Eclesiologia



ECLESIOLOGIA
           
Professando “Creio em um só Deus Pai todo-poderoso”, o cristão põe em relevo a obra do Pai na história da salvação: é Ele o “Criador do céu e da terra”. Assim o Pai é apresentado como o Princípio, Aquele que, criando, desencadeia todo o processo da história subseqüente.
Ao professar a fé no Filho, o cristão afirma a obra salvífica do Filho: “Ele se fez homem, nascendo de Maria Virgem; padeceu, morreu, ressuscitou e subiu ao céu, donde voltará para julgar os vivos e os mortos”. Assim se apresenta o Filho como o novo Criador, Aquele que dá origem a uma nova humanidade posta em comunhão com a vida do próprio Deus; fomos feitos filho no FILHO.
O cristão professa sua fé no Espírito Santo que existe e opera na Santa Igreja Católica, ou seja, para rematar a obra de Jesus Cristo, levando à plenitude, em cada cristão, a Redenção e configurando a Cristo os discípulos de Cristo.   
Assim, a Igreja é Santa, porque é vivificada pelo Espírito Santo, como obra prima do Paráclito. Ela possui a garantia da indefectibilidade em assuntos de fé e de moral, porque é animada pelo Espírito.
A Igreja é dita “a comunhão dos Santos”. Esta expressão traduz o grego koinonia ton hagion, que se deve entender como comunhão de todas as coisas, antes do mais. Essas “coisas santas” são os méritos de Cristo, dos quais cada cristão é feito participante pelo Santo Batismo; visto que todos participam desse mesmo tesouro, todos comungam entre si, fazendo a comunhão de pessoas santas, pessoas santas na medida em que comungam com os méritos de Cristo, que é o santo por excelência.
A remissão ou o perdão dos pecados é o fruto imediato da comunhão do cristão com a Igreja vivificada pelo Espírito. O próprio Jesus associou a remissão dos pecados ao envio do Espírito Santo, quando na noite de Páscoa soprou sobre a face dos discípulos e lhes disse: “Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20,22-23). 
            Tendo recebido o perdão dos pecados, o cristão cultiva uma vida nova, “um tesouro em vaso de argila” (2Cor 4,7), tesouro que tende a desabrochar sobre o próprio corpo humano no dia da ressurreição da carne ou no fim dos tempos.           
            Daí seguir-se-á a vida eterna ou a bem-aventurança dos justos.

            É nestes temos que se esboça o conceito central de Igreja, o conceito que o Concílio Vaticano II mais incutiu, que é o de Igreja-Sacramento. Sim; a Igreja é uma realidade divino-humana; através de instrumentos humanos e elementos sensíveis, Cristo comunica a sua graça a quem participa desse sacramento: “A Igreja é em Cristo como que o Sacramento ou o sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano” (Lumem Gentium).

ANTES DA CRIAÇÃO DO MUNDO

Ef 1,4  “o Pai nos escolheu antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor”.
“Antes da criação do mundo”. Eis palavras densas, que revelam o desígnio de Deus em relação aos homens. Este desígnio parte do Pai e volta ao Pai.
Tem por centro Jesus Cristo e por termo final nós, os homens. Somos reunidos pelo Amor ou no Amor, que é o Espírito Santo. Este nos enxerta em Cristo, pelo qual nos voltamos para o Pai.           
 Esta reunião de todos os homens em Cristo, vinculados pelo Amor (Espírito Santo), é o que o Novo Testamento chama de Igreja.
            Isto quer dizer que o conceito de Igreja é parte integrante do eterno plano salvífico de Deus.

            O eterno desígnio de Deus começou a se esboçar no tempo a partir da figura de Abraão (séc. XIX a.C.). Deus então escolheu um povo que seria o portador da fé e da esperança da humanidade. Com esse povo descendente de Abraão Deus quis fazer uma aliança, renovada por intermédio de Moisés (séc. XIII a.C.), aliança que era a preparação da Aliança definitiva a ser celebrada na plenitude dos tempos. Em Cristo e por Cristo revelou-se de maneira plena o plano salvífico de Deus. Este continua a se desdobrar, dia por dia, na Igreja e pela Igreja, que é o Corpo de Cristo, peregrino na terra até chegar à consumação na glória da Jerusalém celeste.

DA CRIAÇÃO ATÉ MOISÉS

            Tendo dito Não a Deus por soberba, os primeiros pais perderam a especial comunhão com Deus e acarretaram sobre si e seus descentes a morte, o sofrimento, a desordem das paixões. Mas logo depois da queda começou a série de etapas destinadas a preparar a restauração da plena comunhão com Deus.
           
            1) A promessa feita aos primeiros pais. Deus prediz a Eva que da sua linhagem sairá alguém que esmagará a cabeça da serpente ou do tentador (Gn 3,15). Já se esboça então a linhagem daqueles que lutam contra o pecado e que têm seu expoente máximo no Senhor Jesus. Este, embora vencedor do Maligno, seria por ele ferido no calcanhar ou atingido em sua natureza humana pela morte de Cruz.
            É de notar que o primeiro homem, tem o papel de pai responsável pela sorte de sues descendentes; a sua resposta negativa, dada a Deus, repercute em todo o gênero humano.

            2) O episódio da torre de Babel. (Gn 11,1-9) não pretende explicar a origem das línguas, mas propõe uma lição teológica de grande valor para a história da humanidade e o conceito de Igreja. Com efeito, na terra de Senaar (Babilônia, Mesopotâmia), os homens resolveram construir um império (simbolizado pela torre) que desafiasse Deus. A conseqüência desse empreendimento arrogante e ímpio é que começaram a se desentender entre si, movidos pelos interesses pessoais, e tiveram que se dispersar (a multiplicação das línguas é mera conseqüência da dispersão dos homens, que foram criando suas culturas próprias); desta maneira ficou frustrada a sua tentativa de se unirem entre si sem Deus ou contra Deus.
            Este episódio havia de ser resgatado na plenitude dos tempos pelo fato de Pentecostes. O Espírito Santo havia de ser dado aos Apóstolos para reunir homens de diversas línguas e culturas num só povo, em que as peculiaridades nacionalistas seriam superadas pelo amor de Deus derramado nos corações (Rm 5,5). Esse povo novo, congregado pelo Espírito Santo, é a Igreja.
           
            3) A vocação de Abraão. Por volta de 1850 a C. Deus houve por bem chamar um homem de Ur da Caldéia, de origem pagã, mas que crê no Deus único que lhe fala. Chama-o para uma terra desconhecida; a esse homem, prometeu uma terra na qual se fixará a sua descendência. A esse chamado é associada a promessa de bênção para todos os povos mediante a linhagem de tal homem.
            E, para assinalar bem o significado dessa promessa, o Altíssimo troca-lhe o nome, que, em vez de Abrão, seria para o futuro Abraão = pai de multidão de povos: “Este é o pacto que faço contigo: serás o pai de uma multidão de povos. De agora em diante não te chamaras mais Abrão, e sim Abraão, porque farei de ti o pai de uma multidão de povos” (Gn 17, 4-5).  
            Essa promessa, que interessa toda a história da humanidade, é selada por um pacto ou uma aliança: Abrão tinha noventa e nove anos. O Senhor apareceu-lhe e disse-lhe: “Eu sou o Deus Todo-poderoso. Anda em minha presença e sê íntegro; quero fazer aliança contigo e multiplicarei ao infinito a tua descendência”. Abrão prostrou-se com o rosto por terra (Gn 17, 1-3).
            À promessa Deus só pede uma resposta: a fé. Abraão prestou fé à Palavra de Deus, deixando sua terra de origem, em demanda da terra que Deus lhe mostraria, como também prontificando-se a imolar o filho Isaac, que Deus lhe dera como herdeiro da bênção. Esta fé traduzida em gestos concretos fez que Abraão se tornasse o amigo de Deus: “Abraão acreditou em Deus, e isto lhe foi tido em conta de justiça” (Gn 15,6).
            A história de Abraão prefigura mais uma vez o mistério da Igreja. A verdadeira descendência de Abraão são todos aqueles que pela fé seguem o exemplo do Patriarca e se tornam herdeiros das bênçãos prometidas a Abraão; constituem a Igreja que tem por Cabeça Jesus Cristo, o Filho herdeiro de Abraão por excelência (na medida em que é Deus feito homem): “nem todos os descendentes de Abraão são filhos de Abraão; mas, é em Isaac que terás uma descendência que trará o teu nome. Isto é, não são os filhos da carne que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa é que serão considerados como descendentes” (Rm 9, 7-8).

            4) Moisés e a Aliança do Sinai. No século XIII a C. o povo de Abraão, cativo no Egito, foi retirado da terra do Faraó pelo Senhor Deus mediante Moisés. Este acontecimento tornou-se fundamental para a teologia posterior. Era o primeiro êxodo, que prefigurava o grande êxodo a ser efetuado na plenitude dos tempos mediante Jesus Cristo, que tiraria o povo de Deus cativo sob o jugo do pecado e da morte para o reino de Deus, Reino de amor e vida.
            O povo libertado do Egito renovou sua Aliança com Deus ao pé do monte Sinai. Dessa vez a Aliança era estipulada sobre termos mais precisos e concretos ou sobre as tábuas da Lei; o cumprimento da Lei seria o sinal da fidelidade de Israel a Deus, doravante a Sagrada Escritura fala de “um reino de sacerdotes e uma nação santa” (Ex 19,6). Essa nação santa é também chamada o gahal de Javé; gahal, em hebraico, designa a assembléia convocada para o culto e o louvor do Senhor:
            “E o Senhor entregou-me as duas tábuas de pedra escritas com o dedo de Deus, nas quais estavam gravadas todas as palavras que o Senhor vos tinha dirigido no monte, no meio do fogo, no dia da assembléia” (Dt 9,10).
            “O rei voltou-se, em seguida, para a assembléia, que estava de pé e a abençoou. Bendito seja, disse ele, o Senhor, Deus de Israel, que, pela sua própria boca falou a Davi, meu pai, e que, pela sua mão, realizou suas promessas” (Cr 6,3).

