedo, no monte Horeb.
Baterás no rochedo e dele sairá água;
então o povo poderá beber».
Moisés assim fez à vista dos anciãos de Israel.
E chamou àquele lugar Massa e Meriba,
por causa da altercação dos filhos de Israel
e por terem tentado o Senhor, ao dizerem:
«O Senhor está ou não no meio de nós?»

AMBIENTE

O texto que nos é proposto como primeira leitura pertence às “tradições sobre a libertação” (cf. Ex 1-18). Trata-se de um bloco de tradições que narram a libertação dos hebreus do Egito (por ação de Jahwéh e do seu servo Moisés) e a caminhada pelo deserto até ao Sinai.
O texto leva-nos até ao deserto do Sinai. O vers. 1 do nosso texto situa o episódio de Massa/Meriba nos arredores de Refidim, provavelmente no sul da península do Sinai (cf. Nm 33,14-15); mas Nm 20,7-11 situa-o nos arredores de Kadesh, a norte (aliás, não é possível traçar com rigor o caminho percorrido pelos hebreus, desde o Egito até à Terra Prometida: estamos diante de textos que provêm de “fontes” diferentes, aqui combinados por um redator final; e essas “fontes” referem-se, provavelmente, a viagens distintas e a grupos distintos, que em épocas distintas atravessaram o deserto do Sinai). De qualquer forma, também não interessa definir exatamente o enquadramento geográfico: mais do que escrever um diário de viagem, aos catequistas de Israel interessa fazer uma catequese sobre o Deus libertador, que conduziu o seu Povo da terra da escravidão para a terra da liberdade.
A questão fundamental para este grupo de fugitivos que, chefiados por Moisés, fugiu do Egito, é a questão da sobrevivência num cenário desolado como é o deserto do Sinai. Os beduínos conheciam diversos “truques” que lhes asseguravam a sobrevivência no deserto. Um desses “truques” pode relacionar-se com o texto que nos é proposto… Alguns autores garantem a existência no deserto do Sinai de rochas porosas que, quando quebradas em certos lugares, permitem o aproveitamento da água aí armazenada. Terá sido qualquer coisa parecida que aconteceu na caminhada dos hebreus e que deixou um sinal na memória do Povo? É possível; mas o importante é que Israel viu no fato um sinal da presença e do amor do Deus libertador.

MENSAGEM

Este episódio é um episódio paradigmático, que reproduz as vicissitudes e as dificuldades da caminhada histórica do Povo de Deus.
Desde que o Povo fugiu do Egito, até chegar a este lugar (Massa/Meriba, segundo os autores do relato), Jahwéh manifestou, de mil formas, o seu amor por Israel… No episódio da passagem do mar (cf. Ex 14,15-31), no episódio da água amarga transformada em água doce (cf. Ex 15,22-27), no episódio do maná e das codornizes (cf. Ex 16,1-20), Deus mostrou o seu empenho em conduzir o seu Povo para a liberdade e em transformar a experiência de morte numa experiência de vida… Jahwéh mostrou, sem margem para dúvidas, estar empenhado na salvação do seu Povo. Depois dessas experiências, Israel já não devia ter qualquer dúvida sobre a vontade salvadora de Deus e sobre o seu projeto de libertação.
No entanto, não é isso que acontece. Diante das dificuldades da caminhada, o Povo esquece tudo o que Jahwéh já fez e manifesta as suas dúvidas sobre os objetivos de Deus. A falta de confiança em Deus (“o Senhor está ou não no meio de nós?” - vers. 7) conduz ao desespero e à revolta. O Povo entra em contenda com Moisés (o nome “meriba” vem da raíz “rib” – “entrar em contencioso”) e desafia Deus a clarificar, através de um gesto espetacular, de que lado está (o nome “massa” vem da raíz “nsh” – “tentar”, no sentido de “provocar”). Acusam Deus de ter um projeto de morte, apesar de Ele, tantas vezes, ter demonstrado que o seu projeto é de vida e de liberdade. Afinal, depois de tantas provas, Israel ainda não fez uma verdadeira experiência de fé: não aprendeu a confiar em Deus e a entregar-se nas suas mãos.
Como é que Deus reage à ingratidão e à falta de confiança do seu Povo? Com “paciência divina”, Deus responde mais uma vez às necessidades do seu Povo e oferece-lhe a água que dá vida. À pergunta do Povo (“o Senhor está ou não no meio de nós?”), Deus responde provando que está, efetivamente, no meio do seu Povo.
Desta forma os israelitas – e os crentes de todas as épocas – são convidados a reter esta verdade definitiva: o Senhor é o Deus que está sempre presente na caminhada histórica do seu Povo oferecendo-lhe, em cada passo da caminhada, a vida e a salvação.

ATUALIZAÇÃO

Refletir sobre os seguintes dados:

• A caminhada dos hebreus pelo deserto é, um pouco, o espelho da nossa caminhada pela vida. Todos nós fazemos, todos os dias, a experiência de um Deus libertador e salvador, que está presente ao nosso lado, que nos estende a mão e nos faz passar da escravidão para a liberdade. No entanto, ao longo da travessia do deserto que é a vida, experimentamos, em certas circunstâncias, a nossa pequenez, a nossa dependência, as nossas limitações e a nossa finitude; as dificuldades, o sofrimento e o desencanto fazem-nos duvidar da bondade de Deus, do seu amor, do seu projeto para nos salvar e para nos conduzir em direção à verdadeira felicidade. No entanto, a Palavra de Deus deste Domingo, garante-nos: Deus nunca abandona o seu Povo em caminhada pela história… Ele está ao nosso lado, em cada passo da caminhada, para nos oferecer gratuitamente e com amor a água que mata a nossa sede de vida e de felicidade.

• Ao longo da caminhada do Povo de Deus pelo deserto vêm ao de cima as limitações e as deficiências de um grupo humano ainda com mentalidade de escravo, agarrado à mesquinhez, ao egoísmo e ao comodismo, que prefere a escravidão ao risco da liberdade. No entanto, Deus lá está, ajudando o Povo a superar mentalidades estreitas e egoístas, fazendo-o ir mais além e obrigando-o a amadurecer. À medida que avança, de mãos dadas com Deus, o Povo vai-se renovando e transformando, vai alargando os horizontes, vai-se tornando um Povo mais responsável, mais consciente, mais adulto e mais santo.

• É esta, também, a experiência que fazemos. Muitas vezes somos egoístas, orgulhosos, comodistas, “meninos mimados” que passam a vida a lamentar-se e a acusar Deus e os outros pelos “dói-dóis” que a vida nos faz. No entanto, as dificuldades da caminhada não são um castigo ou uma derrota; são, tantas vezes, parte dessa pedagogia de Deus para nos forçar a ir mais além, para nos renovar, para nos amadurecer, para nos tornar menos orgulhosos e auto-suficientes. Devíamos, talvez, aprender a agradecer a Deus alguns momentos de sofrimento e de fracasso que marcam a nossa vida, pois através deles Deus faz-nos crescer.

SALMO RESPONSORIAL – SALMO 94 (95)

Refrão: Se hoje ouvirdes a voz do Senhor,
não fecheis os vossos corações.

Vinde, exultemos de alegria no Senhor,
aclamemos a Deus nosso salvador.
Vamos à sua presença e demos graças,
ao som de cânticos aclamemos o Senhor.

Vinde, prostremo-nos em terra,
adoremos o Senhor que nos criou.
Pois Ele é o nosso Deus
e nós o seu povo, as ovelhas do seu rebanho.

Quem dera ouvísseis hoje a sua voz:
«Não endureçais os vossos corações,
como em Meriba, como no dia de Massa no deserto,
onde vossos pais Me tentaram e provocaram,
apesar de terem visto as minhas obras.

LEITURA II – Rom 5,1-2.5-8

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos

Irmãos:
Tendo sido justificados pela fé,
estamos em paz com Deus, por Nosso Senhor Jesus Cristo,
pelo qual temos acesso, na fé,
a esta graça em que permanecemos e nos gloriamos,
apoiados na esperança da glória de Deus.
Ora, a esperança não engana,
porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações
pelo Espírito Santo que nos foi dado.
Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores.
Dificilmente alguém morre por um justo;
por um homem bom,
talvez alguém tivesse a coragem de morrer.
Deus prova assim o seu amor para conosco:
Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores.

AMBIENTE

Quando escreve aos Romanos, Paulo está a terminar a sua terceira viagem missionária e prepara-se para partir para Jerusalém. O apóstolo sentia que tinha terminado a sua missão no oriente (cf. Rom 15,19-20) e queria levar o Evangelho a outros cantos do mundo, nomeadamente ao ocidente. Sobretudo, Paulo aproveita a ocasião para contatar a comunidade de Roma e para apresentar aos Romanos os principais problemas que o ocupavam (entre os quais avultava o problema da unidade – um problema bem atual na comunidade cristã de Roma, então afetada por alguma dificuldade de relacionamento entre judeo-cristãos e pagão-cristãos). Estamos no ano 57 ou 58.
Paulo aproveita para dizer aos Romanos e a todos os cristãos que o Evangelho deve unir e congregar todo o crente, sem distinção de judeu, grego ou romano. Para desfazer algumas idéias de superioridade (e, sobretudo, a pretensão judaica de que a salvação se conquista pela observância da Lei de Moisés), Paulo nota que todos os homens vivem mergulhados no pecado (cf. Rom 1,18-3,20) e que é a “justiça de Deus” que a todos dá a vida, sem distinção (cf. Rom 3,1-5,11).
No texto que a segunda leitura deste domingo nos propõe, Paulo refere-se à ação de Deus, por Jesus Cristo e pelo Espírito, no sentido de “justificar” todo o homem.

MENSAGEM

Paulo parte da idéia de que todos os crentes – judeus, gregos e romanos – foram justificados pela fé. Que significa isto?
Na linguagem bíblica, a justiça é, mais do que um conceito jurídico, um conceito relacional. Define a fidelidade a si próprio, à sua maneira de ser e aos compromissos assumidos no âmbito de uma relação. Ora, se Jahwéh se manifestou na história do seu Povo como o Deus da bondade, da misericórdia e do amor, dizer que Deus é justo não significa dizer que ele aplica os mecanismos legais quando o homem infringe as regras; significa, sim, que a bondade, a misericórdia e o amor próprios do ser de Deus se manifestam em todas as circunstâncias, mesmo quando o homem não foi correto no seu proceder. Paulo, ao falar do homem justificado, está a falar do homem pecador que, por exclusiva iniciativa do amor e da misericórdia de Deus, recebe um veredicto de graça que o salva do pecado e lhe dá, de modo totalmente gratuito, acesso à salvação. Ao homem é pedido somente que acolha, com humildade e confiança, uma graça que não depende dos seus méritos e que se entregue completamente nas mãos de Deus. Este homem, objeto da graça de Deus, é uma nova criatura (cfr. Gl 6,15): é o homem ressuscitado para a vida nova (cf. Rom 6,3-11), que vive do Espírito (cf. Rom 8,9.14), que é filho de Deus e co-herdeiro com Cristo (cf. Rom 8,17; Gl 4,6-7).
Quais os frutos que resultam deste acesso à salvação que é um dom de Deus?
Em primeiro lugar, a paz (vers. 1). Esta paz não deve ser entendida em sentido psicológico (tranqüilidade, serenidade), nem em sentido político (ausência de guerra), mas no sentido teológico semita de relação positiva com Deus e, portanto, de plenitude de bens, já que Deus é a fonte de todo o bem.
Em segundo lugar, a esperança (vers. 2-4 – embora os versículos 3 e 4 não apareçam no texto que nos é proposto). Trata-se desse dom que nos permite superar as dificuldades e a dureza da caminhada, apontando a um futuro glorioso de vida em plenitude. Não se trata de alimentar um otimismo fácil e irresponsável, que permita a evasão do presente; trata-se de encontrar um sentido novo para a vida presente, na certeza de que as forças da morte não terão a última palavra e que as forças da vida triunfarão.
Em terceiro lugar, o amor de Deus ao homem (vers. 5-8). O cristão é, fundamentalmente, alguém a quem Deus ama. A prova desse amor está em Jesus de Nazaré, o Filho amado a quem Deus “entregou à morte por nós quando ainda éramos pecadores”.
Como pano de fundo, o nosso texto propõe-nos o cenário do amor de Deus. Paulo garante-nos algo que já encontramos na primeira leitura de hoje: Deus nunca abandona o seu Povo em caminhada pela história… Ele está ao nosso lado, em cada passo da caminhada, para nos oferecer gratuitamente e com amor a água que mata a nossa sede de vida e de felicidade (a paz, a esperança, o seu amor).

ATUALIZAÇÃO

• Este texto convida-nos a contemplar o amor de um Deus que nunca desistiu dos homens e que sempre soube encontrar formas de vir ao nosso encontro, de fazer caminho conosco. Apesar de os homens insistirem, tantas vezes, no egoísmo, no orgulho, na auto-suficiência e no pecado, Deus continua a amar e a fazer-nos propostas de vida. Trata-se de um amor gratuito e incondicional, que se traduz em dons não merecidos, mas que, uma vez acolhidos, nos conduzem à felicidade plena.

• A vinda de Jesus Cristo ao encontro dos homens é a expressão plena do amor de Deus e o sinal de que Deus não nos abandonou nem esqueceu, mas quis até partilhar conosco a precariedade e a fragilidade da nossa existência, a fim de nos mostrar como nos tornarmos “filhos de Deus” e herdeiros da vida em plenitude.

• A
presença do Espírito acentua no nosso tempo – o tempo da Igreja – essa realidade de um Deus que continua presente e atuante, derramando o seu amor ao longo do caminho que, dia a dia, vamos percorrendo e impelindo-nos à renovação, à transformação, até chegarmos à vida plena do Homem Novo. É esse caminho que a Palavra de Deus nos convida a percorrer, neste tempo de Quaresma.

• Está em moda uma certa atitude de indiferença face a Deus, ao seu amor e às suas propostas. Em geral, os homens de hoje preocupam-se mais com os resultados da última jornada do campeonato de futebol, com as últimas peripécias da “novela das nove”, com os investimentos na Bolsa, com as vantagens da última geração de computadores ou com o caminho mais rápido e mais seguro para atingir o topo da carreira profissional do que com Deus e com o seu amor. Não será tempo de redescobrirmos o Deus que nos ama, de reconhecermos o seu empenho em conduzir-nos rumo à felicidade plena e de aceitarmos essa proposta de caminho que Ele nos faz?

ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – cf. Jo 4,42.15

Escolher um dos refrães:

Refrão 1: Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo, Senhor.
Refrão 2: Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
Refrão 3: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.
Refrão 4: Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.
Refrão 5: Louvor a Vós, Jesus Cristo, Rei da eterna glória.
Refrão 6: Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.
Refrão 7: A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.

Senhor, Vós sois o Salvador do mundo:
dai-nos a água viva, para não termos sede.

EVANGELHO – Jo 4,5-42

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Naquele tempo,
chegou Jesus a uma cidade da Samaria, chamada Sicar,
junto da propriedade que Jacob tinha dado a seu filho José,
onde estava a fonte de Jacob.
Jesus, cansado da caminhada, sentou Se à beira do poço.
Era por volta do meio dia.
Veio uma mulher da Samaria para tirar água.
Disse lhe Jesus: «Dá Me de beber».
Os discípulos tinham ido à cidade comprar alimentos.
Respondeu Lhe a samaritana:
«Como é que Tu, sendo judeu,
me pedes de beber, sendo eu samaritana?»
De fato, os judeus não se dão com os samaritanos.
Disse lhe Jesus:
«Se conhecesses o dom de Deus
e quem é Aquele que te diz: ‘Dá Me de beber’,
tu é que Lhe pedirias e Ele te daria água viva».
Respondeu Lhe a mulher:
«Senhor, Tu nem sequer tens um balde, e o poço é fundo:
donde Te vem a água viva?
Serás Tu maior do que o nosso pai Jacob,
que nos deu este poço, do qual ele mesmo bebeu,
com os seus filhos a os seus rebanhos?»
Disse Lhe Jesus:
«Todo aquele que bebe desta água voltará a ter sede.
Mas aquele que beber da água que Eu lhe der
nunca mais terá sede:
a água que Eu lhe der tornar se á nele uma nascente
que jorra para a vida eterna».
«Senhor, suplicou a mulher dá me dessa água,
para que eu não sinta mais sede
e não tenha de vir aqui buscá-la».
Vejo que és profeta.
Os nossos pais adoraram neste monte
e vós dizeis que é em Jerusalém que se deve adorar».
Disse lhe Jesus:
«Mulher, podes acreditar em Mim:
Vai chegar a hora em que nem neste monte
nem em Jerusalém adorareis o Pai.
Vós adorais o que não conheceis;
nós adoramos o que conhecemos,
porque a salvação vem dos judeus.
Mas vai chegar a hora – e já chegou –
em que os verdadeiros adoradores
hão de adorar o Pai em espírito a verdade,
pois são esses os adoradores que o Pai deseja.
Deus é espírito
e os seus adoradores devem adorá-lo em espírito e verdade».
Disse Lhe a mulher:
«Eu sei que há de vir o Messias,
isto é, Aquele que chamam Cristo.
Quando vier há de anunciar nos todas as coisas».
Respondeu lhe Jesus:
«Sou Eu, que estou a falar contigo».
Muitos samaritanos daquela cidade acreditaram em Jesus,
por causa da palavra da mulher.
Quando os samaritanos vieram ao encontro de Jesus,
pediram Lhe que ficasse com eles.
E ficou lá dois dias.
Ao ouvi l’O, muitos acreditaram e diziam à mulher:
«Já não é por causa das tuas palavras que acreditamos.
Nós próprios ouvimos
e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo».

