sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

23º à 34º Domingo Tempo Comum Ano A



ANO A 
23º DOMINGO DO TEMPO COMUM 

A liturgia deste domingo sugere-nos uma reflexão sobre a nossa responsabilidade face aos irmãos que nos rodeiam. Afirma, claramente, que ninguém pode ficar indiferente diante daquilo que ameaça a vida e a felicidade de um irmão e que todos somos responsáveis uns pelos outros.
A primeira leitura fala-nos do profeta como uma “sentinela”, que Deus colocou a vigiar a cidade dos homens. Atento aos projetos de Deus e à realidade do mundo, o profeta apercebe-se daquilo que está a subverter os planos de Deus e a impedir a felicidade dos homens. Como sentinela responsável alerta, então, a comunidade para os perigos que a ameaçam.
O Evangelho deixa clara a nossa responsabilidade em ajudar cada irmão a tomar consciência dos seus erros. Trata-se de um dever que resulta do mandamento do amor. Jesus ensina, no entanto, que o caminho correto para atingir esse objetivo não passa pela humilhação ou pela condenação de quem falhou, mas pelo diálogo fraterno, leal, amigo, que revela ao irmão que a nossa intervenção resulta do amor.
Na segunda leitura, Paulo convida os cristãos de Roma (e de todos os lugares e tempos) a colocar no centro da existência cristã o mandamento do amor. Trata-se de uma “dívida” que temos para com todos os nossos irmãos, e que nunca estará completamente saldada.

LEITURA I – Ez 33,7-9

Leitura da Profecia de Ezequiel

Eis o que diz o Senhor:
«Filho do homem,
coloquei-te como sentinela na casa de Israel.
Quando ouvires a palavra da minha boca,
deves avisá-los da minha parte.
Sempre que Eu disser ao ímpio: ‘Ímpio, hás de morrer’,
e tu não falares ao ímpio para o afastar do seu caminho,
o ímpio morrerá por causa da sua iniqüidade,
mas Eu pedir-te-ei contas da sua morte.
Se tu, porém, avisares o ímpio,
para que se converta do seu caminho,
e ele não se converter,
morrerá nos seus pecados,
mas tu salvarás a tua vida».

AMBIENTE

Ezequiel é conhecido como “o profeta da esperança”. Desterrado na Babilônia desde 597 a.C. (no reinado de Joaquim, quando Nabucodonosor conquista Jerusalém pela primeira vez e deporta para a Babilônia a classe dirigente do país), Ezequiel exerce aí a sua missão profética entre os exilados judeus.
A primeira fase do ministério de Ezequiel decorre entre 593 a.C. (data do seu chamamento) e 586 a.C. (data em que Jerusalém é arrasada pelas tropas de Nabucodonosor e uma segunda leva de exilados é encaminhada para a Babilônia). Nesta fase, Ezequiel procura destruir falsas esperanças e anuncia que, ao contrário do que pensam os exilados, o cativeiro está para durar… Eles não só não vão regressar a Jerusalém, mas os que ficaram em Jerusalém (e que continuam a multiplicar os pecados e as infidelidades) vão fazer companhia aos que já estão desterrados na Babilônia.
A segunda fase do ministério de Ezequiel desenrola-se a partir de 586 a.C. e prolonga-se até cerca de 570 a.C. Instalados numa terra estrangeira, privados de Templo, de sacerdócio e de culto, os exilados estão desesperados e duvidam da bondade e do amor de Deus. Nessa fase, Ezequiel procura alimentar a esperança dos exilados e transmitir ao Povo a certeza de que o Deus salvador e libertador – esse Deus que Israel descobriu na sua história – não os abandonou nem esqueceu.
Pelo conteúdo, não é possível dizer de forma clara se o texto que hoje nos é proposto como primeira leitura pertence à primeira ou à segunda fase da atividade profética de Ezequiel. Em qualquer caso, ele define – recorrendo à imagem da sentinela – a missão profética: o profeta é, entre os exilados, como uma sentinela atenta, que escuta os apelos de Deus e que avisa o Povo dos perigos que aparecem no horizonte da comunidade.

MENSAGEM

A imagem da sentinela aplicada ao profeta não é nova. Já Habacuc (cf. Hab 2,1), Isaías (cf. 21,6), Jeremias (cf. Jr 6,17) e mesmo Oséias (cf. Os 5,8) recorrem a esta figura para definir a missão profética.
O que é que significa dizer que o profeta é uma “sentinela”?
A sentinela é o vigilante atento que, enquanto os outros descansam, perscruta o horizonte e procura detectar o perigo que ameaça a sua cidade, os seus concidadãos, os seus camaradas de armas. Quando pressente o perigo, tem a obrigação de dar o alarme. Dessa forma, a comunidade poderá preparar-se para enfrentar o desafio que o inimigo lhe vai colocar. Se a sentinela não vigiar ou se não der o alarme, será responsável pela catástrofe que atingiu o seu Povo.
Assim é o profeta. Ele é esse guarda que Jahwéh colocou no meio da comunidade do Povo de Deus, para perscrutar atentamente o horizonte da história e da vida do Povo e para dar o alarme sempre que a comunidade corre riscos.
Para que o profeta seja uma sentinela eficiente, ele tem de ser, simultaneamente, um homem de Deus e um homem atento ao mundo que o rodeia.
O profeta é, antes de mais, um homem que Jahwéh chamou ao seu serviço. Eleito por Jahwéh, chamado para o serviço de Jahwéh, ele vive em comunhão com Deus; e nessa intimidade que vai criando com Deus, ele descobre a vontade de Deus e aprende a discernir os projetos que Deus tem para os homens e para o mundo. Ao mesmo tempo, o profeta é um homem do seu tempo, mergulhado na realidade e nos desafios da sociedade em que está integrado; conhece o mundo e é capaz de ler, numa perspectiva crítica, os problemas, os dramas e as infidelidades dos seus contemporâneos.
Ao contemplar os planos de Deus e a vida do mundo, o profeta dá-se conta do desfasamento entre uma realidade e outra. Apercebe-se de que a realidade da vida dos homens é muito diferente dessa realidade que Deus projetou.
Diante disto, o que é que o profeta faz? Sacode a água do capote e diz que não é nada com ele? Fecha-se no seu mundo cômodo e ignora as infidelidades dos homens aos projetos de Deus? Demite-se das suas responsabilidades e não se incomoda com as escolhas erradas que os seus irmãos fazem?
Não. O profeta recebeu um mandato de Deus para alertar a comunidade para os perigos que a ameaçam. Custe o que custar, doa a quem doer, o profeta tem que dizer a todos – mesmo que os seus concidadãos não o compreendam ou recusem escutá-lo – que continuar a trilhar esses caminhos errados, não pode senão conduzir à infelicidade, ao sofrimento, à morte.
O profeta/sentinela é, em última análise, um sinal vivo – mais um – do amor de Jahwéh pelo seu Povo. É Deus que o chama, que o envia em missão, que lhe dá a coragem de testemunhar, que o apóia nos momentos de crise, de desilusão e de solidão… O profeta/sentinela é a prova de que Deus, cada dia, continua a oferecer ao seu Povo caminhos de salvação e de vida. O profeta/sentinela demonstra, sem margem para dúvidas, que Deus não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão pode partir das seguintes questões:

• E hoje? Deus continua a amar o seu Povo? Continua a querer que ele se converta e viva? Continua a preocupar-se em oferecer ao seu Povo a salvação – isto é, a possibilidade de ser feliz neste mundo e de alcançar, no final da sua caminhada nesta terra, a vida definitiva? O Deus de ontem não será o Deus de hoje e de amanhã?

• Na verdade, Ele continua a chamar, todos os dias, profetas/sentinelas que alertem o mundo e os homens. Pelo batismo, todos nós fomos constituídos profetas. Recebemos do nosso Deus a missão de dizer aos nossos irmãos que certos valores que o mundo cultiva e endeusa são responsáveis por muitos dos dramas que afligem os homens. Temos consciência de que recebemos de Deus uma missão profética e que essa missão nos compromete com a denúncia do que está errado no mundo e na vida dos homens?

• O que é que devemos denunciar? Tudo aquilo que contradiz os projetos de Deus. Portanto, o profeta/sentinela tem de ser alguém que vive em comunhão com Deus, que medita a Palavra de Deus, que dialoga com Deus e que, nessa intimidade, vai percebendo o que Deus quer para os homens e para o mundo. Aliás, é dessa relação forte com Deus que o profeta/sentinela tira também a coragem para falar, para denunciar, para agir. Portanto, dificilmente seremos fiéis à nossa missão profética sem um relacionamento forte com Deus. Encontro tempo para potenciar a relação com Deus, para falar com Deus, para escutar e meditar a sua Palavra?

• É preciso também que o profeta/sentinela desenvolva uma consciência crítica sobre o mundo que o rodeia. Ele tem de estar atento aos acontecimentos da vida nacional e internacional (o profeta tem de ouvir as notícias e ler o jornal!), tem de conhecer a fundo as questões que os homens debatem (senão, a sua intervenção dificilmente será levada a sério); e tem, especialmente, de aprender a ler os acontecimentos à luz de Deus e do projeto de Deus. Estou atento aos sinais dos tempos e procuro analisá-los a partir de uma perspectiva de fé?

• É preciso, finalmente, que o profeta/sentinela não se acomode no seu cantinho cômodo, demitindo-se das suas responsabilidades. Tudo o que se passa no mundo, tudo o que afeta a vida de um homem ou de uma mulher, diz respeito ao profeta. Podemos ficar calados diante das escolhas erradas que o mundo faz? O nosso silêncio não nos tornará cúmplices daqueles que destroem o mundo e que condenam ao sofrimento e à miséria tantos homens e mulheres?


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 94 (95)

Refrão: Se hoje ouvirdes a voz do Senhor,
não fecheis os vossos corações.

Vinde, exultemos de alegria no Senhor,
aclamemos a Deus, nosso Salvador.
Vamos à sua presença e demos graças,
ao som de cânticos aclamemos o Senhor.

Vinde, prostremo-nos em terra,
adoremos o Senhor que nos criou.
Pois Ele é o nosso Deus
e nós o seu povo, as ovelhas do seu rebanho.

Quem dera ouvísseis hoje a sua voz:
«Não endureçais os vossos corações,
como em Meriba, no dia de Massa no deserto,
onde vossos pais Me tentaram e provocaram,
apesar de terem visto as minhas obras».

LEITURA II – Rm 13,8-10

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos

Irmãos:
Não devais a ninguém coisa alguma,
a não ser o amor de uns para com os outros,
pois, quem ama o próximo, cumpre a lei.
De fato, os mandamentos que dizem:
«Não cometerás adultério, não matarás,
não furtarás, não cobiçarás»,
e todos os outros mandamentos,
resumem-se nestas palavras:
«Amarás ao próximo como a ti mesmo».
A caridade não faz mal ao próximo.
A caridade é o pleno cumprimento da lei.

AMBIENTE

Continuamos a ler a segunda parte da Carta aos Romanos (cf. Rom 12,1-15,13). Aí, Paulo mostra – em termos práticos – como devem viver aqueles que Deus chama à salvação.
Deus oferece a todos a salvação; ao homem resta acolher o dom de Deus, aderindo a Jesus e à sua proposta… Mas a adesão a Jesus implica assumir, na prática do dia a dia, atitudes coerentes com essa vida nova que o cristão acolheu no dia do seu batismo. São essas atitudes que Paulo recomenda aos romanos (e aos crentes em geral) nesta segunda parte da carta.
No ano 49, o imperador Cláudio tinha publicado um édito que expulsava de Roma os judeus (incluindo os cristãos de origem judaica). Ora em 57/58 (quando a Carta aos Romanos foi escrita), muitos desses judeus tinham já voltado a Roma. Será que os cristãos de origem pagã, “donos” da comunidade durante bastante tempo, ostentavam a sua superioridade e manifestavam desprezo pelos cristãos de origem judaica entretanto regressados a Roma? Será que, por essa razão, havia divisões e falta de amor na comunidade de Roma? Nessas circunstâncias, Paulo teria escrito uma “carta de reconciliação”, destinada a unir uma comunidade dividida. O apelo ao amor que o nosso texto nos apresenta poderia entender-se neste contexto.

MENSAGEM

Paulo exorta os crentes de Roma a construir toda a sua vida sobre o amor. O cristianismo sem amor é uma mentira. Os cristãos não podem nunca deixar de amar os seus irmãos.
Essa exigência, contudo, nunca estará completamente realizada… Qualquer dívida pode ser liquidada de uma vez; mas o amor não: em cada instante é preciso amar e amar sempre mais. O cristão nunca poderá cruzar os braços e dizer que já ama o suficiente ou que já amou tudo: ele tem uma dívida eterna de amor para com os seus irmãos.
O amor está no centro de toda a nossa experiência religiosa. No mandamento do amor, resume-se toda a Lei e todos os preceitos. Os diversos mandamentos não passam, aliás, de especificações da exigência do amor. A idéia – aqui expressa – de que toda a Lei se resume no amor não é uma “invenção” de Paulo, mas é uma constante na tradição bíblica (cf. Mt 22,34-40).

ATUALIZAÇÃO

Na reflexão, ter em conta os seguintes desenvolvimentos:

• Na última ceia, despedindo-se dos discípulos, Jesus resumiu desta forma a proposta que veio apresentar aos homens: “amai-vos uns aos outros como Eu vos amei” (Jo 15,12). Este não é “mais um mandamento”, mas é “o mandamento” de Jesus. Entretanto, algures durante a nossa caminhada pela história, esquecemos “o mandamento” de Jesus e distraímo-nos com questões secundárias… Preocupamo-nos em discutir ritos litúrgicos, problemas de organização e de autoridade, códigos de leis, questões de disciplina… e esquecemos “o mandamento” do amor. Já é tempo de voltarmos ao essencial. O cristão é aquele que, como Cristo, ama sem cálculo, sem contrapartidas, sem limite, sem medida. Na nossa experiência cristã, só o amor é essencial; tudo o resto é secundário.

• As nossas comunidades cristãs, a exemplo da primitiva comunidade cristã de Jerusalém, deviam ser comunidades fraternas onde se notam as marcas do amor. Os que estão de fora deviam olhar para nós e dizer: “eles são diferentes, são uma mais valia para o mundo, porque amam mais do que os outros”. É isso que acontece? Quem contempla as nossas comunidades, descobre as marcas do amor, ou as marcas da insensibilidade, do egoísmo, do confronto, do ciúme, da inveja? Os estrangeiros, os doentes, os necessitados, os débeis, os marginalizados são acolhidos nas nossas comunidades com solicitude e amor?

• É importante sentirmos que a nossa dívida de amor nunca está paga. Podemos, todos os dias, realizar gestos de partilha, de serviço, de acolhimento, de reconciliação, de perdão… mas é preciso, neste campo, ir sempre mais além. Há sempre mais um irmão que é preciso amar e acolher; há sempre mais um gesto de solidariedade que é preciso fazer; há sempre mais um sorriso que podemos partilhar; há sempre mais uma palavra de esperança que podemos oferecer a alguém. Sobretudo, é preciso que sintamos que a nossa caminhada de amor nunca está concluída.

ALELUIA – 2Cor 5,19

Aleluia. Aleluia.

Em Cristo, Deus reconcilia o mundo consigo
e confiou-nos a palavra da reconciliação.

EVANGELHO – Mt 18,15-20

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Se o teu irmão te ofender,
vai ter com ele e repreende-o a sós.
Se te escutar, terás ganho o teu irmão.
Se não te escutar, toma contigo mais uma ou duas pessoas,
para que toda a questão fique resolvida
pela palavra de duas ou três testemunhas.
Mas se ele não lhes der ouvidos, comunica o caso à Igreja;
e se também não der ouvidos à Igreja,
considera-o como um pagão ou um publicano.
Em verdade vos digo:
Tudo o que ligardes na terra será ligado no Céu;
e tudo o que desligardes na terra será desligado no Céu.
Digo-vos ainda:
Se dois de vós se unirem na terra para pedirem qualquer coisa,
ser-lhes-á concedida por meu Pai que está nos Céus.
Na verdade, onde estão dois ou três reunidos em meu nome,
Eu estou no meio deles».

AMBIENTE

O capítulo 18 do Evangelho de Mateus é conhecido como o “discurso eclesial”. Apresenta uma catequese de Jesus sobre a experiência de caminhada em comunidade. Aqui, Mateus ampliou de forma significativa algumas instruções apresentadas por Marcos sobre a vida comunitária (cf. Mc 9,33-37. 42-47) e compôs, com esses materiais, um dos cinco grandes discursos que o seu Evangelho nos apresenta. Os destinatários desta “instrução” são os discípulos e, através deles, a comunidade a que o Evangelho de Mateus se dirige.
A comunidade de Mateus é uma comunidade “normal” – isto é, é uma comunidade parecida com qualquer uma das que nós conhecemos. Nessa comunidade existem tensões entre os diversos grupos e problemas de convivência: há irmãos que se julgam superiores aos outros e que querem ocupar os primeiros lugares; há irmãos que tomam atitudes prepotentes e que escandalizam os pobres e os débeis; há irmãos que magoam e ofendem outros membros da comunidade; há irmãos que têm dificuldade em perdoar as falhas e os erros dos outros… Para responder a este quadro, Mateus elaborou uma exortação que convida à simplicidade e humildade, ao acolhimento dos pequenos, dos pobres e dos excluídos, ao perdão e ao amor. Ele desenha, assim, um “modelo” de comunidade para os cristãos de todos os tempos: a comunidade de Jesus tem de ser uma família de irmãos, que vive em harmonia, que dá atenção aos pequenos e aos débeis, que escuta os apelos e os conselhos do Pai e que vive no amor.

MENSAGEM

O fragmento do “discurso eclesial” que nos é hoje proposto refere-se, especialmente, ao modo de proceder para com o irmão que errou e que provocou conflitos no seio da comunidade. Como é que os irmãos da comunidade devem proceder, nessa situação? Devem condenar, sem mais, e marginalizar o infractor?
Não. Neste quadro, as decisões radicais e fundamentalistas raramente são cristãs. É preciso tratar o problema com bom senso, com maturidade, com equilíbrio, com tolerância e, acima de tudo, com amor. Mateus propõe um caminho em várias etapas…
Em primeiro lugar, Mateus propõe um encontro com esse irmão, em privado, e que se fale com ele cara a cara sobre o problema (vers. 15). O caminho correto não passa, decididamente, por dizer mal “por trás”, por publicitar a falta, por criticar publicamente (ainda que não se invente nada), e muito menos por espalhar boatos, por caluniar, por difamar. O caminho correto passa pelo confronto pessoal, leal, honesto, sereno, compreensivo e tolerante com o irmão em causa.
Se esse encontro não resultar, Mateus propõe uma segunda tentativa. Essa nova tentativa implica o recurso a outros irmãos (“toma contigo uma ou duas pessoas” – diz Mateus – vers. 16) que, com serenidade, sensibilidade e bom senso, sejam capazes de fazer o infrator perceber o sem sentido do seu comportamento.
Se também essa tentativa falhar, resta o recurso à comunidade. A comunidade será então chamada a confrontar o infrator, a recordar-lhe as exigências do caminho cristão e a pedir-lhe uma decisão (vers. 16a).
No caso de o infrator se obstinar no seu comportamento errado, a comunidade terá que reconhecer, com dor, a situação em que esse irmão se colocou a si próprio; e terá de aceitar que esse comportamento o colocou à margem da comunidade. Mateus acrescenta que, nesse caso, o faltoso será considerado como “um pagão ou um cobrador de impostos” (vers. 17b). Isto significa que os pagãos e os cobradores de impostos não têm lugar na comunidade de Mateus? Não. Ao usar este exemplo, o autor deste texto não pretende referir-se a indivíduos, mas a situações. Trata-se de imagens tipicamente judaicas para falar de pessoas que estão instaladas em situações de erro, que se obstinam no seu mau proceder e que recusam todas as oportunidades de integrar a comunidade da salvação.
A Igreja tem o direito de expulsar os pecadores? Mateus não sugere aqui, com certeza, que a Igreja possa excluir da comunhão qualquer irmão que errou. Na realidade, a Igreja é uma realidade divina e humana, onde coexistem a santidade e o pecado. O que Mateus aqui sugere é que a Igreja tem de tomar posição quando algum dos seus membros, de forma consciente e obstinada, recusa a proposta do Reino e realiza atos que estão frontalmente contra as propostas que Cristo veio trazer. Nesse caso, contudo, nem é a Igreja que exclui o prevaricador: ele é que, pelas suas opções, se coloca decididamente à margem da comunidade. A Igreja tem, no entanto, que constatar o fato e agir em conseqüência.
Depois desta instrução sobre a correção fraterna, Mateus acrescenta três “ditos” de Jesus (cf. Mt 18,18-20) que, originalmente, seriam independentes da temática precedente, mas que Mateus encaixou neste contexto.
O primeiro (vers. 18) refere-se ao poder, conferido à comunidade, de “ligar” e “desligar”. Entre os judeus, a expressão designava o poder para interpretar a Lei com autoridade, para declarar o que era ou não permitido e para excluir ou re-introduzir alguém na comunidade do Povo de Deus; aqui, significa que a comunidade (algum tempo antes – cf. Mt 16,19 – Jesus dissera estas mesmas palavras a Pedro; mas aí Pedro representava a totalidade da comunidade dos discípulos) tem o poder para interpretar as palavras de Jesus, para acolher aqueles que aceitam as suas propostas e para excluir aqueles que não estão dispostos a seguir o caminho que Jesus propôs.
O segundo (vers. 19) sugere que as decisões graves para a vida da comunidade devem ser tomadas em clima de oração. Assegura aos discípulos, reunidos em oração, que o Pai os escutará.
O terceiro (vers. 20) garante aos discípulos a presença de Jesus “no meio” da comunidade. Neste contexto, sugere que as tentativas de correção e de reconciliação entre irmãos, no seio da comunidade, terão o apoio e a assistência de Jesus.