            Com o tempo, gahal veio a designar a comunidade santa de Israel.
            Ora a palavra gahal foi traduzida, no texto grego dos LXX, por ekklesía = convocação, palavra grega que em português deu Igreja. No Novo Testamento, ekklesía é o novo povo de Deus, a Igreja de Cristo (Mt 16,18; Mt 18,17), a assembléia daqueles que Deus chama ao seu Reino e à sua glória (1Ts 2,12).

O REINO DE ISRAEL - JERUSALÉM E O TEMPLO


            Tendo entrado na Terra Prometida, por obra de Josué, sucessor de Moisés, o povo de Israel ficou algum tempo sob o regime dos juízes. Ao que se sucedeu a monarquia, cujos principais reis foram Davi (1010-970) e Salomão (970-931).
            Davi fez da fortaleza pagã dos jebuseus a sua capital com o nome de Jerusalém. O reino de Israel era diferente dos outros reinos, pois o seu povo era um povo escolhido por Deus para uma missão especial. Daí dizer o rei Davi: “Dentre todos os meus filhos - pois o Senhor me deu muitos - ele escolheu meu filho Salomão, para fazê-lo assentar sobre o trono do reinado do Senhor em Israel” (1 Cr 28,5).
            O Senhor Deus era tido como o Rei de Israel, que tinha um represente no monarca humano “ungido”. Por isto também a capital desse reino era Cidade Santa, a morado do Senhor (Sl 75,3)  e de seu Ungido. Jerusalém veio a personificar o povo de Deus.
            Salomão construiu o Templo do Senhor em Jerusalém, que acolheu a arca da Aliança, símbolo da presença do Senhor em meio ao seu povo e lugar de sua glória: “Quando os sacerdotes saíram do lugar santo, a nuvem encheu o templo do Senhor, de modo tal que os sacerdotes não puderam ali ficar para exercer as funções de seu ministério; porque a glória do Senhor enchia o templo do Senhor. Então disse Salomão: O Senhor declarou que habitaria na obscuridade. Por isso, edifiquei uma casa para vossa residência, um lugar onde habitareis para sempre” (1Rs 8, 10-13).
            Na mente dos judeus, Jerusalém foi sendo mais e mais considerada o futuro centro do mundo. As promessas messiânicas beneficiariam primeiramente Jerusalém.

A CAMINHO DA NOVA E DEFINITIVA ALIANÇA

            No século VI a C. dá início a um período da história de Israel que é decisivo na preparação da vinda do Messias, mas caracterizado por duas notas: sofrimento e esperança. Sofrimento, porque de 587 a 538 o povo de Judá é sujeito ao exílio na Babilônia e nunca mais recuperará a plena autonomia política. Esperança, porque o povo teve de viver das promessas feitas aos antepassados; foi preciso avivar em Israel a consciência de que Deus permanece fiel, mesmo quando o povo cede à infidelidade. Dos escritos dos Profetas depreendem-se os seguintes traços:
-         Israel sobreviverá ao golpe do exílio mediante “um Resto”;
-         Esse Resto terá características mais espirituais e profundas do que o povo anterior ao exílio;
-         A esse Resto toca uma missão universal ou voltada para a salvação de todos os homens. 

O “Resto” de Israel           

            Para entender tal locução, é preciso ter em conta que. No dia em que Ciro rei da Pérsia concedeu aos judeus deportados a permissão para voltarem à terra de Judá, nem todos os exilados a aceitaram: os que se haviam social e economicamente promovido no estrangeiro, não tiveram a coragem de deixar tudo mais uma vez a fim de reconstruírem Jerusalém arrasada pelos invasores; por conseguinte, quem voltou para Judá, foram os pobres ou o “Resto” de Israel. Com esses Deus quis continuar a história da salvação; pobres de bens materiais, haviam conservado a fé e a esperança nas promessas divinas:
            “O que restar de Sião, os sobreviventes de Jerusalém, serão chamados santos, e todos os que estiverem computados entre os vivos em Jerusalém” (Is 4,3).     
            O povo que voltou do exílio, era um povo purificado, mais voltado para os valores espirituais, mais preparado para dar ao mundo o Messias e, com este, a Boa Nova da salvação para todos os povos. Essa renovação profunda é expressa por uma imagem freqüente nos escritos proféticos do exílio e do pós-exílio: Israel é a Esposa do Senhor, Esposa por vezes infiel, mas jamais abandonada pelo Divino Esposo: “não mais serás chamada a desamparada, nem tua terra, a abandonada; serás chamada: minha preferida, e tua terra: a desposada, porque o Senhor terá prazer em ti e tua terra terá um esposo; assim como um jovem desposa uma jovem, aquele que te tiver construído te desposará; e como a recém-casada faz a alegria de seu marido, tu farás a alegria de teu Deus” (Is 62, 4-5).

            Universalismo

            Desde as suas origens, Israel foi escolhido para desempenhar uma missão aberta a todos os povos. Todavia, para realizar sua vocação de guardar e transmitir a verdadeira fé a todos os homens, Israel foi um povo separado dos demais: ”Sereis para mim santos, porque eu, o Senhor, sou santo; e vos separei dos outros povos para que sejais meus” (Lv 20,26).              
            O exílio (587-538 a C.) e a dominação estrangeira que se lhe seguiu, contribuíram para alimentar em Israel a consciência de sua singularidade, que gerava aversão aos povos pagãos.
            Com o tempo, porém, os autores sagrados avivaram no judaísmo a noção de que se devia abrir às demais nações e fazê-las participar da bênção messiânica: “Dir-se-á de Sião: Um por um, todos esses homens nela nasceram; foi o próprio Altíssimo quem a fundou. O Senhor inscreverá então no registro dos povos: Aquele também nasceu em Sião. Todas as minhas fontes se acham em ti” (Sl 86 5-7).

            “E virei para reunir os homens de todas as nações e de todas as línguas; todos virão e verão minha glória” (Is 66,18).
            O universalismo encontrou forte resistência no povo posterior ao exílio até a época de Cristo. As tentativas, dos estrangeiros, de impor aos judeus costumes pagãos provocaram aversão aos inimigos, aversão que somente poucos dentre os israelitas do tempo de Jesus souberam superar.      
            Seria preciso que Cristo viesse para sobrepujar definitivamente o nacionalismo judeu; em Jesus morreu o Israel segundo a carne e ressuscitou o Israel segundo o Espírito. Nessa ocasião nasceu a Igreja, e nasceu do lado aberto de Cristo. 
Um Povo salvo por Deus
            A Sagrada Escritura caracteriza Israel como o Povo de Deus ou o Povo que Deus salvou para realizar, mediante ele, seu desígnio salvífico.

            “Serás bendito mais que todos os povos” (Dt 7,14).

            “Que o teu coração não se eleve, e não te esqueças do Senhor, teu Deus, que te tirou do Egito, da casa da servidão” (Dt 8,14).    

            Estes textos põem em relevo a gratuidade do chamado e do dom de Deus. Ele nada deve a ninguém; dá a quem Ele quer. Esta lei perpassa toda a história do relacionamento de Deus com os homens.
            “Tu és um povo consagrado ao Senhor, teu Deus, o qual te escolheu para ser um povo que lhe pertença de um modo exclusivo entre todas as outras nações da terra” (Dt 14,2).       
            A resposta do homem a esse amor de Deus é, amor a Deus e o amor ao próximo.
            Era preciso que Israel retribuísse com amor o amor recebido de Deus. Daí a prescrição solene:
            “Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças. Os mandamentos que hoje te dou serão gravados no teu coração” (Dt 6, 4-6).
            O amor a Deus consiste em observar os seus preceitos com fidelidade:

            “Se observardes fielmente todos os mandamentos que vos prescrevo, amando o Senhor, vosso Deus, andando em seus caminhos e apegando-vos a Ele” (Dt 11,22)
            Com a mesma ênfase, a Sagrada Escritura recomenda o amor ao próximo como decorrência do amor de/a Deus. Este amor devia traduzir-se em praticas concretas.
            Todo amor recomendado a Israel devia tornar santo (no sentido ético) esse povo consagrado a Deus.           
            Um povo Santo

            A palavra Santo (qadosh em hebraico) significa “o que é separado para Deus” ou “consagrado a Deus”. o povo de Israel era santo nesse sentido objetivo ou pelo fato de haver sido escolhido e segregado por Deus.
            A essa santidade objetiva devia corresponder uma santidade subjetiva ou pessoal ética. Sim, os israelitas eram os filho de Deus: “Sois filhos do Senhor vosso Deus” (Dt 14,1). Por conseguinte, deviam levar uma vida coerente com essa dignidade ou uma vida santa.

            Essa santidade devia comprovar-se na observância de vários preceitos que, para o homem moderno, parecem infantis, mas se revestiam de grande importância para os antigos, vindo a ser a pedra de toque da fidelidade de Israel ao seu Senhor.           
            A meta proposta ao povo é a mais elevada e nobre possível: ser santos, imitando o próprio Deus. Todavia o meio para atingir esse sublime termo é adaptado à compreensão do povo rude: distinguir animais puros e impuros – o que era de importância capital para os antigos israelitas. A divina pedagogia, muito sábia, propôs ao povo da Nova Aliança a mesma meta: “sede perfeitos como vosso Pai Celeste é perfeito” (Mt 5,48). Desta vez, porém, o caminho para chegar a tão elevado terno é o de uma ética mais adulta e amadurecida: “amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos maltratam e perseguem. Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos” (Mt 5, 44-45).