AMBIENTE

O Evangelho deste domingo situa-nos junto de um poço, na cidade samaritana de Sicar. A Samaria era a região central da Palestina – uma região heterodoxa, habitada por uma raça de sangue misturado (de judeus e pagãos) e de religião sincretista.
Na época do Novo Testamento, existia uma animosidade muito viva entre samaritanos e judeus. Historicamente, a divisão começou quando, em 721 a.C., a Samaria foi tomada pelos assírios e foi deportada cerca de 4% da população samaritana. Na Samaria instalaram-se, então, colonos assírios que se misturaram com a população local. Para os judeus, os habitantes da Samaria começaram, então, a paganizar-se (cf. 2 Re 17,29). A relação entre as duas comunidades deteriorou-se ainda mais quando, após o regresso do Exílio, os judeus recusaram a ajuda dos samaritanos (cf. Esd 4,1-5) para reconstruir o Templo de Jerusalém (ano 437 a.C.) e denunciaram os casamentos mistos. Tiveram, então, de enfrentar a oposição dos samaritanos na reconstrução da cidade (cf. Ne 3,33-4,17). No ano 333 a.C., novo elemento de separação: os samaritanos construíram um Templo no monte Garizim; no entanto, esse Templo foi destruído em 128 a.C. por João Hircano. Mais tarde, as picardias continuaram: a mais famosa aconteceu por volta do ano 6 d.C., quando os samaritanos profanaram o Templo de Jerusalém durante a festa da Páscoa, espalhando ossos humanos nos átrios.
Os judeus desprezavam os samaritanos por serem uma mistura de sangue israelita com estrangeiros e consideravam-nos hereges em relação à pureza da fé jahwista; e os samaritanos pagavam aos judeus com um desprezo semelhante.
A cena passa-se à volta do “poço de Jacob”, situado no rico vale entre os montes Ebal e Garizim, não longe da cidade samaritana de Siquém (em aramaico, Sicara – a atual Askar). Trata-se de um poço estreito, aberto na rocha calcária, e cuja profundidade ultrapassa os 30 metros. Segundo a tradição, teria sido aberto pelo patriarca Jacob… Os dados arqueológicos revelam que o “poço de Jacob” serviu os samaritanos entre o ano 1000 a.C. e o ano 500 d.C. (embora ainda hoje se possa extrair dele água).
O “poço” acaba por transformar-se, na tradição judaica, num elemento mítico. Sintetiza os poços abertos pelos patriarcas e a água que Moisés fez brotar do rochedo no deserto (primeira leitura de hoje); mas, sobretudo, torna-se figura da Lei (do poço da Lei brota a água viva que mata a sede de vida do Povo de Deus), que a tradição judaica considerava observada já pelos patriarcas, antes de ser dada ao Povo por Moisés.
O Evangelho segundo São João apresenta Jesus como o Messias, Filho de Deus, enviado pelo Pai para criar um Homem Novo. No chamado “Livro dos Sinais” (cf. Jo 4,1-11,56), o autor apresenta – recorrendo aos “sinais” da água (cf. Jo 4,1-5,47), do pão (cf. Jo 6,1-7,53), da luz (cf. Jo 8,12-9,41), do pastor (cf. Jo 10,1-42) e da vida (cf. Jo 11,1-56) – um conjunto de catequeses sobre a ação criadora do Messias.
O nosso texto é, exatamente, a primeira catequese do “Livro dos Sinais”: através do “sinal” da água, o autor vai descrever a ação criadora e vivificadora de Jesus.

MENSAGEM

No centro da cena, está o “poço de Jacob”. À volta do “poço” movimentam-se as personagens principais: Jesus e a samaritana.
A mulher (aqui apresentada sem nome próprio) representa a Samaria, que procura desesperadamente a água que é capaz de matar a sua sede de vida plena. Jesus vai ao encontro da “mulher”. Haverá neste episódio uma referência ao Deus/esposo que vai ao encontro do povo/esposa infiel para lhe fazer descobrir o amor verdadeiro? Tudo indica que sim (aliás, o profeta Oséias, o grande inventor desta imagem matrimonial para representar a relação Deus/Povo, pregou aqui, na Samaria).
O “poço” representa a Lei, o sistema religioso à volta do qual se consubstanciava a experiência religiosa dos samaritanos. Era nesse “poço” que os samaritanos procuravam a água da vida plena. No entanto: o "poço" da Lei correspondia à sede de vida daqueles que o procuravam? Não. Os próprios samaritanos tinham reconhecido a insuficiência do “poço” da Lei e haviam buscado a vida plena noutras propostas religiosas (por isso, Jesus faz referência aos “cinco maridos” que a mulher já teve: há aqui, provavelmente, uma alusão aos cinco deuses dos samaritanos de que se fala em 2 Re 17,29-41).
Estamos, pois, diante de um quadro que representa a busca da vida plena. Onde encontrar essa vida? Na Lei? Noutros deuses? A mulher/Samaria dá conta da falência dessas “ofertas” de vida: elas podem “matar a sede” por curtos instantes; mas quem procura a resposta para a sua realização plena nessas propostas voltará a ter sede.
É aqui que entra a novidade de Jesus. Ele senta-se “junto do poço”, como se pretendesse ocupar o seu lugar; e propõe à mulher/Samaria uma “água viva”, que matará definitivamente a sua sede de vida eterna (vers. 10-14). Jesus passa a ser o “novo poço”, onde todos os que têm sede de vida plena encontrarão resposta para a sua sede.
Qual é a água que Jesus tem para oferecer? É a “água do Espírito” que, no Evangelho de João, é o grande dom de Jesus. Na conversa com Nicodemos, Jesus já havia avisado que “quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus” – Jo 3,5; e quando Jesus se apresenta como a “água viva” que matará a sede do homem, João tem o cuidado de explicar que ele se referia ao Espírito, que iam receber aqueles que acreditassem nele (cf. Jo 7,37-39). Esse Espírito, uma vez acolhido no coração do homem, transforma-o, renova-o e torna-o capaz de amar Deus e os outros.
Como é que a mulher/Samaria responde ao dom de Jesus? Inicialmente, ela fica confusa. Parece disposta a remediar a situação de falência de felicidade que caracteriza a sua vida, mas ainda não sabe bem como: essa vida plena que Jesus está a propor-lhe significa que a Samaria deve abandonar a sua especificidade religiosa e ceder às pretensões religiosas dos judeus, para quem o verdadeiro encontro com Deus só pode acontecer no Templo de Jerusalém e na instituição religiosa judaica (“nossos pais adoraram neste monte, mas vós dizeis que é em Jerusalém que se deve adorar”)?
No entanto, Jesus nega que se trate de escolher entre o caminho dos judeus e o caminho dos samaritanos. Não é no Templo de pedra de Jerusalém ou no Templo de pedra do monte Garizim que Deus está… O que se trata é de acolher a novidade do próprio Jesus, aderir a Ele e aceitar a sua proposta de vida (isto é, aceitar o Espírito que ele quer comunicar a todos os homens).
Dessa forma – e só dessa forma – desaparecerá a barreira de inimizade que separa os povos – judeus e samaritanos. A única coisa que passa a contar é a vida do Espírito que encherá o coração de todos, que a todos ensinará o amor a Deus e aos outros e que fará de todos – sem distinção de raças ou de perspectivas religiosas – uma família de irmãos.
A mulher/Samaria responde à proposta de Jesus abandonando o cântaro (agora inútil), e correndo a anunciar aos habitantes da cidade o desafio que Jesus lhe faz. O texto refere, ainda, a adesão entusiástica de todos os que tomam conhecimento da proposta de Jesus e a “confissão da fé”: Jesus é reconhecido como “o salvador do mundo” – isto é, como aquele que dá ao homem a vida plena e definitiva (vers. 28-41).
O nosso texto define, portanto, a missão de Jesus: comunicar ao homem o Espírito que dá vida. O Espírito que Jesus tem para oferecer desenvolve e fecunda o coração do homem, dando-lhe a capacidade de amar sem medida. Eleva, assim, esses homens que buscam a vida plena e definitiva à categoria de Homens Novos, filhos de Deus que fazem as obras de Deus. Do dom de Jesus nasce a nova comunidade.

ATUALIZAÇÃO

Considerar, para a reflexão, os seguintes pontos:

• A modernidade criou-nos grandes expectativas. Disse-nos que tinha a resposta para todas as nossas procuras e que podia responder a todas as nossas necessidades. Garantiu-nos que a vida plena estava na liberdade absoluta, numa vida vivida sem dependência de Deus; disse-nos que a vida plena estava nos avanços tecnológicos, que iriam tornar a nossa existência cômoda, eliminar a doença e protelar a morte; afirmou que a vida plena estava na conta bancária, no reconhecimento social, no êxito profissional, nos aplausos das multidões, nos “cinco minutos” de fama que a televisão oferece… No entanto, todas as conquistas do nosso tempo não conseguem calar a nossa sede de eternidade, de plenitude, dessa “mais qualquer coisa” que nos falta para sermos, realmente, felizes. A afirmação essencial que o Evangelho de hoje faz é: só Jesus Cristo oferece a água que mata definitivamente a sede de vida e de felicidade do homem. Eu já descobri isto, ou a minha procura de realização e de vida plena faz-se noutros caminhos? O que é preciso para conseguirmos que os homens do nosso tempo aprendam a olhar para Jesus e a tomar consciência dessa proposta de vida plena que ele oferece a todos?

• Essa “água viva” de que Jesus fala faz-nos pensar no batismo. Para cada um de nós, esse foi o começo de uma caminhada com Jesus… Nessa altura acolhemos em nós o Espírito que transforma, que renova, que faz de nós “filhos de Deus” e que nos leva ao encontro da vida plena e definitiva. A minha vida de cristão tem sido, verdadeiramente, coerente com essa vida nova que então recebi? O compromisso que então assumi é algo esquecido e sem significado, ou é uma realidade que marca a minha vida, os meus gestos, os meus valores e as minhas opções?

• Atentemos no pormenor do “cântaro” abandonado pela samaritana, depois de se encontrar com Jesus… O “cântaro” significa e representa tudo aquilo que nos dá acesso a essas propostas limitadas, falíveis, incompletas de felicidade. O abandono do “cântaro” significa o romper com todos os esquemas de procura de felicidade egoísta, para abraçar a verdadeira e única proposta de vida plena. Eu estou disposto a abandonar o caminho da felicidade egoísta, parcial, incompleta, e a abrir o meu coração ao Espírito que Jesus me oferece e que me exige uma vida nova?

• A samaritana, depois de encontrar o “salvador do mundo” que traz a água que mata a sede de felicidade, não se fechou em casa a gozar a sua descoberta; mas partiu para a cidade, a propor aos seus concidadãos a verdade que tinha encontrado. Eu sou, como ela, uma testemunha viva, coerente, entusiasmada dessa vida nova que encontrei em Jesus?

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 3º DOMINGO DA QUARESMA

1. A liturgia meditada ao longo da semana.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 3º Domingo da Quaresma, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

2. Desenvolver a preparação penitencial.
A antífona de abertura, a primeira leitura e o Evangelho sublinham o tema da água: água do Batismo, água da graça… O rito penitencial pode valorizar a importância da água na história da salvação e na nossa vida cristã: bênção da água, aspersão da assembléia, acompanhada de um cântico de caráter batismal, convidando todos os fiéis a ir à fonte batismal tocar na água e fazendo o sinal da cruz… São algumas idéias… A equipa litúrgica procure preparar bem um gesto que signifique o acolhimento da palavra de Deus, através do símbolo da água.

3. Ler o Evangelho a diversas vozes.
O Evangelho do encontro de Jesus com a samaritana, um pouco longo, pode ser lido a diversas vozes: narrador, Jesus, samaritana, discípulos. De qualquer modo, a leitura deve ser bem preparada e proclamada, para que seja escutada como Palavra de Deus e não como uma mera encenação…

4. Oração na lectio divina.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:
Nós Te bendizemos, Deus nosso Pai, porque habitas verdadeiramente no meio de nós. Tinhas tirado o povo de Israel da sua infelicidade, fizeste-o sair do Egito, pelo teu servo Moisés fizeste jorrar a água do rochedo.
Nós Te pedimos: guarda-nos de toda a impaciência, confirma a nossa confiança na tua presença em nós.

No final da segunda leitura:
Nós Te damos graças porque nos justificas quando temos fé em Ti. Nós Te bendizemos por Jesus, teu Filho, que aceitou morrer por nós, pecadores, e pelo Espírito Santo que foi derramado nos nossos corações.
Nós Te pedimos por todos os nossos irmãos e irmãs cuja esperança está ferida e que atravessam períodos de dúvida, por causa das provações que os atingem.

No final do Evangelho:
Bendito sejas, Senhor Jesus, Tu o Messias, o Salvador do mundo, porque nos revelas a água viva da tua presença e nos levas a adorar o Pai no Espírito e em verdade. Bendito sejas pela água do Batismo.
Nós Te pedimos pelas crianças e pelos jovens que conduzimos para Ti e por todos os futuros batizados: faz com que tenham sede de Te conhecer!

5. Oração Eucarística.
Pode-se escolher a Oração Eucarística III.

6. Palavra para o caminho.
Que fonte?
Sede do Povo de Israel no deserto!
Sede da samaritana!
E nós? Temos sede? De quem? De quê?
A que poço vamos nós beber para matar todas as sedes que nos habitam?
E se nos enganamos na fonte?
«Senhor, dá me dessa água,
para que eu não sinta mais sede»!

 4º DOMINGO DA QUARESMA

As leituras deste Domingo propõem-nos o tema da “luz”. Definem a experiência cristã como “viver na luz”.
No Evangelho, Jesus apresenta-se como “a luz do mundo”; a sua missão é libertar os homens das trevas do egoísmo, do orgulho e da auto-suficiência. Aderir à proposta de Jesus é enveredar por um caminho de liberdade e de realização que conduz à vida plena. Da ação de Jesus nasce, assim, o Homem Novo – isto é, o Homem elevado às suas máximas potencialidades pela comunicação do Espírito de Jesus.
Na segunda leitura, Paulo propõe aos cristãos de Éfeso que recusem viver à margem de Deus (“trevas”) e que escolham a “luz”. Em concreto, Paulo explica que viver na “luz” é praticar as obras de Deus (a bondade, a justiça e a verdade).
A primeira leitura não se refere diretamente ao tema da “luz” (o tema central na liturgia deste domingo). No entanto, conta a escolha de David para rei de Israel e a sua unção: é um ótimo pretexto para refletirmos sobre a unção que recebemos no dia do nosso Batismo e que nos constituiu testemunhas da “luz” de Deus no mundo.

LEITURA I – 1 Sm 16,1b.6-7.10-13a

Leitura do Primeiro Livro de Samuel

Naqueles dias,
o Senhor disse a Samuel:
«Enche o corno de óleo e parte.
Vou enviar-te a Jessé de Belém,
pois escolhi um rei entre os seus filhos».
Quando chegou, Samuel viu Eliab e pensou consigo:
«Certamente é este o ungido do Senhor».
Mas o Senhor disse a Samuel:
«Não te impressiones com o seu belo aspecto,
nem com a sua elevada estatura,
pois não foi esse que Eu escolhi.
Deus não vê como o homem;
o homem olha às aparências, o Senhor vê o coração».
Jessé fez passar os sete filhos diante de Samuel,
mas Samuel declarou-lhe:
«O senhor não escolheu nenhum destes».
E perguntou a Jessé:
«Estão aqui todos os teus filhos?»
Jessé respondeu-lhe:
«Falta ainda o mais novo, que anda a guardar o rebanho».
Samuel ordenou: «Manda-o chamar,
porque não nos sentaremos à mesa, enquanto ele não chegar».
Então Jessé mandou-o chamar:
era loiro, de belos olhos e agradável presença.
O Senhor disse a Samuel:
«Levanta-te e unge-o, porque é este mesmo».
Samuel pegou no corno do óleo e ungiu-o no meio dos irmãos.
Daquele dia em diante,
o Espírito do Senhor apoderou-Se de David.

AMBIENTE

Na segunda metade do séc. XI a.C., os filisteus constituíam uma ameaça bastante séria para as tribos do Povo de Deus. Instalados na orla costeira, os filisteus pressionavam cada vez mais os outros grupos que habitavam a terra de Canaã, nomeadamente as tribos do Povo de Deus que ocupavam as montanhas do interior do país. A necessidade de uma liderança única e forte levou os anciãos das tribos a equacionar, pela primeira vez, a possibilidade da união política das tribos sob a autoridade de um rei, à imagem do que sucedia com os outros povos da zona.
A primeira experiência monárquica aconteceu com Saul e agrupava as tribos do centro e algumas do norte do país. Essa experiência terminou, no entanto, de forma dramática: Saul e seu filho Jônatas morreram na batalha de Gelboé, em luta contra os filisteus, por volta do ano 1010 a.C.
Era preciso encontrar um outro “herói”, capaz de gerar consensos entre tribos muito diferentes, juntá-las e conduzi-las vitoriosamente ao combate contra os inimigos filisteus. A escolha dos anciãos – tanto das tribos do norte, como das tribos do sul – recaiu, então, num jovem chamado David.
David nasceu por volta de 1040 a.C., em Belém de Judá, no sul do país. Como é que David se tornou notado e se impôs, de forma a ser considerado uma solução para o problema da realeza?
O Livro de Samuel apresenta três tradições sobre a entrada de David em cena. A primeira apresenta David como um admirável guerreiro, cuja valentia chamou a atenção de Saul, sobretudo após a sua vitória sobre o gigante filisteu Golias (cf. 1 Sm 17). A segunda tradição apresenta David como um poeta, que vai para a corte de Saul para cantar e tocar harpa (segundo esta tradição – bastante hostil a Saul – o rei só conseguia reencontrar a calma e o bem estar quando David o acalmava com a sua música – cf. 1 Sm 16,14-23. Aos poucos, o poeta/cantor David foi ganhando adeptos na corte, tornando-se amigo de Jônatas, o filho de Saul, e casando mesmo com Micol, a filha do rei). Finalmente, a terceira tradição – a menos verificável historicamente, mas a de maior importância teológica – apresenta a realeza de David como uma escolha de Jahwéh. É esta terceira tradição que o nosso texto nos apresenta.