ATUALIZAÇÃO

Na reflexão e partilha, considerar as seguintes questões:

• A palavra “tolerância” é uma palavra profundamente cristã, que sugere o respeito pelo outro, pelas suas diferenças, até pelos seus erros e falhas. No entanto, o que significa “tolerância”? Significa que cada um pode fazer o mal ou o bem que quiser, sem que tal nos diga minimamente respeito? Implica o recusarmo-nos a intervir quando alguém toma atitudes que atentam contra a vida, a liberdade, a dignidade, os direitos dos outros? Quer dizer que devemos ficar indiferentes quando alguém assume comportamentos de risco, porque ele “é maior e vacinado” e nós não temos nada com isso? Quais são as fronteiras da “tolerância”? Diante de alguém que se obstina no erro, que destrói a sua vida e a dos outros, devemos ficar de braços cruzados? Até que ponto vai a nossa responsabilidade para com os irmãos que nos rodeiam? A “tolerância” não será, tantas vezes, uma desculpa que serve para disfarçar a indiferença, a demissão das responsabilidades, o comodismo?

• O Evangelho deste domingo sugere a nossa responsabilidade em ajudar cada irmão a tomar consciência dos seus erros. Convida-nos a respeitar o nosso irmão, mas a não pactuar com as atitudes erradas que ele possa assumir. Amar alguém é não ficar indiferente quando ele está a fazer mal a si próprio; por isso, amar significa, muitas vezes, corrigir, admoestar, questionar, discordar, interpelar… É preciso amar muito e respeitar muito o outro, para correr o risco de não concordar com ele, de lhe fazer observações que o vão magoar; no entanto, trata-se de uma exigência que resulta do mandamento do amor…

• Que atitude tomar em relação a quem erra? Como proceder? Antes de mais, é preciso evitar publicitar os erros e as falhas dos outros. O denunciar publicamente o erro do irmão, pode significar destruir-lhe a credibilidade e o bom nome, a paz e a tranqüilidade, as relações familiares e a confiança dos amigos. Fazer com que alguém seja julgado na praça pública – seja ou não culpado – é condená-lo antecipadamente, é não dar-lhe a possibilidade de se defender e de se explicar, é restringir-lhe o direito de apelar à misericórdia e à capacidade de perdão dos outros irmãos. Humilhar o irmão publicamente é, sobretudo, uma grave falta contra o amor. É por isso que o Evangelho de hoje convida a ir ao encontro do irmão que falhou e a repreendê-lo a sós…

• Sobretudo, é preciso que a nossa intervenção junto do nosso irmão não seja guiada pelo ódio, pela vingança, pelo ciúme, pela inveja, mas seja guiada pelo amor. A lógica de Deus não é a condenação do pecador, mas a sua conversão; e essa lógica devia estar sempre presente, quando nos confrontamos com os irmãos que falharam. O que é que nos leva, por vezes, a agir e a confrontar os nossos irmãos com os seus erros: o orgulho ferido, a vontade de humilhar aquele que nos magoou, a má vontade, ou o amor e a vontade de ver o irmão reencontrar a felicidade e a paz?

• A Igreja tem o direito e o dever de pronunciar palavras de denúncia e de condenação, diante de atos que afetam gravemente o bem comum… No entanto, deve distinguir claramente entre a pessoa e os seus atos errados. As ações erradas devem ser condenadas; os que cometeram essas ações devem ser vistos como irmãos, a quem se ama, a quem se acolhe e a quem se dá sempre outra oportunidade de acolher as propostas de Jesus e de integrar a comunidade do Reino.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 23º DOMINGO DO TEMPO COMUM

1. A liturgia meditada ao longo da semana.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 23º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

2. Privilegiar o tempo do acolhimento.
É o recomeço. A maior parte dos fiéis estão agora de regresso à paróquia. Será bom privilegiar o tempo do acolhimento, em particular dos novos paroquianos. Depois do sinal da cruz, da saudação e da introdução à celebração, o presidente pode convidar cada um a saudar os seus vizinhos de lugar. Pode igualmente pedir aos novos paroquianos para se apresentarem e acolhê-los em nome de toda a comunidade. Será igualmente bom privilegiar o gesto de paz. O presidente dá a paz a algumas pessoas que vêm ao altar. A paz é em seguida transmitida progressivamente por esse grupo e cada um dá a paz a outra pessoa, depois de a ter recebido simbolicamente. Saudar-se, dar a paz… tal deve continuar depois da celebração. Isso deve ser expresso nas palavras finais de envio. Se possível, pode-se organizar um pequeno convívio após a celebração.

3. Oração na lectio divina.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:
Bendito sejas, Deus de santidade, que nos chamas a ser santo como Tu mesmo és santo. Nós Te louvamos pelos profetas que nos envias em todo o tempo como sentinelas, para vigiar o nosso caminho e para nos guiar.
Nós Te pedimos por todas as comunidades cristãs: que o teu Espírito nos purifique das más condutas que desvalorizam o nosso testemunho.

No final da segunda leitura:
Nós Te damos graças, Deus de amor, pela Lei viva que nos deste em Jesus e pelos teus apóstolos. Ela é comunicação do teu Espírito. Nós reconhecemos a imensa dívida de amor que temos para contigo.
Nós Te pedimos: mantém-nos receptivos ao teu Espírito de amor. Que ele nos torne conscientes da dívida de mútuo amor de uns para com os outros.

No final do Evangelho:
Deus justo e bom, se eu não interpelar o irmão ou a irmã que se perde, estou em dívida para contigo, porque me torno cúmplice do mal que não me esforço de impedir.
Que o teu Espírito seja para mim fonte de discernimento e de coragem!

4. Oração Eucarística.
Pode-se escolher a Oração Eucarística II das Assembléias com Crianças, que evoca com insistência o amor ao próximo e a comunhão fraterna aos quais nos convidam a segunda leitura e o Evangelho de hoje.

5. Palavra para o caminho.
Ser sentinela…
A religião cristã não é um simples assunto pessoal que só a nós diz respeito e que nos desinteressa dos outros.
“Sentinela”: qual é o cuidado missionário que está em nós para transmitir a Palavra do Senhor aos nossos irmãos? O nosso amor para com eles é suficientemente forte para os convidar a uma mudança de conduta, se necessário?
“Sentinelas”: o amor ao próximo é para nós uma dinâmica de conversão pessoal e comunitária?

EXALTAÇÃO DA SANTA CRUZ
Num 21,4b-9; Fil 2, 6-11; Jo 3, 13-17
São vários os motivos pelos quais estamos aqui reunidos para celebrar esta eucaristia, memorial da paixão, morte e ressurreição do Senhor: é domingo, dia do Senhor, quando deixamos todas as nossas atividades normais para dedicar tempo maior ao serviço do Senhor; é o mês da Bíblia, quando a igreja louva a Deus pelo dom de sua Palavra e reafirma seu compromisso de vivê-la melhor; é festa da exaltação da santa cruz. Ela continua sendo escândalo para os que não crêem, mas garantia e esperança de salvação para os que crêem. Nós cremos que a cruz já é nossa vitória e, por isso, mesmo sem ignorar seu aspecto doloroso, nós podemos celebrá-la na alegria da fé, com a certeza de que é dela que brota a abundância da vida que esperamos. Graças a esta cruz que hoje exaltamos, Cristo libertou-nos do pecado e das amarras da morte. Por sua força, o autor do mal perdeu seu domínio sobre os filhos de Deus. Dela nasceu a renovação total da criação danificada pelo pecado. Ela é a fonte de misericórdia e o maior sinal do amor de Deus por todos nós.
A leitura do Livro dos Números, nos fala de uma cruz erguida por ordem de Deus, em determinado momento da história da salvação e que tornou-se sinal e garantia de vida para o povo de Deus a caminho. Não é difícil compreender que aquela cruz, sinal de vida e instrumento de salvação para o povo a caminho, foi somente imagem ou figura da cruz de Cristo, sinal e instrumento de vida e da salvação definitiva do novo povo de Deus a caminho. De fato, no altar da cruz, Cristo ofereceu o sacrifício único e definitivo pela salvação de todos os filhos de Deus. Além disso, a presente leitura descreve com simplicidade as principais características do relacionamento mútuo entre Deus e os homens. O diálogo salvífico entre Deus e os homens, é aqui apresentado com duas características básicas: Da parte de Deus: amor, perdão, compaixão, misericórdia. Mesmo depois de tamanha ingratidão demonstrada pelo seu povo, Deus acolhe a intercessão do seu servo Moisés e perdoa todos os seus filhos. Da parte do homem: a ingratidão e a insatisfação.
De fato, logo depois que Deus os perdoou e interveio em favor da salvação deles, o povo revoltou-se contra Deus e por motivos tão banais, se comparados com o que Deus havia operado gratuitamente em favor de todos. O povo impacientou-se contra Deus e contra Moisés e se pôs a falar: Por que nos fizestes sair do Egito para morrermos no deserto? Não há pão, falta água e já estamos fartos e com nojo deste alimento miserável. Com extrema rapidez o povo esqueceu os grandes feitos de Deus em favor de sua libertação e, diante das primeiras pequenas dificuldades do caminho para a vida, rebela-se contra Deus, dando uma grande demonstração de sua ingratidão para com o Deus Salvador. A primeira vista, podemos até nos sentir encorajados a criticar a atitude ingrata do antigo povo, mas certamente encontraremos coisas muito semelhantes em nosso relacionamento pessoal e comunitário com Deus. Ele é nosso tudo. Dele recebemos todas as coisas. Desde a nossa concepção, Deus vem realizando grandes milagres em nosso favor. É muito comum esquecermos de manifestar nossa gratidão por tudo o que recebemos gratuitamente, mas com freqüência, diante das primeiras dificuldades do nosso caminho para a plenitude da vida em Deus, esquecemos toda a bondade de Deus para conosco e nos rebelamos, somos ingratos.
São Paulo quer mostrar-nos como foi o momento da cruz, lugar e situação em que Deus, na pessoa do Filho amado, nos deu sua maior prova de amor. Ainda que nós homens não fôssemos merecedores de nada da parte de Deus, dada nossa condição de escravos do pecado, Jesus esvaziou-se inteiramente de sua condição e humilhou-se, assumindo nossa condição humana e carregou sobre si o peso de nossos pecados, redimindo com sua cruz a humanidade decaída e restaurando em todos nós a dignidade de filhos perdida com o pecado. Naquele gesto da cruz, Jesus além de nos dar a maior prova de amor, dá o exemplo do perfeito relacionamento entre nós filhos e Deus nosso Pai: total obediência e acolhida da sua vontade; perfeito abandono e total confiança no amor misericordioso do Pai.
No Evangelho, encontraremos uma releitura, à luz de Cristo, daquela cruz erguida por Moisés no deserto e que foi sinal e instrumento de salvação para o povo de Deus a caminho. São João coloca na boca de Jesus a afirmação: " do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem, tenham a vida eterna". Com estas palavras, Jesus confirma que a cruz não é um simples acidente de caminho, mas uma necessidade na vida de qualquer um de seus seguidores de todos os tempos, pois no plano salvífico do Pai, a plenitude da vida virá somente depois da cruz e da ressurreição. É preciso abraçar com coragem e dignidade a cruz de cada dia, para poder ter a esperança e um dia contemplar Deus face-a-face. Para o novo e definitivo povo de Deus, os batizados, a cruz também é sinal e instrumento de salvação. Nela, todo filho pode saciar sua sede de perdão, misericórdia e reconciliação.
Terminamos nossa reflexão, fixando a atenção na última parte do nosso texto evangélico, pois ele é rico de esperanças para todos nós que ainda estamos caminhando em busca da salvação plena e definitiva: "Deus não enviou seu Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por Ele". Deus não quer que nenhum dos seus filhos se perca e para realizar este seu sonho em nosso favor, não poupou nem mesmo seu Filho amado, mas o entregou na cruz para nossa salvação. Se Ele nos deu o Filho, que era seu bem mais precioso, poderá nos conceder tudo o resto. Portanto, ainda que nos reconheçamos pecadores e distantes daquilo que o plano de Deus nos pede, podemos continuar caminhando com esperanças e até certa alegria, pois o amor infinito de Deus é capaz de muito mais do podemos sonhar.

 25º DOMINGO DO TEMPO COMUM

A liturgia do 25º Domingo do Tempo Comum convida-nos a descobrir um Deus cujos caminhos e cujos pensamentos estão acima dos caminhos e dos pensamentos dos homens, quanto o céu está acima da terra. Sugere-nos, em conseqüência, a renúncia aos esquemas do mundo e a conversão aos esquemas de Deus.
A primeira leitura pede aos crentes que voltem para Deus. “Voltar para Deus” é um movimento que exige uma transformação radical do homem, de forma a que os seus pensamentos e ações reflitam a lógica, as perspectivas e os valores de Deus.
O Evangelho diz-nos que Deus chama à salvação todos os homens, sem considerar a antiguidade na fé, os créditos, as qualidades ou os comportamentos anteriormente assumidos. A Deus interessa apenas a forma como se acolhe o seu convite. Pede-nos uma transformação da nossa mentalidade, de forma a que a nossa relação com Deus não seja marcada pelo interesse, mas pelo amor e pela gratuidade.
A segunda leitura apresenta-nos o exemplo de um cristão (Paulo) que abraçou, de forma exemplar, a lógica de Deus. Renunciou aos interesses pessoais e aos esquemas de egoísmo e de comodismo, e colocou no centro da sua existência Cristo, os seus valores, o seu projeto.

LEITURA I – Is 55,6-9

Leitura do Livro de Isaías

Procurai o Senhor, enquanto se pode encontrar,
invocai-O, enquanto está perto.
Deixe o ímpio o seu caminho
e o homem perverso os seus pensamentos.
Converta-se ao Senhor, que terá compaixão dele,
ao nosso Deus, que é generoso em perdoar.
Porque os meus pensamentos não são os vossos,
nem os vossos caminhos são os meus – oráculo do Senhor –.
Tanto quanto o céu está acima da terra,
assim os meus caminhos estão acima dos vossos
e acima dos vossos estão os meus pensamentos.

AMBIENTE

O Deutero-Isaías, autor deste texto, é um profeta anônimo da escola de Isaías, que cumpriu a sua missão profética entre os exilados da Babilônia, procurando consolar e manter acesa a esperança no meio de um povo amargurado, desiludido e decepcionado. Os capítulos que recolhem a sua mensagem (Is 40-55) chamam-se, por isso, “Livro da Consolação”.
Estes quatro versículos que a primeira leitura de hoje nos propõe aparecem no final do “Livro da Consolação”. Aproxima-se a libertação e, para muitos exilados, está perto o momento do regresso à Terra Prometida. Depois de exortar os exilados a cumprir um novo êxodo e de lhes garantir que, em Judá, vão sentar-se à mesa do banquete que Jahwéh quer oferecer ao seu Povo (cf. Is 55,1-3), o profeta lança-lhes agora um outro repto…
O tempo do Exílio foi um tempo de angústia e de sofrimento, mas também um tempo de amadurecimento e de graça. Aí, Israel tomou consciência das suas falhas e infidelidades, e descobriu que o viver longe de Deus não conduz à vida e à felicidade; por outro lado, o tempo de Exílio ajudou Israel a purificar a sua noção de Deus, da Aliança, do culto e até do significado de ser Povo de Deus.
O Deutero-Isaías – neste momento em que se abrem novos horizontes – convida os seus concidadãos a percorrerem esse caminho de conversão e de redescoberta de Deus que a experiência do Exílio lhes revelou. O Povo está prestes a pôr-se a caminho em direção à Terra Prometida; esse “caminho” não é uma simples deslocação geográfica mas é, sobretudo, um “caminho” espiritual de reencontro com o Senhor. Deixar a terra da escravidão e voltar à terra da liberdade deve significar, para Israel, uma redescoberta dos esquemas de Deus e um esforço sério para viver na fidelidade dinâmica aos mandamentos de Jahwéh.

MENSAGEM

O apelo do profeta é, portanto, a um recomeço. Nesses novos caminhos que as vicissitudes da história vão abrir aos exilados, é preciso que este Israel renovado pela experiência do Exílio continue a procurar o Senhor, a invocá-lo, a cultivar laços de comunhão e de proximidade com Ele.
Fundamentalmente, Israel é convidado a converter-se ou, literalmente, a “voltar (em hebraico: 'shûb') para Deus”. Essa “conversão” exige uma transformação radical do homem, quer em termos de mentalidade, quer em termos de comportamento (“deixe o ímpio o seu caminho e o homem perverso os seus pensamentos” – vers. 7).
A mentalidade, os valores, as atitudes dos “ímpio” e do “homem perverso”, estão muito longe da mentalidade, dos valores e dos esquemas de Deus. A vida do “ímpio” e do “homem perverso” funciona numa lógica de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de violência, de exploração; os esquemas do “ímpio” geram sofrimento, infelicidade, morte… Deus funciona numa lógica de amor, de serviço, de partilha, de doação; os esquemas de Deus geram alegria, paz verdadeira, vida definitiva.
Ao Povo de Deus, pede-se que prescinda da lógica do “ímpio” e do “homem perverso”, para abraçar a lógica de Deus; pede se lhe que não viva de olhos postos no chão, mas que olhe para o céu e contemple os horizontes de Deus; pede se lhe que seja capaz de confiar em Deus e de compreender o acerto dos seus caminhos. Só dessa forma o Povo poderá ser feliz nessa Terra a que vai regressar; só dessa forma Israel poderá continuar a ser fiel à sua missão de testemunhar Jahwéh no meio dos outros povos.
A conversão implica também (este aspecto está mais sugerido do que afirmado) uma mudança na forma de ver Deus. O homem tem sempre tendência a construir um deus à sua imagem, um deus previsível e domesticado que funcione de acordo com a lógica e a mentalidade do homem. No entanto, Deus não pode ser reduzido aos nossos esquemas humanos: os seus pensamentos não são os pensamentos do homem, as suas reações não são as reações do homem, os seus caminhos não são os caminhos do homem. “Converter-se” é, a este nível, aprender que Deus não é redutível às nossas lógicas e esquemas humanos; e é aprender que Deus tem os seus próprios caminhos, diferentes dos nossos… “Converter-se” é, a este nível, prescindir das nossas certezas, preconceitos e auto-suficiências, confiar em Deus e na bondade dos caminhos através dos quais ele conduz a história da salvação.