           Um povo Guiado pelo Espírito

            A grande novidade da era messiânica é devida, segundo os Profetas, à efusão do Espírito de Deus sobre o Messias, sobre Israel e todos os povos: “Até que sobre nós se derrame o Espírito do alto, então o deserto se mudará em vergel, e o vergel tomará o aspecto de uma floresta;  no deserto reinará o direito, e a justiça residir no vergel.  A justiça produzirá a paz e o direito assegurará a tranqüilidade” (Is 32, 15-17).
            O Espírito, no entender dos Profetas (os israelitas ignoravam o mistério da SS Trindade), era uma peculiar ação de Deus, causador de efeitos especiais e extraordinários.
            Assim na história dos Juízes o Espírito é a força de Deus que os leva a grandes façanhas militares; também os artífices do sagrado são revestidos pelo Espírito; os carismas dos Profetas são dons do Espírito.
            Todavia a manifestação plena do Espírito do Senhor (que no Novo Testamento é reconhecido como Pessoa Divina) dar-se-ia nos tempos do Messias, como dom especial trazido pelo Messias aos homens.
             O Profeta Joel é, por excelência, o arauto do dom do Espírito trazido pelo Messias:
            “Depois disso, acontecerá que derramarei o meu Espírito sobre todo ser vivo: vossos filhos e vossas filhas profetizarão; vossos anciãos terão sonhos, e vossos jovens terão visões. Naqueles dias, derramarei também o meu Espírito sobre os escravos e as escravas” (Jl 3, 1-2).   
            O Espírito derramado nos corações dos homens fará que estes se sintam espontaneamente movidos a observar a Lei do Senhor, dispensando a Lei escrita em tábuas de pedra.            
            O povo messiânico terá um Rei ideal..., Rei e Sacerdote. O Salmo 109 canta em poucas palavras a realeza e o sacerdócio do Messias (= Ungido); também falam desse Rei ideal os Salmos 2 e 19. Tal Rei e Sacerdote será igualmente Profeta, ou seja, arauto da Palavra, novo Moisés.
            “Eu lhes suscitarei um profeta como tu (Moisés) dentre seus irmãos: por-lhe-ei minhas palavras na boca, e ele lhes fará conhecer as minhas ordens” (Dt 18,18).
            “O Espírito do Senhor repousa sobre mim, porque o Senhor consagrou-me pela unção; enviou-me a levar a boa nova aos humildes, curar os corações doloridos, anunciar aos cativos a redenção, e aos prisioneiros a liberdade; proclamar um ano de graças da parte do Senhor, e um dia de vingança de nosso Deus; consolar todos os aflitos” (Is 61, 1-2).
            Esse Messias é também chamado “o Servo de Javé”, aquele que assume os pecados do povo e se sacrifica em lugar dos pecadores numa atitude de expiação, que é redenção. 

O REINO DE DEUS

            O conceito de Reino de Deus é fundamental na Eclesiologia do Novo Testamento: a Igreja é o princípio ou, como se dirá, o Sacramento do Reino de Deus. Tal conceito é apresentado pelos Evangelhos com ênfase especial. Jesus assim inicia sua pregação: “O tempo se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15).
            A noção de Reino de Deus já estava presente no Antigo Testamento; o trono régio de Israel era o trono do Senhor. Todavia, o reinado de Deus devia estender-se a todo os povos mediante o Messias, também chamado “Filho do Homem”.
            São João Batista anunciou a vinda do Reino de Deus, na qualidade de precursor e Jesus começou a fundá-lo percorrendo três etapas: 1) Vida pública do Senhor, com sua pregação e seus milagres; 2) O sacrifício que selou a nova e definitiva Aliança: 3) A vinda do Espírito Santo em Pentecostes, que inaugurou o sacramento do Reino de Deus, que é a Igreja.

VIDA PÚBLICA DE JESUS

            Jesus diz explicitamente que Ele veio para anunciar o Reino: “É necessário que eu anuncie a boa nova do Reino de Deus também às outras cidades, pois essa é a minha missão” (Lc 4,43). “A lei e os profetas duraram até João. Desde então é anunciado o Reino de Deus, e cada um faz violência para aí entrar” (Lc 16,16).
            Não somente é anunciado o Reino; ele é feito presente, porque a pessoa e a obra de Cristo são o início desse Reino, que expulsa o Maligno, propulsor do pecado e espírito dominador do homem.
            Jesus não apenas falou, Ele realizou sinais da presença do Reino de Deus. Com efeito, Jesus apresentou seus milagres a João com sendo sinais de que Ele era o Messias e inaugurava a restauração, em sua integridade, da humanidade ferida pelo pecado e suas conseqüências.       
            “Tendo João, em sua prisão, ouvido falar das obras de Cristo, mandou-lhe dizer pelos seus discípulos: Sois vós aquele que deve vir, ou devemos esperar por outro?  Respondeu-lhes Jesus: Ide e contai a João o que ouvistes e o que vistes: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, o Evangelho é anunciado aos pobres...” (Mt 11, 2-5.
Se, de um lado, o Reino de Deus apregoado e implantado por Jesus é o eco do Reino esboçado no Antigo Testamento, de outro lado difere deste, no sentido de que nada tem de político, como podiam esperar os israelitas.
É o que depreende claramente no colóquio dos discípulos de Emaús com o Senhor: “Nós esperávamos que fosse Ele (Jesus) quem redimira Israel, mas faz três dias que todas essas coisas aconteceram”.
Aliás, o próprio Jesus disse “Meu reino não é desde mundo”.
Entrar no Reino de Deus é simplesmente seguir o Cristo e entregar a vida para lhe ser incondicionalmente fiel, ao passo que recusar seguir Jesus é perder a própria vida e excluir-se do Reino.
“Em seguida, convocando a multidão juntamente com os seus discípulos, disse-lhes: Se alguém me quer seguir, renuncie-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Porque o que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas o que perder a sua vida por amor de mim e do Evangelho, salvá-la-á” (Mc 8, 34-35).           
Por isto, no fim da vida terrestre, cada qual será julgado na base da atitude tomada frente a Jesus presente nos pobres, doentes, famintos, nus e encarcerados (Mt 25, 31-46).

É de notar que Jesus tenciona organizar seu Reino escolhendo doze Apóstolos, que Ele forma para continuarem sua obra e que, por seu número doze, estão na continuidade das doze tribos de Israel ou do povo de Deus no Antigo Testamento. 
"Nós da ICAB, acreditamos que toda igreja é preciso ter cara e as cores de uma nação Dom Carlos", assim somos com o nosso jeito e ser de evangelizar.
Nosso sicero respeito a ICAR.
O MISTÉRIO DA PÁSCOA 
Depois de pregar e realizar sinais, Jesus, por seu sangue, selou a nova e definitiva Aliança entre Deus e os homens. Preencheu o papel do Servo de Javé, que morre em expiação dos pecados alheios e reúne os homens em torno de si.
A morte de Cristo se situa na época de Páscoa. Na véspera de morrer, celebra com seus discípulos a ceia de Páscoa, na qual entrega seu corpo para o perdão dos pecados e o seu sangue, ... “o sangue da Aliança derramado em favor de muitos (=todos)”; o corpo e o sangue de Jesus foram imolados como os de uma vítima não só para expiar pecados, mas também para selar a nova e definitiva Aliança; na verdade, os dizeres de Jesus sobre o seu sangue fazem alusão a Ex 24,8 “Eis, disse ele, o sangue da aliança que o Senhor fez convosco”. 
            Na mesma ocasião, Jesus instituiu os meios que põem essa nova Aliança ao alcance de todas as gerações: a Eucaristia, que faz a Igreja, e o sacramento da Ordem que faz a Eucaristia. A Igreja, que tem a sua vida nos sacramentos, se torna ela mesma um sacramento; isto quer dizer que, através da realidade humana da Igreja, regida por leis e institucionalizada, passa a graça de Deus ou uma dádiva transcendental destinada a santificar os homens.
            A Paixão de Cristo, que culminou com a morte de Cruz, não se entenderia sem a sua ressurreição ou vitória sobre a morte. Ele a venceu em nosso favor.
            A aplicação desta vitória é feita pela Igreja, que, como dito, é o sacramento pelo qual o Senhor Jesus nos comunica a vida do Pai.
            A Igreja nasceu quando o lado de Cristo foi perfurado na Cruz, deixando jorrar água e sangue símbolos dos sacramentos do Batismo e da Eucaristia.                    
A fundação da Igreja, iniciada por Cristo, foi consumada pelo dom do Espírito Santo em Pentecostes.

PENTECOSTES E A IGREJA NASCENTE

            É no livro dos Atos dos Apóstolos que se podem colher os elementos respectivos. Jesus prometeu o Espírito Santo como “o outro Paráclito”. Aquele que continuaria a obra da salvação realizada na primeira Páscoa cristã. Por conseguinte, tendo deixado os discípulos o Senhor enviou-lhes o Dom prometido. Trata-se de um fenômeno de multiplicação de línguas, que resgata o episódio de Babel, e neúne numa só família homens de diversas culturas, vinculados entre si pelo amor sobrenatural derramado em seus corações.
            O evento de Pentecostes está em paralelo com a criação do primeiro homem, conforme Gn 1,7; o texto sagrado narra que Deus modelou um boneco de barro, soprou-lhe na face “um hálito de vida”, donde se originou um homem novo. Ora antes de Pentecostes havia estruturas, que o Espírito Santo passou a animar.       
            Assim Pentecostes é o ato final da fundação da Igreja; quando o Espírito Santo desceu do céu e encheu os cento e vinte discípulos reunidos no mesmo lugar.