MENSAGEM

O nosso relato apresenta-nos uma bem elaborada reflexão sobre a eleição. O autor do texto pretende mostrar que a lógica de Deus é bem diferente, neste capítulo, da lógica dos homens.
Antes de mais, David é apresentado como o eleito de Jahwéh. É sempre Jahwéh que escolhe aqueles a quem quer confiar uma missão. Nem a Samuel – o seu enviado – Jahwéh dá qualquer explicação. A eleição não resulta da iniciativa do homem, mas sim da iniciativa e da vontade livre de Deus.
Em segundo lugar, impressiona a lógica da escolha de Deus. Samuel raciocina com a lógica dos homens e pretende ungir como rei o filho mais velho de Jessé de Belém, impressionado pelo seu belo aspecto e pela sua estatura; mas não é essa a escolha de Deus… Samuel percebe, finalmente, que a escolha de Deus recai sobre David – o filho mais novo de Jessé – um jovem anônimo e desconhecido que andava a guardar o rebanho do pai.
A história da eleição de David quer sublinhar a lógica de Deus, que escolhe sem ter em conta os méritos, o aspecto ou as qualidades humanas que costumam impressionar os homens. Pelo contrário, Deus escolhe e chama, com freqüência, os pequenos, os mais fracos, aqueles que o mundo marginaliza e considera insignificantes; e é através deles que age no mundo.
Fica, assim, claro que quem leva a cabo a obra da salvação é Deus; os homens são apenas instrumentos, através dos quais Deus realiza a sua obra no mundo.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão pode partir dos seguintes dados:

• Se olharmos para o mundo com olhos de esperança, vemos muitas pessoas que realizam coisas bonitas, que lutam contra a miséria, o sofrimento, a injustiça, a doença, o analfabetismo, a violência… Não há mal nenhum em admirarmos a sua disponibilidade e em aprendermos com o seu empenho e compromisso. No entanto, nós os crentes somos convidados a olhar mais além e a ver Deus por detrás de cada gesto de amor, de bondade, de coragem, de compromisso com a construção de um mundo melhor. O nosso Deus continua a construir, dia a dia, a história da salvação; e chama homens e mulheres para colaborarem com ele na salvação do mundo.

• A nossa leitura mostra, mais uma vez, que Deus tem critérios diferentes dos critérios humanos e que a sua lógica nem sempre coincide com a nossa. “Deus não vê como o homem; o homem olha às aparências, o Senhor vê o coração” – diz o texto. É preciso entrar na lógica de Deus e aprender a ver, para além da aparência, da roupa que a pessoa veste, do “curriculum” profissional ou acadêmico; é preciso aprender a ver com o coração e a descobrir a riqueza que se esconde por detrás daqueles que parecem insignificantes e sem pretensões… É preciso, sobretudo, aprender a respeitar a dignidade de cada homem e de cada mulher, mesmo quando não parecem pessoas importantes ou influentes. É isso que acontece nos “guichets” dos nossos serviços públicos? É isso que acontece nas recepções das nossas igrejas? É isso que acontece nas portarias das nossas casas religiosas?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 22 (23)

Refrão 1: O Senhor é meu pastor: nada me faltará.

Refrão 2: O Senhor me conduz: nada me faltará.

O Senhor é meu pastor: nada me falta.
Leva-me a descansar em verdes prados,
conduz-me às águas refrescantes
e reconforta a minha alma.

Ele me guia por sendas direitas por amor do seu nome.
Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos,
não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo:
o vosso cajado e o vosso báculo me enchem de confiança.

Para mim preparais a mesa
à vista dos meus adversários;
com óleo me perfumais a cabeça
e meu cálice transborda.

A bondade e a graça hão de acompanhar-me
todos os dias da minha vida,
e habitarei na casa do Senhor
para todo o sempre.

LEITURA II – Ef 5,8-14

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios

Irmãos:
Outrora vós éreis trevas,
mas agora sois luz no Senhor.
Vivei como filhos da luz,
porque o fruto da luz é a bondade, a justiça e a verdade.
Procurai sempre o que mais agrada ao Senhor.
Não tomeis parte nas obras das trevas, que são inúteis;
tratai antes de condená-las abertamente,
porque o que eles fazem em segredo
até é vergonhoso dizê-lo.
Mas, todas as coisas que são condenadas
são postas a descoberto pela luz,
e tudo que assim se manifesta torna-se luz.
É por isso que se diz:
«Desperta, tu que dormes; levanta-te do meio dos mortos
e Cristo brilhará sobre ti».

AMBIENTE

A Carta aos Efésios é, provavelmente, um dos exemplares de uma “carta circular” enviada a várias Igrejas da Ásia Menor, numa altura em que Paulo está na prisão (em Roma? em Cesareia?). O seu portador é um tal Tíquico. Estamos por volta dos anos 58/60.
Alguns vêem nesta carta uma espécie de síntese da teologia paulina, numa altura em que Paulo sente ter terminado a sua missão apostólica na Ásia e não sabe exatamente o que o futuro próximo lhe reserva (recordemos que ele está, por esta altura, prisioneiro e não sabe como vai terminar o cativeiro).
O tema central da carta aos Efésios é aquilo a que Paulo chama “o mistério”: o desígnio (ou projeto) salvador de Deus, definido desde toda a eternidade, escondido durante séculos aos homens, revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos, desfraldado e dado a conhecer ao mundo na Igreja.
O texto que nos é aqui proposto faz parte da “exortação aos batizados” que aparece na segunda parte da carta (cf. Ef 4,1-6,20). Nessa exortação, Paulo retoma os temas tradicionais da catequese primitiva e convida os crentes a deixarem a antiga forma de viver para assumirem a nova, revestindo-se de Cristo (cf. Ef 4,17-31), imitando Deus (cf. Ef 4,32-5,2) e passando das trevas à luz (cf. Ef 5,3-20).

MENSAGEM

A imagem da “luz” e das “trevas”, aqui utilizada, é uma imagem que aparecia frequentemente na catequese primitiva, como sugere o seu uso nos textos neo-testamentários, sobretudo em João e Paulo (cf. Jo 1,4-5; 3,19.21; 8,12; 1 Jo 1,5-7; 2,9-11; Rom 2,19; 2 Cor 4,6; 1 Ts 5,4-7). O símbolo “luz/trevas” aparece, também, nos escritos de Qûmran para definir o mundo de Deus (luz) e o mundo que se opõe a Deus (trevas).
Para Paulo, viver nas “trevas” é viver à margem de Deus, recusar as suas propostas, viver prisioneiro das paixões e dos falsos valores, no egoísmo e na auto-suficiência. Ao contrário, viver na “luz” é acolher o dom da salvação que Deus oferece, aceitar a vida nova que ele propõe, escolher a liberdade, tornar-se “filho de Deus”.
Os cristãos são aqueles que escolheram viver na “luz”. Paulo, dirigindo-se aos cristãos da parte ocidental da Ásia Menor, exorta-os a viverem na órbita de Deus, como Homens Novos, e a praticarem as obras correspondentes à opção que fizeram pela “luz”. Em concreto, Paulo pede-lhes que as suas vidas sejam marcadas pela bondade, pela justiça e pela verdade. A propósito, Paulo cita um velho hino cristão batismal, que convoca os crentes para viverem na “luz” (vers. 14).
Mais ainda: o cristão não é só chamado a viver na “luz”; mas deve desmascarar as “trevas” e denunciar as obras e os comportamentos daqueles que escolhem viver nas “trevas” do egoísmo, da mentira, da escravidão e do pecado. O cristão não deve só escolher a luz, mas também deve também desmascarar as obras das “trevas”, de forma aberta e decidida.

ATUALIZAÇÃO

Na reflexão, ter em conta os seguintes dados:

• “Luz” e “trevas” são, nesta passagem, duas esferas de poder capazes de tomar conta do homem e de condicionar a sua vida, as suas opções, os seus valores e comportamentos. O cristão, no entanto, é aquele que optou por “viver na luz”. Para mim, o que significa, em concreto, “viver na luz”? O que é que isso, em termos práticos, implica? Quais são os esquemas, comportamentos e valores que devem ser definitivamente saneados da minha vida, a fim de que eu seja um testemunho da “luz”?

• Para Paulo, não chega “viver na luz” e dar testemunho da “luz”. É preciso, também, denunciar – de forma aberta e decidida – as “trevas” que enfeiam o mundo e que mantêm os homens escravos. Na minha perspectiva, quais são os gestos, comportamentos e atitudes que contribuem para apagar a “luz” de Deus e para manter este mundo nas “trevas”? Com que é que eu devo pactuar e o que é que eu devo denunciar?

• A expressão “desperta tu que dormes”, citada por Paulo, convida-nos à vigilância. O cristão não pode ficar de braços cruzados diante da maldade, do egoísmo, da injustiça, da exploração, dos contra-valores que enegrecem a vida dos homens e do mundo. O cristão tem de manter uma atitude de vigilância atenta e de denúncia ousada e corajosa. Diante dos contra-valores, qual a minha atitude: é a atitude comodista de quem deixa correr as coisas porque não está para se chatear, ou é a atitude de quem se sente realmente incomodado com a escuridão do mundo e pretende intervir para que o mundo se construa de uma forma diferente?

ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Jo 8,12

Escolher um dos refrães:

Refrão 1: Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo, Senhor.
Refrão 2: Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
Refrão 3: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.
Refrão 4: Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.
Refrão 5: Louvor a Vós, Jesus Cristo, Rei da eterna glória.
Refrão 6: Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.
Refrão 7: A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.

Eu sou a luz do mundo, diz o Senhor:
quem Me segue terá a luz da vida.

EVANGELHO – Jo 9,1-41

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Naquele tempo,
Jesus encontrou no seu caminho um cego de nascença.
Os discípulos perguntaram-Lhe:
«Mestre, quem é que pecou para ele nasceu cego?
Ele ou os seus pais?
Jesus respondeu-lhes:
«Isso não tem nada que ver com os pecados dele ou dos pais;
mas aconteceu assim
para se manifestarem nele as obras de Deus.
É preciso trabalhar, enquanto é dia,
nas obras d’Aquele que Me enviou.
Vai cegar a noite, em que ninguém pode trabalhar.
Enquanto Eu estou no mundo, sou a luz do mundo».
Dito isto, cuspiu em terra,
fez com a saliva um pouco de lodo e ungiu os olhos do cego.
Depois disse-lhe:
«Vai lavar-te à piscina de Siloé»; Siloé quer dizer «Enviado».
Ele foi, lavou-se e ficou a ver.
Entretanto, perguntavam os vizinhos
e os que antes o viam a mendigar:
«Não é este o que costumava estar sentado a pedir esmola?»
Uns diziam: «É ele».
Outros afirmavam: «Não é. É parecido com ele».
Mas ele próprio dizia: «Sou eu».
Perguntaram-lhe então:
«Como foi que se abriram os teus olhos?»
Ele respondeu:
«Esse homem, que se chama Jesus, fez um pouco de lodo,
ungiu-me os olhos e disse-me:
‘Vai lavar-te à piscina de Siloé’.
Eu fui, lavei-me e comecei a ver».
Perguntaram-lhe ainda: «Onde está Ele?»
O homem respondeu: «Não sei».
Levaram aos fariseus o que tinha sido cego.
Era sábado esse dia em que Jesus fizeram lodo
e lhe tinha aberto os olhos.
Por isso, os fariseus perguntaram ao homem
como tinha recuperado a vista.
Ele declarou-lhes: «Jesus pôs-me lodo nos olhos;
depois fui lavar-me e agora vejo».
Diziam alguns dos fariseus:
«Esse homem não vem de Deus, porque não guarda o sábado».
Outros observavam:
«Como pode um pecador fazer tais milagres?»
E havia desacordo entre eles.
Perguntaram então novamente ao cego:
«Tu que dizias d’Aquele que te deu a vista?»
O homem respondeu: «É um profeta».
Os judeus não quiseram acreditar
que ele tinha sido cego e começara a ver.
Chamaram então os pais dele e perguntaram-lhes:
«É este o vosso filho? É verdade que nasceu cego?
Como é que agora vê?»
Os pais responderam:
«Sabemos que este é o nosso filho e que nasceu cego;
mas não sabemos como é que ele agora vê,
nem sabemos quem lhe abriu os olhos.
Ele já tem idade para responder: perguntai-lho vós».
Foi por medo que eles deram esta resposta,
porque os judeus tinham decidido expulsar da sinagoga
quem reconhecesse que Jesus era o Messias.
Por isso é que disseram:
«Ele já tem idade para responder; perguntai-lho vós».
Os judeus chamaram outra vez o que tinha sido curado
e disseram-lhe: «Dá glória a Deus.
Nós sabemos que esse homem é pecador».
Ele respondeu: «Se é pecador, não sei.
O que sei é que eu era cego e agora vejo».
Perguntaram-lhe então:
«Que te fez Ele? Como te abriu os olhos?»
O homem replicou:
«Já vos disse e não destes ouvidos.
Porque desejais ouvi-lo novamente?
Também quereis fazer-vos seus discípulos?»
Então insultaram-no e disseram-lhe:
«Tu é que és seu discípulo; nós somos discípulos de Moisés;
mas este, nem sabemos de onde é».
O homem respondeu-lhes:
«Isto é realmente estranho: não sabeis de onde Ele é,
mas a verdade é que Ele me deu a vista.
Ora, nós sabemos que Deus não escuta os pecadores,
mas escuta aqueles que O adoram e fazem a sua vontade.
Nunca se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos
a um cego de nascença.
Se Ele não viesse de Deus, nada podia fazer».
Replicaram-lhe então eles:
«Tu nasceste inteiramente em pecado e pretendes ensinar-nos?»
E expulsaram-no.
Jesus soube que o tinham expulsado
e, encontrando-o, disse-lhe:
«Tu acreditas no Filho do homem?»
Ele respondeu-Lhe:
«Senhor, quem é Ele, para que eu acredite?»
Disse-lhe Jesus;
«Já O viste: é Quem está a falar contigo».
O homem prostrou-se diante de Jesus e exclamou:
«Eu creio, Senhor».
Então Jesus disse-lhe:
«Eu vim para exercer um juízo:
os que não vêem ficarão a ver;
os que vêem ficarão cegos».
Alguns fariseus que estavam com Ele, ouvindo isto,
perguntaram-Lhe:
«Nós também somos cegos?»
Respondeu-lhes Jesus:
«Se fôsseis cegos, não teríeis pecado.
Mas como agora dizeis: ‘Não vemos’,
o vosso pecado permanece».

AMBIENTE

Já vimos, na semana passada, que o Evangelho segundo João procura apresentar Jesus como o Messias, Filho de Deus, enviado pelo Pai para criar um Homem Novo. Também vimos que, no chamado “Livro dos Sinais” (cf. Jo 4,1-11,56), o autor apresenta – recorrendo aos “sinais” da água (cf. Jo 4,1-5,47), do pão (cf. Jo 6,1-7,53), da luz (cf. Jo 8,12-9,41), do pastor (cf. Jo 10,1-42) e da vida (cf. Jo 11,1-56) – um conjunto de catequeses sobre a ação criadora do Messias.
O nosso texto é, exatamente, a terceira catequese (a da luz) do “Livro dos Sinais”: através do “sinal” da “luz”, o autor vai descrever a ação criadora e vivificadora de Jesus. A catequese sobre a “luz” é colocada no contexto da “Festa de Sukkot” (a festa das colheitas); um dos ritos mais populares dessa festa era, exatamente, a iluminação dos quatro grandes candelabros do átrio das mulheres, no Templo de Jerusalém.
No centro do quadro aparece-nos (além de Jesus) um cego. Os “cegos” faziam parte do grupo dos excluídos da sociedade palestina de então. As deficiências físicas eram consideradas – pela teologia oficial – como resultado do pecado (os rabinos da época chegavam a discutir de onde vinha o pecado de alguém que nascia com uma deficiência: se o defeito era o resultado de um pecado dos pais, ou se era o resultado de um pecado cometido pela criança no ventre da mãe).
Segundo a concepção da época, Deus castigava de acordo com a gravidade da culpa. A cegueira era considerada o resultado de um pecado especialmente grave: uma doença que impedisse o homem de estudar a Lei era considerada uma maldição de Deus por excelência. Pela sua condição de impureza notória, os cegos eram impedidos de servir de testemunhas no tribunal e de participar nas cerimônias religiosas no Templo.