ATUALIZAÇÃO

Considerar as seguintes questões:

¨ Antes de mais, o nosso texto apela à conversão. O “voltar para Deus” (como diz o Deutero-Isaías) significa, neste contexto, re-equacionar a vida, de modo a que Deus passe a estar no centro da existência do homem. É inflectir o sentido da existência, de forma a que Deus (e não o dinheiro, o poder, o sucesso, os amigos, a família) ocupe sempre, na vida do homem, o primeiro lugar. A cultura pós-moderna prescindiu de Deus… Considerou que o homem é o único senhor do seu destino e que cada pessoa tem o direito de construir a sua felicidade à margem de Deus e dos seus valores; considerou que os valores de Deus não permitem ao homem potencializar as suas capacidades e ser verdadeiramente livre e feliz… Na verdade, o que é que nos faz passar da terra da escravidão para a terra da liberdade: o amor, a partilha, o serviço, o dom da vida, ou o egoísmo, o orgulho, a arrogância, a auto-suficiência?

¨ No entanto, o homem só poderá converter-se a Deus e abraçar os seus esquemas e valores, se se mantiver em comunhão com Ele. É na escuta e na reflexão da Palavra de Deus, na oração freqüente, na atitude de disponibilidade para acolher a vida de Deus, na entrega confiada nas mãos de Deus, que o crente descobrirá os valores de Deus e os assumirá. Aos poucos, a ação de Deus irá transformando a mentalidade desse crente, de forma a que ele viva e testemunhe Deus e as suas propostas para os homens.

¨ A conversão é um processo nunca acabado. Todos os dias o crente terá de optar entre os valores de Deus e os valores do mundo, entre conduzir a sua vida de acordo com a lógica de Deus ou de acordo com a lógica dos homens. Por isso, o verdadeiro crente nunca cruza os braços, instalado em certezas definitivas ou em conquistas absolutas, mas esforça-se por viver cada instante em fidelidade dinâmica a Deus e às suas propostas.

¨ Finalmente, o nosso texto sugere uma reflexão sobre a imagem que temos de Deus. Não podemos construir e testemunhar diante dos outros homens um Deus à nossa imagem, que funcione de acordo com os nossos esquemas mentais e que assuma comportamentos parecidos com os nossos. Temos de descobrir, no diálogo pessoal com Ele, esse Deus que nos transcende infinitamente. Sem preconceitos, sem certezas absolutas, temos de mergulhar no infinito de Deus, e deixarmo-nos surpreender pela sua lógica, pela sua bondade, pelo seu amor.

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 144 (145)

Refrão: O Senhor está perto de quantos O invocam.

Quero bendizer-Vos, dia após dia,
e louvar o vosso nome para sempre.
Grande é o Senhor e digno de todo o louvor,
insondável é a sua grandeza.

O Senhor é clemente e compassivo,
paciente e cheio de bondade.
O Senhor é bom para com todos
e a sua misericórdia se estende a todas as criaturas.

O Senhor e justo em todos os seus caminhos
e perfeito em todas as suas obras.
O Senhor está perto de quantos O invocam,
de quantos O invocam em verdade.

LEITURA II
– Fl 1,20c-24.27a

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Filipenses

Irmãos:
Cristo será glorificado no meu corpo,
quer eu viva quer eu morra.
Porque, para mim, viver é Cristo e morrer é lucro.
Mas, se viver neste corpo mortal é útil para o meu trabalho,
não sei o que escolher.
Sinto-me constrangido por este dilema:
desejaria partir e estar com Cristo, que seria muito melhor;
mas é mais necessário para vós
que eu permaneça neste corpo mortal.
Procurai somente viver de maneira digna do Evangelho de Cristo.

AMBIENTE

Filipos, cidade situada ao norte da Grécia, foi a primeira cidade européia evangelizada por Paulo. Era uma cidade próspera, com uma população constituída maioritariamente por veteranos romanos do exército. Organizada à maneira de Roma, estava fora da jurisdição dos governantes das províncias locais e dependia diretamente do imperador. Gozava, por isso, dos mesmos privilégios das cidades de Itália.
A comunidade cristã, fundada por Paulo, Silas e Timóteo no Verão do ano 49, era uma comunidade entusiasta, generosa e comprometida, sempre atenta às necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como no caso da coleta em favor da Igreja de Jerusalém – cf. 2 Cor 8,1-5). Paulo nutria pelos “filhos” de Filipos um afeto especial.
No momento em que escreve aos Filipenses, Paulo está na prisão (em Éfeso?). Dos Filipenses recebeu dinheiro e o envio de Epafrodito (um membro da comunidade), encarregado de ajudar Paulo em tudo o que fosse necessário. Enviando Epafrodito de volta a Filipos, Paulo confia-lhe uma carta para a comunidade. É uma carta afetuosa, onde Paulo agradece aos Filipenses a sua preocupação, a sua solicitude e o seu amor. Nela, Paulo agradece, dá notícias, informa a comunidade sobre a sua própria sorte e exorta os Filipenses à fidelidade ao Evangelho.
O texto que nos é hoje proposto faz parte de uma perícopa (cf. Fl 1,12-26), na qual Paulo fala aos Filipenses de si próprio, da sua situação, das suas preocupações e esperanças. Paulo está consciente de que corre riscos de vida; mas está sereno, alegre e confiante porque a única coisa que lhe interessa é Cristo e o seu Evangelho.

MENSAGEM

Quando escreve a carta aos Filipenses, Paulo continua preso. Não sabe se sairá da prisão vivo ou morto, mas, para ele, isso não é importante; o que é importante é que Cristo seja engrandecido – seja através da vida, seja através da morte do apóstolo.
Para Paulo, Cristo é que é a autêntica vida. Ele é a razão de ser e de viver do apóstolo. Na perspectiva de Paulo, a morte seria bem vinda, não como libertação das dificuldades e das dores que se experimentam na vida terrena, mas como caminho direto para o encontro definitivo, imediato, sem intermediários, com Cristo. Paulo não se importaria nada de morrer a curto prazo, porque isso significaria a comunhão total com Cristo. Especialmente significativa, a este propósito, é a conhecida frase (que, aliás, está escrita no seu túmulo, em Roma): “para mim, viver é Cristo e morrer é lucro”.
No entanto, Paulo está consciente de que Deus pode ter outros planos e querer que ele continue – para benefício das comunidades cristãs – algum tempo mais na terra, a dar testemunho do Evangelho de Cristo. Paulo aceita isso: por Cristo, está disposto a tudo. Na verdade, não são os interesses de Paulo que contam, mas os interesses de Cristo.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão pode ter em conta as seguintes questões:

¨ Um dos elementos que mais impressionam e questionam neste testemunho é a centralidade de Cristo na vida de Paulo. Diante de Cristo, todos os interesses pessoais e materiais do apóstolo passam a um plano absolutamente secundário. O apóstolo vive de Cristo e para Cristo; nada mais lhe interessa. Paulo aparece, neste aspecto, como o perfeito modelo do cristão: para os batizados, Cristo deveria ser o centro de todas as referências e interesses, a “pedra angular” à volta da qual se constrói a existência cristã. Que significa Cristo para mim? Ele é a referência fundamental à volta da qual tudo se articula, ou é apenas mais um entre muitos interesses a partir dos quais eu vou construindo a minha vida? Quando tenho de optar, para que lado cai a minha escolha: para o lado de Cristo, ou para o lado dos meus interesses pessoais?

¨ A mesma questão – a questão da centralidade de Cristo – pode colocar-se a propósito do testemunho que a Igreja oferece aos homens e ao mundo… É mais importante falar de Cristo e do seu Evangelho do que dos artigos do Código de Direito Canônico; é mais importante testemunhar Cristo e os seus valores do que discutir a estrutura hierárquica da Igreja; é mais importante anunciar Cristo e a sua proposta de Reino do que debater questões de organização e de disciplina… Cristo está, verdadeiramente, no centro desse anúncio que somos convidados a fazer aos homens do nosso tempo?

¨ Neste texto, impressiona também a liberdade total de Paulo face à morte. Essa liberdade resulta do fato de a fé que anima o apóstolo lhe permitir encarar a morte, não como o mais terrível e assustador de todos os males, mas como a possibilidade do encontro definitivo e pleno com Cristo. Dessa forma, Paulo pode entregar-se tranquilamente ao exercício do seu ministério, sem deixar que o medo trave o seu empenho e o seu testemunho. Também aqui a atitude de Paulo interpela e questiona os crentes… Para um cristão, a morte é o momento da realização plena, do encontro com a vida definitiva. Não é um drama sem sentido, sem remédio e sem esperança. Para um cristão, não faz sentido que o medo da perseguição ou da morte impeça o compromisso com os valores de Deus e com o compromisso profético diante do mundo.

ALELUIA – cf. Atos 16,14b

Aleluia. Aleluia.

Abri, Senhor, os nossos corações,
para aceitarmos a palavra do vosso Filho.

EVANGELHO – Mt 20,1-16a

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola:
«O reino dos Céus pode comparar-se a um proprietário,
que saiu muito cedo a contratar trabalhadores para a sua vinha.
Ajustou com eles um denário por dia
e mandou-os para a sua vinha.
Saiu a meio da manhã,
viu outros que estavam na praça ociosos e disse-lhes:
‘Ide vós também para a minha vinha
e dar-vos-ei o que for justo’.
E eles foram.
Voltou a sair, por volta do meio-dia e pelas três horas da tarde,
e fez o mesmo.
Saindo ao cair da tarde,
encontrou ainda outros que estavam parados e disse-lhes:
‘Porque ficais aqui todo o dia sem trabalhar?’
Eles responderam-lhe: ‘Ninguém nos contratou’.
Ele disse-lhes: ‘Ide vós também para a minha vinha’.
Ao anoitecer, o dono da vinha disse ao capataz:
«Chama os trabalhadores e paga-lhes o salário,
a começar pelos últimos e a acabar nos primeiros’.
Vieram os do entardecer e receberam um denário cada um.
Quando vieram os primeiros, julgaram que iam receber mais,
mas receberam também um denário cada um.
Depois de o terem recebido,
começaram a murmurar contra o proprietário, dizendo:
‘Estes últimos trabalharam só uma hora
e deste-lhes a mesma paga que a nós,
que suportamos o peso do dia e o calor’.
Mas o proprietário respondeu a um deles:
‘Amigo, em nada te prejudico.
Não foi um denário que ajustaste comigo?
Leva o que é teu e segue o teu caminho.
Eu quero dar a este último tanto como a ti.
Não me será permitido fazer o que eu quero do que é meu?
Ou serão maus os teus olhos porque eu sou bom?’
Assim, os últimos serão os primeiros
e os primeiros serão os últimos».

AMBIENTE

No texto que nos é proposto, Jesus continua a instruir os discípulos, a fim de que eles compreendam a realidade do Reino e, após a partida de Jesus, a testemunhem. Trata-se de mais uma “parábola do Reino”.
O quadro que a parábola nos apresenta reflete bastante bem a realidade social e econômica dos tempos de Jesus. A Galiléia estava cheia de camponeses que, por causa da pressão fiscal ou de anos contínuos de más colheitas, tinham perdido as terras que pertenciam à sua família. Para sobreviver, esses camponeses sem terra alugavam a sua força de trabalho. Juntavam-se na praça da cidade e esperavam que os grandes latifundiários os contratassem para trabalhar nos seus campos ou nas suas vinhas. Normalmente, cada “patrão” tinha os seus “clientes” – isto é, homens em quem ele confiava e a quem contratava regularmente. Naturalmente, esses trabalhadores “de confiança” recebiam um tratamento de favor. Esse tratamento de favor implicava, nomeadamente, que esses “clientes” fossem sempre os primeiros a ser contratados, a fim de que pudessem ganhar uma “jorna” completa (um “denário”, que era o pagamento diário habitual de um trabalhador não especializado).

MENSAGEM

A parábola refere-se, portanto, a um dono de uma vinha que, ao romper da manhã, se dirigiu à praça e chamou os seus “clientes” para trabalhar na sua vinha, ajustando com eles o preço habitual: um denário. O volume de tarefas a realizar na vinha fez com que este patrão voltasse a sair a meio da manhã, ao meio-dia, às três da tarde e ao cair da tarde e que trouxesse, de cada vez, novas levas de trabalhadores. O trabalho decorreu sem incidentes, até ao final do dia.
Ao anoitecer, os trabalhadores foram chamados diante do senhor, a fim de receberem a paga do trabalho. Todos – quer os que só tinham trabalhado uma hora, quer os que tinham trabalhado todo o dia – receberam a mesma paga: um denário. Contudo, os trabalhadores da primeira hora (os “clientes” habituais do dono da vinha) manifestaram a sua surpresa e o seu desconcerto por, desta vez, não terem recebido um tratamento “de favor”.
A resposta final do dono da vinha afirma que ninguém tem nada a reclamar se ele decide derramar a sua justiça e a sua misericórdia sobre todos, sem exceção. Ele cumpre as suas obrigações para com aqueles que trabalham com ele desde o início; não poderá ser bondoso e misericordioso para com aqueles que só chegam no fim? Isso em nada deveria afetar os outros…
Muito provavelmente, a parábola serviu primariamente a Jesus para responder às críticas dos adversários, que O acusavam de estar demasiado próximo dos pecadores (os trabalhadores da última hora). Através dela, Jesus mostra que o amor do Pai se derrama sobre todos os seus filhos, sem exceção e por igual. Para Deus, não é decisiva a hora a que se respondeu ao seu apelo; o que é decisivo é que se tenha respondido ao seu convite para trabalhar na vinha do Reino. Para Deus, não há tratamento “especial” por antiguidade; para Deus, todos os seus filhos são iguais e merecem o seu amor.
A parábola serviu a Jesus, também, para denunciar a concepção que os teólogos de Israel tinham de Deus e da salvação. Para os fariseus, sobretudo, Deus era um “patrão” que pagava conforme as ações do homem. Se o homem cumprisse escrupulosamente a Lei, conquistaria determinados méritos e Deus pagar-lhe-ia convenientemente. Segundo esta perspectiva, Deus não dá nada; é o homem que conquista tudo. O “deus” dos fariseus é uma espécie de comerciante, que todos os dias aponta no seu livro de registros as dívidas e os créditos do homem, que um dia faz as contas finais, vê o saldo e dá a recompensa ou aplica o castigo.
Para Jesus, no entanto, Deus não é um contabilista, sempre de lápis na mão a fazer as contas dos homens para lhes pagar conforme os seus merecimentos; mas é um pai, cheio de bondade, que ama todos os seus filhos por igual e que derrama sobre todos, sem exceção, o seu amor.
A parábola foi, depois, proposta por Mateus à sua comunidade (provavelmente a comunidade cristã de Antioquia da Síria) para iluminar a situação concreta que a comunidade estava a viver com a entrada maciça de pagãos na Igreja. Alguns cristãos de origem judaica não conseguiam entender que os pagãos, vindos mais tarde, estivessem em pé de igualdade com aqueles que tinham acolhido a proposta do Reino desde a primeira hora. Mateus deixa, no entanto, claro que o Reino é um dom oferecido por Deus a todos os seus filhos, sem qualquer exceção. Judeus ou gregos, escravos ou livres, cristãos da primeira hora ou da última hora, todos são filhos amados do mesmo Pai. Na comunidade de Jesus não há graus de antiguidade, de raça, de classe social, de merecimento… O dom de Deus destina-se a todos, por igual.
Conclusão: A parábola convida-nos a perceber que o nosso Deus é o Deus que oferece gratuitamente a salvação a todos os seus filhos, independentemente da sua antiguidade, créditos, qualidades, ou comportamentos. Os membros da comunidade do Reino não devem, por isso, fazer o bem em vista de uma determinada recompensa, mas para encontrarem a felicidade, a vida verdadeira e eterna.

ATUALIZAÇÃO

Na reflexão, considerar as seguintes linhas:

¨ Antes de mais, o nosso texto deixa claro que o Reino de Deus (esse mundo novo de salvação e de vida plena) é para todos sem exceção. Para Deus não há marginalizados, excluídos, indignos, desclassificados… Para Deus, há homens e mulheres – todos seus filhos, independentemente da cor da pele, da nacionalidade, da classe social – a quem Ele ama, a quem Ele quer oferecer a salvação e a quem Ele convida para trabalhar na sua vinha. A única coisa verdadeiramente decisiva é se os interpelados aceitam ou não trabalhar na vinha de Deus. Fazer parte da Igreja de Jesus é fazer uma experiência radical de comunhão universal.

¨ Todos têm lugar na Igreja de Jesus… Mas todos terão a mesma dignidade e importância? Jesus garante que sim. Não há trabalhadores mais importantes do que os outros, não há trabalhadores de primeira e de segunda classe. O que há é homens e mulheres que aceitaram o convite do Senhor – tarde ou cedo, não interessa – e foram trabalhar para a sua vinha. Dentro desta lógica, que sentido é que fazem certas atitudes de quem se sente dono da comunidade porque “estou aqui há mais tempo do que os outros”, ou porque “tenho contribuído para a comunidade mais do que os outros”? Na comunidade de Jesus, a idade, o tempo de serviço, a cor da pele, a posição social, a posição hierárquica, não servem para fundamentar qualquer tipo de privilégios ou qualquer superioridade sobre os outros irmãos. Embora com funções diversas, todos são iguais em dignidade e todos devem ser acolhidos, amados e considerados de igual forma.

¨ O nosso texto denuncia ainda essa concepção de Deus como um “negociante”, que contabiliza os créditos dos homens e lhes paga em conseqüência. Deus não faz negócio com os homens: Ele não precisa da mercadoria que temos para Lhe oferecer. O Deus que Jesus anuncia é o Pai que quer ver os seus filhos livres e felizes e que, por isso, derrama o seu amor, de forma gratuita e incondicional, sobre todos eles. Sendo assim que sentido fazem certas expressões da vivência religiosa que são autênticas negociatas com Deus (“se tu me fizeres isto, prometo-te aquilo”; “se tu me deres isto, pago-te com aquilo”)?

¨ Entender que Deus não é um negociante, mas um Pai cheio de amor pelos seus filhos, significa também renunciar a uma lógica interesseira no nosso relacionamento com ele. O cristão não faz as coisas por interesse, ou de olhos postos numa recompensa (o céu, a “sorte” na vida, a eliminação da doença, o adivinhar a chave da lotaria), mas porque está convicto de que esse comportamento que Deus lhe propõe é o caminho para a verdadeira vida. Quem segue o caminho certo, é feliz, encontra a paz e a serenidade e colhe, logo aí, a sua recompensa.

¨ Com alguma freqüência encontramos cristãos que não entendem porque é que Deus ama e aceita na sua família, em pé de igualdade com os filhos da primeira hora, esses que só tardiamente responderam ao apelo do Reino. Sentem-se injustiçados, incompreendidos, ciumentos, invejosos e condenam, mais ou menos veladamente, essa lógica de misericórdia que, à luz dos critérios humanos, lhes parece muito injusta. Na sua perspectiva, a fidelidade a Deus e aos seus mandamentos merece uma recompensa e esta deve ser tanto maior quanto maior a antiguidade e a qualidade dos “serviços” prestados a Deus. Que sentido faz esta lógica à luz dos ensinamentos de Jesus?