IGREJA – SACRAMENTO DA COMUNHÃO

            A Igreja não é uma comunidade puramente espiritual, destituída de notas sensíveis características. Ao contrário, ela tem sua estrutura visível, que é portadora e transmissora da vida do próprio Deus. Daí ser a Igreja Sacramento, sacramento que continua o da humanidade de Cristo.            

A hierarquia da Igreja

            O Novo Testamento apresenta dois textos importantes para se conceber a hierarquia da Igreja:

            Mt 18,18: os Apóstolos recebem o poder de ligar e desligar;

            Mt 16,19: Pedro, a sós, recebe o mesmo poder.

            Em Jo 21, 15-17, Jesus confia a Pedro a função de apascentar o rebanho de Cristo, não o rebanho de Pedro. Cristo fica sendo de modo invisível o Pastor Supremo das ovelhas; Pedro não é o sucessor de Jesus, mas apenas o Representante ou aquele que faz as vezes do Pastor Supremo.
            Na noite de Páscoa Jesus soprou-lhes na face e diz “Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 22-23). 
            Com estas palavras, Jesus envia seus discípulos a pregar, em continuação com o envio ou a missão que Jesus recebeu do Pai. Esta continuidade é reforçada pelo dom do Espírito Santo,  que proporcionará aos Apóstolos fazer o que só Deus faz, para a santificação do povo de Deus; perdoar os pecados.
            Assim Jesus constitui a hierarquia da Igreja, confiada aos Apóstolos, chefiados por Pedro, e a seus sucessores.       

            Estrutura comunitária; o amor fraterno

            Jo 13, 34-35 “Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros”. 
            Como se vê, o amor não é apenas um fruto espontâneo da vida cristã em nós, mas é também um preceito. Esse preceito é inerente à estrutura visível da Igreja; ele suscita o testemunho que a Igreja deve dar ao mundo; o amor fraterno é o sinal de que alguém é discípulo de Cristo; sem esse amor, a face visível da Igreja se apaga. O mandamento é dito “novo”, não porque não esteja presente no Antigo Testamento, mas porque o modelo do amor é o do próprio Cristo, modelo totalmente inédito 
Comunhão na história – combate e vitória
            A história da Igreja continua a história de Cristo perseguido, morto e ressuscitado. É marcada pelo sinal da morte e ressurreição.
            A própria Paixão de Cristo é assinalada pela luta do Maligno contra Jesus.
            Jo 14, 30 “Já não falarei muito convosco, porque vem o príncipe deste mundo; mas ele não tem nada em mim”.
            Atualmente Satanás, não podendo mais atacar a Cristo Cabeça, ele ataca os membros do Corpo de Cristo:
            Jo 15, 18-20 “Se o mundo vos odeia, sabei que me odiou a mim antes que a vós. Se fósseis do mundo, o mundo vos amaria como sendo seus. Como, porém, não sois do mundo, mas do mundo vos escolhi, por isso o mundo vos odeia. Lembrai-vos da palavra que vos disse: O servo não é maior do que o seu senhor. Se me perseguiram, também vos hão de perseguir”.    
            Destas palavras se segue que entre a Igreja e o reino de Satanás e do pecado, a oposição é inevitável. Uma Igreja não perseguida não seria a Igreja do Crucificado. Poderia dar a impressão de haver triunfado; mas, na verdade, estaria vencida           

            A Igreja da vitória

            O Apocalipse é precisamente o livro da esperança cristã, não por predizer aos leitores dias melhores e afagados pelo fato de serem fiéis a Deus, mas por assegurar-lhes que toda a história da Igreja e da humanidade é regida pelo Cordeiro. Este, chagado, mas glorioso, traz em suas mãos o livro que contém as peripécias de todos os tempos, de modo que nada acontece que não esteja englobado no sábio plano de Deus (Ap 5).
            A palavra decisiva da luta da Igreja e de seus adversários já foi proferida.
Jo 16, 33 “Referi-vos essas coisas para que tenhais a paz em mim. No mundo haveis de ter aflições. Coragem! Eu venci o mundo”.  
            Satanás quer aproveitar as últimas oportunidades que lhe restam, para arrastar consigo os membros da Igreja frágeis; daí a sua sanha: “Este, então, se irritou contra a Mulher e foi fazer guerra ao resto de sua descendência, aos que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus” (Ap 12, 17). Todavia será vencido definitivamente. Os grandes vitoriosos serão os que tiverem sustentado com fé corajosa o combate contra o mal:
            1Jo 5,4 “Porque todo o que nasceu de Deus vence o mundo. E esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé”.
            A Igreja é, pois, a assembléia dos que foram chamados para vencer. Todavia essa vitória deve ser conquistada arduamente; o cristão não é um privilegiado. É, paradoxalmente, alguém que deve chegar a uma vitória que já lhe foi assegurada.
Um Povo Sacerdotal
            Assim como o povo do Antigo Testamento era chamado “uma nação santa”, também a Igreja é tida como constituída por santos (no sentido de consagrados a Deus pelo Batismo), o Apóstolo fala dos “santos de Jerusalém que estão na pobreza”; fala da “coleta em favor dos santos”. Esse povo santo oferece um culto espiritual, ou seja, por toda a sua vida fiel a Deus se oferece em oblação vivificada pelo Espírito Santo.
            Rm 12,1 “Eu vos exorto, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, a oferecerdes vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus: é este o vosso culto espiritual”.
            São Paulo afirma que os cristãos são templo de Deus:

            1Cor 3, 16-17 “Não sabeis que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo de Deus é sagrado - e isto sois vós”.   
            A expressão “povo de Deus... santo e sacerdotal” faz eco vivo à temática do Antigo Testamento. Eis, porém, que esse povo tem sua face tipicamente cristã; algo de novo foi nele instaurado: “Todo aquele que está em Cristo é uma nova criatura. Passou o que era velho; eis que tudo se fez novo!” (2Cor 5, 17).

            O Corpo de Cristo que é a Igreja

            O Batismo é a porta de entrada no novo povo. É também incorporação numa comunidade em que as diferenças meramente humanas desaparecem, pois todos se tornam um só corpo em Cristo.
            A imediata conseqüência deste fato é que o cristão vive em Cristo.

            Significa que, pelo Batismo, o cristão é feito participante da vida do próprio Cristo Ressuscitado mediante a ação do Espírito Santo, Espírito que é o grande artesão de nossa configuração a Cristo e inserção em Cristo.
            Rm 6, 5.8 “Se fomos feitos o mesmo ser com ele por uma morte semelhante à sua, sê-lo-emos igualmente por uma comum ressurreição. Ora, se morremos com Cristo, cremos que viveremos também com ele”;

            1Cor 3,23 “Somos de Cristo”;

Gl 3, 29 “Pertencemos a Cristo”

            Gl 3, 27 “Revestimos de Cristo”

            Gl 2,20 “Cristo é nossa vida”

            A inserção em Cristo e a vida com Cristo levam o cristão a participar da vida da SS Trindade.
            É o Espírito Santo quem propicia a nossa filiação divina: “Sede solícitos em conservar a unidade do Espírito no vínculo da paz. Sede um só corpo e um só Espírito, assim como fostes chamados pela vossa vocação a uma só esperança” (Ef 4, 3-4).

Igreja a Esposa de Cristo

Principalmente na literatura profética ocorre a figura da Esposa para designar Israel, a Filha de Sion ou de Jerusalém:
Is 62,5 “Assim como um jovem desposa uma jovem, aquele que te tiver construído te desposará; e como a recém-casada faz a alegria de seu marido, tu farás a alegria de teu Deus”.
Ef 5,25-32 “Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, para santificá-la, purificando-a pela água do batismo com a palavra, para apresentá-la a si mesmo toda gloriosa, sem mácula, sem ruga, sem qualquer outro defeito semelhante, mas santa e irrepreensível. Assim os maridos devem amar as suas mulheres, como a seu próprio corpo. Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo. Certamente, ninguém jamais aborreceu a sua própria carne; ao contrário, cada qual a alimenta e a trata, como Cristo faz à sua Igreja, porque somos membros de seu corpo. Por isso, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois constituirão uma só carne (Gn 2,24). Este mistério é grande, quero dizer, com referência a Cristo e à Igreja”.

            Neste texto é posto em relevo:

            - a distinção (não separação) entre Cristo e a Igreja.

            - a fecundidade da Igreja. A esposa é Mãe.

            - a escolha gratuita que Cristo faz em favor de sua Esposa. Apesar das crises do amor nupcial do povo escolhido, Cristo ama sua Esposa; lavou-a com o seu sangue, tornado-a sem mancha nem ruga e continua a purificar os filhos dessa Santa Mãe através da água do Santo Batismo.
            A Igreja é uma comunidade congregada mediante um chamamento universal, pois Deus quer que todos os homens se salvem; a convocação é gratuita. Ela se deve ao amor misericordioso de Deus, que enviou seu Filho ao mundo para se entregar por todos.

            A resposta à vocação divina é a fé em Deus. Este nos purificou pelo Santo Batismo e nos enviou o Espírito Santo, fazendo de nós o seu povo, que espera a manifestação gloriosa do Senhor Jesus.
            A Igreja é chamada “casa de Deus e Coluna e Sustentáculo da verdade” (1Tm 3,15). É algo de firme e estável; a ela foi confiado o tesouro da Revelação Divina, que, juntamente com os Sacramentos, deve ser transmitido aos homens.