MENSAGEM

O nosso texto não é uma reportagem jornalística sobre a cura de um cego; mas é uma catequese, na qual se apresenta Jesus como a “luz” que veio iluminar o caminho dos homens. O “cego” da nossa história é um símbolo de todos os homens e mulheres que vivem na escuridão, privados da “luz”, prisioneiros dessas cadeias que os impedem de chegar à plenitude da vida. A reflexão apresenta-se em vários quadros.
No primeiro quadro (vers. 2-5), Jesus apresenta-se como “a luz do mundo”. Jesus e os discípulos estão diante de um cego de nascença. De acordo com a teologia da época, o sofrimento era sempre resultado do pecado; por isso, os discípulos estavam preocupados em saber se foi o cego que pecou ou se foram os seus pais. Jesus desmonta esta perspectiva e nega qualquer relação entre pecado e sofrimento. No entanto, a ocasião é propícia para ir mais além; e Jesus aproveita-a para mostrar que a missão que o Pai lhe confiou é ser “a luz do mundo” e encher de “luz” a vida dos que vivem nas trevas.
No segundo quadro (vers. 6-7), Jesus passa das palavras aos atos e prepara-se para dar a “luz” ao cego. Começa por cuspir no chão, fazer lodo com a saliva e ungir com esse lodo os olhos do cego. O gesto de fazer lodo reproduz, evidentemente, o gesto criador de Deus de Gn 2,7 (quando Deus amassou o barro e modelou o homem). A saliva transmitia, pensava-se, a própria força ou energia vital (equivale ao sopro de Deus, que deu vida a Adão - cf. Gn 2,7). Assim, Jesus juntou ao barro a sua própria energia vital, repetindo o gesto criador de Deus. A missão de Jesus é criar um Homem Novo, animado pelo Espírito de Jesus.
No entanto, a cura não é imediata: requer-se a cooperação do enfermo. “Vai lavar-te na piscina de Siloé” – diz-lhe Jesus. A disponibilidade do cego em obedecer à ordem de Jesus é um elemento essencial na cura e sublinha a sua adesão à proposta que Jesus lhe faz. A referência ao banho na piscina do “enviado” (o autor deste texto tem o cuidado de explicar que Siloé significa “enviado”) é, evidentemente, uma alusão à água de Jesus (o enviado do Pai), essa água que torna os homens novos, livres das trevas/escravidão. A comunidade joânina pretenderá, certamente, fazer aqui uma catequese sobre o batismo: quem quiser sair das trevas para viver na luz, como Homem Novo, tem de aceitar a água do batismo – isto é, tem de optar por Jesus e acolher a proposta de vida que ele oferece.
Depois, o autor do texto coloca em cena várias personagens; essas personagens vão assumir representar vários papéis e assumir atitudes diversas diante da cura do cego.
Os primeiros a ocupar a cena são os vizinhos e conhecidos do cego (vers. 8-12). A imagem do cego, dependente e inválido, transformado em homem livre e independente, leva os seus concidadãos a interrogar-se. Percebem que de Jesus vem o dom da vida em plenitude; talvez anseiem pelo encontro com Jesus, mas não se atrevem a dar o passo definitivo (ir ao encontro de Jesus) para ter acesso à “luz”. Representam aqueles que percebem a novidade da proposta que Jesus traz, que sabem que essa proposta é libertadora, mas que vivem na inércia, no comodismo e não estão dispostos a sair do seu “cantinho”, do seu mundo limitado, para ir ao encontro da “luz”.
Um outro grupo que aparece em cena é o dos fariseus (vers. 13-17). Eles sabem perfeitamente que Jesus oferece a “luz”; mas recusam-na liminarmente. Para eles, interessa continuar com o esquema das “trevas”. Representam aqueles que têm conhecimento da novidade de Jesus, mas não estão dispostos a acolhê-la. Sentem-se mais confortáveis nos seus esquemas de escravidão e auto-suficiência e não estão dispostos a renunciar às “trevas”. Mais: opõem-se decididamente à “luz” que Jesus oferece e não aceitam que alguém queira sair da escravidão para a liberdade. Quando constatam que o homem curado por Jesus não está disposto a voltar atrás e a regressar aos esquemas de escravidão, expulsam-no da sinagoga: entre as “trevas” (que os dirigentes querem manter) e a “luz” (que Jesus oferece), não pode haver compromisso.
Depois, aparecem em cena os pais do cego (vers. 18-23). Eles limitam-se a constatar o acontecimento (o filho nasceu cego e agora vê), mas evitam comprometer-se. Na sua atitude, transparece o medo de quem é escravo e não tem coragem de passar das “trevas” para a “luz”. O texto explica, inclusive, que eles “tinham medo de ser expulsos da sinagoga”. A “sinagoga” designava o local do encontro da comunidade israelita; mas designava, também, a própria comunidade do Povo de Deus. Ser expulso da “sinagoga” significava a excomunhão, o risco de ser declarado herege e apóstata, de perder os pontos de referência comunitários, o cair na solidão, no ridículo, no descrédito e na marginalidade. Preferem a segurança da ordem estabelecida – embora injusta e opressora – do que os riscos da vida livre. Representam todos aqueles que, por medo, preferem continuar na escravidão, não provocar os dirigentes ou a opinião pública, do que correr o risco de aceitar a proposta transformadora de Jesus.
Finalmente, reparemos no “percurso” que o homem curado por Jesus faz. Antes de se encontrar com Jesus, é um homem prisioneiro das “trevas”, dependente e limitado. Depois, encontra-se com Jesus e recebe a “luz” (do encontro com Jesus resulta sempre uma proposta de vida nova para o homem). O relato descreve – com simplicidade, mas também de uma forma muito bela – a progressiva transformação que o homem vai sofrendo. Nos momentos imediatos à cura, ele não tem ainda grandes certezas (quando lhe perguntam por Jesus, responde: “não sei”; e quando lhe perguntam quem é Jesus, ele responde: “é um profeta”); mas a “luz” que agora brilha na sua vida vai-o amadurecendo progressivamente. Confrontado com os dirigentes e intimado a renegar a “luz” e a liberdade recebidas, ele torna-se, em dado momento, o homem das certezas, das convicções; argumenta com agilidade e inteligência, joga com a ironia, recusa-se a regressar à escravidão: mostra o homem adulto, maduro, livre, sem medo… É isso que a “luz” que Jesus oferece produz no homem. Finalmente, o texto descreve o estádio final dessa caminhada progressiva: a adesão plena a Jesus (vers. 35-38). Encontrando o ex-cego, Jesus convida-o a aderir ao “Filho do Homem” (“acreditas no Filho do Homem?” - vers. 35); a resposta do ex-cego é a adesão total: “creio, Senhor” (vers. 38). O título “Senhor” (“kyrios”) era o título com que a comunidade cristã primitiva designava Jesus, o Senhor glorioso. Diz, ainda, o texto, que o ex-cego se prostrou e adorou Jesus: adorar significa reconhecer Jesus como o projeto de Homem Novo que Deus apresenta aos homens, aderir a Ele e segui-l’O.
Neste percurso está simbolicamente representado o “caminho” do catecúmeno. O primeiro passo é o encontro com Jesus; depois, o catecúmeno manifesta a sua adesão à “luz” e vai amadurecendo a sua descoberta… Torna-se, progressivamente, um homem livre, sem medo, confiante; e esse “caminho” desemboca na adesão total a Jesus, no reconhecimento de que Ele é o Senhor que conduz a história e que tem uma proposta de vida para o homem… Depois disto, ao cristão nada mais interessa do que seguir Jesus.
A missão de Jesus é aqui apresentada como criação de um Homem Novo. Deus criou o homem para ser livre e feliz; mas o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência, dominaram o coração do homem, prenderam-no num esquema de “cegueira” e frustraram o projeto de Deus. A missão de Jesus consistirá em destruir essa “cegueira”, libertar o homem e fazê-lo viver na “luz”. Trata-se de uma nova criação… Assim, da ação de Jesus irá nascer um Homem Novo, liberto do egoísmo e do pecado, vivendo na liberdade, a caminho da vida em plenitude.

ATUALIZAÇÃO

Considerar
, na reflexão, as seguintes propostas:

• Nós, os crentes, não podemos fechar-nos num pessimismo estéril, decidir que o mundo “está perdido” e que à nossa volta só há escuridão… No entanto, também não podemos esconder a cabeça na areia e dizer que tudo está bem. Há, objetivamente, situações, instituições, valores e esquemas que mantêm o homem encerrado no seu egoísmo, fechado a Deus e aos outros, incapaz de se realizar plenamente. O que é que, no nosso mundo, gera escuridão, trevas, alienação, cegueira e morte? O que é que impede o homem de ser livre e de se realizar plenamente, conforme previa o projeto de Deus?

• A catequese que João nos propõe hoje garante-nos: a realização plena do homem continua a ser a prioridade de Deus. Jesus Cristo, o Filho de Deus, veio ao encontro dos homens e mostrou-lhes a luz libertadora: convidou-os a renunciar ao egoísmo e auto-suficiência que geram “trevas”, sofrimento, escravidão e a fazerem da vida um dom, por amor. Aderir a esta proposta é viver na “luz”. Como é que eu me situo face ao desafio que, em Jesus, Deus me faz?

• O Evangelho deste domingo descreve várias formas de responder negativamente à “luz” libertadora que Jesus oferece. Há aqueles que se opõem decididamente à proposta de Jesus porque estão instalados na mentira e a “luz” de Jesus só os incomoda; há aqueles que têm medo de enfrentar as “bocas”, as críticas, que se deixam manipular pela opinião dominante, e que, por medo, preferem continuar escravos do que arriscar ser livres; há aqueles que, apesar de reconhecerem as vantagens da “luz”, deixam que o comodismo e a inércia os prendam numa vida de escravos… Eu identifico-me com algum destes grupos?

• O cego que escolhe a “luz” e que adere incondicionalmente a Jesus e à sua proposta libertadora é o modelo que nos é proposto. A Palavra de Deus convida-nos, neste tempo de Quaresma, a um processo de renovação que nos leve a deixar tudo o que nos escraviza, nos aliena, nos oprime – no fundo, tudo o que impede que brilhe em nós a “luz” de Deus e que impede a nossa plena realização. Para que a celebração da ressurreição – na manhã de Páscoa – signifique algo, é preciso realizarmos esta caminhada quaresmal e renascermos, feitos Homens Novos, que vivem na “luz” e que dão testemunho da “luz”. O que é que eu posso fazer para que isso aconteça?

• Receber a “luz” que Cristo oferece é, também, acender a “luz” da esperança no mundo. O que é que eu faço para eliminar as “trevas” que geram sofrimento, injustiça, mentira e alienação? A “luz” de Cristo que os padrinhos me passaram no dia em que fui batizado brilha em mim e ilumina o mundo?

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 4º DOMINGO DA QUARESMA

1. A liturgia meditada ao longo da semana.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 4º Domingo da Quaresma, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

2. Fazer uma procissão da luz.
Para pôr em evidência a passagem das trevas à luz proclamada por todos os textos deste domingo, poder-se-á organizar uma procissão da luz para entrada da celebração e cantar um cântico com referência à Luz. Os portadores das luzes (velas acesas) poderão juntar-se à volta do evangeliário para a leitura do Evangelho: Cristo é a Luz do mundo!

3. Ler o Evangelho a diversas vozes.
Como mo domingo passado, o Evangelho (na sua forma longa) pode ser lido a diversas vozes: narrador, Jesus, cego, fariseus. De qualquer modo, é bom recordar que a leitura deve ser bem preparada e proclamada, para que seja escutada como Palavra de Deus e não como uma mera encenação…

4. Oração na lectio divina.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:
Nós Te louvamos, ó Pai, porque nos julgas não segundo as aparências, mas olhas o coração do homem. Nós Te bendizemos pelo teu Espírito que nos dás e que faz de nós um povo real e sacerdotal.
Nós Te pedimos pelos pais e pelos educadores, pelas autoridades nas nossas sociedades, mas também pelos seus eleitores, responsáveis pelas boas escolhas.

No final da segunda leitura:
Nós Te damos graças, Cristo, Luz do mundo, que Te levantaste de entre os mortos, Tu que nos iluminas desde o nosso batismo.
Nós Te pedimos: arranca-nos das trevas, que o teu Espírito nos faça viver como filhos e filhas da luz, e que Ele produza em nós frutos de bondade, de justiça e de verdade, que Ele nos torne capazes de agradar a Deus.

No final do Evangelho:
Nós Te bendizemos pela nova criação realizada pelo teu Filho, que remodelou a nossa humanidade, e pela cura dos nossos olhos, quando estão fechados ao próximo e à luz da tua presença.

5. Oração Eucarística.
Pode-se escolher a Oração Eucarística III da Assembléia com Crianças.

6. Palavra para o caminho.
Um outro olhar “Deus não vê à maneira dos homens, os homem vêem a aparência, mas o Senhor olha o coração”.
Uma Palavra para reajustar os nossos critérios de julgamento:
Que olhar temos nós sobre as pessoas? Sobre os acontecimentos?
Uma Palavra para nos alegrar também com as escolhas do nosso Pai que olha a verdade dos nossos corações!
 5º DOMINGO DA QUARESMA

Neste 5º Domingo da Quaresma, a liturgia garante-nos que o desígnio de Deus é a comunicação de uma vida que ultrapassa definitivamente a vida biológica: é a vida definitiva que supera a morte.
Na primeira leitura, Jahwéh oferece ao seu Povo exilado, desesperado e sem futuro (condenado à morte) uma vida nova. Essa vida vem pelo Espírito, que irá recriar o coração do Povo e inseri-lo numa dinâmica de obediência a Deus e de amor aos irmãos.
O Evangelho garante-nos que Jesus veio realizar o desígnio de Deus e dar aos homens a vida definitiva. Ser “amigo” de Jesus e aderir à sua proposta (fazendo da vida uma entrega obediente ao Pai e um dom aos irmãos) é entrar na vida definitiva. Os crentes que vivem desse jeito experimentam a morte física; mas não estão mortos: vivem para sempre em Deus.
A segunda leitura lembra aos cristãos que, no dia do seu Batismo, optaram por Cristo e pela vida nova que Ele veio oferecer. Convida-os, portanto, a ser coerentes com essa escolha, a fazerem as obras de Deus e a viverem “segundo o Espírito”.

LEITURA I – Ez 37,12-14

Leitura da Profecia de Ezequiel

Assim fala o Senhor Deus:
«Vou abrir os vossos túmulos
e deles vos farei ressuscitar, ó meu povo,
para vos reconduzir à terra de Israel.
Haveis de reconhecer que Eu sou o Senhor,
quando abrir os vossos túmulos
e deles vos fizer ressuscitar, ó meu povo.
Infundirei em vós o meu espírito e revivereis.
Hei-de fixar-vos na vossa terra
e reconhecereis que Eu, o Senhor, o disse e o executarei».

AMBIENTE

Ezequiel é chamado “o profeta da esperança”. Desterrado na Babilônia desde 597 a.C. (no reinado de Joaquim, quando Nabucodonosor conquista, pela primeira vez, Jerusalém e deporta para a Babilônia um primeiro grupo de jerusalimitanos), Ezequiel exerce aí a sua missão profética entre os exilados judeus.
A primeira fase do ministério de Ezequiel decorre entre 593 a.C. (altura em que sentiu o chamamento de Deus) e 586 a.C. (data em que Jerusalém é arrasada pelas tropas de Nabucodonosor e uma nova leva de exilados é encaminhada para a Babilônia). Nesta fase, Ezequiel procura destruir falsas esperanças e anuncia que, ao contrário do que pensam os exilados, o cativeiro está para durar… Eles não só não vão regressar em breve a Jerusalém, mas os que ficaram em Jerusalém (e que continuam a multiplicar os pecados e infidelidades) vão fazer companhia aos que já estão desterrados na Babilônia.
A segunda fase do ministério de Ezequiel desenrola-se a partir de 586 a.C., até cerca de 570 a.C. Instalados numa terra estrangeira, sem Templo, sem sacerdócio e sem culto, os exilados estão desesperados e duvidam da bondade e do amor de Deus. Nessa fase, Ezequiel procura alimentar a esperança dos exilados e transmitir ao Povo a certeza de que o Deus libertador e salvador não os abandonou.
O texto que nos é proposto como primeira leitura pertence à segunda fase. Faz parte da famosa “visão dos ossos calcinados” (cf. Ez 37). Ezequiel descreve a visão de uma planície cheia de ossos calcinados e sem vida; mas, na visão do profeta, o Espírito do Senhor sopra sobre os ossos calcinados e eles são revestidos de pele, de músculos e ganham vida. Nesta parábola, os ossos calcinados representam o Povo de Deus, que jaz abandonado, sem esperança e sem futuro, no meio da planície mesopotâmica.

MENSAGEM

A situação de desespero em que estão os exilados é uma situação de morte. Eles sentem-se próximos da ruína e do aniquilamento e não vêem no horizonte quaisquer perspectivas de futuro. O texto define esta situação de ausência total de esperança como “estar no túmulo”.
No entanto, é aqui que Deus entra. Jahwéh vai transformar a morte em vida, o desespero em esperança, a escravidão em libertação. O que é que Deus vai fazer, nesse sentido?
Em termos concretos, Jahwéh promete ao Povo o regresso à sua terra, restaurando a esperança dos exilados num futuro de felicidade e de paz… Mas Deus vai fazer ainda mais: vai derramar o seu Espírito (o “ruah”) sobre o Povo condenado à morte.
Esta referência à ação do Espírito de Deus na re-vivificação do homem coloca-nos no mesmo contexto de Gn 2,7: no homem que criou do barro, Deus infundiu o seu “hálito de vida” (“neshamá”) para o tornar um ser vivente; aqui, sobre o Povo que jaz no túmulo, Deus “infunde o seu Espírito” (“ruah” - Ez 37,14). Trata-se, portanto, de uma nova criação.
No entanto, o “ruah”, que aqui é transmitido ao Povo que jaz no túmulo, é mais do que a simples “força vital”, que dá vida física ao homem: é a vida divina que transforma completamente os homens, fazendo com que os corações de pedra – duros, insensíveis, auto-suficientes – se transformem em corações de carne, sensíveis e bons, capazes de amar Deus e os irmãos (cf. Ez 36,26-27). Esta nova criação vai, portanto, muito mais longe do que a antiga criação.
Então, com um coração de carne capaz de compreender o amor, o Povo reconhecerá a bondade de Deus, a sua fidelidade à Aliança e às promessas que fez ao seu Povo.
A questão mais significativa é que, apesar das aparências, Deus não abandona o seu Povo à morte. Mesmo quando tudo parece perdido e sem saída, Deus lá está, transformando o desespero em esperança, a morte em vida. Jahwéh é o Deus da vida, que encontra sempre formas de transmitir vida ao seu Povo. Em cada instante da história Ele está presente, recriando o seu Povo, transformando-o, renovando-o, encaminhando-o para a vida plena.