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 25º DOMINGO DO TEMPO COMUM

1. A liturgia meditada ao longo da semana.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 25º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

2. A vinha.
Neste domingo (e nos dois próximos) temos a imagem da vinha. Embora a comparação só apareça plenamente no 27º domingo (em que a vinha significa o povo de Israel), pode ser interessante, a partir deste domingo: pôr em evidência uma cepa, quer na entrada da igreja, quer dentro da igreja (é o mês da vindima em muitas regiões); solenizar a procissão das oferendas pedindo a um jovem para levar ao altar um belo cacho de uvas…

3. Oração na lectio divina.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:
Nós Te louvamos, Deus nosso Pai, porque Te deixas encontrar por aqueles que Te procuram e tens piedade daqueles que vêm até Ti. Tu estás próximo de nós, és rico em perdão e os teus pensamentos são tão elevados acima dos nossos.
Nós Te pedimos: que o teu Espírito nos guie, que Ele nos livre dos caminhos do mal, que Ele eleve e inspire os nossos pensamentos.

No final da segunda leitura:
Senhor Jesus Cristo, nós Te bendizemos e com o apóstolo Paulo confessamos: a nossa vida, a nossa alegria e a nossa felicidade, és Tu.
Nós Te pedimos por nós mesmos e por todas as nossas comunidades cristãs: penetra-nos com o teu Espírito, para que levemos uma vida digna do teu Evangelho e que a tua grandeza seja manifestada nas nossas vidas.

No final do Evangelho:
Deus da Aliança antiga e nova, não cessas de chamar os homens a mudar de mentalidade. Hoje, Jesus nos recorda isso uma vez mais na parábola da última hora.
Abre os nossos olhos, as nossas mãos e os nossos corações, Senhor de infinita ternura. No respeito leal pela justiça dos homens, ensina-nos, pelo teu Espírito, a dar provas de generosidade.

4. Oração Eucarística.
Pode-se escolher a Oração Eucarística II, que nos recorda que fomos “escolhidos para servir” (2ª leitura).

5. Palavra para o caminho.
«Ide também vós para a minha Vinha!»
Pobreza na nossa Igreja. Falta de vocações… Assembléias dominicais raquíticas… Cada vez menos crianças na catequese… Críticas. Lamentações. Decepções.
«Ide também vós para a minha Vinha!»
Compreendemos bem que Jesus não faz seleção e que se dirige a todos sem exceção. Cabe-nos a nós aceitar ser “contratados”. Há trabalho para todos?
Vamos para a sua Vinha?

Dia da Padroeira do Brasil

Celebramos hoje em todo o Brasil a solenidade de Nossa Senhora Aparecida, proclamada Padroeira do Brasil pelo Papa Pio XI, no dia 16 de julho de 1930. Ao fervente pedido do episcopado brasileiro, Pio XI declarou a Santíssima Virgem Maria concebida sem mancha, sob o título de Aparecida, Padroeira principal de todo o Brasil diante de Deus.

A devoção a Nossa Senhora Aparecida, uma das principais expressões da piedade do povo brasileiro, teve início em 1717, quando três pescadores Domingos Garcia, João Alves e Felipe Pedroso foram incumbidos de conseguir uma certa quantidade de peixes no rio Paraíba, por ocasião da passagem, por Guaratinguetá, do Conde de Assumar, em viagem para a tomada da posse como Governador de São Paulo e das Minas de ouro.

Esses três humildes pescadores estavam já havia algum tempo numa pescaria, sem êxito. No entanto, após ter encontrado em dois lances de rede o corpo e a cabeça de uma imagem da Imaculada Conceição – a pesca foi abundante. Os pescadores viram naquela imagem, apanhada nas redes, um sinal de que não estavam sozinhos, nem desamparados.

A pequena imagem de terracota e de cor negra foi levada  para a casa de um deles e aí, então, passou a ser venerada  com o título de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, porque foi achada (aparecida) nas águas do Rio Paraíba.

Aos poucos, as pessoas foram se reunindo ao redor daquela imagem para rezar e agradecer e, cada dia que passava, mais aumentava  o número de fiéis devotos, tornando, então, necessário dar inicio a construção, em 1846, de uma igreja maior, inaugurada em 1888 e que hoje é conhecida como a Basílica Velha.

O número de romeiros continuava a aumentar, exigindo um templo ainda maior. Em 1955 iniciou-se, então, a construção deste Santuário que está em fase de acabamento, preparando-se para receber a honrosa visita do Santo Padre Bento XVI à América Latina para inaugurar a  V Conferência Geral do Episcopado,   que se realizará junto a este Santuário Nacional, em Aparecida,  no mês de maio do próximo ano.

A Mãe de Deus quis manifestar-se nessa região do Vale do Paraíba de maneira simples, sem fato espetacular, sem mensagem especial; solidária, porém, com aqueles pobres pescadores e na sua cor negra, identificada com os escravos da época e os excluídos de hoje. Ela quis escolher essa terra para derramar as bênçãos de Deus sobre o Brasil e o povo devoto que aqui vem para venerar a milagrosa imagem e para proclamar seus louvores e graças. 

O texto da primeira leitura que escutamos nos fala da jovem judia, Ester, que se apresenta e intercede em favor dos seus irmãos judeus que viviam sob o domínio persa, no tempo do rei Assuero. O rei instigado por Amã, primeiro-ministro, decretou o extermínio de todos os judeus.

Ester usa de sua beleza, de seu prestígio e de sua posição junto ao rei para solidarizar-se com o seu povo. Pede e obtém a revogação do decreto, salvando assim, o seu povo-irmão do genocídio. “Se ganhei  as tuas boas graças, ó Rei, e se for de teu agrado, concede-me a vida – eis o meu pedido! – e a vida de meu povo – eis o meu desejo!”

No evangelho de hoje, Jesus inicia a sua vida pública participando num banquete de bodas em Caná da Galiléia e sua mãe estava presente. Também os discípulos de Jesus tinham sido convidados para o casamento.

Durante a festa, Maria está atenta a tudo que acontece e percebe que o vinho está acabando  e a festa corre o perigo de ser interrompida para vexame dos noivos. Maria pensa logo em socorrer os noivos e busca o caminho mais seguro para fazê-lo. Confia a sua preocupação ao seu Filho e lhe avisa:  “Eles não têm mais vinho”. Mesmo depois da resposta de Jesus: “Mulher, porque dizes isto a mim? Minha hora ainda não chegou”, Maria não desiste e procura os que estavam servindo e lhes dá uma orientação, que continua válida para todos até o fim dos tempos: “Fazei o que Ele vos disser”. Os serventes cumprem a orientação dada e, a pedido de Jesus, enchem as seis talhas de água.

Mesmo sem entender e, com um certo medo, os serventes seguem a ordem de Jesus e levam a água ao mestre-sala para provar. O mestre-sala experimentou a água que se tinha transformado em vinho e para a sua surpresa, em vinho melhor do que aquele que tinha sido servido até agora. “Todo mundo serve primeiro o vinho  melhor e, quando os convidados já estão embriagados, serve o vinho menos bom. Tu guardaste o vinho melhor até agora.”,  disse o mestre-sala ao noivo.

Segundo os exegetas, o sinal realizado por Jesus em Cana, anuncia as verdadeiras bodas entre Deus e a humanidade  celebradas por Jesus.

Já no Antigo Testamento, a imagem das  bodas,  da aliança era muito usada pelos profetas para expressar a relação entre Deus e o povo de Israel.  O povo de Israel nem sempre esteve  à altura da primeira aliança e a rompeu muitas vezes. Deus, porém, não abandonou seu projeto e prometeu, através dos profetas, uma nova aliança, mais perfeita entre Deus e os homens. Para essa nova aliança, era necessário um vinho novo e abundante. O vinho da nova e eterna aliança.

Jesus é o esposo definitivo da humanidade, único capaz de trazer vinho novo, isto é, a verdadeira alegria a humanidade.

Na cruz, Jesus selará com o seu sangue a aliança nova e eterna entre ele e os homens e nos dará a lei nova escrita em nossos corações que nos faz viver no Espírito Santo como filhos de Deus. Maria esteve sempre presente nesse mistério da aliança entre Deus e os homens.

Na Anunciação, Maria pronunciou o seu “sim”, participando diretamente nesse mistério da aliança entre Deus e nós. “Eis a servidora do Senhor! Faça-se em mim segundo a vossa palavra”. Em Caná, apresenta-se novamente como a servidora do Senhor, e como aquela que pede aos outros: “Fazei tudo o que Ele vos disser”.

No Calvário, ao pé da cruz, ela está presente, quando o amor de Jesus chega ao extremo, ao entregar-se livre e por amor à morte na  cruz como instrumento de união definitiva entre Ele e a humanidade e para que a aliança tivesse todas as suas dimensões e Jesus pudesse dar uma mãe aos seus discípulos. 


Maria é a Mãe, mas também a primeira e mais fiel discípula de seu Filho Jesus. Como missionária discípula ela nos leva a Jesus e nos pede, como aos serventes nas bodas de Cana: “Façam tudo o que Ele vos disser”.

Ester ao interceder em favor de seu povo e Maria solidária com os noivos nas Bodas de Cana nos ensinam que devemos estar atentos às necessidades e sofrimentos dos nossos irmãos e colaborar na construção de uma sociedade sem dominação, sem violência, com mais justiça e dignidade de vida para todos. Que a Mãe Aparecida nos guie, nos encoraje e nos ajude nessa missão.

27º DOMINGO DO TEMPO COMUM

A liturgia do 27º Domingo do Tempo Comum utiliza a imagem da “vinha de Deus” para falar desse Povo que aceita o desafio do amor de Deus e que se coloca ao serviço de Deus. Desse Povo, Deus exige frutos de amor, de paz, de justiça, de bondade e de misericórdia.
Na primeira leitura, o profeta Isaías dá conta do amor e da solicitude de Deus pela sua “vinha”. Esse amor e essa solicitude não podem, no entanto, ter como contrapartida frutos de egoísmo e de injustiça… O Povo de Jahwéh tem de deixar-se transformar pelo amor sempre fiel de Deus e produzir os frutos bons que Deus aprecia – a justiça, o direito, o respeito pelos mandamentos, a fidelidade à Aliança.
No Evangelho, Jesus retoma a imagem da “vinha”. Critica fortemente os líderes judaicos que se apropriaram em benefício próprio da “vinha de Deus” e que se recusaram sempre a oferecer a Deus os frutos que lhe eram devidos. Jesus anuncia que a “vinha” vai ser-lhes retirada e vai ser confiada a trabalhadores que produzam e que entreguem a Deus os frutos que ele espera.
Na segunda leitura, Paulo exorta os cristãos da cidade grega de Filipos – e todos os que fazem parte da “vinha de Deus” – a viverem na alegria e na serenidade, respeitando o que é verdadeiro, nobre, justo e digno. São esses os frutos que Deus espera da sua “vinha”.

LEITURA I – Is 5,1-7

Leitura do Livro de Isaías

Vou cantar, em nome do meu amigo,
um cântico de amor à sua vinha.
O meu amigo possuía uma vinha numa fértil colina.
Lavrou-a e limpou-a das pedras,
plantou-a de cepas escolhidas.
No meio dela ergueu uma torre e escavou um lagar.
Esperava que viesse a dar uvas,
Mas ela só produziu uvas selvagens.
E agora, habitantes de Jerusalém, e vós, homens de Judá,
sede juízes entre mim e a minha vinha:
Que mais podia fazer à minha vinha que não tivesse feito?
Quando eu esperava que viesse a dar uvas,
porque é que apenas produziu uvas selvagens?
Agora vos direi o que vou fazer à minha vinha:
vou tirar-lhe a vedação e será devastada;
vou demolir-lhe o muro e será espezinhada.
Farei dela um terreno deserto:
não voltará a ser podada nem cavada,
e nela crescerão silvas e espinheiros;
e hei de mandar às nuvens
que sobre ela não deixem cair chuva.
A vinha do Senhor do Universo é a casa de Israel,
e os homens de Judá são a plantação escolhida.
Ele esperava retidão e só há sangue derramado;
esperava justiça e só há gritos de horror.

AMBIENTE

Isaías, filho de Amós, exerceu o seu ministério profético em Jerusalém, no reino de Judá, durante a segunda metade do séc. VIII a.C. (de acordo com os seus oráculos, o profeta foi chamado por Deus ao ministério profético por volta de 740-739 a.C.; e os seus oráculos vão até perto de 700 a.C.). A sua pregação abarca, portanto, um arco de tempo relativamente longo e abrange vários reinados.
Isaías – como os outros profetas – não fala de realidades abstratas e intangíveis. A sua pregação refere-se a acontecimentos concretos e toca a realidade da vida, dos problemas, das inquietações, das esperanças dos homens do seu tempo. Para perceber a sua mensagem temos, portanto, de situá-la na época e na realidade histórica que o profeta conhece e sobre a qual é chamado por Deus a pronunciar-se.
A primeira fase do ministério de Isaías desenrola-se durante o reinado de Jotam (740-734 a.C.). É uma época de relativa tranqüilidade política, em que Judá se mantém afastado da cena internacional e das jogadas políticas das super-potências. Tudo parece correr bem, num clima de paz generalizada.
No entanto, o olhar crítico do profeta detecta uma realidade distinta. Internamente, a sociedade de Judá está marcada por grandes injustiças e arbitrariedades… Os poderosos exploram os mais débeis, os juízes deixam-se corromper, os latifundiários deixam-se dominar pela cobiça e inventam esquemas legais para se apropriar dos bens dos mais pobres, os governantes oprimem os súbditos, as senhoras finas de Jerusalém vivem no luxo e na futilidade, num desrespeito absoluto pelas necessidades e carências dos mais pobres.
Em termos religiosos, o culto floresce numa abundância inaudita de práticas de piedade e de abundantes e solenes manifestações religiosas; no entanto, todo esse fausto cultual é incoerente e mentiroso, pois não resulta de uma verdadeira adesão a Jahwéh, mas de uma tentativa de acalmar as consciências e de “comprar” Deus.
Para o profeta, Jerusalém deixou de ser a esposa fiel, para converter-se numa prostituta (cf. Is 1,21-26); ou, dito de outra forma, a “vinha” cuidada por Deus só produz frutos amargos e não os frutos bons (de justiça e de amor) pedidos a quem vive envolvido no ambiente da Aliança.
A mensagem de Isaías neste período encontra-se nos capítulos 1-5 do seu livro. O texto que hoje nos é proposto é um dos textos mais emblemáticos deste período.
O “cântico da vinha” poderia ser, inicialmente, um “cântico de vindima” ou um “cântico de trabalho”, que um poeta popular entoa diante do seu círculo de amigos ou de companheiros de trabalho. Mas, como acontece tantas vezes com as formas de expressão da cultura popular, rapidamente as palavras adquirem um duplo sentido e passam a evocar outra realidade.
Na cultura judaica, a “vinha” é um símbolo do amor (cf. Ct 1,6.14; 2,15; 8,12). O “cântico da vinha” passa então a ser, na boca do poeta popular, uma “cantiga de amor”, que descreve os esforços do jovem apaixonado para conquistar a sua amada.
Isaías vai utilizar esta “cantiga de amor” como recurso para transmitir a mensagem que Deus lhe confiou.

MENSAGEM

A canção que o profeta canta é bonita e o tema é sugestivo. O profeta/poeta brinca com as sonoridades e com o ritmo, alterna os sons doces das canções de amor com os sons ásperos das canções de trabalho. Os interlocutores do profeta/poeta estão atentos e fascinados e escutam com prazer a descrição das quase patéticas tentativas do poeta para conquistar a sua amada. Ouvem-no falar dos seus trabalhos para construir a sua vinha, dos seus cuidados com ela, das suas ilusões, dos seus sonhos; sorriem perante as alusões ao “lagar” (o lugar onde será feito o vinho do amor) e à torre (de onde o amado vigiará, para que ninguém entre na sua “vinha” e colha os frutos do seu amor). Aprovam quando ele, depois de tantos cuidados, fica à espera dos “frutos saborosos” do amor que cultivou. Ficam revoltados quando, depois de todo o empenho do amado, a “vinha” só lhe ofereceu frutos azedos. O auditório simpatiza com o poeta, identifica-se com ele, partilha a sua desilusão…
De repente, o poeta transforma o cântico em queixa e reclama justiça. Interpela diretamente os seus interlocutores e exige deles um veredicto. Tem o público na mão: todos concordam que o profeta/poeta tem razão e que tem todo o direito em tirar a vedação que protegia a vinha, em não voltar a cuidar dela, em dar ordens às nuvens para que não a fecundem com a chuva…
Quando o seu público já pronunciou mentalmente um veredicto favorável ao profeta/poeta, este lança-lhe à cara a acusação que vinha preparando: “a vinha do Senhor do universo é a casa de Israel e os homens de Judá são a plantação escolhida. Ele esperava retidão e só há sangue derramado; esperava justiça e só há gritos de horror” (vers. 7).
A imagem da “vinha” aplicada ao Povo de Deus encontra-se frequentemente na Bíblia (cf. Is 3,14; 27,2-5; Jer 2,21; 12,10; Ez 17,6; Os 10,1; Sal 80,9-17). Os profetas e catequistas de Israel viram na imagem da “vinha” um símbolo privilegiado para expressar essa história de amor que Deus quis escrever com o seu Povo, isto é, a Aliança.
Nesta “parábola”, Deus é o “vinhateiro” e Israel é a “vinha”. Foi Deus quem trouxe de longe (do Egito) essas videiras escolhidas, que as plantou numa terra fértil (a terra de Canaan), que removeu dessa terra as pedras (os outros povos que aí habitavam) que podiam estorvar a fecundidade da “vinha”, que cuidou e, sobretudo, que amou a sua “vinha”.
Como é que Israel respondeu aos esforços de Deus? Que frutos produziu a “vinha” de Jahwéh? O profeta/poeta responde: Deus esperava que Israel vivesse no direito e na justiça (“mishpat” e “zedaqa”) cumprindo fielmente as exigências da Aliança; esperava uma vida de coerência com os mandamentos; esperava que Israel respeitasse os direitos dos mais débeis… Na realidade, o Povo atua em sentido exatamente contrário àquilo que Deus esperava: os poderosos cometem injustiças e arbitrariedades, os juízes são corruptos e não fazem justiça ao pobre, os grandes praticam violências e derramam o sangue do inocente, os órfãos e as viúvas vêem espezinhados os seus direitos sem que ninguém os defenda.
Na verdade, sugere o profeta, Deus não pode pactuar com este esquema e prepara-se para abandonar essa “vinha” ingrata, essa amada infiel.
Atente-se nesta “lição” fundamental: o amor de Deus pretende criar no coração do seu Povo uma dinâmica que leve ao amor ao irmão. Deus ama-nos, para que nos deixemos transformar pelo amor e amemos os outros.

ATUALIZAÇÃO

Na reflexão, considerar os seguintes dados:

• A “parábola da vinha” é uma história de amor. Fala-nos do amor de um Deus que liberta o seu Povo da escravidão, que o conduz para a liberdade, que estabelece com ele laços de família, que lhe oferece indicações seguras para caminhar em direção à justiça, à harmonia, à felicidade, que o protege nos caminhos da história… É preciso termos consciência de que esta história de amor não terminou e que o mesmo Deus continua a derramar sobre nós, todos os dias, o seu amor, a sua bondade, a sua misericórdia. Tenho consciência desse fato? Tenho o coração aberto aos seus dons? Encontro tempo e disponibilidade para lhe agradecer e para o louvar?

• O encontro com o amor de Deus tem de significar uma efetiva transformação do nosso coração e tem de levar-nos ao amor ao irmão. Quem trata os irmãos com arrogância, quem assume atitudes duras, agressivas e intolerantes, quem pratica a injustiça e espezinha os direitos dos mais débeis, quem é insensível aos dramas dos irmãos, certamente ainda não fez a experiência do amor de Deus. Às vezes encontramos nas nossas comunidades cristãs ou religiosas pessoas muito válidas do ponto de vista da organização e da animação, que se consideram a si próprias colunas da comunidade, que têm uma fé inabalável, mas que são insensíveis, amargas, agressivas, intolerantes… Será possível ser sinal de Deus e testemunhar o Deus que ama os homens, sem nos deixarmos conduzir pela tolerância, pela misericórdia, pela bondade, pela compreensão?