            Igreja de Santos e pecadores.

            A Igreja não é uma mera assembléia de pessoas bem intencionadas, mas goza da presença e da ação de Cristo, compreende-se que ela goza de uma santidade permanente, que não desaparece quando desfalece a fidelidade dos homens.
            A Igreja está aberta a todos os homens, qualquer que seja seu país de origem e sua raça. Há, portanto, uma só Igreja, esparsa por todo o mundo, todos são chamados à conversão.
            A Igreja é Virgem, Esposa de um único varão, Cristo (São Leão Magno + 461).

AS NOTAS OU PROPRIEDADE DA IGREJA                       

A Igreja fundado por Cristo tem 4 notas ou propriedades: unidade, santidade, catolicidade e apostolicidade.
Distinguimos entre unidade e unicidade. A unidade significa coesão, ser compacto em si mesmo. Unicidade é a qualidade de quem não tem par ou igual a si mesmo. Ora a Igreja de Cristo é única e una.
Mt 16, 16-19 “Simão Pedro respondeu: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo! Jesus então lhe disse: Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”.
Jo 17,6-11.17.21 ”Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste. Eram teus e deste-nos e guardaram a tua palavra. Agora eles reconheceram que todas as coisas que me deste procedem de ti. Porque eu lhes transmiti as palavras que tu me confiaste e eles as receberam e reconheceram verdadeiramente que saí de ti, e creram que tu me enviaste. Por eles é que eu rogo. Não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus. Tudo o que é meu é teu, e tudo o que é teu é meu. Neles sou glorificado. Já não estou no mundo, mas eles estão ainda no mundo; eu, porém, vou para junto de ti. Pai santo guarda-os em teu nome, que me encarregaste de fazer conhecer, a fim de que sejam um como nós. Santifica-os pela verdade. A tua palavra é a verdade. Para que todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste”.

Unicidade = una, única.

Não existe outra Igreja que tem todos os elementos instituídos por Cristo.
            Havia um só povo de Deus no Antigo Testamento, que se prolonga no único povo de Deus no Novo Testamento (que é a Igreja).
Com outras palavras: Cristo tem um só Corpo e uma única Esposa. Cf Ef 4,4-6 “Há um só corpo e um só Espírito, assim como é uma só a esperança da vocação com que fostes chamados: há um só Senhor, uma só fé, um só Batismo, há um só Deus e Pai de todos”.   
Todavia, quem considera as múltiplas comunidades eclesiais existentes hoje em dia (orientais ortodoxas, além das protestantes), pode perguntar se a Igreja de Cristo é realmente única e uma. 
           
A Igreja de Cristo compreende todas as denominações cristãs onde haja realmente elementos eclesiais: a Bíblia, a fé, a oração, a caridade, a renúncia ao pecado, o Batismo...  Todavia a Igreja de Cristo só subsiste de maneira pela e adequada na Igreja Católica Apostólica Romana entregue a Pedro; somente nesta se encontram todos os elementos constitutivos da Igreja: os sete Sacramentos com seu centro na Eucaristia, a hierarquia instituída por Cristo e chefiada por Pedro, a Bíblia, e os sacramentais.
            As demais denominações (cristãs não católicas), pelo fato de possuírem alguns ou vários destes elementos, pertencem à Igreja de Cristo, mas estão em comunhão imperfeita e inacabada com a Igreja Apostólica Romana; essa comunhão imperfeita ou parcial deve ser levada à plenitude ou à totalidade pelo movimento ecumênico.
            “Aqueles que crêem em Cristo e foram devidamente batizados, estão constituídos numa certa comunhão, embora não perfeita, com a Igreja Católica. Com efeito, as discrepâncias vigentes, sob diversas formas, entre eles e a Igreja Católica – quer em questões doutrinais, e às vezes também disciplinares, quer acerca da estrutura da Igreja – criam não poucos obstáculos, por vezes muito graves, à plena comunhão eclesiástica.
Ora, o movimento ecumênico visa superar estes obstáculos. No entanto, justificados no batismo pela fé, eles são incorporados a Cristo e, por isso, com razão, honrados com o nome de Cristãos e merecidamente reconhecidos pelos filhos da Igreja Católica como irmãos no Senhor.
            Somente através da Igreja Católica de Cristo, auxílio geral de salvação, pode ser atingida toda a plenitude dos meios de salvação.  O Senhor confiou todos os bens do Novo Testamento ao único Colégio Apostólico, a cuja testa está Pedro (e seus sucessores), a fim de constituir na terra um só Corpo de Cristo, ao qual é necessário que se incorporem plenamente todos os que, de alguma forma, pertencem ao povo de Deus.
Este povo, enquanto peregrina cá na terra, cresce incessantemente em Cristo, ainda que sujeito ao pecado em seus membros, e é conduzido suavemente por Deus, segundo seus misteriosos desígnios, até que chegue alegre, à total plenitude da eterna glória na Jerusalém celeste” Concílio Vaticano II.

Unidade

1Cor 1,10-16 “Rogo-vos, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que todos estejais em pleno acordo e que não haja entre vós divisões. Vivei em boa harmonia, no mesmo espírito e no mesmo sentimento. Pois acerca de vós, irmãos meus, fui informado pelos que são da casa de Cloé, que há contendas entre vós. Refiro-me ao fato de que entre vós se usa esta linguagem: Eu sou discípulo de Paulo; eu, de Apolo; eu, de Cefas; eu, de Cristo.Então estaria Cristo dividido? É Paulo quem foi crucificado por vós? É em nome de Paulo que fostes batizados? Graças a Deus, não batizei nenhum de vós, à exceção de Crispo e Gaio. Assim ninguém poderá dizer que fostes batizados em meu nome. (Aliás, batizei também a família de Estéfanas. Além destes, não me consta ter batizado ninguém mais.)”.
            A Igreja única tem de ser una, coesa e unida. Com outras palavras: Ela deve ser capaz de se apresentar ao mundo com uma única face e uma única voz, ainda que compreenda em seu bojo muitos componentes.         
A unidade da Igreja é expressa também pela palavra “comunhão”. Esta traduz o grego Koinonia, que, conforme São Paulo significa “tomar parte com outra pessoa em algo”.  A comunhão significa, antes do mais, tomar parte na vida e nos méritos de Cristo, ser rico em Cristo; conseqüentemente significa o intercâmbio, o fluxo e o refluxo de vida dos fiéis entre si.                       
Esta unidade está na comunhão dos santos. Está nos anseios de Cristo, que na última Ceia rezava: “Todos sejam, um ... “
            Já que Deus é único e uno em si mesmo, a Igreja há de ser tal. A unidade da Igreja está fundamentada na comunhão com Cristo, que ocorre mediante os sacramentos.
                       
            A Igreja de Cristo tem Unidade de Fé. A mensagem de Cristo desperta o amor, a adesão fiel a Deus e aos irmãos.
            A Igreja de Cristo tem Unidade no Culto e nos Sacramentos. A fé faz que toda a vida do cristão tenha o valor de culto e de oferenda a Deus. Tem a mesma liturgia no mundo inteiro (o evangelho que é proclamado aqui é proclamado na China, no México, no Canadá ...) Os mesmos sacramentos que são ministrados aqui, do mesmo jeito são ministrados no mundo inteiro.
            A Igreja de Cristo tem Unidade na Comunhão Fraterna. O amor a Deus que é nosso Bem Absoluto une os cristãos entre si a todas as pessoas.
            A Igreja é una pela sua fonte. “Deste mistério, o modelo supremo e o princípio é a unidade de um só Deus na Trindade, Pai e Filho e Espírito Santo”.

            A Igreja é una pelo seu Fundador: “Pois o próprio Filho encarnado, príncipe da paz, por sua cruz reconciliou todos os homens com Deus, restabelecendo a união de todos em um só Povo, em um só Corpo”.
            A Igreja é una pela sua “alma”: “O Espírito Santo que habita nos crentes, que plenifica e rege toda a Igreja, realiza esta admirável comunhão dos fiéis e os une tão intimamente em Cristo, que ele é o princípio da Unidade da Igreja”.  
É da própria essência da Igreja ser una

Santidade - Santa

1Pd 2,9 “Vós, porém, sois uma raça escolhida, um sacerdócio régio, uma nação santa, um povo adquirido para Deus, a fim de que publiqueis as virtudes daquele que das trevas vos chamou à sua luz maravilhosa”.
A palavra santo quer dizer originariamente o que é separado, reservado; quando se trata de Teologia, santo é o separado ou reservado para Deus. Assim o conceito primitivo de santo é ontológico; é o de um ser próprio de Deus. Disto se segue a noção ética: a pessoa separada para Deus ou consagrada a Deus deve levar uma vida moral à altura do seu ser ou uma vida moralmente santa.
Deus é Santo por excelência; é o separado de toda impureza e o mais perfeito de todos os seres. Por isto em Is 6,3 os Serafins proclamam: “Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus”         
            Disto se segue que só se pode dizer santo aquilo que pertence a Deus ou é relacionado com Deus.  Este é o modo de falar da Igreja. Jesus é o Santo de Deus, que veio a este mundo para dar origem a um novo Povo de Deus consagrado ao Senhor; Rm 1,7 (os cristãos de Corinto são ditos santos, porque membros de um povo consagrado a Deus).       
Ef 5,25-27: “Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, a fim de purificá-la com o banho da água e santifica-la pela Palavra, para apresentar a si mesmo a Igreja gloriosa, sem mancha nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e irrepreensível”.
            A Igreja é, aos olhos da fé, santa. Pois Cristo, Filho de Deus, que com o Pai e o Espírito Santo é proclamado o único Santo, amou a Igreja como sua Esposa. Por ela se entregou com o fim de santificá-la.
            Em conseqüência, os membros da Igreja devem levar uma vida moralmente santa ou isenta de pecado: “Sede santos, porque eu sou santo” é norma do Antigo Testamento que ressoa no Novo.    
O Cristão é chamado a ser, por todo o seu teor de vida, uma hóstia santa e agradável a Deus; a vida do cristão é um culto, cuja lei é a pureza. “Eu vos exorto, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, a oferecerdes vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus: é este o vosso culto espiritual” Rm 12,1.
            Assim a Igreja é a comunidade dos santos, ou seja, de pessoas consagradas e pertencentes a Deus pelo Batismo e que se esforçam por viver fielmente a sua consagração batismal e a sua qualidade de membros do Corpo de Cristo.
            A Igreja é santa, porque está indissoluvelmente unida a Cristo, que nela habita e por Ela age. 
A Igreja de Cristo não comete pecado. O sujeito do pecado só pode ser uma pessoa individual. A Igreja consta de seres humanos na sua realidade histórica, que são pecadores; são membros da Igreja, mas o pecado que eles cometem não brota do bojo da Igreja nem é ensinado pela Igreja, que, ao contrário, o combate. Por isto na Igreja existe o Sacramento da Penitência como remédio para o pecado.        
            A Igreja tem duas realidades (visível e invisível).