ATUALIZAÇÃO

Refletir as seguintes questões:

• Na nossa existência pessoal passamos, muitas vezes, por situações de desespero, em que tudo parece perder o sentido. A morte de alguém querido, o desmoronar dos laços familiares, a traição de um amigo ou de alguém a quem amamos, a perda do emprego, a solidão, a falta de objetivos, lançam-nos muitas vezes num vazio do qual não conseguimos facilmente sair. A Palavra de Deus garante-nos: não estamos perdidos e abandonados à nossa miséria e finitude… Deus caminha ao nosso lado; em cada instante Ele lá está, tirando vida da morte, “escrevendo direito por linhas tortas”, dando-nos a coragem de “sair do sepulcro” e avançar mais um passo ao encontro da vida plena.

• Mais: Deus recria-nos, cada dia, oferecendo-nos o Espírito transformador e renovador, que elimina dos nossos corações o orgulho e o egoísmo (afinal, os grandes responsáveis pelo sofrimento, pela injustiça, pela violência) e transformando-nos em pessoas novas, com um coração sensível ao amor e às necessidades dos outros.

• Ver os telejornais ou ler os jornais é – mais do que nos mantermos a par dos passos que o mundo vai dando – um autêntico exercício de masoquismo: parece que só há dramas, sofrimentos, injustiças e violências, como se o mundo fosse um imenso campo de morte. No entanto, nós os crentes sabemos que, apesar do sofrimento que faz parte da condição de fragilidade em que vivemos, Deus está presente na história humana, criando vida e oferecendo a esperança aos homens nesses mil e um gestos de bondade, de ternura e de amor que acontecem a cada instante (e que não chegam aos jornais ou às objetivas da televisão porque “não vendem” e, por isso, não são notícia). A Palavra Deus que hoje nos é proposta sugere que o crente – pelo simples fato de acreditar em Deus – deve ser um arauto da esperança.

• É sempre Deus – e só Deus – que oferece aos homens a vida e a esperança… No entanto, Deus age no mundo através de homens – como Ezequiel – que distribuem a vida nova de Deus, com palavras e com gestos. Já pensei que Deus me chama a ser uma luz de esperança no mundo? Tenho consciência de que é através dos meus gestos e das minhas palavras que Deus oferece a sua vida aos homens meus irmãos?

SALMO RESPONSORIAL – SALMO 129 (130)

Refrão 1: No Senhor está a misericórdia e abundante redenção.

Refrão 2: No Senhor está a misericórdia,
no Senhor está a plenitude da redenção.

Do profundo abismo chamo por Vós, Senhor,
Senhor, escutai a minha voz.
Estejam os vossos ouvidos atentos
à voz da minha súplica.

Se tiverdes em conta as nossas faltas,
Senhor, quem poderá salvar-se?
Mas em Vós está o perdão,
para Vos servirmos com reverência.

Eu confio no Senhor,
a minha alma espera na sua palavra.
A minha alma espera pelo Senhor
mais do que as sentinelas pela aurora.

Porque no Senhor está a misericórdia
e com Ele abundante redenção.
Ele há-de libertar Israel
de todas as suas faltas.

LEITURA II – Rom 8,8-11

Leitura da Epístola do apóstolos São Paulo aos Romanos

Irmãos:
Os que vivem segundo a carne não podem agradar a Deus.
Vós não estais sob o domínio da carne, mas do Espírito,
se é que o Espírito de Deus habita em vós.
Mas, se alguém não tem o Espírito de Cristo,
não Lhe pertence.
Se Cristo está em vós,
embora o vosso corpo seja mortal por causa do pecado,
o espírito permanece vivo por causa da justiça.
E, se o Espírito d’Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos
habita em vós,
Ele, que ressuscitou Cristo Jesus de entre os mortos,
também dará vida aos vossos corpos mortais,
pelo seu Espírito que habita em vós.

AMBIENTE

dissemos, noutras circunstâncias, que a Carta aos Romanos é um texto sereno e didático, no qual Paulo faz uma espécie de resumo do seu pensamento teológico e expõe a sua concepção daquilo que é essencial na mensagem cristã. Numa época (anos 57/58) em que existem problemas graves de entendimento e de perspectiva entre os cristãos vindos do judaísmo e os cristãos vindos do paganismo, Paulo sublinha a unidade da revelação e da história da salvação: Deus tem um projeto de salvação e de vida plena, que se destina a todos os homens, sem exceção.
Depois de provar que todos os homens (judeus e pagãos) vivem no domínio do pecado (cf. Rom 1,18-3,20), mas que a “justiça de Deus” oferece a vida a todos, sem distinção (cf. Rom 3,21-5,11), Paulo mostra como é que, através de Jesus Cristo, essa vida se comunica ao homem (cf. Rom 5,12-8,39).
Indo mais ao pormenor: como é, então, que a vida de Deus se comunica ao homem? Paulo desenvolve o seu pensamento de acordo com a seguinte seqüência: a obediência de Cristo ao plano do Pai fez com que a graça da salvação fosse oferecida a todos os homens (cf. Rom 5,12-20); acolhendo essa graça e aceitando receber o Batismo, os homens tornam-se todos participantes do dom de Deus (cf. Rom 6,1-23); a adesão a Cristo faz os homens livres das cadeias do egoísmo e do pecado e transforma-os em homens novos (cf. Rom 7,1-25); e é o Espírito (dado ao crente no batismo) que potencia essa vida nova (cf. Rom 8,1-39).

MENSAGEM

O Espírito é, verdadeiramente, a personagem central do capítulo 8 da Carta aos Romanos (o termo “pneuma” – “espírito” – aparece trinta e quatro vezes na Carta aos Romanos; e, dessas trinta e quatro, vinte e uma são neste capítulo). De acordo com a perspectiva teológica de Paulo, o Espírito é o responsável pelo fato de a vida nova que Deus oferece ao homem crescer e se desenvolver.
Neste capítulo, Paulo desenvolve uma das suas mais famosas antíteses: “carne”/”Espírito”. “Viver segundo a carne” significa, em Paulo, uma vida conduzida à margem de Deus: o “homem da carne” é o homem do egoísmo e da auto-suficiência, cujos valores são o ciúme, o ódio, a ambição, a inveja, a libertinagem (cf. Gl 5,19-21); “viver segundo o Espírito” significa, em Paulo, uma vida vivida na órbita de Deus, pautada pelos valores da caridade, da alegria, da paz, da fidelidade e da temperança (cf. Gl 5,22-23).
Paulo recorda aos crentes, no texto que nos é proposto, que o cristão, no dia do seu batismo, optou pela vida do Espírito. A partir daí, vive sob o domínio do Espírito – isto é, vive aberto a Deus, recebe vida de Deus, torna-se “filho de Deus”. Identifica-se, portanto, com Cristo; e assim como Cristo – depois de uma vida vivida “no Espírito” (isto é, depois de uma vida de renúncia ao egoísmo e ao pecado e de opção por Deus e pelas suas propostas) – ressuscitou e foi elevado definitivamente à glória do Pai, assim o cristão está destinado à vida nova, à vida plena, à vida eterna.
É, pois, o Espírito – presente naqueles que renunciaram à vida da “carne” e aderiram a Jesus – que liberta os crentes do pecado e da morte, que os transforma em homens novos e que os leva em direção à vida plena, à vida definitiva.

ATUALIZAÇÃO

Para a reflexão, considerar os seguintes dados:

• Na verdade, no dia do meu batismo, eu escolhi a vida “segundo o Espírito” (provavelmente, fui batizado muito pequenino, numa altura em que não tinha consciência plena do que isso significava; mas, mais tarde, tive a oportunidade – em vários momentos da minha caminhada cristã – de validar e confirmar essa opção inicial). A minha vida tem sido coerente com essa opção? A minha vida tem-se desenrolado à margem de Deus e das suas propostas (“vida segundo a carne”) ou na escuta atenta e conseqüente dos projetos de Deus (“vida segundo o Espírito”)?

• O batizado é alguém que escolheu identificar-se com Cristo – isto é, alguém que escolheu viver na obediência aos planos do Pai e no dom da vida em favor dos irmãos. O exemplo de Cristo garante-me: uma vida gasta desse jeito não termina no fracasso, mas na vida definitiva, na felicidade total. A realização plena do homem não está nos valores efêmeros (muitas vezes propostos como os valores mais fundamentais), mas no amor e no dom da vida. É daí que brota a ressurreição.

ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Jo 11, 25a.26

Escolher um dos refrães:

Refrão 1: Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo, Senhor.
Refrão 2: Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
Refrão 3: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.
Refrão 4: Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.
Refrão 5: Louvor a Vós, Jesus Cristo, Rei da eterna glória.
Refrão 6: Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.
Refrão 7: A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.

Eu sou a ressurreição e a vida, diz o Senhor.
Quem acredita em Mim nunca morrerá.

EVANGELHO – Jo 11,1-45

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Naquele tempo,
estava doente certo homem, Lázaro de Betânia,
aldeia de Marta e de Maria, sua irmã.
Maria era aquela que tinha ungido o Senhor com perfume
e Lhe tinha enxugado os pés com os cabelos.
Era seu irmão Lázaro que estava doente.
As irmãs mandaram então dizer a Jesus:
«Senhor, o teu amigo está doente».
Ouvindo isto, Jesus disse:
«Essa doença não é mortal, mas é para a glória de Deus,
para que por ela seja glorificado o Filho do homem».
Jesus era amigo de Marta, de sua irmã e de Lázaro.
Entretanto, depois de ouvir dizer que ele estava doente,
ficou ainda dois dias no local onde Se encontrava.
Depois disse aos discípulos:
«Vamos de novo para a Judéia».
Os discípulos disseram-Lhe:
«Mestre, ainda há pouco os judeus procuravam apedrejar-Te
e voltas para lá?»
Jesus respondeu:
«Não são doze as horas do dia?
Se alguém andar de dia, não tropeça,
porque vê a luz deste mundo.
Mas se andar de noite, tropeça,
porque não tem luz consigo».
Dito isto, acrescentou:
«O nosso amigo Lázaro dorme, mas Eu vou despertá-lo».
Disseram então os discípulos:
«Senhor, se dorme, está salvo».
Jesus referia-se à morte de Lázaro,
mas eles entenderam que falava do sono natural.
Disse-lhes então Jesus abertamente:
«Lázaro morreu;
por vossa causa, alegro-Me de não ter estado lá,
para que acrediteis.
Mas, vamos ter com ele».
Tomé, chamado Dídimo, disse aos companheiros:
«Vamos nós também, para morrermos com Ele».
Ao chegar, Jesus encontrou o amigo sepultado havia quatro dias.
Betânia distava de Jerusalém cerca de três quilômetros.
Muitos judeus tinham ido visitar Marta e Maria,
para lhes apresentar condolências pela morte do irmão.
Quando ouviu dizer que Jesus estava a chegar,
Marta saiu ao seu encontro,
enquanto Maria ficou sentada em casa.
Marta disse a Jesus:
«Senhor, se tivesses estado aqui,
meu irmão não teria morrido.
Mas sei que, mesmo agora, tudo o que pedires a Deus,
Deus To concederá».
Disse-lhe Jesus: «Teu irmão ressuscitará».
Marta respondeu:
«Eu sei que há de ressuscitar na ressurreição, no último dia».
Disse-lhe Jesus:
«Eu sou a ressurreição e a vida.
Quem acredita em Mim,
ainda que tenha morrido, viverá;
E todo aquele que vive e acredita em Mim, nunca morrerá.
Acreditas nisto?»
Disse-Lhe Marta:
«Acredito, Senhor, que Tu és o Messias, o Filho de Deus,
que havia de vir ao mundo».
Dito isto, retirou-se e foi chamar Maria,
a quem disse em segredo:
«O Mestre está ali e manda-te chamar».
Logo que ouviu isto, Maria levantou-se e foi ter com Jesus.
Jesus ainda não tinha chegado à aldeia,
mas estava no lugar em que Marta viera ao seu encontro.
Então os judeus que estavam com Maria em casa
para lhe apresentar condolências,
ao verem-na levantar-se e sair rapidamente,
seguiram-na, pensando que se dirigia ao túmulo para chorar.
Quando chegou aonde estava Jesus,
Maria, logo que O viu, caiu-Lhe aos pés e disse-Lhe:
«Senhor, se tivesses estado aqui,
meu irmão não teria morrido».
Jesus, ao vê-la chorar,
e vendo chorar também os judeus que vinham com ela,
comoveu-Se profundamente e perturbou-Se.
Depois perguntou: «Onde o pusestes?»
Responderam-Lhe: «Vem ver, Senhor».
E Jesus chorou.
Diziam então os judeus:
«Vede como era seu amigo».
Mas alguns deles observaram:
«Então Ele, que abriu os olhos ao cego,
não podia também ter feito que este homem não morresse?»
Entretanto, Jesus, intimamente comovido, chegou ao túmulo.
Era uma gruta, com uma pedra posta à entrada.
Disse Jesus: «Tirai a pedra».
Respondeu Marta, irmã do morto:
«Já cheira mal, Senhor, pois morreu há quatro dias».
Disse Jesus:
«Eu não te disse que, se acreditasses,
verias a glória de Deus?»
Tiraram então a pedra.
Jesus, levantando os olhos ao Céu, disse:
«Pai, dou-Te graças por Me teres ouvido.
Eu bem sei que sempre Me ouves,
mas falei assim por causa da multidão que nos cerca,
para acreditarem que Tu Me enviaste».
Dito isto, bradou com voz forte:
«Lázaro, sai para fora».
O morto saiu, de mãos e pés enfaixados com ligaduras
e o rosto envolvido num sudário.
Disse-lhes Jesus:
«Desligai-o e deixai-o ir».
Então muitos judeus, que tinham ido visitar Maria,
ao verem o que Jesus fizera, acreditaram n’Ele.

AMBIENTE

O Evangelho segundo João procura apresentar Jesus como o Messias, Filho de Deus, enviado pelo Pai para criar um Homem Novo. No “Livro dos Sinais” (cf. Jo 4,1-11,56), o autor apresenta – recorrendo aos “sinais” da água (cf. Jo 4,1-5,47), do pão (cf. Jo 6,1-7,53), da luz (cf. Jo 8,12-9,41), do pastor (cf. Jo 10,1-42) e da vida (cf. Jo 11,1-56) – um conjunto de catequeses sobre a ação criadora e vivificadora do Messias.
O texto que hoje nos é proposto é, exatamente, a quinta catequese (a da vida) do “Livro dos Sinais”. Trata-se de uma narração única, que não tem paralelo nos outros três Evangelhos.
A cena situa-nos em Betânia, uma aldeia a Este do monte das Oliveiras, a cerca de três quilômetros de Jerusalém. O autor da catequese coloca-nos diante de um episódio – um triste episódio – familiar: a morte de um homem. A família mencionada, constituída por três pessoas (Marta, Maria e Lázaro), parece conhecida de Jesus: no vers. 5, diz-se que Jesus amava Marta, a sua irmã Maria e Lázaro. A visita de Jesus a casa desta família é, aliás, mencionada em Lc 10,38-42; e João tem o cuidado de observar que a Maria, aqui referenciada, é a mesma que tinha ungido o Senhor com perfume e lhe tinha enxugado os pés com os cabelos (vers. 2) (cfr. Jo 12,1-8).