• O nosso texto identifica os “frutos bons” que Deus espera da sua “vinha” com o direito e a justiça e afirma que Deus não tolera uma “vinha” que produza “sangue derramado” e “gritos de horror”. Nos nossos dias, o “sangue derramado” das vítimas da violência, do terrorismo, das guerras religiosas, dos sistemas que geram morte e sofrimento continua a tingir a nossa história; os “gritos de horror” de tantos homens e mulheres privados dos direitos mais elementares, torturados, marginalizados, excluídos, impedidos de ter acesso a uma vida minimamente humana, continuam a escutar-se na Europa, na Ásia, na África, nas Américas… Qual o nosso papel, no meio de tudo isto? Podemos calar-nos, num silêncio cúmplice e alienado, diante do drama de tantos irmãos condenados à morte? O que podemos fazer para que a “vinha” de Deus produza outros frutos?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 79 (80)

Refrão: A vinha do Senhor é a casa de Israel.

Arrancastes uma videira do Egito,
expulsastes as nações para a transplantar.
Estendia até ao mar as suas vergônteas
e até ao rio os seus rebentos.

Porque lhe destruístes a vedação,
de modo que a vindime quem quer que passe pelo caminho?
Devastou-a o javali da selva
e serviu de pasto aos animais do campo.

Deus dos Exércitos, vinde de novo,
olhai dos céus e vede, visitai esta vinha.
Protegei a cepa que a vossa mão direita plantou,
o rebento que fortalecestes para Vós.

Não mais nos apartaremos de Vós:
fazei-nos viver e invocaremos o vosso nome.
Senhor, Deus dos Exércitos, fazei-nos voltar,
iluminai o vosso rosto e seremos salvos.

LEITURA II – Fl 4,6-9

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Filipenses

Irmãos:
Não vos inquieteis com coisa alguma.
Mas, em todas as circunstâncias,
apresentai os vossos pedidos diante de Deus,
com orações, súplicas e ações de graças.
E a paz de Deus, que está acima de toda a inteligência,
guardará os vossos corações
e os vossos pensamentos em Cristo Jesus.
Quant
o ao resto, irmãos,
tudo o que é verdadeiro e nobre,
tudo o que é justo e puro,
tudo o que é amável e de boa reputação,
tudo o que é virtude e digno de louvor
é o que deveis ter no pensamento.
O que aprendestes, recebestes, ouvistes e vistes em mim
é o que deveis praticar.
E o Deus da paz estará convosco.

AMBIENTE

Continuamos a ler a carta enviada pelo apóstolo Paulo aos cristãos da cidade grega de Filipos. Quando escreve aos seus amigos filipenses, Paulo está na prisão (em Éfeso?), sem saber o que o futuro imediato lhe reserva. Entretanto, recebeu ajuda dos filipenses (uma soma em dinheiro e a visita de Epafrodito, um membro da comunidade, encarregado pelos filipenses de cuidar de Paulo e de prover às suas necessidades) e está sensibilizado pela bondade e pela preocupação que os filipenses manifestam para com a sua pessoa.
A carta aos filipenses é, sobretudo, uma carta dirigida a amigos muito queridos, na qual Paulo manifesta o seu apreço por essa comunidade que o ama, que o ajuda e que se preocupa com ele. Enviando de volta Epafrodito – que estivera gravemente doente – Paulo agradece, dá notícias, informa a comunidade sobre a sua própria sorte e exorta os filipenses à fidelidade ao Evangelho.
O texto que hoje nos é proposto pertence à parte final da carta. Apresenta um conjunto de recomendações, destinadas a recordar aos filipenses algumas obrigações que resultam do seu compromisso com Cristo e com o Evangelho.

MENSAGEM

Os primeiros dois versículos do nosso texto (vers. 6-7) fazem parte de uma passagem mais longa, na qual Paulo recomenda aos cristãos de Filipos que vivam na alegria (vers. 4-7). Esta “alegria” não tem nada a ver com gargalhadas histéricas ou com otimismos inconscientes; mas é a “alegria” que resulta de uma vida de comunhão com o Senhor, com tudo o que isso significa em termos de garantia de vida verdadeira e eterna. O cristão vive na alegria, pois a comunhão com Cristo garante-lhe o acesso próximo (“o Senhor está próximo”) à vida definitiva. Daí resulta a serenidade, a paz, a tranqüilidade, que permitem ao crente enfrentar a vida sem medo e sentir-se seguro nos braços amorosos de Deus Pai (vers. 6a). Ao crente resta cultivar a comunhão com Deus, entregando-lhe diariamente a sua vida “com orações, súplicas e ações de graças” (vers. 6b).
Depois (vers. 8), Paulo recomenda aos filipenses um conjunto de seis “qualidades” que eles devem cultivar e apreciar: a verdade, a nobreza, a justiça, a pureza, a amabilidade e a boa reputação. Tudo isto é “virtude”, tudo isto é digno de louvor. Há quem veja neste versículo a “magna carta do humanismo cristão”. Estes valores não são exclusivos do cristianismo: são valores sãos e louváveis, que constam também do ideal pagão (eram valores igualmente propostos pelos moralistas gregos da época). No entanto, a comunidade cristã deve estar aberta ao acolhimento de todos os verdadeiros valores humanos. Os cristãos devem ser, antes de mais, arautos e testemunhas dos verdadeiros valores humanos.
Finalmente, Paulo convida os filipenses a porem em prática estas recomendações segundo o exemplo que receberam do próprio Paulo (vers. 9). O cristão tem de viver os valores humanos em confronto constante com o Evangelho e na fidelidade ao Evangelho.

ATUALIZAÇÃO

Considerar na reflexão e atualização, as seguintes linhas:

• As palavras de Paulo aos filipenses definem alguns dos elementos concretos que devem marcar a caminhada do Povo de Deus. Em primeiro lugar, Paulo convida os crentes a não viverem inquietos e preocupados. Os cristãos estão “enxertados” em Cristo e têm a garantia de com Ele ressuscitar para a vida definitiva. Eles sabem que as dificuldades, os dramas, as perseguições, as incompreensões são apenas acidentes de percurso, que não conseguirão arredá-los da vida verdadeira. Os cristãos não são pessoas fracassadas, alienadas, falhadas, mas pessoas com um objetivo final bem definido e bem sugestivo. O caminho de Cristo é um caminho de dom e de entrega da vida; mas não é um caminho de tristeza e de frustração. Porquê, então, a tristeza, a inquietação, o desânimo com que, tantas vezes, enfrentamos as vicissitudes e as dificuldades da nossa caminhada? Porque é que, tantas vezes, saímos das nossas celebrações eucarísticas cabisbaixos, intranqüilos, de semblantes tristonhos e ar irritado? Os irmãos que nos rodeiam e que nos olham nos olhos recebem de nós um testemunho de paz, de serenidade, de tranqüilidade?

• Em segundo lugar, Paulo convida os crentes a terem em conta, na sua vida, esses valores humanos que todos os homens apreciam e amam: a verdade, a justiça, a honradez, a amabilidade, a tolerância, a integridade… Um cristão tem de ser, antes de mais, uma pessoa íntegra, verdadeira, leal, honesta, responsável, coerente. Ouvimos, algumas vezes, dizer que “os que vão à igreja são piores do que os outros”. Em parte, a expressão serve, sobretudo, a muitos dos chamados “cristãos não praticantes” para justificar o fato de não irem à igreja; mas não traduzirá, algumas vezes, o mau testemunho que alguns cristãos dão quanto à vivência dos valores humanos? Quem contata as recepções das nossas igrejas, encontra sempre simpatia, compreensão, amabilidade, verdade, coerência?

• A forma como Paulo propõe aos seus cristãos os mesmos valores que constavam das listas de valores dos moralistas gregos da sua época, deve convidar-nos a refletir sobre a nossa relação com os valores do mundo que nos rodeia e sobre a forma como os aceitamos e integramos na nossa vida. Não podemos esconder-nos atrás da nossa muralha fortificada e rejeitar, em bloco, tudo aquilo que o mundo de hoje nos proporciona, como se fosse algo de mau e pecaminoso. O mundo em que vivemos tem valores muito bonitos e sugestivos, que nos ajudam a crescer de uma forma sã e equilibrada e a integrar uma realidade rica em desafios e esperanças. O que é necessário é saber discernir, de entre todos os valores que o mundo nos apresenta, aquilo que nos torna mais livres e mais felizes e aquilo que nos torna mais escravos e infelizes, aquilo que não belisca a nossa fé e aquilo que ameaça a essência do Evangelho…

ALELUIA – cf. Jo 15,16

Aleluia. Aleluia.

Eu Vos escolhi do mundo, para que vades e deis fruto,
e o vosso fruto permaneça, diz o Senhor.

EVANGELHO – Mt 21,33-43

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo,
disse Jesus aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo:
«Ouvi outra parábola:
Havia um proprietário que plantou uma vinha,
cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar
e levantou uma torre;
depois, arrendou-a a uns vinhateiros e partiu para longe.
Quando chegou a época das colheitas,
mandou os seus servos aos vinhateiros para receber os frutos.
Os vinhateiros, porém, lançando mão dos servos,
espancaram um, mataram outro, e a outro apedrejaram-no.
Tornou ele a mandar outros servos,
em maior número que os primeiros.
E eles trataram-nos do mesmo modo.
Por fim, mandou-lhes o seu próprio filho, dizendo:
‘Respeitarão o meu filho’.
Mas os vinhateiros, ao verem o filho, disseram entre si:
‘Este é o herdeiro;
matemo-lo e ficaremos com a sua herança’.
E, agarrando-o, lançaram-no fora da vinha e mataram-no.
Quando vier o dono da vinha, que fará àqueles vinhateiros?».
Eles responderam:
«Mandará matar sem piedade esses malvados
e arrendará a vinha a outros vinhateiros,
que lhe entreguem os frutos a seu tempo».
Disse-lhes Jesus: «Nunca lestes na Escritura:
‘A pedra que os construtores rejeitaram
tornou-se a pedra angular;
tudo isto veio do Senhor e é admirável aos nossos olhos’?
Por isso vos digo:
Ser-vos-á tirado o reino de Deus
e dado a um povo que produza os seus frutos».

AMBIENTE

Estamos em Jerusalém, pouco tempo após a entrada triunfal de Jesus na cidade (cf. Mt 21,1-11). De hora para hora, cresce a tensão entre Jesus e os seus adversários. Os líderes judaicos pressionam Jesus, num esquema que apresenta foros de processo organizado. Adivinha-se, no horizonte próximo de Jesus, a prisão, o julgamento, a condenação à morte. Jesus está plenamente consciente do destino que lhe está reservado, mas enfrenta os dirigentes e condena implacavelmente a sua recusa em acolher o Reino.
O texto que nos é proposto faz parte de um bloco de três parábolas (cf. Mt 21,28-32. 33-43; 22,1-14), destinadas a ilustrar a recusa de Israel em aceitar o projeto de salvação que Deus oferece aos homens através de Jesus. Com elas, Jesus convida os seus opositores – os líderes religiosos judaicos – a reconhecerem que se fecharam num esquema de auto-suficiência, de orgulho, de arrogância, de preconceitos, que não os deixa abrir o coração e a vida aos desafios de Deus. O nosso texto é a segunda dessas três parábolas.
A história que nos vai ser narrada compreende-se melhor à luz da situação sócio-econômica da Galileia do tempo de Jesus… A terra estava, quase sempre, nas mãos de grandes latifundiários que viviam nas cidades. Esses latifundiários utilizavam vários sistemas para a exploração das suas terras; mas, uma das formas preferidas de exploração da terra (precisamente porque, para o latifundiário não implicava muito trabalho) consistia em arrendar as várias parcelas do latifúndio, em troca de uma parte substancial dos produtos recolhidos. Os que arrendavam as terras eram, geralmente, camponeses que tinham perdido as suas próprias terras devido à pressão fiscal ou às más colheitas. Estes camponeses viviam numa situação periclitante: depois de descontados os gastos com a exploração, os impostos pagos e a parte que pertencia ao latifundiário, mal ficavam com o indispensável para se sustentar a si e à sua família. Em anos agrícolas maus, este esquema significava a miséria absoluta… Este quadro provocava conflitos sociais freqüentes e o aparecimento de movimentos campesinos que lutavam contra os latifundiários ou contra a carga excessiva de impostos.
É neste cenário que Jesus vai colocar a parábola que hoje nos apresenta.

MENSAGEM

A parábola contada por Jesus coloca-nos no mesmo ponto de partida da parábola da “vinha” de Is 5,1-7: um “senhor” plantou uma “vinha”, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar e levantou uma torre.
A partir daqui, no entanto, a parábola de Jesus afasta-se um pouco da parábola de Isaías… Na versão de Jesus, o proprietário não explorou diretamente a “vinha”, mas confiou-a a uns “vinhateiros” que deviam dar-lhe, cada ano, uma determinada percentagem dos frutos produzidos. No entanto, quando os “servos” do “senhor” apareceram para recolher a parte que pertencia ao seu amo, foram maltratados e assassinados pelos “vinhateiros”; e o próprio filho do dono da “vinha”, enviado pelo pai para chamar os “vinhateiros” à responsabilidade e ao respeito pelos compromissos, foi assassinado.
A “vinha” de que Jesus aqui fala é Israel – o Povo de Deus. O dono da “vinha” é Deus. Os “vinhateiros” são os líderes religiosos judaicos – os encarregados de trabalhar a “vinha” e de fazer com que ela produzisse frutos. Os “servos” enviados pelo “senhor” são, evidentemente, os profetas que os líderes da nação, tantas vezes, perseguiram, apedrejaram e mataram. O “filho” morto “fora da vinha” é Jesus, assassinado fora dos muros de Jerusalém.
É um quadro de uma gravidade extrema. Os “vinhateiros” não só não entregaram ao “senhor” os frutos que lhe deviam, mas fecharam todos os caminhos de diálogo e recusaram todas as possibilidades de encontro e de entendimento com o “senhor”: maltrataram e apedrejaram os servos enviados pelo “senhor” e assassinaram-lhe o filho.
Diante deste quadro, Jesus interpela diretamente os seus ouvintes: “quando vier o dono da vinha, que fará àqueles vinhateiros?”
A comunidade cristã primitiva encontrou facilmente resposta para esta questão. Na perspectiva dos primeiros catequistas cristãos, a resposta de Deus à recusa de Israel foi dada em dois movimentos. Em primeiro lugar, Deus ressuscitou o “filho” que os “vinhateiros” mataram, glorificou-o e constituiu-o “pedra angular” de uma nova construção; em segundo lugar, Deus decidiu retirar a “vinha” das mãos desses “vinhateiros” maus e ingratos e confiá-la a outros “vinhateiros” – a um povo que fizesse a “vinha” produzir bons frutos e que entregasse ao “senhor” os frutos a que ele tem direito.
Entretanto, a Mateus não interessa tanto a questão do filho – ressuscitado, exaltado e colocado como pedra angular da nova construção – quanto a questão da entrega da “vinha” a um outro povo. Ao sublinhar este aspecto, Mateus tem em vista uma dupla finalidade…
Em primeiro lugar, ele explica dessa forma porque é que, na maioria das comunidades cristãs, os judeus – os primeiros trabalhadores da “vinha” de Deus – eram uma minoria: eles recusaram-se a oferecer frutos bons ao “senhor” da “vinha” e recusaram sempre as tentativas do “senhor” no sentido de uma aproximação e de um compromisso. Logicamente, o “senhor” escolheu outros “vinhateiros”. O que é decisivo, para a escolha de Deus, não é que os novos trabalhadores da “vinha” sejam judeus ou não judeus; o que é decisivo é que eles estejam dispostos a oferecer ao “senhor” os frutos que lhe são devidos e a acolher o “filho” que o “senhor” enviou ao seu encontro.
Em segundo lugar, Mateus exorta a sua comunidade a produzir frutos verdadeiros que agradem ao “senhor” da “vinha”. Estamos no final do séc. I (década de 80); passou já o entusiasmo inicial e os crentes da comunidade de Mateus instalaram-se num cristianismo fácil, sem exigência, descomprometido, instalado. O catequista Mateus aproveita a oportunidade para exortar os irmãos da comunidade a que despertem, a que saiam do comodismo, a que se empenhem, a que dêem frutos próprios do Reino, a que vivam com radicalidade as propostas de Jesus.

ATUALIZAÇÃO

Na reflexão, ter em conta as seguintes questões:

• O problema fundamental posto por este texto é o da coerência com que vivemos o nosso compromisso com Deus e com o Reino. Deus não obriga ninguém a aceitar a sua proposta de salvação e a envolver-se com o Reino; mas, uma vez que aceitamos trabalhar na sua “vinha”, temos de produzir frutos de amor, de serviço, de doação, de justiça, de paz, de tolerância, de partilha… O nosso Deus não está disposto a pactuar com situações dúbias, descaracterizadas, amorfas, incoerentes, mentirosas; mas exige coerência, verdade e compromisso. A parábola convida-nos, antes de mais, a não nos deixarmos cair em esquemas de comodismo, de instalação, de facilidade, de “deixa andar”, mas a levarmos a sério o nosso compromisso com Deus e com o Reino e a darmos frutos conseqüentes. O meu compromisso com o Reino é sincero e empenhado? Quais são os frutos que eu produzo? Quando se trata de fazer opções, ganha o meu comodismo e instalação, ou a minha vontade de servir a construção do Reino?

• O que é que é decisivo para definir a pertença de alguém ao Reino? É ter uma “tradição familiar” cristã? É o ter entrado, por um ato formal (batismo) na Igreja? É o ter feito votos de pobreza, castidade e obediência numa determinada congregação religiosa? É o cumprir determinados atos de piedade? É o participar nos ritos? Nada disso é decisivo. O que é decisivo é o “produzir frutos” de amor e de justiça, que pomos ao serviço de Deus e dos nossos irmãos. Como é que eu entendo e vivo a minha caminhada de fé?

• A parábola fala de trabalhadores da “vinha” de Deus que rejeitam o “filho” de forma absoluta e radical. É provável que nenhum de nós, por um ato de vontade consciente, se coloque numa atitude semelhante e rejeite Jesus. No entanto, prescindir dos valores de Jesus e deixar que sejam o egoísmo, o comodismo, o orgulho, a arrogância, o dinheiro, o poder, a fama, a condicionar as nossas opções é, na mesma, rejeitar Jesus, colocá-lo à margem da nossa existência. Como é que, no dia a dia, acolhemos e inserimos na nossa vida os valores de Jesus? As propostas de Jesus são, para nós, valores consistentes, que procuramos integrar na nossa existência e que servem de alicerce à construção da nossa vida, ou são valores dos quais nos descartamos com facilidade, sob pressão de interesses egoístas e comodistas?

• As nossas comunidades cristãs e religiosas são constituídas por homens e mulheres que se comprometeram com o Reino e que trabalham na “vinha” do Senhor. Deviam, portanto, produzir frutos bons e testemunhar diante do mundo, em gestos de amor, de acolhimento, de compreensão, de misericórdia, de partilha, de serviço, a realidade do Reino que Jesus Cristo veio propor. É isso que acontece, ou limitamo-nos a ter muitos grupos paroquiais, impressionantes da dinâmica comunitária, a construir espaços físicos amplos e confortáveis, a recitar a liturgia das Horas, a produzir liturgias solenes, faustosas, imponentes… e completamente desligadas da vida?

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 27º DOMINGO DO TEMPO COMUM

1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 27º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

2. DURANTE A CELEBRAÇÃO.
Seria bom rezar hoje a Oração Eucarística IV, que traça a história da salvação e concorda com os textos deste domingo (evocação do amor de Deus pelo seu povo, do Antigo Testamento à Igreja).