Catolicidade = universalidade

            A expressão católica serve para designar, em primeira instância, a universalidade da Igreja, ou seja, ela está em toda parte, e não somente nesta ou naquela comunidade.
            É uma Igreja autêntica, verdadeira, perfeita. Ela é portadora de todos os meios de salvação instituídos por Cristo. Ela é integral.
            Deus é único e é o único Senhor de todas as criaturas, o seu desígnio é universal ou voltada para todas as criaturas:
            O PAI é o princípio que dá existência ao homem e desencadeia a história da salvação. Seu plano salvífico encontra resistência por parte do homem; donde a paciência de Deus Pai. Esse plano inclui o papel de Cristo Redentor e a missão do Espírito Santo, que dinamiza a Igreja.  
JESUS CRISTO, Deus feio homem, é o princípio universal de salvação veio libertar o homem do juízo do pecado e levá-lo à consumação de suas potencialidades.
 Deus pai quis na plenitude dos tempos reconduzir sob um só chefe todas as coisas, tanto as da terra como as do céu.
A Igreja, Corpo de Cristo, é a comunhão dos homens que, tendo aceito o Cristo como seu Mestre pela fé, foram unidos  à sua Cabeça pelos sacramentos. Jesus Cristo é na qualidade de novo Adão, o fundamento imediato da catolicidade da Igreja. (veio salvar todos = universal).        
O ESPÍRITO SANTO foi, por Cristo e pelo Pai, dado à Igreja como alma do Corpo Místico. É Ele que age no íntimo de cada indivíduo, fazendo que as iniciativas de cada um e de todos contribuam para a unidade.          
Assim a Igreja se abre e abraça todo o mundo. Ela é dinâmica, não é estática, parada.
            Ela é católica por que Cristo está presente. E onde está Cristo Jesus, está a Igreja católica. Ela é católica porque é enviada em missão por Cristo à universalidade do gênero humano.
2Tm 4,1-5 “Eu te conjuro em presença de Deus e de Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos, por sua aparição e por seu Reino: prega a palavra, insiste oportuna e importunamente, repreende, ameaça, exorta com toda paciência e empenho de instruir. Porque virá tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação. Levados pelas próprias paixões e pelo prurido de escutar novidades, ajustarão mestres para si. Apartarão os ouvidos da verdade e se atirarão às fábulas. Tu, porém, sê prudente em tudo, paciente nos sofrimentos, cumpre a missão de pregador do Evangelho, consagra-te ao teu ministério”.
            A missão da Igreja é universal (Ide pelo mundo inteiro e pregai o Evangelho a toda criatura), ou seja, procura incorporar ao povo de Deus (que foi escolhido), todos os povos da terra.      
            O dever missionário da Igreja decorre da consciência que o fiel católico tem, de haver recebido de Deus o precioso tesouro da fé, tesouro que ele não tem o direito de guardar para si só.            
A Igreja católica está presente em todos os continentes. 

Apostolicidade

Lc 6,12-16 “Naqueles dias, Jesus retirou-se a uma montanha para rezar, e passou aí toda a noite orando a Deus. Ao amanhecer, chamou os seus discípulos e escolheu doze dentre eles que chamou de apóstolos: Simão, a quem deu o sobrenome de Pedro; André, seu irmão; Tiago, João, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu; Simão, chamado Zelador; Judas, irmão de Tiago; e Judas Iscariotes, aquele que foi o traidor”.
            A Igreja guarda, através dos séculos, a identidade dos princípios que ela recebeu de Cristo mediante os Apóstolos.
            A palavra apóstolo é grega, significa enviar. Era o enviado, legado, embaixador, aquele que devia ser respeitado como o rei que os enviava, pois ela falava em nome do rei.
            Jesus escolheu doze Apóstolos, para que vivessem mais estritamente a Ele e fossem seus mensageiros. Mc 3,14 “Quem vos recebe, a Mim recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou”.
            O número doze recorda o dos doze Patriarcas de Israel e significa que o novo povo de Deus está fundamentado sobre Cristo mediante os doze legados do Senhor.
            Os doze Apóstolos são as doze colunas da Igreja. Cristo é a Pedra angular (colocada nos ângulos do Templo de Jerusalém).
            O Patrimônio da fé não chega aos fiéis como algo descido do céu diretamente, mas, sim, como algo que parte do Pai, passa por Jesus Cristo, pelos Apóstolos e, finalmente, chega a cada indivíduo no seu respectivo tempo.
            A nossa Igreja voltando no tempo vai chegar aos Apóstolos que receberam a mensagem de Cristo e Cristo recebeu de Deus Pai.
            A Igreja é apostólica por ser fundada sobre os apóstolos, e isto em um tríplice sentido:
Ela foi e continua sendo construída sobre o fundamento dos Apóstolos, testemunhas escolhidas e enviadas em missão pelo próprio Cristo;
Ela conserva e transmite, com a ajuda do Espírito Santo que nela habita o ensinamento, o depósito precioso, as salutares palavras ouvidas da boca dos apóstolos;
Ela continua a ser ensinada, santificada e dirigida pelos Apóstolos, até a volta de Cristo, graças aos que a eles sucedem na missão pastoral: o colégio dos bispos, que são assistidos pelos presbíteros, em união com o sucessor de Pedro, pastor supremo da Igreja.
Esta Igreja é una, santa, católica e apostólica na sua identidade mais profunda e última, porque é nela que já existe e será consumado no fim dos tempos o Reino de Deus.

O PRIMADO DE PEDRO

            Na sucessão apostólica, ocupa um lugar único e privilegiado o Apóstolo Pedro. Jesus lhe confiou encargos especiais, que estão ligados com a própria subsistência de Igreja até o fim dos tempos.
            Pedro é sem dúvida o Apóstolo mais citado no Novo Testamento.
            Pedro é o primeiro que Jesus chama e envia Mc 1,16-20.
            Na lista dos Apóstolos, é sempre o primeiro, ao passo que Judas é o último Mt 10,2-4.
            A vocação de Pedro está associada a uma mudança de nome: Jesus lhe dá o nome de Kephas, Rocha. Na antiguidade, o nome exprimia a realidade íntima do respectivo sujeito. No Antigo Testamento, Deus mudou o nome de Abrão por Abraão, o de Sarai por Sara, o de Jacó por Israel; de cada vez a mudança de nome implicou uma promessa, promessa que dizia respeito aos fundamentos do povo de Deus. Ao trocar o nome de Simão, Jesus quis significar que, no novo Povo de Deus, Pedro terá o papel de fundamento sólido como a rocha.

            Muito significativo é o texto de Mt 16,13-19, cuja autenticidade literária é reconhecida por bons exegetas protestantes.
            Pedro confessou a messianidade e a filiação divina de Jesus; em resposta, o Senhor lhe declarou: “Tu és Rocha e sobre essa Rocha edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. A imagem de rocha significa a solidez de que gozará “a minha Igreja”.
            “A minha Igreja” traduz o hebraico gahal, palavra que designava a assembléia do povo de Deus no Antigo Testamento. Verdade é que Cristo também é Pedro (pedra) fundamental da Igreja (Mt 21,42; Sl 117,22). Isto, porém, não impede que Pedro seja o fundamento visível instituído por Cristo invisível; Jesus também é luz do mundo (Jo 8,12), o que não impede que os Apóstolos sejam a luz do mundo (Mt 5,14); “só Deus é Bom” (Mc 10,18), mas os homens, também podem ser bons (Mt 5,45; Mt 12,35).
            Jesus confere a Pedro “as chaves do Reino dos Céus”. Estas significam a autoridade para governar uma casa ou um palácio, autoridade que compete a um mordomo ou a um Primeiro-Ministro, como se pode depreender de Is 22, 19-23 “Depor-te-ei de teu cargo e arrancar-te-ei do teu posto. Naquele dia chamarei meu servo Eliacim, filho de Helcias. Revesti-lo-ei com a tua túnica, cingi-lo-ei com o teu cinto, e lhe transferirei os teus poderes; ele será um pai para os habitantes de Jerusalém e para a casa de Judá. Porei sobre seus ombros a chave da casa de Davi; se ele abrir, ninguém fechará, se fechar, ninguém abrirá; fixá-lo-ei como prego em lugar firme, e ele será um trono de honra para a casa de seu pai”.
            A expressão “ligar e desligar” era usual entre os rabinos e significava:

            - declarar lícito ou ilícito (desligando ou ligando)

            - condenar ou absolver, excluir da comunidade ou reintegrar na comunidade.
            Assim Pedro recebeu faculdades para decidir e legislar ou para administrar a Igreja de modo geral. Verdade é que Jesus disse semelhantes palavras aos doze reunidos: “Em verdade vos digo: tudo o que ligardes sobre a terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes sobre a terra será também desligado no céu” (Mt 18,18). Esta declaração quer dizer que o colegiado dos Apóstolos com Pedro terá as mesmas faculdades que Pedro a sós.
            Em Lc 22,31-32 lê-se “Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como o trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua confiança não desfaleça; e tu, por tua vez, confirma os teus irmãos”. Jesus prevê um assalto de Satanás contra os justos – o que é bem conhecido dos escritores sagrados  - “O Senhor mostrou-me o sumo sacerdote Josué, de pé diante do anjo do Senhor; Satã estava à sua direita como acusador. O (anjo do) Senhor disse a Satã: O Senhor te confunda, Satã! Confunda-te o Senhor que escolheu Jerusalém. (Josué) não é porventura um tição escapado ao incêndio?” (Zc 3,1-2); “Levantou-se Satã contra Israel, e excitou Davi a fazer o recenseamento de Israel” 1Cr 21,1); “É por inveja do demônio que a morte entrou no mundo, e os que pertencem ao demônio prová-la-ão” (Sb 2,24).
            Jesus faz alusão a tal assalto diabólico e ora pela fé de Pedro, que foi constituído fundamento de uma comunidade contra a qual as potências malignas não poderão prevalecer. Pedro deverá exercer a função de fortalecer a fé dos irmãos. Pedro, porém, fraquejou e negou o Senhor; mas arrependeu-se e chorou amargamente. Isto bem mostra que é a assistência do Senhor Jesus, que garante aos cristãos a incolumidade da fé.
            Jo 21, 15-17 “Tendo eles comido, Jesus perguntou a Simão Pedro: Simão, filho de João, amas-me mais do que estes? Respondeu ele: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus: Apascenta os meus cordeiros. Perguntou-lhe outra vez: Simão, filho de João, amas-me? Respondeu-lhe: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus: Apascenta os meus cordeiros. Perguntou-lhe pela terceira vez: Simão, filho de João, amas-me? Pedro entristeceu-se porque lhe perguntou pela terceira vez: Amas-me?, e respondeu-lhe: Senhor, sabes tudo, tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus: Apascenta as minhas ovelhas”
            É a entrega do mandato que foi prometido a Pedro; Jesus pede a Pedro uma tríplice afirmação de amor e fidelidade para apagar a tríplice negação de Pedro. Jesus constituiu Pedro pastor do seu rebanho. Não há dúvida, os demais Apóstolos foram também chamados ao pastoreio do rebanho de Cristo; como quer que seja, Pedro recebeu de modo pessoal, singular, e em termos ilimitados, a faculdade que seria conferia aos outros Apóstolos. Mais uma vez se verifica que Pedro possui pessoalmente, por concessão do próprio Cristo, aquilo que os demais Apóstolos receberam colegialmente.
            Deve-se notar ainda o papel desempenhado por Pedro tanto no decorrer da vida pública de Jesus quanto após a Ascensão:
            Pedro responde pelos Apóstolos: Lc 5,4-11;  
            Pedro fala em nome do colegiado: Jo 6,68-69; Mt 16,16; Mt 15,15; Mt 19,27; Mt 18,21; Lc 12,41.
            “Pedro e os que estavam com Pedro” é expressão que põe em relevo o nome de Pedro, fazendo eco a sentenças bíblicas em que o nome posto em realce é o do chefe.
            Mc 16,7 “Ide, dizei a seus discípulos e a Pedro...”                 
            At 2,14 “Pedro então, pondo-se de pé em companhia dos Onze...
            At 5,29 “Pedro e os apóstolos replicaram...”
            1Cor 9,5 “...a exemplo dos outros apóstolos, os irmãos do Senhor e Pedro...”
            Pedro, após a Ascensão, preside, levanta-se e fala... At 1,15;
            Pedro é o primeiro a abrir as portas da Igreja aos pagãos sem lhes impor a circuncisão, à revelia do que desejava a facção judaizante da comunidade nascente. (At 10,9-43).
            Destas citações pode-se concluir que o colegiado dos doze é estruturado; tem uma chefia na pessoa do Apóstolo Pedro. Isto significa que os sucessores dos Apóstolos constituem um colégio no qual permanece a função primacial petrina, porque a Igreja é concebida por Cristo como uma instituição que deverá durar até o fim dos tempos (Mt 28,20).

OS MIGRANTES E A Igreja do Caminho
Em recente artigo veiculado pela Internet – Aos desolados pela Igreja – Leonardo Boff confrontava as instituições atuais da Igreja Católica com o início do cristianismo, a chamada religião do Caminho. Trazia à tona, na verdade, um tema já abordado por ele no livro Igreja, Carisma e poder, que lhe rendeu alguns dissabores com o então Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI. Vale aproveitar o embalo para tecer algumas considerações sobre o binômio templo/caminho como uma tensão histórica que se configura com a imagem de um pêndulo entre um extremo e outro, com as devidas graduações intermediárias. Não será difícil dar-se conta da importância que tem a Pastoral dos Migrantes para o fortalecimento da “fé a caminho”.