MENSAGEM

A família de Betânia apresenta algumas características dignas de nota… Em primeiro lugar, o autor da narração não faz qualquer referência a outros membros, para além de Maria, Marta e Lázaro: não há pai, nem mãe, nem filhos. Além disso, João insiste no grau de parentesco que une os três: são “irmãos” (vers. 1.2b.3.5.19.21.23.28.32.39). A palavra “irmão” (“adelfós”) será a palavra usada por Jesus, após a ressurreição, para definir a comunidade dos discípulos (Jo 20,17); e este apelativo será comum entre os membros da comunidade cristã primitiva (Jo 21,23).
Por outro lado, notemos a forma como é descrita a relação entre Jesus e esta família de irmãos… Trata-se de uma família amiga de Jesus, que Jesus conhece e que conhece Jesus, que ama Jesus e que é amada por Jesus, que recebe Jesus em sua casa.
Um fato abala a vida desta família: um irmão (Lázaro) está gravemente doente. As “irmãs” mostram o seu interesse, preocupação e solidariedade para com o “irmão” doente e informam Jesus.
A relação de Jesus com Lázaro é de afeto e amizade; mas Jesus não vai imediatamente ao seu encontro; parece, até, atrasar-se deliberadamente (vers. 6). Com a sua passividade, Jesus deixa que a morte física do “amigo” se consume. Provavelmente, na intenção do nosso catequista, o pormenor significa que Jesus não veio para alterar o ciclo normal da vida física do homem, libertando-o da morte biológica; veio, sim, para dar um novo sentido à morte física e para oferecer ao homem a vida eterna.
Depois de dois dias, Jesus resolve dirigir-se à Judéia ao encontro do “amigo”. No entanto, a oposição a Jesus está, precisamente, na Judéia e, de forma especial, em Jerusalém. Os discípulos tentam dissuadi-l’O: eles não entenderam, ainda, que o plano do Pai é que Jesus dê vida ao homem enfermo, mesmo que para isso corra riscos e tenha de oferecer a sua própria vida. Jesus não dá atenção ao medo dos discípulos: a sua preocupação única é realizar o plano do Pai no sentido de dar vida ao homem. Jesus não pode abandonar o “amigo”: ele é o pastor que desafia o perigo por amor dos seus.
Ao chegar a Betânia, Jesus encontrou o “amigo” sepultado há já quatro dias. De acordo com a mentalidade judaica, a morte era considerada definitiva a partir do terceiro dia. Quando Jesus chega, Lázaro está, pois, verdadeiramente morto. Jesus não elimina a morte física; mas, para quem é “amigo” de Jesus, a morte física não é mais do que um sono, do qual se acorda para descobrir a vida definitiva.
Por esta altura, entram em cena as “irmãs” de Lázaro. Marta é a primeira. Vem ao encontro de Jesus e insinua a sua reprovação: Jesus podia ter evitado a morte do amigo, se tivesse estado presente, pois onde Ele está reina a vida. No entanto, mesmo agora, Jesus poderá interceder junto de Deus, Deus atendê-lo-á e devolverá a vida física a Lázaro. Marta acredita em Deus; acredita que Jesus é um profeta, através de quem Deus atua no mundo; mas ainda não tem consciência de que Jesus é a vida do Pai e que Ele próprio dá a vida.
Jesus inicia a sua catequese dizendo-lhe: “teu irmão ressuscitará”. Marta pensa que as palavras de Jesus são uma consolação banal e que Ele se refere à crença farisaica, segundo a qual os mortos haveriam de reviver, no final dos tempos, quando se registrasse a última intervenção de Deus na história humana. Isso ela já sabe; mas não chega: esse último dia ainda está tão longe…
Jesus, no entanto, não fala da ressurreição no final dos tempos. O que Ele diz é que, para quem é amigo de Jesus, não há morte, sequer. Jesus é “a ressurreição e a vida”. Para os seus amigos, a morte física é apenas a passagem desta vida para a vida plena. Jesus não evita a morte física; mas Ele oferece ao homem essa vida que se prolonga para sempre. Para que essa vida definitiva possa chegar ao homem é necessário, no entanto, que o homem adira a Jesus e O siga, num caminho de amor e de dom da vida (“todo aquele que vive e acredita em mim, nunca morrerá”). A comunidade de Jesus (a comunidade dos que aderiram a Ele e ao seu projeto) é a comunidade daqueles que já possuem a vida definitiva. Eles passarão pela morte física; mas essa morte será apenas uma passagem para a verdadeira vida. E é essa vida verdadeira que Jesus quer oferecer. Confrontada com esta catequese (“acreditas nisto?”), Marta manifesta a sua adesão ao que Jesus diz e professa a sua fé no Senhor que dá a vida (“acredito, Senhor, que tu és o Messias, o Filho de Deus que havia de vir ao mundo”).
Maria, a outra irmã, tinha ficado em casa. Está imobilizada, paralisada pela dor sem esperança. Marta – que falara com Jesus e encontrara nele a resposta para a situação que a fazia sofrer – convida a irmã a sair da sua dor e a ir, por sua vez, ao encontro de Jesus. Maria vai rapidamente, sem dar explicações a ninguém: ela tem consciência de que só em Jesus encontrará uma solução para o sofrimento que lhe enche o coração. Também nas palavras de Maria há uma reprovação a Jesus pelo fato de Ele não ter estado presente, impedindo a morte física de Lázaro. Jesus não pronuncia qualquer palavra de consolo, nem exorta à resignação (como é costume fazer nestes casos): vai fazer melhor do que isso e vai mostrar que Ele é, efetivamente, a ressurreição e a vida.
A cena da ressurreição de Lázaro começa com Jesus a chorar (vers. 35). Não é pranto ruidoso, mas sereno… Jesus mostra, dessa forma, o seu afeto por Lázaro, a sua saudade do amigo ausente. Ele – como nós – sente a dor, diante da morte física de uma pessoa amada; mas a sua dor não é desespero.
Jesus chega junto do sepulcro de Lázaro. A entrada da gruta onde Lázaro está sepultado, está fechada com uma pedra (como era costume, entre os judeus). A pedra é, aqui, símbolo da última palavra sobre a morte. Separa o mundo dos vivos do mundo dos mortos, cortando qualquer relação entre um e outro.
Jesus, no entanto, manda tirar essa “pedra”: para os crentes, não se trata de duas realidades sem qualquer relação. Jesus, ao oferecer a vida plena, abate as barreiras criadas pela morte física. A morte física não afasta o homem da vida.
A ação de dar vida a Lázaro representa a concretização da missão que o Pai confiou a Jesus: dar vida plena e definitiva ao homem. É por isso que Jesus, antes de mandar Lázaro sair do sepulcro, ergue os olhos ao céu e dá graças ao Pai (vers. 41b-42): a sua oração demonstra a sua comunhão com o Pai e a sua obediência na concretização do plano do Pai. Depois, Jesus mostra Lázaro vivo na morte, provando à comunidade dos crentes que a morte física não interrompe a vida plena do discípulo que ama Jesus e o segue.
A família de Betânia representa a comunidade cristã, formada por irmãos e irmãs. Todos eles conhecem Jesus, são amigos de Jesus, acolhem Jesus na sua casa e na sua vida. Essa família também faz a experiência da morte física. Como é que deve lidar com ela? Com o desespero de quem acha que tudo acabou? Com a tristeza de quem acha que a morte venceu, por algum tempo, até que Deus ressuscite o “irmão” morto, no final dos tempos (perspectiva dos fariseus da época de Jesus)?
Não. Ser amigo de Jesus é saber que Ele é a ressurreição e a vida e que dá aos seus a vida plena, em todos os momentos. Ele não evita a morte física; mas a morte física é, para os que aderiram a Jesus, apenas a passagem (imediata) para a vida verdadeira e definitiva. Para os “amigos” de Jesus – para aqueles que acolhem a sua proposta e fazem da sua vida uma entrega a Deus e um dom aos irmãos – não há morte… Podemos chorar a saudade pela partida de um irmão, mas temos de saber que, ao deixar este mundo, ele encontrou a vida plena, na glória de Deus.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão pode fazer-se a partir dos seguintes elementos:

• A questão principal do Evangelho deste domingo – e que é uma questão determinante para a nossa existência de crentes – é a afirmação de que não há morte para os “amigos” de Jesus – isto é, para aqueles que acolhem a sua proposta e que aceitam fazer da sua vida uma entrega ao Pai e um dom aos irmãos. Os “amigos” de Jesus experimentam a morte física; mas essa morte não é destruição e aniquilação: é, apenas, a passagem para a vida definitiva. Mesmo que estejam privados da vida biológica, não estão mortos: encontraram a vida plena, junto de Deus. A história de Lázaro pretende representar essa realidade.

• No dia do nosso batismo, escolhemos essa vida plena e definitiva que Jesus oferece aos seus e que lhes garante a eternidade. A nossa vida tem sido coerente com essa opção? A nossa existência tem sido uma existência egoísta e fechada, que termina na morte, ou tem sido uma existência de amor, de partilha, de dom da vida, que aponta para a realização plena do homem e para a vida eterna?

• Ao longo da nossa existência nesta terra, convivemos com situações em que somos tocados pela morte física daqueles a quem amamos… É natural que fiquemos tristes pela sua partida e por eles deixarem de estar fisicamente presentes a nosso lado. A nossa fé convida-nos, no entanto, a ter a certeza de que os “amigos” não são aniquilados: apenas encontraram essa vida definitiva, longe da debilidade e da finitude humanas.

• Diante da certeza que a fé nos dá, somos convidados a viver a vida sem medo. O medo da morte como aniquilamento total torna o homem cauteloso e impotente face à opressão e ao poder dos opressores; mas libertando-nos do medo da morte, Jesus torna-nos livres e capacita-nos para gastar a vida ao serviço dos irmãos, lutando generosamente contra tudo aquilo que oprime e que rouba ao homem a vida plena.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 5º DOMINGO DA QUARESMA

1. A liturgia meditada ao longo da semana.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 5º Domingo da Quaresma, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

2. Inclinação no momento penitencial.
Neste domingo sob o signo da Ressurreição e da Vida, eis uma sugestão para renovar o rito penitencial. Depois de uma breve introdução, o presidente da assembléia, virado para a cruz, inclina-se profundamente, assim como toda a assembléia. Permanecer assim durante algum tempo, em profundo silêncio… Seguem-se algumas invocações penitenciais que podem ter como resposta: “Senhor, dai-nos a Vida!”

3. Renovar a profissão de fé.
Habitualmente, dizemos o Credo com um ar demasiado rotineiro e repetitivo… Como transmitir-lhe mais alegria e entusiasmo interior? Uma brevíssima introdução pode motivar a uma maior atenção à recitação do Credo. Pode-se ainda proclamar o Símbolo dos Apóstolos (dando o texto antecipadamente, pois não é sabido de cor). Pode-se também proclamar a fórmula do credo batismal (dialogada)…

4. Oração na lectio divina.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:
Deus, nosso Pai, nós Te bendizemos, porque és o Deus da Vida. Tu o mostraste, libertando o teu povo, desde o tempo de Isaac, de Moisés e do exílio.
Nós Te pedimos pelo teu novo Povo: levanta as comunidades cristãs de todas as formas de morte, divisões, indiferenças, tédio, isolamento do mundo. Venha sobre nós o teu Espírito de Vida.

No final da segunda leitura:
Pai de Jesus Cristo, nós Te damos graças porque o teu Espírito habita em nós e porque pelo teu Batismo nos incorporaste ao teu Filho.
Nós Te pedimos: vê as nossas fraquezas. Abrimos as nossas mãos para Ti, para Te pedir o teu Espírito: que Ele dê vida aos nossos corpos mortais, que Ele nos justifique com a justiça que está em Ti.

No final do Evangelho:
Senhor Jesus, proclamamos a tua glória, porque em Ti irradia a luz da vida e da ressurreição: associaste-te aos nossos lutos, chamas os teus amigos a sair dos seus túmulos, tu arrancá-los ao sono da morte.
Nós Te pedimos: desperta em nós a fé. Tu que libertaste Lázaro das ligaduras, liberta-nos dos laços que nos paralisam diante do próximo.

5. Oração Eucarística.
Pode-se escolher a Oração Eucarística IV.

6. Palavra para o caminho.
O passo da confiança
A que “empresa” estamos nós sujeitos?
À do Espírito de Cristo ressuscitado? Ou à da carne, isto é, aquela de todas as contingências humanas que esgotam o nosso tempo e a nossa energia?
Ousaremos dar o passo da confiança?
Ousaremos entregar-nos a este Espírito que habita em nós para nos comprometermos na sua plenitude de Vida?
A quem pertencemos nós?


 Domingo de RAMOS

A liturgia deste último domingo da Quaresma convida-nos a contemplar esse Deus que, por amor, desceu ao nosso encontro, partilhou a nossa humanidade, fez-se servo dos homens, deixou-se matar para que o egoísmo e o pecado fossem vencidos. A cruz (que a liturgia deste domingo coloca no horizonte próximo de Jesus) apresenta-nos a lição suprema, o último passo desse caminho de vida nova que, em Jesus, Deus nos propõe: a doação da vida por amor.
A primeira leitura apresenta-nos um profeta anônimo, chamado por Deus a testemunhar no meio das nações a Palavra da salvação. Apesar do sofrimento e da perseguição, o profeta confiou em Deus e concretizou, com teimosa fidelidade, os projetos de Deus. Os primeiros cristãos viram neste “servo” a figura de Jesus.
A segunda leitura apresenta-nos o exemplo de Cristo. Ele prescindiu do orgulho e da arrogância, para escolher a obediência ao Pai e o serviço aos homens, até ao dom da vida. É esse mesmo caminho de vida que a Palavra de Deus nos propõe.
O Evangelho convida-nos a contemplar a paixão e morte de Jesus: é o momento supremo de uma vida feita dom e serviço, a fim de libertar os homens de tudo aquilo que gera egoísmo e escravidão. Na cruz, revela-se o amor de Deus – esse amor que não guarda nada para si, mas que se faz dom total.

LEITURA I – Is 50,4-7

Leitura do Livro de Isaías

O Senhor deu-me a graça de falar como um discípulo,
para que eu saiba dizer uma palavra de alento
aos que andam abatidos.
Todas as manhãs Ele desperta os meus ouvidos,
para eu escutar, como escutam os discípulos.
O Senhor Deus abriu-me os ouvidos
e eu não resisti nem recuei um passo.
Apresentei as costas àqueles que me batiam,
e a face aos que me arrancavam a barba;
não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam.
Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio,
e, por isso, não fiquei envergonhado;
tornei o meu rosto duro como pedra,
e sei que não ficarei desiludido.

AMBIENTE

No livro do Deutero-Isaías (Is 40-55), encontramos quatro poemas que se destacam do resto do texto (cf. Is 42,1-9; 49,1-13; 50,4-11; 52,13-53,12). Apresentam-nos uma figura enigmática de um “servo de Jahwéh”, que recebeu de Deus uma missão. Essa missão tem a ver com a Palavra de Deus e tem caráter universal; concretiza-se no sofrimento, na dor e no abandono incondicional à Palavra e aos projetos de Deus. Apesar de a missão terminar num aparente insucesso, a dor do profeta não foi em vão: ela tem um valor expiatório e redentor; do seu sofrimento resulta o perdão para o pecado do Povo. Deus aprecia o sacrifício do profeta e recompensá-lo-á, elevando-o à vista de todos, fazendo-o triunfar dos seus detratores e adversários.
Quem é este profeta? É Jeremias, o paradigma do profeta que sofre por causa da Palavra? É o próprio Deutero-Isaías, chamado a dar testemunho da Palavra no ambiente hostil do Exílio? É um profeta desconhecido? É uma figura coletiva, que representa o Povo exilado, humilhado, esmagado, mas que continua a dar testemunho de Deus, no meio das outras nações? É uma figura representativa, que une a recordação de personagens históricas (patriarcas, Moisés, David, profetas) com figuras míticas, de forma a representar o Povo de Deus na sua totalidade? Não sabemos; no entanto, a figura apresentada nesses poemas vai receber uma outra iluminação à luz de Jesus Cristo, da sua vida, do seu destino.
O texto que nos é proposto é parte do terceiro cântico do “servo de Jahwéh”.

MENSAGEM

O texto dá a palavra a um personagem anônimo, que fala do seu chamamento por Deus para a missão. Ele não se intitula “profeta”; porém, narra a sua vocação com os elementos típicos dos relatos proféticos de vocação.
Em primeiro lugar, a missão que este “profeta” recebe de Deus tem claramente a ver com o anúncio da Palavra. O profeta é o homem da Palavra, através de quem Deus fala; a proposta de redenção que Deus faz a todos aqueles que necessitam de salvação/libertação ecoa na palavra profética. O profeta é inteiramente modelado por Deus e não opõe resistência nem ao chamamento, nem à Palavra que Deus lhe confia; mas tem de estar, continuamente, numa atitude de escuta de Deus, para que possa depois apresentar – com fidelidade – essa Palavra de Deus para os homens.
Em segundo lugar, a missão profética concretiza-se no sofrimento e na dor. É um tema sobejamente conhecido da literatura profética: o anúncio das propostas de Deus provoca resistências que, para o profeta, se consubstanciam, quase sempre, em dor e perseguição. No entanto, o profeta não se demite: a paixão pela Palavra sobrepõe-se ao sofrimento.
Em terceiro lugar, vem a expressão de confiança no Senhor, que não abandona aqueles a quem chama. A certeza de que não está só, mas de que tem a força de Deus, torna o profeta mais forte do que a dor, o sofrimento, a perseguição. Por isso, o profeta “não será confundido”.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão pode tocar os seguintes aspectos:

• Não sabemos, efetivamente, quem é este “servo de Jahwéh”; no entanto, os primeiros cristãos vão utilizar este texto como grelha para interpretar o mistério de Jesus: Ele é a Palavra de Deus feita carne, que oferece a sua vida para trazer a salvação/libertação aos homens… A vida de Jesus realiza plenamente esse destino de dom e de entrega da vida em favor de todos; e a sua glorificação mostra que uma vida vivida deste jeito não termina no fracasso, mas na ressurreição que gera vida nova.

• Jesus, o “servo” sofredor, que faz da sua vida um dom por amor, mostra aos seus seguidores o caminho: a vida, quando é posta ao serviço da libertação dos pobres e dos oprimidos, não é perdida mesmo que pareça, em termos humanos, fracassada e sem sentido. Temos a coragem de fazer da nossa vida uma entrega radical ao projeto de Deus e à libertação dos nossos irmãos? O que é que ainda entrava a nossa aceitação de uma opção deste tipo? Temos consciência de que, ao escolher este caminho, estamos a gerar vida nova, para nós e para os nossos irmãos?