3. PALAVRA DE VIDA.
Não podemos criticar o proprietário da vinha, posto em cena por Jesus numa parábola, por ter negligenciado a sua vinha: ele trata da vinha com todos os cuidados… Não podemos criticar a sua paciência e a sua perseverança para com os vinhateiros: ele envia os seus servidores que são lapidados, envia outros que têm o mesmo destino e, enfim, envia o seu próprio filho, pensando que ele seria respeitado. Evidentemente, pensamos em Deus que toma cuidado do seu Reino e que envia até o seu próprio Filho.
E nós, de que lado nos situamos? Jesus foi-nos enviado… Que fizemos do seu mandamento de amor? Foram-nos enviados mensageiros… Escutamo-los? O Reino de Deus não é devido, é-nos confiado. Esperando que não nos seja retirado…

4. UM PONTO DE ATENÇÃO.
Uma oferenda dos frutos da terra.
Hoje, ou num dos domingos de Outubro, pode desenrolar-se durante a celebração uma oferenda dos frutos da terra: frutos, legumes, flores… No final da celebração, pode-se partilhar os dons oferecidos.

5. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Escolher um “fruto”.
Ao deixarmos a celebração, podemos escolher um “fruto” possível para produzir nesta semana: um gesto ou uma palavra de reconciliação em relação a alguém; uma partilha com um vizinho necessitado; ou uma iniciativa que pareça ainda mais gratuita e que traga alegria. Para os mais empenhados na vida espiritual: em cada dia, produzir um fruto de amor!

28º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Tema do 28º Domingo do Tempo Comum


A liturgia do 28º Domingo do Tempo Comum utiliza a imagem do “banquete” para descrever esse mundo de felicidade, de amor e de alegria sem fim que Deus quer oferecer a todos os seus filhos.
Na primeira leitura, Isaías anuncia o “banquete” que um dia Deus, na sua própria casa, vai oferecer a todos os Povos. Acolher o convite de Deus e participar nesse “banquete” é aceitar viver em comunhão com Deus. Dessa comunhão resultará, para o homem, a felicidade total, a vida em abundância.
O Evangelho
sugere que é preciso “agarrar” o convite de Deus. Os interesses e as conquistas deste mundo não podem distrair-nos dos desafios de Deus. A opção que fizemos no dia do nosso batismo, não é “conversa fiada”; mas é um compromisso sério, que deve ser vivido de forma coerente.
Na segunda leitura, Paulo apresenta-nos um exemplo concreto de uma comunidade que aceitou o convite do Senhor e vive na dinâmica do Reino: a comunidade cristã de Filipos. É uma comunidade generosa e solidária, verdadeiramente empenhada na vivência do amor e em testemunhar o Evangelho diante de todos os homens. A comunidade de Filipos constitui, verdadeiramente, um exemplo que as comunidades do Reino devem ter presente.

LEITURA I – Is 25,6-10a

Leitura do Livro de Isaías

Sobre este monte,
o Senhor do Universo há de preparar para todos os povos
um banquete de manjares suculentos,
um banquete de vinhos deliciosos:
comida de boa gordura, vinhos puríssimos.
Sobre este monte,
há de tirar o véu que cobria todos os povos,
o pano que envolvia todas as nações;
destruirá a morte para sempre.
O Senhor Deus enxugará as lágrimas de todas as faces
e fará desaparecer da terra inteira
o opróbrio que pesa sobre o seu povo.
Porque o Senhor falou.
Dir-se-á naquele dia:
«Eis o nosso Deus, de quem esperávamos a salvação;
é o Senhor, em quem pusemos a nossa confiança.
Alegremo-nos e rejubilemos, porque nos salvou.
A mão do Senhor pousará sobre este monte».

AMBIENTE

É extremamente difícil situar, no tempo e no momento histórico, o texto que a primeira leitura deste Domingo nos apresenta.
Para uns, o oráculo pertence à fase final da vida do profeta Isaías (no final do séc. VIII a.C.) quando, desiludido com a política e com os reis de Judá, o profeta começou a sonhar com um tempo novo de felicidade e de paz sem fim para o Povo de Deus.
Para outros, contudo, este texto não pertenceria ao primeiro Isaías (o autor dos capítulos 1-39 do Livro de Isaías), apesar de aparecer integrado no seu livro. Seria um texto de uma época posterior ao profeta… A referência à superação da morte, das lágrimas e da vergonha, poderia sugerir que a composição deste texto se situaria num momento histórico posterior ao Exílio na Babilônia, quando Judá já teria reconquistado a liberdade.
Em qualquer caso, o texto constrói-se à volta da imagem do “banquete”. O “banquete” é, no ambiente sócio-cultural do mundo bíblico, o momento da partilha, da comunhão, da constituição de uma comunidade de mesa, do estabelecimento de laços familiares entre os convivas.
Para além de acontecimento social, o “banquete” tem também, frequentemente, uma dimensão religiosa. Os “banquetes sagrados” celebram e potenciam a comunhão do crente com Deus, o estabelecimento de laços familiares entre Deus e os fiéis. É por isso que, na perspectiva dos catequistas que redigiram as tradições sobre a Aliança do Sinai, o compromisso entre Jahwéh e Israel tinha de ser selado com uma refeição entre Deus e os representantes do Povo (cf. Ex 24,1-2. 9-11).
Neste campo são também particularmente significativos os “sacrifícios de comunhão” (“zebâh shelamim”) celebrados no Templo de Jerusalém. Neste tipo de celebração religiosa, o crente trazia ao Templo um animal destinado a Deus. Depois de imolado o animal, a sua gordura era queimada sobre o altar, ao passo que a carne era repartida pelo oferente e pelos sacerdotes. O oferente e a sua família deviam comer a sua parte no espaço sagrado do santuário. Dessa forma, sentavam-se à mesa com Deus, celebravam a sua pertença ao círculo familiar de Deus e renovavam com Deus os laços de paz, de harmonia, de comunhão (cfr. Lv 3).
É este ambiente que o nosso texto supõe.

MENSAGEM

O profeta anuncia que Deus, num futuro sem data marcada, vai oferecer “um banquete”; e, para esse “banquete”, Jahwéh vai convidar “todos os povos”. Trata-se, portanto, de uma iniciativa de Deus no sentido de estabelecer laços “de família” com a humanidade inteira.
O cenário do “banquete” é “este monte” (vers. 6) – evidentemente, o monte do Templo, em Jerusalém, a “casa de Jahwéh”, o lugar onde Deus reside no meio do seu Povo, o lugar onde Israel presta culto a Jahwéh e celebra os sacrifícios de comunhão. Aceitar o convite de Deus para o “banquete” significará, portanto, participar no culto a Jahwéh, ser acolhido na casa de Jahwéh, entrar no “espaço íntimo” e familiar de Deus e sentar-se com Ele à mesa.
Nesse “banquete” serão servidos “manjares suculentos”, “comida de boa gordura”, “vinhos deliciosos” e “puríssimos” (vers. 6). As expressões sublinham a abundância de vida – e de vida com qualidade – com que Deus vai cumular os seus convidados.
Para os que aceitarem o convite para o “banquete”, iniciar-se-á uma nova era, de comunhão íntima com Deus e de vida sem fim. O profeta sugere a comunhão total entre Deus e os homens que então se iniciará, com a indicação de que será removido “o véu que cobria todos os povos, o pano que envolvia todas as nações” (vers. 7) e que impedia o contacto total com o mundo de Deus. Por outro lado, o profeta sugere o início da nova era de paz e de felicidade sem fim, dizendo que Deus vai destruir a morte para sempre, vai enxugar “as lágrimas de todas as faces” e vai eliminar “o opróbrio que pesa sobre o seu Povo” (vers.8).
O “banquete” termina com um cântico de ação de graças que evoca, provavelmente, uma fórmula usada na aclamação de um novo rei (vers. 9). Significa que, com o “banquete” que o Messias vai oferecer, se iniciará o reinado de Deus sobre toda a terra.
O profeta está, sem dúvida, a descrever os tempos messiânicos. Na perspectiva do profeta, serão tempos de comunhão total de Deus com o homem e do homem com Deus. Dessa intimidade entre Deus e o homem resultará, para o homem, a felicidade total, a vida verdadeira e plena.
A partir daqui, a idéia de um “banquete messiânico” tornou-se corrente no judaísmo.

ATUALIZAÇÃO

Na reflexão, considerar os seguintes elementos:

• A imagem do “banquete” para o qual Deus convida “todos os povos” aponta para essa realidade de comunhão, de festa, de amor, de felicidade que Deus, insistentemente nos oferece. Nunca será de mais recordar isto: Deus tem um projeto de vida, que quer oferecer a todos os homens, sem exceção. Não somos “filhos de um deus menor”, pobre humanidade abandonada à sua sorte, perdida num universo hostil e condenada ao nada; somos pessoas a quem Deus ama, a quem Ele convida para integrar a sua família e a quem Ele oferece a vida plena e definitiva. A consciência desta realidade deve iluminar a nossa existência e encher de serenidade, de esperança e de confiança a nossa caminhada nesta terra. A nossa finitude, as nossas limitações, os nossos medos e misérias não são a última palavra da nossa existência; mas caminhamos todos ao encontro da festa definitiva que Deus prepara para todos os que aceitam o seu dom.

• Ao homem basta-lhe aceitar o convite de Deus para ter acesso a essa festa de vida eterna. Aceitar o convite de Deus significa renunciar ao egoísmo, ao orgulho e à auto-suficiência e conduzir a existência de acordo com os valores de Deus; aceitar o convite de Deus implica dar prioridade ao amor, testemunhar os valores do Reino e construir, já aqui, uma nova terra de justiça, de solidariedade, de partilha, de amor. No dia do nosso batismo, aceitamos o convite de Deus e comprometemo-nos com Ele… A nossa vida tem sido coerente com essa opção?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 22 (23)

Refrão: Habitarei para sempre na casa do Senhor.

O Senhor é meu pastor: nada me falta.
Leva-me a descansar em verdes prados,
conduz-me às águas refrescantes
e reconforta a minha alma.

Ele me guia por sendas direitas, por amor do seu nome.
Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos,
não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo:
o vosso cajado e o vosso báculo me enchem de confiança.

Para mim preparais a mesa,
à vista dos meus adversários;
com óleo me perfumais a cabeça,
e o meu cálice transborda.

A bondade e a graça hão de acompanhar-me
todos os dias da minha vida,
e habitarei na casa do Senhor
para todo o sempre.

LEITURA II – Fl 4,12-14.19-20

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Filipenses

Irmãos:
Sei viver na pobreza e sei viver na abundância.
Em todo o tempo e em todas as circunstâncias,
tenho aprendido a ter fartura e a passar fome,
a viver desafogadamente e a padecer necessidade.
Tudo posso n’Aquele que me conforta.
No entanto, fizestes bem em tomar parte na minha aflição.
O meu Deus proverá com abundância
a todas as vossas necessidades,
Segundo a sua riqueza e magnificência, em Cristo Jesus.
Glóri
a a Deus, nosso Pai, pelos séculos dos séculos. Amém.

AMBIENTE

Mais uma vez, a segunda leitura oferece-nos um excerto de uma carta de Paulo aos cristãos da cidade grega de Filipos.
Estamos nos anos 56/57. Paulo está na prisão (em Éfeso?) por causa do Evangelho. Nesse momento difícil da sua vida apostólica, Paulo recebeu ajuda econômica e, mais importante do que isso, a presença solidária e o cuidado de Epafrodito, um membro da comunidade, enviado para ajudar Paulo e para lhe manifestar a solicitude dos seus “filhos” de Filipos.
O nosso texto é tirado do capítulo final da Carta aos Filipenses. Aí, num tom emocionado, Paulo agradece pelos dons recebidos e pela solidariedade que os cristãos de Filipos lhe manifestaram.

MENSAGEM

Paulo está manifestamente satisfeito pela ajuda recebida da comunidade cristã de Filipos. A alegria de Paulo resulta, não tanto da resolução das suas próprias necessidades materiais mas, sobretudo, do significado do gesto dos filipenses. O donativo enviado é sinal, não só da amizade que os cristãos da comunidade votam a Paulo, mas também da solidariedade dos filipenses com o anúncio do Evangelho de Jesus: dessa forma, os filipenses manifestaram o seu apoio ao ministério apostólico de Paulo e ao trabalho que o apóstolo desenvolve no sentido de fazer chegar a proposta libertadora de Jesus a todos os homens. E isso, evidentemente, alegra o coração de Paulo.
Por si, Paulo está acostumado às privações e à frugalidade. A sua vida e a sua missão, não dependem de comodidades materiais: ele sabe “viver na pobreza” e sabe “viver na abundância”… Essa “liberdade interior” face aos bens brota de Cristo: é Cristo quem dá forças ao apóstolo para superar as privações, quem o anima nos momentos de dificuldades, quem lhe dá a coragem para enfrentar as necessidades que a vida apostólica impõe.
De resto, Paulo está certo de que a solidariedade e a solicitude que os membros da comunidade manifestaram beneficiará, em primeiro lugar, os próprios filipenses, pois Deus não deixará de lhes “pagar” generosamente o seu gesto.

ATUALIZAÇÃO

Considerar, na reflexão, as seguintes linhas:

• Antes de mais, o nosso texto apela a que os cristãos tenham o coração aberto à partilha e ao dom. Ser cristão implica a renúncia a uma vida de egoísmo e de fechamento em si próprio… Implica abrir o coração às necessidades dos irmãos carentes e desfavorecidos e uma partilha efetiva da vida e dos bens. Numa época em que os valores dominantes convidam continuamente ao egoísmo, à auto-suficiência, à preocupação exclusiva com os próprios interesses, o gesto dos filipenses constitui uma poderosa interpelação.

• Por outro lado, também somos interpelados pelo sentido de despojamento de Paulo… Como Paulo, o apóstolo de Jesus deve saber “viver na pobreza” e deve saber “viver na abundância”; mas nunca pode colocar as comodidades materiais como prioridade ou como condição essencial para se empenhar na missão. O apóstolo de Jesus tem como prioridade o anúncio do Evangelho, em quaisquer circunstâncias e para além de todos os condicionalismos. Um “apóstolo” que se preocupa, antes de mais, com a sua comodidade ou com o seu bem-estar torna-se escravo das coisas materiais, passa a ser um “funcionário do Reino” com horário limitado e com trabalho limitado e rapidamente perde o sentido da sua entrega e do seu empenhamento.

• A solicitude dos filipenses por Paulo é sinal da vontade que eles têm de colaborar na expansão do Reino. Todas as comunidades cristãs deviam sentir este apelo a participar – de forma mais direta ou menos direta – no testemunho de Evangelho de Jesus. Levar o Evangelho ao mundo não é uma missão que apenas diga respeito a um grupo “especial” dentro da Igreja; mas é uma missão que Jesus confiou a todos os discípulos, sem exceção. Todos os cristãos deviam sentir o imperativo de colaborar, na medida das suas possibilidades, no anúncio do Evangelho.

• A solicitude dos filipenses por Paulo interpela também as comunidades cristãs acerca da forma como acolhem e tratam aqueles que se entregam a tempo inteiro à causa do Evangelho… A opção que eles fizeram de se entregarem totalmente ao serviço do Reino não os torna menos humanos; eles continuam a ser homens ou mulheres sensíveis às manifestações de afeto, de apreço, de amizade, de solicitude. A comunidade tem o dever de manifestar, em gestos concretos, a sua gratidão pelo trabalho desses irmãos e pelos dons que deles recebe.

• Paulo refere-se, finalmente, à retribuição que Deus não deixará de dar a todos aqueles que mostram solicitude e amor com os apóstolos e que se empenham no anúncio do Evangelho. No entanto, Paulo está longe de sugerir uma lógica interesseira no nosso relacionamento com Deus… O cristão não age de determinada forma para daí tirar benefícios, mas porque o seu compromisso com Jesus lhe impõe determinado comportamento.

ALELUIA – cf. Ef 1,17-18

Aleluia. Aleluia.

Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo,
ilumine os olhos do nosso coração,
para sabermos a que esperança fomos chamados.


EVANGELHO – Mt 22,1-14

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo,
Jesus dirigiu-Se de novo
aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo
e, falando em parábolas, disse-lhes:
«O reino dos Céus pode comparar-se a um rei
que preparou um banquete nupcial para o seu filho.
Mandou os servos chamar os convidados para as bodas,
mas eles não quiseram vir.
Mandou ainda outros servos, ordenando-lhes:
‘Dizei aos convidados:
Preparei o meu banquete, os bois e os cevados foram abatidos,
tudo está pronto. Vinde às bodas’.
Mas eles, sem fazerem caso,
foram um para o seu campo e outro para o seu negócio;
os outros apoderaram-se dos servos,
trataram-nos mal e mataram-nos.
O rei ficou muito indignado e enviou os seus exércitos,
que acabaram com aqueles assassinos e incendiaram a cidade.
Disse então aos servos:
‘O banquete está pronto, mas os convidados não eram dignos.
Ide às encruzilhadas dos caminhos
e convidai para as bodas todos os que encontrardes’.
Então os servos, saindo pelos caminhos,
reuniram todos os que encontraram, maus e bons.
E a sala do banquete encheu-se de convidados.
O rei, quando entrou para ver os convidados,
viu um homem que não estava vestido com o traje nupcial.
E disse-lhe:
‘Amigo, como entraste aqui sem o traje nupcial?’.
Mas ele ficou calado.
O rei disse então aos servos:
‘Amarrai-lhe os pés e as mãos e lançai-o às trevas exteriores;
aí haverá choro e ranger de dentes’.
Na verdade, muitos são os chamados,
mas poucos os escolhidos».

AMBIENTE

Continuamos em Jerusalém, nos dias que antecedem a Páscoa. Os dirigentes religiosos judeus aumentam a pressão sobre Jesus. Instalados nas suas certezas e seguranças, já decidiram que a proposta de Jesus não vem de Deus; por isso, rejeitam de forma absoluta o Reino que ele anuncia.
O texto que nos é hoje proposto faz parte de um bloco de três parábolas (cf. Mt 21,28-32. 33-43; 22,1-14), destinadas a ilustrar a recusa de Israel em aceitar o projeto que Deus oferece aos homens através de Jesus. Com elas, Jesus convida os seus opositores – os líderes religiosos judaicos – a reconhecerem que se fecharam num esquema de auto-suficiência, de orgulho, de arrogância, de preconceitos, que não os deixa abrir o coração e a vida aos dons de Deus. O nosso texto é a última dessas três parábolas.
A crítica do texto mostra que Mateus juntou aqui duas parábolas diferentes: a parábola dos convidados para o “banquete” (que é comum a Mateus e Lucas, embora as duas versões apresentem diferenças consideráveis – cf. Mt 22,1-10; Lc 14,15-24) e a parábola do convidado que se apresentou sem o traje adequado (que é exclusiva de Mateus – cf. Mt 22,11-14). Originalmente, as duas parábolas teriam ensinamentos diferentes; mas a temática comum do “banquete” aproximou-as e juntou-as.
As nossas duas parábolas situam-nos, portanto, no cenário de um “banquete”. Já dissemos (a propósito da primeira leitura deste domingo) que o “banquete” era, na cultura semita, o lugar do encontro, da comunhão, do estreitamento de laços familiares entre os convivas. Além disso, o “banquete” era também a cerimônia através da qual se confirmava o “status” das pessoas e o seu lugar dentro da escala social. Quem organizava um “banquete” – por exemplo, por ocasião do casamento de um filho – procurava fazer uma seleção cuidada dos convidados: a presença de gente “desclassificada” faria descer consideravelmente, aos olhos de toda a comunidade, o “status” da família; e, por outro lado, a presença à mesa de pessoas importantes realçava a importância e a honra da família.