O Caminho
De fato, antes de ser Igreja (ou Igrejas no plural) o movimento de Jesus era caminho. Prova-o, primeiramente, os relatos ligados ao nascimento e à infância de Jesus, especialmente no Evangelho de Lucas. Desde o ventre materno, deve deixar sua terra, aventurar-se até Belém “onde não havia lugar para eles” (Lc 2,7). Logo seus pais são forçados a escapar da fúria assassina de Herodes, refugiando-se no Egito e de lá retornando. Históricos ou não, tais relatos revelam que o mistério da encarnação ocorre num contexto acidentado, como o foi o êxodo do Egito e a travessia do Povo de Israel pelo deserto, entes de chegar à Terra Prometida.
Prova-o, em seguida, o próprio itinerário do Jesus histórico que, no dizer do evangelista, “percorria todas as aldeias e cidades (...) e, ao encontrar as multidões cansadas e abatidas, tinha compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor” (Mt 9,35-38). Os estudiosos do Novo Testamento são unânimes em classificar a ação de Jesus como de um profeta itinerante, que “passou pela vinda fazendo o bem”, não a partir do templo, mas a partir da periferia e daqueles que a habitavam: pobres, indefesos, doentes, discriminados, excluídos (At 10,38).
Prova-o, em terceiro lugar, o episódio do Pentecostes e seus desdobramentos, quando os discípulos de Jesus, hermeticamente fechados pelo medo, diante do fim trágico na cruz, foram sacudidos pelo vento forte, pelo barulho e pelo fogo do Espírito (At, capítulo 2). Tornam-se imediatamente apóstolos missionários incansáveis, alargando cada vez mais o campo de irradiação da Boa Nova de Jesus Cristo. Proliferaram então as primeiras comunidades cristãs, cujos retratos apontam para uma nova forma de integrar fé e vida, religião e compromisso social (At 2, 42-47; At 4,32-37). Nos termos do Documento de Aparecida, o Pentecostes pode ser considerado como uma espécie de encruzilhada entre o “ser discípulo” e o “ser missionário”. O episódio dos discípulos de Emaús (Lc 24,13-35) ilustra bem isso: o caminho da ida, do fracasso, da impotência e da fuga, se converte no caminho da volta: entusiasmo que “arde o coração”. Através do encontro com o Ressuscitado, dois discípulos medrosos tornam-se dois missionários ardorosos.
Prova-o, por fim, as grandes viagens do apóstolo Paulo, o qual, tendo-se convertido ao cristianismo, põe-se a transitar pelas rotas do comércio antigo, fundando pequenos núcleos de cristãos nas cidades mais importantes da época: Corínto, Tessalônica, Galácia, Éfeso, Filipos, Antioquia, Roma. Não só os funda, mas passa a alimentá-los através de suas cartas e de suas visitas. Não é sem razão, aliás, que a conversão de Saulo de Tarso em Paulo tenha ocorrido a caminho de Damasco (At, capítulo 9). Numa palavra, diferentemente dos outros povos e culturas, a tradição judaico cristã, para além do templo, desenvolve uma espiritualidade inextricavelmente vinculada ao êxodo, exílio e deserto, como também ao caminho e à travessia. 
O templo
O caminho se contrapõe ao templo de Jerusalém, ponto de referência para um tríplice poder: religioso, político e econômico. Por ali passavam os impostos, as decisões do Sinédrio e os sacrifícios litúrgicos. Já no Antigo Testamento, o templo de Salomão substitui a tenda da arca. A provisoriedade da travessia dá lugar à magnificência da fortaleza. O Deus poderoso e onipotente do templo, símbolo da ordem estabelecida, toma o lugar da espiritualidade do Deus a caminho, que “viu a miséria, ouviu o clamor, conhece o sofrimento e desce para libertar”, conforme o chamado “credo histórico” de Israel (Ex 3,7-10; Dt 26,5-10). Alguns profetas, Miquéias entre eles (capítulo 3), se insurgem veementemente contra os sacerdotes do templo. Profecia e sacerdócio régio professavam, de um lado e de outro, um antagonismo irreconciliável. Nos séculos que antecederam e se seguiram à vida de Jesus, o templo representava o coração socioeconômico e político do país, tendo sido destruído pelas forças do Império Romano no ano 70 d.C. Jesus inverte o movimento do pêndulo, deslocando-se do templo para o caminho, ou para os caminhos.
Historicamente, enquanto o templo simbolizava a manutenção do status quo, os profetas procuram atualizar a mística do êxodo para os tempos da monarquia, do exílio e com João Batista e Jesus, para o domínio do Império Romano. Eles questionam o deus estabelecido e rodeado de ouro, trazendo à memória do povo a lembrança de Ihaweh, o Deus que caminha conosco na história. A experiência amarga do exílio já havia contribuído para deslocar o foco da espiritualidade: do templo, da riqueza e do poder para a sabedoria e a relativização dos bens materiais. Deus não está no templo, agora em ruínas, mas em toda parte: no coração de cada ser humano e de cada cultura, na beleza da criação e na arte de saber viver. Êxodo, deserto e exílio depuram a fé, colocando-a sempre a caminho.
A volta do exílio e a reconstrução do templo, entretanto, recria a idéia do Deus forte e poderoso, utilizando a memória de Abraão, Isaac e Jacob, ancestrais do Povo de Israel, mas nem sempre levando em conta seu nomadismo primordial. Desenvolve-se uma ideologia fortemente nacionalista e exclusivista, atrelada a um estrito legalismo, onde o templo centraliza o culto e a moral. Contra isso Jesus se insurge veementemente, de modo especial na fórmula de que “o sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado” (Mc 2,27). Se é verdade que as primeiras comunidades cristãs seguem a trilha inaugurada por Jesus, vários setores do judaísmo permanecem ancorados no Deus do templo, mesmo após a destruição deste.
Mas também para os cristãos, passados os primeiros séculos de nossa era, as coisas mudam após conversão do imperador Constantino, no século IV. O cristianismo é elevado à categoria de religião de Estado, do Império. A espiritualidade do caminho começa um processo, lento mas progressivo, de franca sedimentação. Entre trono e altar se inicia, reciprocamente, uma longa aproximação, que mais tarde terminará em namoro e casamento. Se a idéia do imperador era cimentar e salvar com um novo espírito religioso o poderio romano, este rui e se desintegra no decorrer do século seguinte. Daí para frente, e durante todo o período medieval, irá prevalecer o conceito de Deus do templo, em detrimento do cristianismo do caminho.
O poder central do império se esfacela, mas nascem os poderes locais, ao redor dos senhores feudais. Destronada pouco a pouco a espiritualidade itinerante, instala-se no interior do feudalismo, e a este fortemente vinculada, a hierarquia eclesiástica, simultaneamente reforço e reflexo do próprio sistema feudal. Daí às fogueiras para execução de feiticeiras e hereges, à condenação de sábios e cientistas, às campanhas militares das cruzadas e ao batismo forçado dos indígenas coloniais, o caminho era muito curto. Trono e altar, cruz e espada, padre e soldado constituíam duas faces da moeda. De fato, se “extra eclesia nula salus = fora da Igreja não há salvação”, todo combate ao demônio torna-se legítimo. O resultado não poderia ser outro, senão o fundamentalismo teocrático, cego, intolerante e fanático, acompanhado das várias faces da “guerra santa”.
Entretanto, mesmo no interior dessa noite escura, na base das fortalezas e castelos, palácios e catedrais medievais, nunca a chama do Evangelho se deixou apagar por completo. Sob as cinzas a brasa se mantinha viva. Santa Tereza D’Ávila, São João da Cruz, São Domingos, Santo Inácio de Loyola, São Francisco de Assis, Bartolomeu de Las Casas – entre tantos outros testemunhos – são exemplos vivos da persistência da semente lançada por Jesus Cristo. Muitos santos e santas eram como que estrelas, que brilhavam tanto mais fortes, quanto mais intensa a escuridão. Todos, de uma ou outra forma, tratavam de resgatar a espiritualidade do caminho. A Ordem dos Frades Menores, junto com outras Ordens mendicantes, não nascem à toa. Mergulham suas raízes nos primórdios do cristianismo primitivo, com seus ideais fundamentados na Boa Nova do Evangelho.
Novamente aqui, recrudescem a tensão e os conflitos entre o deus estabelecido e a mística do Deus a caminho. O pêndulo segue oscilando. Na segunda metade do século XIX, em plena “sede de inovações e agitação febril” da Revolução Industrial, surgem os “santos sociais”, fundadores e fundadoras de Congregações marcadamente apostólicas. Surge igualmente o documento inaugural da Doutrina Social da Igreja, a Rerum Novarum, publicada pelo Papa Leão XIII em 1891, e dedicada à “questão social”. Isso no pano de fundo da “onda vermelha” que multiplicava células comunistas por todo continente europeu. Talvez esteja aí o terreno fértil do contexto histórico onde proliferam os precursores do Concílio Ecumênico Vaticano II, sendo este uma nova encruzilhada na história da Igreja Católica.
De volta ao caminho
Abrindo as janelas de uma Igreja com cheiro de mofo aos novos ares e aos desafios do mundo moderno, como insistia o Papa João XXIII, o Concílio Vaticano II representou um impulso inquestionável para um retorno ao caminho. Caminho aqui como metáfora das “alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos homens de hoje, especialmente dos que mais sofrem, que são também as alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos discípulos de Jesus Cristo” (Gaudium et Spes, nº 1). Nesse mundo “em rápidas e profundas mudanças” (GS, nº 4), engendra-se uma nova eclesiologia, onde a idéia de Povo de Deus substitui o conceito de Igreja hierárquica. Toda a Igreja passa a ser missionária e cada batizado realiza, nela ou fora dela, seu “sacerdócio profético e real”, a um tempo eclesial e ministerial, como serviço ao mundo e à Igreja. O compromisso sóciopolítico diante dos contrastes contemporâneos pressupõe essa nova eclesiologia, não mais nos moldes piramidais da Idade Média, e sim numa visão circular, com o Cristo ao centro, onde as tarefas são distintas mas igualmente reconhecidas, nem melhores ou piores, nem mais importantes ou menos importantes, apenas diferentes (Lumen Gentium).
A Vida Religiosa Consagrada (VRC), juntamente com as Pastorais Sociais, com as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), com a Teologia da Libertação (TdL) e com numerosos entidades, movimentos sociais e organizações não governamentais (ONGs), partilham hoje uma tarefa comum: beber das fontes evangélicas e do carisma correspondente, para retornar ao caminho. Visitar o berço, não para permanecer ali de forma saudosista, mas para avançar em direção à fronteira. Não se trata de construir museus com o fim de contemplar os feitos passados. Os museus podem ser muito úteis, desde que se purifiquem de um narcisismo doentio e ineficaz, para voltar-se aos novos desafios que a história apresenta. Também não se trata de imitar pura e simplesmente os fundadores. Seguir não é imitar, e sim recriar. Imitar é uma forma de trair o espírito e a intuição do carisma, pois a história se transforma e levanta problemas sempre novos. Refaz-se, desse modo, a grande tensão história entre tenda e templo, entre espiritualidade do caminho e culto ao deus estabelecido, entre carisma e instituição (na concepção de Max Weber). Nos tempos atuais, porém, o pêndulo parece tender mais para o lado do poder, da pompa, da grande solenidade, do aparato exterior, da visibilidade de uma Igreja triunfante, do liturgismo, dogmatismo e doutrina... Enfim, de um novo estilo de cristandade.
Convém introduzir um parágrafo sobre a Pastoral dos Migrantes, enquanto presença viva e ativa junto ao universo na mobilidade humana. O Documento de Aparecida, a exemplo de Puebla e Santo Domingo, dedica um subitem “aos rostos sofredores que doem em nós”, privilegiando, entre outros, os migrantes. Estes, com efeito, podem converter-se em protagonistas de um novo tempo. Profetas que, simultaneamente, denunciam estruturas que negam a pátria a milhões de pessoas e anunciam a necessidade de novas relações nacionais e internacionais, na busca de uma nova cidadania. São, não raro, sangue novo nas veias de organismos decrépitos, oxigênio primaveril em sociedade que se encaminham para o outono, abelhas vivas que conduzem o pólen de valores novos para fecundar as flores de outra cultura. Se no coração de cada ser humano e no coração de cada cultura existem sementes do Verbo, o ato de migrar é portador de tais sementes. Conclui-se que “os migrantes que partem de nossas comunidades podem oferecer valiosa contribuição missionária às comunidades que os acolhem” (Doc. Ap., nº 415).
Deste modo, a tarefa hoje se torna mais desafiadora e urgente. Voltar ao caminho é voltar aos porões da sociedade, aos becos e ruas mais obscuras, aos grotões abandonados do campo, aos presídios e prostíbulos, aos assentamentos e acampamentos, às “bocas” de fumo e de crack, aos lixões e periferias... É voltar ao submundo dos pobres e indefesos, órfãos e perdidos, marginalizados e excluídos. Somente uma presença gratuita e silenciosa junto a esses “prediletos do Pai” pode resgatar a espiritualidade do caminho, ou a mística de quem caminha. De fato, quem muito caminha aprende a depurar a mala e a alma, a focalizar o olhar e os passos naquilo que é essencial e a relativizar o que é supérfluo. Em outras palavras, aprende a cultivar tesouros que a traça não corrói nem os ladrões roubam (Mt 6,19-21).

Fontes de consulta:

Catecismo da Igreja Católica
Lumem Gentium                      - Concílio Vaticano II
Gaudium et Spes                     - Concílio Vaticano II
Curso de Eclesiologia  - Escola Mater Ecclesiae
A Fé da Igreja                         - Editora Vozes
O Novo Povo de Deus            - Editora Paulinas
Uma Igreja para o Mundo       - Editora Loyola
            Diácono Neves
            Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS


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