• Temos consciência de que a nossa missão profética passa por sermos Palavra viva de Deus? Nas nossas palavras, nos nossos gestos, no nosso testemunho, a proposta libertadora de Deus alcança o mundo e o coração dos homens?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 21 (22)

Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?

Todos os que me vêem escarnecem de mim,
estendem os lábios e meneiam a cabeça:
«Confiou no Senhor, Ele que o livre,
Ele que o salve, se é seu amigo».

Matilhas de cães me rodearam,
cercou-me um bando de malfeitores.
Trespassaram as minhas mãos e os meus pés,
posso contar todos os meus ossos.

Repartiram entre si as minhas vestes
e deitaram sortes sobre a minha túnica.
Mas Vós, Senhor, não Vos afasteis de mim,
sois a minha força, apressai-Vos a socorrer-me.

Hei de falar do vosso nome aos meus irmãos,
hei de louvar-Vos no meio da assembléia.
Vós, que temeis o Senhor, louvai-O,
glorificai-O, vós todos os filhos de Jacob,
reverenciai-O, vós todos os filhos de Israel.

LEITURA II – Fl 2,6-11

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Filipenses

Cristo Jesus, que era de condição divina,
não Se valeu da sua igualdade com Deus,
mas aniquilou-Se a Si próprio.
Assumindo a condição de servo,
tornou-Se semelhante aos homens.
Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais,
obedecendo até à morte e morte de cruz.
Por isso Deus O exaltou
e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes,
para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem
no céu, na terra e nos abismos,
e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor,
para glória de Deus Pai.

AMBIENTE

A cidade de Filipos era uma cidade próspera, com uma população constituída majoritariamente por veteranos romanos do exército. Organizada à maneira de Roma, estava fora da jurisdição dos governantes das províncias locais e dependia diretamente do imperador; gozava, por isso, dos mesmos privilégios das cidades de Itália. A comunidade cristã, fundada por Paulo, era uma comunidade entusiasta, generosa, comprometida, sempre atenta às necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como no caso da coleta em favor da Igreja de Jerusalém - cf. 2 Cor 8,1-5), por quem Paulo nutria um afeto especial. Apesar destes sinais positivos, não era, no entanto, uma comunidade perfeita… O desprendimento, a humildade e a simplicidade não eram valores demasiado apreciados entre os altivos patrícios que compunham a comunidade.
É neste enquadramento que podemos situar o texto que esta leitura nos apresenta. Paulo convida os Filipenses a encarnar os valores que marcaram a trajetória existencial de Cristo; para isso, utiliza um hino pré-paulino, recitado nas celebrações litúrgicas cristãs: nesse hino, ele expõe aos cristãos de Filipos o exemplo de Cristo.

MENSAGEM

Cristo Jesus – nomeado no princípio, no meio e no fim – constitui o motivo do hino. Dado que os Filipenses são cristãos – quer dizer, dado que Cristo é o protótipo a cuja imagem estão configurados – têm a iniludível obrigação de comportar-se como Cristo. Como é o exemplo de Cristo?
O hino começa por aludir subtilmente ao contraste entre Adão (o homem que reivindicou ser como Deus e lhe desobedeceu – cf. Gn 3,5.22) e Cristo (o Homem Novo que, ao orgulho e revolta de Adão responde com a humildade e a obediência ao Pai). A atitude de Adão trouxe fracasso e morte; a atitude de Jesus trouxe exaltação e vida.
Em traços precisos, o hino define o “despojamento” (“kenosis”) de Cristo: Ele não afirmou com arrogância e orgulho a sua condição divina, mas aceitou fazer-se homem, assumindo com humildade a condição humana, para servir, para dar a vida, para revelar totalmente aos homens o ser e o amor do Pai. Não deixou de ser Deus; mas aceitou descer até aos homens, fazer-se servidor dos homens, para garantir vida nova para os homens. Esse “abaixamento” assumiu mesmo foros de escândalo: Jesus aceitou uma morte infamante – a morte de cruz – para nos ensinar a suprema lição do serviço, do amor radical, da entrega total da vida.
No entanto, essa entrega completa ao plano do Pai não foi uma perda nem um fracasso: a obediência e entrega de Cristo aos projetos do Pai resultaram em ressurreição e glória. Em conseqüência da sua obediência, do seu amor, da sua entrega, Deus fez dele o “Kyrios” (“Senhor” – nome que, no Antigo Testamento, substituía o nome impronunciável de Deus); e a humanidade inteira (“os céus, a terra e os infernos”) reconhece Jesus como “o Senhor” que reina sobre toda a terra e que preside à história.
É óbvio o apelo à humildade, ao desprendimento, ao dom da vida, que Paulo aqui faz aos Filipenses e a todos os crentes: o cristão deve ter como exemplo esse Cristo, servo sofredor e humilde, que fez da sua vida um dom a todos. Esse caminho não levará ao aniquilamento, mas à glória, à vida plena.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão pode partir dos seguintes desenvolvimentos:

• Os valores que marcaram a existência de Cristo continuam a não ser demasiado apreciados no séc. XXI. De acordo com os critérios que presidem à construção do nosso mundo, os grandes “ganhadores” não são os que põem a sua vida ao serviço dos outros, com humildade e simplicidade, mas são os que enfrentam o mundo com agressividade, com auto-suficiência e fazem por ser os melhores, mesmo que isso signifique não olhar a meios para passar à frente dos outros. Como pode um cristão (obrigado a viver inserido neste mundo e a ser competitivo) conviver com estes valores?

• Paulo tem consciência de que está a pedir aos seus cristãos algo realmente difícil; mas é algo que é fundamental, à luz do exemplo de Cristo. Também a nós é pedido, nestes últimos dias antes da Páscoa, um passo em frente neste difícil caminho da humildade, do serviço, do amor: será possível que, também aqui, sejamos as testemunhas da lógica de Deus?

• Os acontecimentos que, nesta semana, vamos celebrar, garantem-nos que o caminho do dom da vida não é um caminho de “perdedores” e fracassados: o caminho do dom da vida conduz ao sepulcro vazio da manhã de Páscoa, à ressurreição. É um caminho que garante a vitória e a vida plena.

ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Fl 2,8-9

Escolher um dos refrães:

Refrão 1: Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo, Senhor.
Refrão 2: Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
Refrão 3: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.
Refrão 4: Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.
Refrão 5: Louvor a Vós, Jesus Cristo, Rei da eterna glória.
Refrão 6: Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.
Refrão 7: A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.

Cristo obedeceu até à morte e morte de cruz.
Por isso Deus O exaltou
e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes.

EVANGELHO – Mt 26,14 - 27,66

N Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

N Naquele tempo,
um dos doze, chamado Judas Iscariotes,
foi ter com os príncipes dos sacerdotes e disse-lhes:
R «Que estais dispostos a dar-me para vos entregar Jesus?»
N Eles garantiram-lhe trinta moedas de prata.
E a partir de então,
Judas procurava uma oportunidade para O entregar.
No primeiro dia dos Ázimos,
os discípulos foram ter com Jesus e perguntaram-Lhe:
R «Onde queres que façamos os preparativos
para comer a Páscoa?»
N Ele respondeu:
J «Ide à cidade, a casa de tal pessoa, e dizei-lhe:
‘O Mestre manda dizer:
O meu tempo está próximo.
É em tua casa que eu quero celebrar a Páscoa
com os meus discípulos’».
N Os discípulos fizeram como Jesus lhes tinha mandado,
e prepararam a Páscoa.

N Ao cair da noite, sentou-Se à mesa com os Doze.
Enquanto comiam, declarou:
J «Em verdade vos digo:
Um de vós há de entregar-Me».
N Profundamente entristecidos,
começou cada um a perguntar-Lhe:
R «Serei eu, Senhor?»
N Jesus respondeu:
J «Aquele que meteu comigo a mão no prato
é que há de entregar-Me.
O Filho do homem vai partir,
como está escrito acerca d’Ele.
Mas ai daquele por quem o Filho do homem vai ser entregue!
Melhor seria para esse homem não ter nascido».
N Judas, que O ia entregar, tomou a palavra e perguntou:
R «Serei eu, Mestre?»
N Respondeu Jesus:
J «Tu o disseste».

N Enquanto comiam,
Jesus tomou o pão, recitou a bênção,
partiu-o e deu-o aos discípulos, dizendo:
J «Tomai e comei: Isto é o meu Corpo».
N Tomou em seguida um cálice,
deu graças e entregou-lho, dizendo:
J «Bebei dele todos,
porque este é o meu Sangue, o Sangue da aliança,
derramado pela multidão,
para remissão dos pecados.
Eu vos digo que não beberei mais deste fruto da videira,
até ao dia em que beberei convosco
o vinho novo no reino de meu Pai».

N Cantaram os salmos
e seguiram para o Monte das Oliveiras.

N Então, Jesus disse-lhes:
J «Todos vós, esta noite, vos escandalizareis por minha causa,
como está escrito:
‘Ferirei o pastor e dispersar-se-ão as ovelhas do rebanho’.
Mas, depois de ressuscitar,
preceder-vos-ei a caminho da Galiléia».
N Pedro interveio, dizendo:
R «Ainda que todos se escandalizem por tua causa,
eu não me escandalizarei».
N Jesus respondeu-lhe:
J «Em verdade te digo:
Esta mesma noite, antes do galo cantar,
Me negarás três vezes».
N Pedro disse-lhe:
R «Ainda que tenha de morrer contigo, não Te negarei».
N E o mesmo disseram todos os discípulos.

N Então, Jesus chegou com eles a uma propriedade,
chamada Getsémani
e disse aos discípulos:
J «Ficai aqui, enquanto Eu vou além orar».
N E, tomando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu,
começou a entristecer-Se e a angustiar-Se.
Disse-lhes então:
J «A minha alma está numa tristeza de morte.
Ficai aqui e vigiai comigo».
N E adiantando-Se um pouco mais, caiu com o rosto por terra,
enquanto orava e dizia:
J «Meu Pai, se é possível, passe de Mim este cálice.
Todavia, não se faça como Eu quero,
mas como Tu queres».
N Depois, foi ter com os discípulos,
encontrou-os a dormir e disse a Pedro:
J «Nem sequer pudestes vigiar uma hora comigo!
Vigiai e orai, para não cairdes em tentação.
O espírito está pronto, mas a carne é fraca».

N De novo Se afastou, pela Segunda vez, e orou, dizendo:
J «Meu Pai,
se este cálice não pode passar sem que Eu o beba,
faça-se a tua vontade».
N Voltou novamente e encontrou-os a dormir,
pois os seus olhos estavam pesados de sono.
Deixou-os e foi de novo orar, pela terceira vez,
repetindo as mesmas palavras.
Veio então ao encontro dos discípulos e disse-lhes:
J «Dormi agora e descansai.
Chegou a hora em que o Filho do homem
vai ser entregue às mãos dos pecadores.
Levantai-vos, vamos.
Aproxima-se aquele que Me vai entregar».
N Ainda Jesus estava a falar,
quando chegou Judas, um dos Doze,
e com ele uma grande multidão, com espadas e varapaus,
enviada pelos príncipes dos sacerdotes
e pelos anciãos do povo.
O traidor tinha-lhes dado este sinal:
R «Aquele que eu beijar, é esse mesmo. Prendei-O».
N Aproximou-se imediatamente de Jesus e disse-Lhe:
R «Salve, Mestre!».
N E beijou-O.
Jesus respondeu-lhe:
J «Amigo, a que vieste?».
N Então avançaram, deitaram as mãos a Jesus
e prenderam-n’O.
Um dos que estavam com Jesus levou a mão à espada,
desembainhou-a e feriu um servo do sumo sacerdote,
cortando-lhe uma orelha.
Jesus disse-lhe:
J «Mete a tua espada na bainha,
pois todos os que puxarem da espada morrerão à espada.
Pensas que não posso rogar a meu Pai
que ponha já ao meu dispor mais de doze legiões de Anjos?
Mas como se cumpririam as Escrituras,
segundo as quais assim tem de acontecer?».
N Voltando-Se depois para a multidão, Jesus disse:
J «Viestes com espadas e varapaus para Me prender
como se fosse um salteador!
Eu estava todos os dias sentado no templo a ensinar
e não Me prendestes...
Mas, tudo isto aconteceu
para se cumprirem as Escrituras das profetas».
N Então todos os discípulos O abandonaram e fugiram.

N Os que tinham prendido Jesus
levaram-n’O à presença do sumo sacerdote Caifás,
onde os escribas e os anciãos se tinham reunido.
Pedro foi-O seguindo de longe,
até ao palácio do sumo sacerdote.
Aproximando-se, entrou e sentou-se com os guardas,
para ver como acabaria tudo aquilo.
Entretanto, os príncipes dos sacerdotes e todo o Sinédrio
procuravam um testemunho falso contra Jesus
para O condenarem à morte,
mas não o encontravam,
embora se tivessem apresentado muitas testemunhas falsas.
Por fim, apresentaram-se duas que disseram:
R «Este homem afirmou:
‘Posso destruir o templo de Deus
e reconstruí-lo em três dias’».
N Então, o sumo sacerdote levantou-se e disse a Jesus:
R «Não respondes nada?
Que dizes ao que depõem contra Ti?»
N Mas Jesus continuava calado.
Disse-Lhe o sumo sacerdote:
«Eu Te conjuro pelo Deus vivo,
que nos declares se és Tu o Messias, o Filho de Deus».
N Jesus respondeu-lhe:
J «Tu o disseste.
E Eu digo-vos:
vereis o Filho do homem
sentado à direita do Todo-poderoso,
vindo sobre as nuvens do céu».
N Então, o sumo sacerdote rasgou as vestes, dizendo:
R «Blasfemou.
Que necessidade temos de mais testemunhas?
Acabais de ouvir a blasfêmia. Que vos parece?»
N Eles responderam:
R «É réu de morte».
N Cuspiram-Lhe então no rosto e deram-Lhe punhadas.
Outros esbofeteavam-n’O, dizendo:
R «Adivinha, Messias: quem foi que Te bateu?»

N Entretanto, Pedro estava sentado no pátio.
Uma criada aproximou-se dele e disse-lhe:
R «Tu também estavas com Jesus, o galileu».
N Mas ele negou diante de todos, dizendo:
R «Não sei o que dizes».
N Dirigindo-se para a porta,
foi visto por outra criada que disse aos circunstantes:
R «Este homem estava com Jesus de Nazaré».
N E, de novo, ele negou com juramento:
R «Não conheço tal homem».
N Pouco depois, aproximaram-se os que ali estavam
e disseram a Pedro:
R «Com certeza tu és deles, pois até a fala te denuncia».
N Começou então a dizer imprecações e a jurar:
R «Não conheço tal homem».
N E, imediatamente, um galo cantou.
Então, Pedro lembrou-se das palavras que Jesus dissera:
«Antes do galo cantar, tu Me negarás três vezes».
E, saindo, chorou amargamente.

Ao romper da manhã,
todos os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo
se reuniram em conselho contra Jesus,
para Lhe darem a morte.
Depois de Lhe atarem as mãos,
levaram-n’O e entregaram-n’O ao governador Pilatos.

Então Judas, que entregara Jesus,
vendo que Ele tinha sido condenado,
tocado pelo remorso, devolveu as trinta moedas de prata
aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos, dizendo:
R «Pequei, entregando sangue inocente».
N Mas eles replicaram:
R «Que nos importa? É lá contigo».
N Então, arremessou as moedas para o santuário,
saiu dali e foi-se enforcar.
Mas os príncipes dos sacerdotes
apanharam as moedas e disseram:
R «Não se podem lançar no tesouro,
porque são preço de sangue».
N E, depois de terem deliberado,
compraram com elas o Campo do Oleiro.
Por este motivo se tem chamado àquele campo,
até ao dia de hoje, «Campo de Sangue».
Cumpriu-se então o que fora dito pelo profeta:
«Tomaram trinta moedas de prata,
preço em que foi avaliado
Aquele que os filhos de Israel avaliaram
e deram-nas pelo Campo do Oleiro,
como o Senhor me tinha ordenado».

N Entretanto, Jesus foi levado à presença do governador,
que lhe perguntou:
R «Tu és o Rei dos judeus?»
N Jesus respondeu:
J «É como dizes».
N Mas, ao ser acusado pelos príncipes dos sacerdotes
e pelos anciãos, nada respondeu.
Disse-Lhe então Pilatos:
R «Não ouves quantas acusações levantam contra Ti?»
N Mas Jesus não respondeu coisa alguma,
a ponto de o governador ficar muito admirado.

Ora, pela festa da Páscoa,
o governador costumava soltar um preso,
à escolha do povo.
Nessa altura, havia um preso famoso, chamado Barrabás.
E, quando eles se reuniram, disse-lhes:
R «Qual quereis que vos solte?»
Barrabás, ou Jesus, chamado Cristo?»
N Ele bem sabia que O tinham entregado por inveja.
Enquanto estava sentado no tribunal,
a mulher mandou-lhe dizer:
R «Não te prendas com a causa desse justo,
pois hoje sofri muito em sonhos por causa d’Ele».