MENSAGEM

A primeira parábola é a parábola dos convidados para o “banquete” (vers. 1-10). Apresenta-nos um rei que organizou um banquete para celebrar o casamento do seu filho. Convidou várias pessoas, mas os convidados recusaram-se a participar no “banquete”, apresentando as desculpas mais inverossímeis. Mateus chega a dizer (um dado que não aparece no relato de Lucas) que teriam até assassinado os emissários do rei… Trata-se de um quadro gravíssimo: recusar o convite era uma ofensa inqualificável; mas, como se isso não bastasse, esses convidados indignos manifestaram um desprezo inconcebível pelo rei, matando os seus servos. O rei enviou então as suas tropas que castigaram os assassinos (vers. 7. Esta referência não aparece no relato de Lucas… É uma provável interpretação da destruição de Jerusalém pelos exércitos romanos de Tito, no ano 70. Isso significa que a versão que Mateus nos dá da parábola é posterior a essa data).
O rei resolveu, apesar de tudo, manter a festa e mandou que fossem trazidos para o “banquete” todos aqueles fossem encontrados nas “encruzilhadas dos caminhos”. E esses desclassificados, esse “povo da terra”, que nunca se tinha sentado à mesa de um personagem importante (com tudo o que isso significava em termos de comunhão e de estabelecimento de laços de família e de amizade), celebrou a festa à mesa do rei.
O sentido da parábola é óbvio… Deus é o rei que convidou Israel para o “banquete” do encontro, da comunhão, da chegada dos tempos messiânicos (as bodas do “filho”). Os sacerdotes, os escribas, os doutores da Lei recusaram o convite e preferiram continuar agarrados aos seus esquemas, aos seus preconceitos, aos seus sistemas de auto-salvação. Então, Deus convidou para o “banquete” do messias esses pecadores e desclassificados que, na perspectiva da teologia oficial, estavam arredados da comunhão com Deus e do Reino.
Esta parábola explicita bem o cenário em que o próprio Jesus se move… Ele aparece, com freqüência, a participar em “banquetes” ao lado de gente duvidosa e desclassificada, ao ponto de os seus inimigos o acusarem de “comilão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e de pecadores” (Mt 11,19; Lc 7,34). Porque é que Jesus participa nesses “banquetes”, correndo o risco de adquirir uma fama tão desagradável? Porque no Antigo Testamento – como vimos na primeira leitura – os tempos messiânicos são descritos com a imagem de um “banquete” que Deus prepara para todos os povos. Ora, Jesus tem consciência de que, com Ele, esses tempos chegaram; e utiliza o cenário do “banquete” para expressar a realidade do Reino (a mesa da festa, do amor, da comunhão com Deus, para a qual todos os homens e mulheres, sem exceção, são convidados). Para ele, o sentar-se à mesa com os pecadores é uma forma privilegiada de lhes dizer que Deus os acolhe com amor e que quer estabelecer com eles relações de comunhão e de familiaridade, sem excluir ninguém do seu convívio ou da sua comunidade.
Os líderes de Israel, no entanto, sempre reprovaram a Jesus esse contacto com os pecadores e os desclassificados… Para eles, os publicanos e as prostitutas, por exemplo, estavam definitivamente arredadas da comunidade da salvação. Sentá-los à mesa do “banquete” do Reino é algo de inaudito e que os líderes de Israel acham absolutamente inapropriado.
É muito provável que, originalmente, a parábola tivesse servido a Jesus para responder àqueles que o acusavam de ter convidado para o “banquete” do Reino todo o tipo de desclassificados e de pecadores. Jesus deixa claro que, na perspectiva de Deus, a questão não é se tal ou tal pessoa tem o direito de se sentar à mesa do Reino; mas a questão essencial é se se aceita ou não se aceita o convite de Deus. Na verdade, os líderes de Israel recusaram o desafio de Deus, enquanto que os pecadores e desclassificados o acolheram de braços abertos.
Mais tarde, a comunidade cristã irá fazer uma releitura um pouco diferente da parábola e utilizá-la para explicar porque é que os pagãos acolheram melhor do que os judeus a Boa Nova do Reino.
A segunda parábola é a parábola do convidado que se apresentou na festa sem o traje nupcial (vers. 11-14). O rei que organizou o “banquete” mandou, então, lançá-lo fora da sala onde se realizava a festa.
A parábola constitui uma advertência àqueles que aceitaram o convite de Deus para a festa do Reino, aderiram à proposta de Jesus e receberam o batismo. Mateus escreve no final do século I (anos 80), quando os cristãos já tinham esquecido o entusiasmo inicial e viviam instalados numa fé pouco exigente. Consideravam que já tinham feito uma opção definitiva e que já tinham assegurado a salvação. Mateus diz-lhes: cuidado, porque não chega entrar na sala do “banquete”; é preciso, além disso, vestir um estilo de vida que ponha em prática os ensinamentos de Jesus. Quem foi batizado e aderiu ao “banquete” do Reino, mas recusou o traje do amor, da partilha, do serviço, da misericórdia, do dom da vida e continua vestido de egoísmo, de arrogância, de orgulho, de injustiça, não pode participar na festa do encontro e da comunhão com Deus. Deus chamou todos os homens e mulheres para participarem no “banquete”; mas só serão admitidos aqueles que responderem ao convite e mudarem completamente a sua vida.

ATUALIZAÇÃO

Na reflexão, considerar as seguintes questões:

• No nosso texto, a questão decisiva não é se Deus convida ou se não convida; mas é se se aceita ou se não se aceita o convite de Deus para o “banquete” do Reino. Os convidados que não aceitaram o convite representam aqueles que estão demasiado preocupados a dirigir uma empresa de sucesso, ou a escalar a vida a pulso, ou a conquistar os seus cinco minutos de fama, ou a impor aos outros os seus próprios esquemas e projetos, ou a explorar o bem estar que o dinheiro lhes conquistou e não têm tempo para os desafios de Deus. Vivemos obcecados com o imediato, o politicamente correto, o palpável, o material, e prescindimos dos valores eternos, duradouros, exigentes, que exigem o dom da própria vida. A questão é: onde é que está a verdadeira felicidade? Nos valores do Reino, ou nesses valores efêmeros que nos absorvem e nos dominam?

• Os convidados que não aceitaram o convite representam também aqueles que estão instalados na sua auto-suficiência, nas suas certezas, seguranças e preconceitos e não têm o coração aberto e disponível para as propostas de Deus. Trata-se, muitas vezes, de pessoas sérias e boas, que se empenham seriamente na comunidade cristã e que desempenham papéis fundamentais na estruturação dos organismos paroquiais… Mas “nunca se enganam e raramente têm dúvidas”; sabem tudo sobre Deus, já construíram um deus à medida dos seus interesses, desejos e projetos e não se deixam questionar nem interpelar. Os seus corações estão, também, fechados à novidade de Deus.

• Os convidados que aceitaram o convite representam todos aqueles que, apesar dos seus limites e do seu pecado, têm o coração disponível para Deus e para os desafios que Ele faz. Percebem os limites da sua miséria e finitude e estão permanentemente à espera que Deus lhes ofereça a salvação. São humildes, pobres, simples, confiam em Deus e na salvação que Ele quer oferecer a cada homem e a cada mulher e estão dispostos a acolher os desafios de Deus.

• A parábola do homem que não vestiu o traje apropriado convida-nos a considerar que a salvação não é uma conquista, feita de uma vez por todas, mas um sim a Deus sempre renovado, e que implica um compromisso real, sério e exigente com os valores de Deus. Implica uma opção coerente, contínua, diária com a opção que eu fiz no batismo… Não é um compromisso de “meias tintas”, de tentativas falhadas, de “tanto se me dá como se me deu”; mas é um compromisso sério e coerente com essa vida nova que Jesus me apresentou.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 28º DOMINGO DO TEMPO COMUM

1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 28º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

2. DURANTE A CELEBRAÇÃO.
Procure-se fazer com que a comunhão, hoje, seja ao mesmo tempo mais solene (fazê-la preceder por um tempo de recolhimento e de silêncio…) e mais festiva (procissão com música…). Pode-se solenizar o convite «felizes os convidados para a Ceia do Senhor». É uma bem-aventurança!

3. PALAVRA DE VIDA.
Jesus compara Deus seu Pai a um rei que celebra as bodas do seu filho: nada é mais belo para a festa, e os convidados são numerosos, mas eles declinam o convite, encontrando desculpas, algumas que vão até a maltratar e a matar os que fazem o convite. O rei poderia resignar-se, mas não: é preciso que a sala do banquete esteja cheia. Tal é a prodigalidade de Deus: parece querer que todos tenham recebido o convite, «os maus e os bons». Que criticar a este rei e a este Deus? De se contentar em convidar com o risco de apanhar com recusas? Deus convida sempre, espera uma resposta: «felizes os convidados para a Ceia do Senhor».

4. UM PONTO DE ATENÇÃO.
Introduzir melhor o rito penitencial.
«Reconheçamos que somos pecadores», que introduz frequentemente o rito penitencial, corre o risco de lhe dar uma tonalidade culpabilizante. E o «Senhor, tende piedade» pode acentuar ainda mais esta impressão… Mas esta oração quer, logo no início da celebração, renovar a nossa confiança em Deus que nos ama, apesar das nossas fraquezas.
Pode-se tomar hoje a fórmula 3 do missal, com a seguinte introdução: «Reconheçamos juntos que Deus nos ama, pois o seu Filho está presente no meio de nós e diz-nos, cada domingo, que temos valor aos olhos de seu Pai: invoquemo-lo com toda a confiança». Depois de cada intenção do missal, a assembléia repete: «Bendito sejas, Senhor, muda os nossos corações».

5. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Repetir um versículo do Salmo 22.
Empenhar-se em repetir regularmente, nesta semana, como uma «oração do coro» (repetindo-a frequentemente), esta oração de confiança do Salmo 22: «A bondade e a graça hão de acompanhar-me todos os dias da minha vida». Mostrar-se feliz, e dar graças a Deus pela sua presença ao nosso lado, no quotidiano das nossas vidas.

 29º DOMINGO DO TEMPO COMUM

A liturgia do 29º Domingo do Tempo Comum convida-nos a refletir acerca da forma como devemos equacionar a relação entre as realidades de Deus e as realidades do mundo. Diz-nos que Deus é a nossa prioridade e que é a Ele que devemos subordinar toda a nossa existência; mas avisa-nos também que Deus nos convoca a um compromisso efetivo com a construção do mundo.
O Evangelho ensina que o homem, sem deixar de cumprir as suas obrigações com a comunidade em que está inserido, pertence a Deus e deve entregar toda a sua existência nas mãos de Deus. Tudo o resto deve ser relativizado, inclusive a submissão ao poder político.
A primeira leitura sugere que Deus é o verdadeiro Senhor da história e que é Ele quem conduz a caminhada do seu Povo rumo à felicidade e à realização plena. Os homens que atuam e intervêm na história são apenas os instrumentos de que Deus se serve para concretizar os seus projetos de salvação.
A segunda leitura apresenta-nos o exemplo de uma comunidade cristã que colocou Deus no centro do seu caminho e que, apesar das dificuldades, se comprometeu de forma corajosa com os valores e os esquemas de Deus. Eleita por Deus para ser sua testemunha no meio do mundo, vive ancorada numa fé ativa, numa caridade esforçada e numa esperança inabalável.

LEITURA I – Is 45,1.4-6

Leitura do Livro de Isaías

Assim fala o Senhor a Ciro, seu ungido,
a quem tomou pela mão direita,
para subjugar diante dele as nações
e fazer cair as armas da cintura dos reis,
para abrir as portas à sua frente,
sem que nenhuma lhe seja fechada:
«Por causa de Jacob, meu servo, e de Israel, meu eleito,
Eu te chamei pelo teu nome e te dei um título glorioso,
quando ainda não Me conhecias.
Eu sou o Senhor e não há outro;
fora de Mim não há Deus.
Eu te cingi, quando ainda não Me conhecias,
para que se saiba, do Oriente ao Ocidente,
que fora de Mim não há outro.
Eu sou o Senhor e mais ninguém».

AMBIENTE

O texto que hoje nos é proposto pertence ao “Livro da Consolação” do Deutero-Isaías (cf. Is 40-55). “Deutero-Isaías” é um nome convencional com que os biblistas designam um profeta anônimo da escola de Isaías, que cumpriu a sua missão profética na Babilônia, entre os exilados judeus. Estamos na fase final do Exílio, entre 550 e 539 a.C.
Durante o reinado de Nabónides, rei da Babilônia, desponta na Pérsia uma nova estrela da política internacional… Em 553 a.C., Ciro, rei dos Persas, conquista a capital da Média (Ecbátana) e junta no mesmo império os Medos e os Persas. Depois (547 a.C.), marcha contra a Lídia, conquista Sardes e apodera-se da maior parte da Ásia Menor. Nos anos seguintes, uma série de vitórias fulgurantes dão-lhe o domínio do Irão oriental, do Afeganistão e do Turquestão, até à Índia. Fortalecido em ouro e em homens dirige, em seguida, os seus exércitos contra a Babilônia e, em 539 a.C., entra vitorioso na capital babilônica onde, sem qualquer oposição, é recebido como libertador.
A atividade profética do Deutero-Isaías desenvolve-se nos anos que precederam a entrada vitoriosa de Ciro na Babilônia… As notícias que chegam sobre as vitórias de Ciro fazem os exilados sonhar com a proximidade da libertação do cativeiro. À alegria pela libertação iminente junta-se, no entanto, alguma confusão e perplexidade… Então o libertador não vai sair do meio do Povo de Deus, mas é um rei estrangeiro? E quando a libertação acontecer, a quem deve ser atribuída: a Jahwéh, o Deus dos exilados judeus, ou a Marduk, o deus de Ciro? Jahwéh ter-se-á desinteressado do seu Povo? Ou terá perdido o seu poder?
Trata-se de um problema teológico sério que, em última análise, pode determinar a manutenção ou não da fé do Povo em Jahwéh. O Deutero-Isaías vai procurar esclarecer esta questão e explicar o papel de Jahwéh nos acontecimentos.

MENSAGEM

O Deutero-Isaías não tem dúvidas: Jahwéh é o verdadeiro condutor de todo o processo que vai culminar na libertação do Povo de Deus. Ciro, o grande rei que se apresta para derrubar o orgulhoso poderio babilônico, é “o ungido” (no original hebraico: “o messias”; em grego: “o cristo”) de Jahwéh. Dizer que Ciro é “o ungido” significa dizer que ele recebeu a “unção” com óleo; e que, através dessa “unção”, Ciro recebeu o Espírito de Deus e foi investido para uma missão. No Antigo Testamento, a unção com óleo capacita o “ungido” seja para a missão real (cf. 2 Sm 5,3), seja para a missão sacerdotal (cf. Ex 29,7), seja para a missão profética (cf. 1 Re 19,16; Is 61,1). Aqui trata-se, evidentemente, da missão real… Portanto, Deus escolheu Ciro, derramou sobre ele o seu Espírito e concedeu-lhe a insígnia do poder (“cingi-te” - vers. 5) para que ele, desempenhando a sua missão real, se tornasse o instrumento de Deus no mundo.
O que é que, em concreto, Jahwéh pede a Ciro? Qual a missão que Ele lhe confia?
Ciro foi designado por Deus para “subjugar as nações”, “fazer cair as armas das cinturas dos reis”, “abrir as portas à sua frente sem que nenhuma lhe seja fechada”. As expressões utilizadas pelo Deutero-Isaías situam a missão confiada por Deus a Ciro no âmbito político-militar… No entanto, o que é aqui preponderante é que essa missão deve concretizar-se em benefício do Povo de Deus: se Deus chamou Ciro “pelo nome”, lhe deu “um título glorioso” e lhe confiou o poder sobre as nações foi, nas palavras de Jahwéh, “por causa de Jacob, meu servo, e de Israel, meu eleito…”. Ciro aparece, claramente, como o instrumento através do qual Deus atua no mundo e na história e realiza os seus projetos de salvação e de libertação do seu Povo. É através dos homens que Deus intervém no mundo.
De resto, o Deutero-Isaías deixa claro que só Jahwéh é o Senhor da história e que, fora d’Ele, não há Deus. É verdade que Ciro ainda não conhece Jahwéh; mas, sem o saber, ele está a realizar o projecto do Senhor.
Portanto, é a Jahwéh e não a Marduk que os exilados devem agradecer a sua libertação. Embora servindo-se de um rei estrangeiro, Jahwéh vai mostrar a Judá que é, definitivamente, esse Deus salvador e libertador, em quem o Povo pode sempre confiar.

ATUALIZAÇÃO

Considerar os seguintes dados, na reflexão e partilha:

• Também nós – como os exilados de Judá – ficamos, tantas vezes, perplexos e inquietos diante dos acontecimentos do nosso tempo. Não percebemos o significado nem o alcance de certos eventos e não conseguimos saber para onde é que a história nos conduz. Sentimo-nos perdidos, assustados, à deriva, como barco sem leme… E, para além disso, Deus parece manter-se em silêncio, assistindo calmamente e sem mexer um dedo, aos dramas que marcam o ritmo da nossa caminhada. Perguntamo-nos: onde está Deus, quando a história humana parece percorrer caminhos tão ínvios? Ele preocupa-se, realmente, com os homens? Qual o seu papel na condução dos destinos do mundo? Porque é que Ele deixa que os homens destruam o planeta, inventem esquemas sofisticados de destruição e de morte, cultivem a exploração e a injustiça, mantenham tantos homens, mulheres e crianças amarrados à miséria e à escravidão? A primeira leitura deste domingo garante-nos: Deus nunca abandona os homens. Ele encontra sempre formas de intervir na história e de concretizar os seus projetos de vida, de salvação, de libertação… Talvez as intervenções de Deus nem sempre sejam ortodoxas à luz da lógica dos homens; talvez nem sempre consigamos perceber o verdadeiro alcance dos projetos de Deus; mas Deus lá está, como Senhor da história, conduzindo o mundo de acordo com o projeto de vida que Ele tem para os homens e para o mundo. Resta-nos, mesmo quando não percebemos os seus critérios, confiarmos e entregarmo-nos nas suas mãos.

• Normalmente, Deus não intervém na história através de manifestações impressionantes, espetaculares, caídas do céu, que se impõem como verdades infalíveis e que deixam os homens espantados… Deus atua no mundo com simplicidade e discrição, através de pessoas – muitas vezes pessoas limitadas, pecadoras, “normais” – a quem Ele chama e a quem Ele confia uma missão. O que é fundamental é que cada homem ou cada mulher que Deus chama esteja disponível para acolher esse chamamento e para aceitar ser instrumento de Deus na construção de um mundo novo.

• Aqueles que detêm responsabilidades na condução das comunidades (civis ou religiosas) devem procurar, através de um diálogo contínuo e próximo com Deus, perceber os seus projetos e planos para o mundo e para os homens. Só assim poderão ser instrumento de Deus na construção de um mundo melhor.

• Ciro, frustrando todas as expectativas do Povo de Deus, é um pagão que “não conhecia” Jahwéh… Apesar disso (de acordo com a catequese do Deutero-Isaías), foi ele quem Deus escolheu como seu instrumento a fim de concretizar os seus projetos em favor do seu Povo. Deus pode servir-se daquele que é pecador e marginal aos olhos do mundo para oferecer aos homens a vida e a salvação. O que interessa não são as “qualidades” do intermediário, mas a força de Deus. É necessário ter isto presente… Se conseguimos fazer algo para tornar o mundo um pouco melhor, isso não se deve às nossas brilhantes qualidades, mas a esse Deus que age por nosso intermédio.

• A escolha de Ciro significa também a denúncia de uma perspectiva fechada, nacionalista, racista, de Deus e dos seus projetos. Ninguém tem o monopólio de Deus ou da missão… Deus é totalmente livre de chamar quem quiser, quando quiser e como quiser – seja de que raça for, de que extrato social for, ou sejam quais forem os seus antecedentes religiosos. Certos cristãos que se sentem os únicos detentores da autoridade e da missão e que se ficam quase ofendidos quando aparece alguém a fazer algo de diferente na paróquia, deviam ter isto em conta.

SALMO RESPONSORIAL
– Salmo 95 (96)

Refrão: Aclamai a glória e o poder do Senhor.

Cantai ao Senhor um cântico novo,
cantai ao Senhor, terra inteira.
Publicai entre as nações a sua glória,
em todos os povos as suas maravilhas.