N Entretanto, os príncipes dos sacerdotes e os anciãos
persuadiram a multidão a que pedisse Barrabás
e fizesse morrer Jesus.
O governador tomou a palavra e perguntou-lhes:
R «Qual dos dois quereis que vos solte?»
N Eles responderam:
R «Barrabás».
N Disse-lhes Pilatos:
R «E que hei de fazer de Jesus, chamado Cristo?»
N Responderam todos:
R «Seja crucificado».
N Pilatos insistiu:
R «Que mal fez Ele?»
N Mas eles gritavam cada vez mais:
R «Seja crucificado».
N Pilatos insistiu:
R «Que mal fez Ele?»
N Mas eles gritavam cada vez mais:
R «Seja crucificado».
N Pilatos, vendo que não conseguia nada
e aumentava o tumulto,
mandou vir água
e lavou as mãos na presença da multidão, dizendo:
R «Estou inocente do sangue deste homem.
Isso é lá convosco».
N E todo o povo respondeu:
R «O seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos».
N Soltou-lhes então Barrabás.
E, depois de ter mandado açoitar Jesus,
entregou-O para ser crucificado.
Então os soldados do governador
levaram Jesus para o pretório
e reuniram à volta d’Ele toda a coorte.
Tiraram-Lhe a roupa e envolveram-n’O num manto vermelho.
Teceram uma coroa de espinhos e puseram-Lha na cabeça
e colocaram uma cana na sua mão direita.
Ajoelhando diante d’Ele, escarneciam-n’O, dizendo:
R «Salve, rei dos judeus!»
N Depois, cuspiam-Lhe no rosto
e, pegando na cana, batiam-Lhe com ela na cabeça.
Depois de O terem escarnecido,
tiraram-Lhe o manto, vestiram-Lhe as suas roupas
e levaram-n’O para ser crucificado.

N Ao saírem,
encontraram um homem de Cirene, chamado Simão,
e requisitaram-no para levar a cruz de Jesus.
Chegados a um lugar chamado Gólgota,
que quer dizer lugar do Calvário,
deram-Lhe a beber vinho misturado com fel.
Mas Jesus, depois de o provar, não quis beber.
Depois de O terem crucificado,
repartiram entre si as suas vestes, tirando-as à sorte,
e ficaram ali sentados a guardá-lO.
Por cima da sua cabeça puseram um letreiro,
indicando a causa da sua condenação:
«Este é Jesus, o rei dos judeus».

Foram crucificados com Ele dois salteadores,
um à direita e outro à esquerda.
Os que passavam insultavam-n’O
e abanavam a cabeça, dizendo:
R «Tu, que destruías o templo e o reedificavas em três dias,
salva-Te a Ti mesmo;
Se és Filho de Deus, desce da cruz».
N Os príncipes dos sacerdotes,
juntamente com os escribas e os anciãos,
também troçavam d’Ele, dizendo:
R «Salvou os outros e não pode salvar-Se a Si mesmo!
Se é o Rei de Israel,
desça agora da cruz e acreditaremos n’Ele.
Confiou em Deus:
Ele que O livre agora, se O ama,
porque disse: ‘Eu sou Filho de Deus’».
N Até os salteadores crucificados com Ele o insultavam.

Desde o meio-dia até às três horas da tarde,
as trevas envolveram toda a terra.
E, pelas três horas da tarde, Jesus clamou com voz forte:
J «Eli, Eli, lema sabachtani!»,
N que quer dizer:
«Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonastes?»
Alguns dos presentes, ouvindo isto, disseram:
R «Está a chamar por Elias».
N Um deles correu a tomar uma esponja,
embebou-a em vinagre,
pô-la na ponta duma cana e deu-Lhe a beber.
Mas os outros disseram:
R «Deixa lá. Vejamos se Elias vem salvá-lO».
N E Jesus, clamando outra vez com voz forte, expirou.

N Então, o véu do templo rasgou-se em duas partes,
de alto a baixo;
a terra tremeu e as rochas fenderam-se.
Abriram-se os túmulos
e muitos dos corpos de santos que tinham morrido
ressuscitaram;
e, saindo do sepulcro, depois da ressurreição de Jesus,
entraram na cidade santa e apareceram a muitos.
Entretanto, o centurião e os que com ele guardavam Jesus,
ao verem o tremor de terra e o que estava a acontecer,
ficaram aterrados e disseram:
R «Este era verdadeiramente Filho de Deus».

N Estavam ali, a observar de longe, muitas mulheres
que tinham seguido Jesus desde a Galiléia, para O servirem.
Entre elas encontrava-se Maria Madalena,
Maria, mãe de Tiago e de José,
e a mãe dos filhos de Zebedeu.
Ao cair da tarde,
veio um homem rico de Arimatéia, chamado José,
que também se tinha tornado discípulo de Jesus.
Foi ter com Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus.
E Pilatos ordenou que lho entregassem.
José tomou o corpo, envolveu-o num lençol limpo
e depositou-o no seu sepulcro novo
que tinha mandado escavar na rocha.
Depois rolou uma grande pedra para a entrada do sepulcro,
e retirou-se.
Entretanto, estavam ali Maria Madalena e a outra Maria,
sentadas em frente do sepulcro.

No dia seguinte, isto é, depois da Preparação,
os príncipes dos sacerdotes e os fariseus
foram ter com Pilatos e disseram-lhe:
R «Senhor, lembramo-nos do que aquele impostor disse
quando ainda era vivo:
‘Depois de três dias ressuscitarei’.
Por isso, manda que o sepulcro seja mantido em segurança
até ao terceiro dia,
para que não venham os discípulos roubá-lo
e dizer ao povo: ‘Ressuscitou dos mortos’.
E a última impostura seria pior do que a primeira».
N Pilatos respondeu:
R «Tendes à vossa disposição a guarda:
ide e guardai-o como entenderdes».
N Eles foram e guardaram o sepulcro,
selando a pedra e pondo a guarda.


AMBIENTE

O Evangelho segundo Mateus começa por apresentar Jesus (Mt 1,1-4,22). Descreve, depois, o anúncio central de Jesus: nas suas palavras e nos seus gestos, Jesus anuncia esse mundo novo a que ele chama “o Reino dos céus” (Mt 4,23-9,35). Do anúncio do “Reino” nasce a comunidade dos discípulos - isto é, nasce um grupo que assimila as propostas de Jesus (Mt 9,36-12,50). Os discípulos são a “comunidade do Reino”: instruídos por Jesus, formados na mentalidade do “Reino”, os discípulos recebem a missão de testemunhar o “Reino”, após a partida de Jesus (Mt 13,1-17,27). Na parte final do seu Evangelho, Mateus descreve a ruptura final de Jesus com o judaísmo (Mt 18,1-25,46) e o final do caminho de Jesus: a paixão, morte e ressurreição (Mt 26,1-28,15).
A leitura que hoje nos é proposta é o relato da paixão de Jesus. Descreve como o anúncio do Reino choca com a mentalidade da opressão e, portanto, conduz à cruz e à morte; no entanto, não podemos dissociar os acontecimentos da paixão daqueles que celebraremos no próximo Domingo: a ressurreição é a prova de que Jesus veio de Deus e tinha um mandato do Pai para tornar realidade no mundo o “Reino dos céus”.

MENSAGEM

A morte de Jesus tem de ser entendida no contexto daquilo que foi a sua vida. Desde cedo, Jesus apercebeu-se de que o Pai o chamava a uma missão: anunciar esse mundo novo, de justiça, de paz e de amor para todos os homens. Para concretizar este projeto, Jesus passou pelos caminhos da Palestina “fazendo o bem” e anunciando a proximidade de um mundo novo, de vida, de liberdade, de paz e de amor para todos. Ensinou que Deus era amor e que não excluía ninguém, nem mesmo os pecadores; ensinou que os leprosos, os paralíticos, os cegos, não deviam ser marginalizados, pois não eram amaldiçoados por Deus; ensinou que eram os pobres e os excluídos os preferidos de Deus e aqueles que tinham um coração mais disponível para acolher o “Reino”; e avisou os “ricos” (os poderosos, os instalados), de que o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência, o fechamento só podiam conduzir à morte.
O projeto libertador de Jesus entrou em choque – como era inevitável – com a atmosfera de egoísmo, de má vontade, de opressão que dominava o mundo. As autoridades políticas e religiosas sentiram-se incomodadas com a denúncia de Jesus: não estavam dispostas a renunciar a esses mecanismos que lhes asseguravam poder, influência, domínio, privilégios; não estavam dispostas a arriscar, a desinstalar-se e a aceitar a conversão proposta por Jesus. Por isso, prenderam Jesus, julgaram-no, condenaram-no e pregaram-no numa cruz.
A morte de Jesus é a conseqüência lógica do anúncio do “Reino”: resultou das tensões e resistências que a proposta do “Reino” provocou entre os que dominavam o mundo.
Podemos, também, dizer que a morte de Jesus é o culminar da sua vida; é a afirmação última, porém, mais radical e mais verdadeira (porque marcada com sangue), daquilo que Jesus pregou com palavras e com gestos: o amor, o dom total, o serviço.
Na cruz, vemos aparecer o Homem Novo, o protótipo do homem que ama radicalmente e que faz da sua vida um dom para todos. Porque ama, este Homem Novo vai assumir como missão a luta contra o pecado – isto é, contra todas as causas objetivas que geram medo, injustiça, sofrimento, exploração e morte. Assim, a cruz mantém o dinamismo de um mundo novo – o dinamismo do “Reino”.
Para além da reflexão geral sobre o sentido da paixão e morte de Jesus, convém ainda notar alguns dados que são exclusivos da versão mateana da paixão.

• Ao longo do relato da paixão, Mateus insiste no fato de os acontecimentos estarem relacionados com o cumprimento das Escrituras (Mt 26,24.30.54.56;27,9). Mesmo quando não refere explicitamente o cumprimento das Escrituras, Mateus liga os acontecimentos da paixão de Jesus com figuras e fatos do Antigo Testamento, a fim de demonstrar que a paixão e morte de Jesus faz parte do projeto de Deus, previsto desde sempre. A explicação para esta insistência no cumprimento das Escrituras deve ser buscada no seguinte fato: Mateus escreve para cristãos que vêm do judaísmo; ele vai, portanto, fazer referência a citações e promessas do Antigo Testamento – conhecidas de cor por todos os judeus – a fim de demonstrar que Jesus era esse Messias anunciado pelos profetas e cujo destino passava pelo dom da vida.

• Também Marcos (Mc 14,47) e Lucas (Lc 22,50-51) contam como, no Getsemani, na altura em que Jesus foi preso, um dos elementos do grupo de Jesus agrediu com uma espada um servo do sumo-sacerdote. No entanto, só Mateus apresenta Jesus a condenar explicitamente o gesto, explicando que o projeto do Pai não passa pela violência, mesmo contra os agressores (cf. Mt 26,51-54). O caminho do Pai passa pelo amor e pelo dom da vida; por isso, os discípulos de Jesus não podem recorrer à violência, mesmo que se trate de defender uma causa justa. Este ensinamento tem, neste contexto, uma força especial: é quando Jesus é vítima inocente da violência que Ele afirma de forma clara a recusa absoluta da violência: o “Reino” de Deus nunca passará por esquemas de violência, de imposição, de poder e de prepotência. Na lógica do “Reino”, os fins nunca justificarão os meios.

• Só no Evangelho segundo Mateus aparece o relato da morte de Judas (cf. Mt 27,3-10. Temos uma outra versão do acontecimento em At 1,18-19). O episódio deixa clara a iniqüidade do processo e a inocência de Jesus. A forma como Mateus sublinha o desespero e o arrependimento de Judas, deixa clara a inocência de Jesus, por um lado e, por outro, o desapontamento dos responsáveis pelo processo, empenhados em “sacudir a água do capote” e em declinar responsabilidades.

• São exclusivos de Mateus o sonho da mulher de Pilatos (cf. Mt 27,19) e a lavagem das mãos por parte do procurador romano (cf. Mt 27,24). Estes pormenores aparecem aqui com uma dupla finalidade: por um lado, Mateus quer deixar claro que Jesus é inocente e que os próprios romanos reconhecem o fato; por outro, Mateus sugere que não foi o império romano, mas sim o próprio judaísmo que rejeitou Jesus e a sua proposta de “Reino”. Os pagãos reconhecem a inocência de Jesus; mas o seu próprio Povo rejeita-o. A frase que, no contexto do julgamento de Jesus, Mateus atribui ao Povo (“o seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos” – Mt 27,25) deve também ser entendida neste enquadramento. Mateus explica dessa forma – aos cristãos que vêm do judaísmo – porque é que o judaísmo como conjunto está fora do “Reino”: o judaísmo rejeitou Jesus e quis eliminar a sua proposta.

• Também é exclusiva de Mateus a descrição dos fatos que acompanharam a morte de Jesus: “o véu do Templo rasgou-se em duas partes, de alto a baixo; a terra tremeu e as rochas fenderam-se. Abriram-se os túmulos e muitos dos corpos de santos que tinham morrido ressuscitaram; e, saindo do sepulcro, depois da ressurreição de Jesus, entraram na cidade e apareceram a muitos” (Mt 27,51-53). Através destes elementos, Mateus quer sublinhar a importância do momento. É o tipo de sinais que, segundo a tradição apocalíptica, precederiam a manifestação de Deus, no final dos tempos. Estes sinais mostram que, apesar do aparente fracasso de Jesus, Deus está ali, a manifestar-se como o salvador e libertador do seu Povo.

• Finalmente, só Mateus narra o episódio da “guarda” do sepulcro (cf. Mt 27,62-66). Provavelmente, o relato de Mateus tem uma finalidade apologética… Para os cristãos, o sepulcro vazio era a evidência de que Jesus tinha ressuscitado; mas alguns grupos judeus puseram a circular o rumor de que o corpo de Jesus tinha sido roubado pelos discípulos. Mateus trata de explicar a origem do rumor e de negá-lo veementemente.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão pode partir dos seguintes dados:

• Celebrar a paixão e a morte de Jesus é abismar-se na contemplação de um Deus a quem o amor tornou frágil… Por amor, Ele veio ao nosso encontro, assumiu os nossos limites e fragilidades, experimentou a fome, o sono, o cansaço, conheceu a mordedura das tentações, tremeu perante a morte, suou sangue antes de aceitar a vontade do Pai; e, estendido no chão, esmagado contra a terra, atraiçoado, abandonado, incompreendido, continuou a amar. Desse amor resultou vida plena, que Ele quis repartir conosco “até ao fim dos tempos”: esta é a mais espantosa história de amor que é possível contar; ela é a boa notícia que enche de alegria o coração dos crentes.

• Contemplar a cruz, onde se manifesta o amor e a entrega de Jesus, significa assumir a mesma atitude e solidarizar-se com aqueles que são crucificados neste mundo: os que sofrem violência, os que são explorados, os que são excluídos, os que são privados de direitos e de dignidade… Olhar a cruz de Jesus significa denunciar tudo o que gera ódio, divisão, medo, em termos de estruturas, valores, práticas, ideologias; significa evitar que os homens continuem a crucificar outros homens; significa aprender com Jesus a entregar a vida por amor… Viver deste jeito pode conduzir à morte; mas o cristão sabe que amar como Jesus é viver a partir de uma dinâmica que a morte não pode vencer: o amor gera vida nova e introduz na nossa carne os dinamismos da ressurreição.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DE RAMOS

1. A liturgia meditada ao longo da semana.
Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo de Ramos, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

2. Fazer uma verdadeira procissão.
Preparar com cuidado a aclamação com os ramos (durante a liturgia dos ramos e, depois, cantando Hosana após o prefácio). Se possível, fazer uma verdadeira procissão de entrada, pois a procissão dos Ramos celebra Jesus que, pela primeira vez, se apresenta à multidão como Rei-Messias! Ao entrar na igreja atrás da cruz e do padre, a assembléia caminha com Cristo e deixa-se introduzir na celebração do mistério da sua Paixão, da sua morte e da sua Ressurreição. No final da celebração, recordemos aos fiéis que os ramos benzidos são um símbolo de vitória e de vida, e permanecerão, ao longo do ano, como um sinal de esperança.

3. A Paixão por episódios.
Para a leitura da Paixão, pode-se escolher vários leitores para as várias personagens, que devem preparar muito bem a leitura. Ou pode-se mudar de leitor ao longo da paixão.

4. Oração na lectio divina.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:
Nós Te damos graças pelo testemunho de não-violência dado e ensinado pelos Profetas e, sobretudo, pelo teu Filho Jesus.
Nós Te pedimos. Vem em nosso auxílio, revela-nos cada manhã a escuta da tua Palavra, instrui-nos pelo teu Espírito de paciência. Que nós saibamos, da nossa parte, reconfortar aqueles que não podem mais.

No final da segunda leitura:
Cristo Jesus, nós Te adoramos e bendizemos: Tu que és de condição divina, Tu que Te tornaste servo. Pai, nós Te glorificamos, porque o teu Filho humilhado até ao extremo pelos homens, Tu O revelaste acima de todos.
Nós Te pedimos pela nossa humanidade que continua a sofrer e a fazer sofrer: que se deixe transformar e curar pelo teu Espírito de ressurreição.

No final do Evangelho:
Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor! Nós Te bendizemos, Senhor Jesus, e confessamo-lo: verdadeiramente, Tu és o Filho de Deus.
Perdão pelas nossas negações, as nossas traições, as nossas faltas de fé, que semeiam a morte nas nossas existências e no nosso mundo. Nós sabemo-lo: Tu nunca nos abandonas. Pela tua cruz, livra-nos do mal.

5. Oração Eucarística.
Pode-se escolher a Oração Eucarística II da Assembléia com Crianças.

6. Palavra para o caminho.
Um Rei-Servidor
Mudança radical de valores!
Numa sociedade que só acredita no seu poder, no seu dinheiro, nas suas conquistas, eis o nosso Rei que vem até nós na humildade, no serviço, no sofrimento, vulnerável até morrer.
Discípulos deste Messias-Servidor, onde se situam os nossos valores de referência: do lado do Evangelho? Do lado do mundo? Não há meio termo…






















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