O Senhor é grande e digno de louvor,
mais temível que todos os deuses.
Os deuses dos gentios não passam de ídolos,
foi o Senhor quem fez os céus.

Dai ao Senhor, ó família dos povos,
dai ao Senhor glória e poder.
Dai ao Senhor a glória do seu nome,
levai-Lhe oferendas e entrai nos seus átrios.

Adorai o Senhor com ornamentos sagrados,
trema diante dele a terra inteira.
Dizei entre as nações: «O Senhor é rei»,
governa os povos com equidade.

LEITURA II – 1 Ts 1,1-5b

Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Tessalonicenses

Paulo, Silvano e Timóteo à Igreja dos Tessalonicenses,
que está em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo:
A graça e a paz estejam convosco.
Damos continuamente graças a Deus por todos vós,
ao fazermos menção de vós nas nossas orações.
Recordamos a atividade da vossa fé,
o esforço da vossa caridade e a firmeza da vossa esperança
em Nosso Senhor Jesus Cristo,
na presença de Deus, nosso Pai.
Nós sabemos, irmãos amados por Deus,
como fostes escolhidos.
O nosso Evangelho não vos foi pregado somente com palavras,
mas também com obras poderosas,
com a ação do Espírito Santo.

AMBIENTE

Tessalônica era, no século I da nossa era, a cidade mais importante da Macedônia. Importante porto marítimo e cidade de intenso comércio, era uma encruzilhada religiosa, na qual os cultos locais coexistiam lado a lado com todo o tipo de propostas religiosas vindas de todo o Mediterrâneo.
Tessalônica foi evangelizada por Paulo durante a sua segunda viagem missionária, muito provavelmente no Inverno dos anos 49-50. Paulo chegou a Tessalônica acompanhado de Silvano e Timóteo, depois de ter sido forçado a deixar a cidade de Filipos. O tempo de evangelização foi curto – talvez uns três meses; mas foi o suficiente para fazer nascer uma comunidade cristã numerosa e entusiasta, constituída maioritariamente por pagãos convertidos. No entanto, a obra de Paulo foi brutalmente interrompida pela reação da colônia judaica… Os judeus acusaram Paulo de agir contra os decretos do imperador e levaram alguns cristãos diante dos magistrados da cidade (cf. Act 17,5-9). Paulo teve de deixar a cidade à pressa, de noite, indo para Bereia e, depois, para Atenas (cf. At 17,10-15).
Entretanto, Paulo tinha a consciência de que a formação doutrinal da comunidade cristã de Tessalônica ainda deixava muito a desejar. A jovem comunidade, fundada há pouco tempo e ainda insuficientemente catequizada, estava quase desarmada nesse contexto adverso de perseguição e de provação (cf. 1 Ts 3,1-10). Preocupado, Paulo enviou Timóteo a Tessalônica, a fim de saber notícias e encorajar os tessalonicenses na fé (cf. 1 Tes 3,2-5). Quando Timóteo voltou e apresentou o seu relatório, Paulo estava em Corinto. Confortado pelas informações dadas por Timóteo, o apóstolo decidiu escrever aos cristãos de Tessalônica, felicitando-os pela sua fidelidade ao Evangelho. Aproveitou também para esclarecer algumas dúvidas doutrinais que inquietavam os tessalonicenses e para corrigir alguns aspectos menos exemplares da vida da comunidade.
A primeira carta aos Tessalonicenses é, com toda a probabilidade, o primeiro escrito do Novo Testamento. Apareceu na Primavera-Verão do ano 50 ou 51.
O texto que nos é proposto apresenta-nos o endereço da carta (“Paulo, Silvano e Timóteo à Igreja dos Tessalonicenses que está em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo” – 1 Ts 1,1) e um extrato de uma longa oração colocada no início da carta, na qual Paulo dá graças a Deus pelo comportamento exemplar dos tessalonicenses: apesar das provas que tiveram de suportar, permanecem fiéis ao Evangelho e ao ensino de Paulo (cf. 1 Ts 1,2-3,13).

MENSAGEM

O verbo principal do nosso texto é o verbo grego “eukharistéô”(“dar graças”); todos os outros verbos que aparecem são secundários. Assim, fica logo claro quais os sentimentos e qual a atitude fundamental de Paulo, Silvano e Timóteo, os remetentes da carta: eles estão profundamente agradecidos e reconhecidos a Deus. Porquê?
Porque a ação de Deus se nota claramente na vida diária da comunidade cristã de Tessalônica. Diante da proposta do Evangelho, os tessalonicenses responderam generosamente, com uma fé ativa, uma caridade esforçada e uma esperança firme (vers. 3). A “fé ativa” traduz a realidade de uma adesão ao Evangelho que não se manifesta só em palavras, mas também em atitudes concretas de conversão e de transformação; a “caridade esforçada” dá conta de um amor que não é teórico mas é efetivo, e que se traduz em gestos de entrega, de partilha, de doação; e a “esperança firme” define essa confiança inabalável dos tessalonicenses em Deus e na vida nova que Ele reserva àqueles que O amam – confiança que, nem a hostilidade do mundo, nem as dificuldades da vida conseguem deitar por terra.
Na verdade, tudo isto resulta do fato de os tessalonicenses terem sido “escolhidos” por Deus (vers. 4). No Antigo Testamento, a “eleição” é um privilégio de Israel, escolhido por Deus de entre os outros povos, não em virtude dos seus méritos particulares, mas como resultado da graça e do amor de Deus; agora, são as comunidades cristãs de origem pagã que são objeto do mesmo privilégio, que tem a sua fonte no amor gratuito do Deus salvador.
O Evangelho que Paulo, Silvano e Timóteo anunciaram aos tessalonicenses não foi um discurso feito de belas palavras, mas inconseqüente; foi uma Boa Nova de Deus, poderosa e transformadora, que encontrou eco no coração dos tessalonicenses que, pela acção do Espírito Santo, deu frutos de fé, de amor e de esperança (vers. 5a.b).
É por tudo isto que Paulo, Silvano e Timóteo louvam o Senhor.

ATUALIZAÇÃO

Na reflexão e na partilha, considerar os seguintes elementos:

• Hoje, uma comunidade cristã que viva, com fidelidade e entusiasmo, a fé, a esperança e a caridade, não será notícia; em contrapartida, os meios de comunicação social explorarão, com gosto, a vida de uma comunidade cristã marcada pelos escândalos, pelos dramas, pelas infidelidades… Tornamo-nos progressivamente insensíveis às coisas bonitas e boas e só nos deixamos impressionar pelo escandaloso, por aquilo que chama a atenção por razões negativas. O nosso texto convida-nos, antes de mais, a repararmos nos testemunhos de fé, de amor e de esperança que encontramos à nossa volta e a vermos aí a presença e a ação de Deus no mundo.

• O nosso texto convida-nos, depois, a renovar e potenciar a nossa capacidade de louvar e de agradecer a Deus. Ao contemplarmos tantos gestos de bondade, de amor, de doação, de solidariedade que, em geral, acontecem no mundo e que, em particular, enchem as vidas das nossas comunidades cristãs, não podemos deixar de ver aí a presença amorosa de Deus… Teremos sempre a capacidade de agradecer a Deus a sua presença e a sua ação no mundo, na vida das nossas comunidades cristãs ou religiosas, na vida das nossas famílias e de cada um de nós?

• O exemplo da comunidade cristã de Tessalônica interpela-nos e questiona-nos… É uma comunidade que, apesar de uma catequese incipiente e de um ambiente hostil, abraçou com entusiasmo o Evangelho e concretizou a proposta de Jesus na vida do dia a dia, através de uma fé ativa, de um amor esforçado e de uma esperança firme. Nós, seguidores de Jesus, depois de muitos anos de catequese e de compromisso com Jesus, como vivemos o nosso compromisso cristão: com um entusiasmo sempre renovado e sempre coerente, ou com o desleixo e a indiferença de quem não se quer comprometer? A nossa fé não é apenas uma questão de palavras, mas leva-nos a um efetivo compromisso com a transformação da nossa vida, da nossa família, da nossa comunidade ou do mundo que nos rodeia? O nosso amor traduz-se em atitudes concretas de partilha, de doação, de solidariedade, de luta contra tudo o que oprime os pequenos, os débeis, os marginalizados? A nossa esperança mantém-nos serenos e confiantes, de olhos postos nesse futuro novo que Deus nos reserva, apesar das vicissitudes, das dificuldades, das incompreensões que dia a dia temos de enfrentar?

ALELUIA – Fl 2,15d.16a

Aleluia. Aleluia.

Vós brilhais como estrelas no mundo,
ostentando a palavra da vida.

EVANGELHO – Mt 22,15-21

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo,
os fariseus reuniram-se para deliberar
sobre a maneira de surpreender Jesus no que dissesse.
Enviaram-Lhe alguns dos seus discípulos,
juntamente com os herodianos, e disseram-Lhe:
«Mestre, sabemos que és sincero
e que ensinas, segundo a verdade, o caminho de Deus,
sem Te deixares influenciar por ninguém,
pois não fazes acepção de pessoas.
Diz-nos o teu parecer:
É lícito ou não pagar tributo a César?».
Jesus, conhecendo a sua malícia, respondeu:
«Porque Me tentais, hipócritas?
Mostrai-me a moeda do tributo».
Eles apresentaram-Lhe um denário,
e Jesus perguntou:
«De quem é esta imagem e esta inscrição?».
Eles responderam: «De César».
Disse-lhes Jesus:
«Então, daí a César o que é de César
e a Deus o que é de Deus».

AMBIENTE

O nosso texto situa-nos em Jerusalém, o local onde vai desenrolar-se o confronto final entre Jesus e o judaísmo. De um lado estão os dirigentes judeus: instalados nas suas certezas e preconceitos, recusam-se terminantemente a acolher a proposta do Reino. Do outro lado está Jesus: Ele procura que os dirigentes do seu Povo tomem consciência de que, ao recusar o Reino, estão a recusar a oferta de salvação que Deus lhes faz.
Para ilustrar a situação, Jesus conta-lhes três parábolas (que lemos e meditamos nos últimos três domingos). Na primeira, identifica-os com o filho que disse “sim” ao seu pai, mas que não foi trabalhar no campo (cf. Mt 21,28-32); na segunda, equipara-os aos vinhateiros maus que tiveram a ousadia de matar o filho (cf. Mt 21,33-46); na terceira, compara-os com os convidados para o banquete que rejeitaram o convite (cf. Mt 22,1-14). Irritados com a ousadia de Jesus e questionados pelas suas comparações, os líderes judaicos procuram ansiosamente um pretexto para o acusar.
É neste contexto que Mateus nos vai apresentar três controvérsias entre Jesus e os fariseus (cf. Mt 22,15-22.23-33.34-40). Em qualquer caso, o objetivo é surpreender afirmações controversas e encontrar argumentos para apresentar em tribunal contra Jesus.
A primeira questão que os fariseus, aliados com os partidários de Herodes Antipas, põem a Jesus, é muito delicada. Diz respeito à obrigação de pagar os tributos ao imperador de Roma…
Além dos impostos indiretos (direitos alfandegários, taxas várias), as províncias romanas pagavam ao Império o tributo, que era uma quantia estipulada por Roma e que todos os habitantes do Império (com exceção das crianças e dos velhos) deviam pagar. Era considerado um sinal infamante da sujeição a Roma. A questão que põem a Jesus é, portanto, esta: é lícito pactuar com esse sistema gerador de escravidão e de injustiça?
Os partidários de Herodes e os saduceus (a alta aristocracia sacerdotal) estavam perfeitamente de acordo com o tributo, pois aceitavam naturalmente a sujeição a Roma. Os movimentos revolucionários, no entanto, estavam frontalmente contra, pois consideravam o imperador um usurpador do poder que só pertencia a Jahwéh e interditavam aos seus partidários o pagamento do dito tributo. Os fariseus, embora não aceitando o tributo, tinham uma posição intermédia e não propunham uma solução violenta para a questão…
De qualquer forma, era uma questão “armadilhada”. Se Jesus se pronunciasse a favor do pagamento do tributo, seria acusado de colaboracionismo e de defender a usurpação pelos romanos do poder que pertencia a Jahwéh; mas se Jesus se pronunciasse contra o pagamento do imposto, seria acusado de revolucionário, inimigo da ordem romana…
Como é que Jesus vai resolver a questão?

MENSAGEM

Confrontado com a questão, Jesus convidou os seus interlocutores a mostrar a moeda do imposto e a reconhecerem a imagem gravada na moeda (a imagem de César). Depois, Jesus concluiu: “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (vers. 21). O que é que esta afirmação significa? Significa uma espécie de repartição equitativa das obrigações do homem entre o poder político e o poder religioso?
Provavelmente, Jesus quis sugerir que o homem não pode nem deve alhear-se das suas obrigações para com a comunidade em que está integrado. Em qualquer circunstância, ele deve ser um cidadão exemplar e contribuir para o bem comum. A isso, chama-se “dar a César o que é de César”.
No entanto, o que é mais importante é que o homem reconheça a Deus como o seu único senhor. As moedas romanas têm a imagem de César: que sejam dadas a César. O homem, no entanto, não tem inscrita em si próprio a imagem de César, mas sim a imagem de Deus (cf. Gn 1,26-27: “Deus disse: ‘façamos o homem à nossa imagem, à nossa semelhança’… Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus”): portanto, o homem pertence somente a Deus, deve entregar-se a Deus e reconhecê-lo como o seu único senhor.
Jesus vai muito além da questão que lhe puseram… Recusa-se a entrar num debate de caráter político e coloca a questão a um nível mais profundo e mais exigente. Na abordagem de Jesus, a questão deixa de ser uma simples discussão acerca do pagamento ou do não pagamento de um imposto, para se tornar um apelo a que o homem reconheça Deus como o seu senhor e realize a sua vocação essencial de entrega a Deus (ele foi criado por Deus, pertence a Deus e transporta consigo a imagem do seu senhor e seu criador). Jesus não está preocupado, sequer, em afirmar que o homem deve repartir equitativamente as suas obrigações entre o poder político e o poder religioso; mas está, sobretudo, preocupado em deixar claro que o homem só pertence a Deus e deve entregar toda a sua existência nas mãos de Deus. Tudo o resto deve ser relativizado, inclusive a submissão ao poder político.

ATUALIZAÇÃO

Na reflexão, considerar as seguintes questões:

• A questão essencial que o nosso texto aborda é esta: o homem pertence a Deus e deve considerar Deus o seu único senhor e a sua referência fundamental. No entanto, embriagados pelo turbilhão das liberdades e das novas descobertas, os homens do nosso tempo consideraram que eram capazes de descobrir, por si próprios, os caminhos da vida e da felicidade e que podiam prescindir de Deus… Instalaram-se no orgulho e na auto-suficiência e deixaram Deus de fora das suas vidas. É preciso voltarmos a Deus e redescobrirmos a sua centralidade na nossa existência. Deus não atenta contra a nossa identidade e a nossa liberdade. Fomos criados para a comunhão com Deus e só nos sentiremos felizes e realizados quando nos entregarmos confiadamente nas suas mãos e fizermos dele o centro da nossa caminhada.

• Em muitos casos, Deus foi apenas substituído por outros “deuses”: o dinheiro, o poder, o êxito, a realização profissional, a ascensão social, o clube de futebol… tomaram o lugar de Deus e passaram a dirigir e a condicionar a vida de tantos dos nossos contemporâneos. Quase sempre, no entanto, essa troca trouxe, apenas, escravidão, alienação, frustração e sentimentos de solidão e de orfandade… Como me sinto face a isto? Há outros deuses a tomarem posse da minha vida, a condicionarem as minhas opções, a dirigirem os meus interesses, a dominarem os meus projetos? Quais são esses deuses? Eles asseguraram-me a felicidade e a plena realização, ou tornam-me cada vez mais escravo e dependente?

• O homem e a mulher foram criados à imagem de Deus. Eles não são, portanto, objetos que podem ser usados, explorados e alienados, mas seres revestidos de uma suprema dignidade, de uma dignidade divina. Apesar da Declaração Universal dos Direitos do Homem e de uma infinidade de organizações e de associações destinadas a proteger e a assegurar os direitos, liberdades e garantias, há milhões de homens, de mulheres e de crianças que continuam, todos os dias, a ser maltratados, humilhados, explorados, desprezados, diminuídos na sua dignidade. Destruir a imagem de Deus que existe em cada criança, mulher ou homem, é um grave crime contra Deus. Nós, os cristãos, não podemos permitir que tal aconteça. Devemos sentir-nos responsáveis sempre que algum irmão ou irmã, em qualquer canto do mundo, é privado dos seus direitos e da sua dignidade; e temos o dever grave de lutar, de forma objetiva, contra todos os sistemas que, na Igreja ou na sociedade, atentem contra a vida e a dignidade de qualquer pessoa.

• Para o cristão, Deus é a referência fundamental e está sempre em primeiro lugar; mas isso não significa que o cristão viva à margem do mundo e se demita das suas responsabilidades na construção do mundo. O cristão deve ser um cidadão exemplar, que cumpre as suas responsabilidades e que colabora ativamente na construção da sociedade humana. Ele respeita as leis e cumpre pontualmente as suas obrigações tributárias, com coerência e lealdade. Não foge aos impostos, não aceita esquemas de corrupção, não infringe as regras legalmente definidas. Vive de olhos postos em Deus; mas não se escusa a lutar por um mundo melhor e por uma sociedade mais justa e mais fraterna.

• Como é que eu me situo face ao poder político e às instituições civis: com total indiferença, com sujeição cega, ou com lealdade crítica? Como é que eu contribuo para a construção da sociedade? À luz de que critérios e de que valores julgo os fatos, as decisões, as leis políticas e sociais que regem a comunidade humana em que estou inserido? As minhas opções políticas são coerentes com os critérios do Evangelho e com os valores de Jesus?

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 29º DOMINGO DO TEMPO COMUM

1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 29º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

2. DURANTE A CELEBRAÇÃO.
No momento da oração universal, sobretudo neste domingo em que se inicia a Semana Missionária Mundial, poderá ser expressa a atenção às coisas do mundo, em nome da nossa fé em Deus.

3. PALAVRA DE VIDA.
O Dia Mundial das Missões deveria manter-nos acordados. Será que, sim ou não, nós acreditamos que a mensagem de Cristo se dirige a todos os homens dos cinco continentes, quaisquer que sejam a sua situação, as suas alegrias, os seus sofrimentos, as suas questões, os seus projetos? Se a mensagem de Cristo é universal, é necessário que aqueles que dela beneficiaram não a guardem só para si, mas devem anunciá-la, gritá-la, e dar àqueles que partiram para a anunciar os meios de a fazer conhecer. Esta mensagem não consiste apenas em palavras para escutar, mas numa Palavra que faz viver, que volta a erguer, que dá felicidade. Então, estejamos preocupados com a propagação do Evangelho em toda a parte e para todos.

4. UM PONTO DE ATENÇÃO.
Programar uma partilha do Evangelho.
De vez em quando, será bom programar uma partilha de Evangelho. Trata-se essencialmente, entre algumas pessoas, de dizer o que o texto do Evangelho evoca, de que modo fala a cada um: não se trata de uma discussão, mas de uma verdadeira partilha. Como proceder?
Primeiro, desde o início da celebração, é útil advertir que haverá uma partilha para aqueles que quiserem: este anúncio prévio permite uma escuta mais atenta dos textos; será ainda melhor se as pessoas puderem ter o texto nas mãos. De seguida, o grupo que se forma espontaneamente não deve exceder quatro ou cinco pessoas, a fim de que cada um se possa exprimir. É bom indicar o tempo de que se dispõe (cerca de 10 minutos no total). Pode-se orientar a reflexão colocando uma ou duas questões. O essencial, durante a partilha, é que cada um tenha a palavra e se possa exprimir e que todos possam escutar e enriquecer-se com o que os outros dizem.

5. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Dizer a nossa felicidade a outros.
Cabe a cada um fazer o ponto da situação sobre a missão precisa que lhe confere o seu batismo, no seu lugar de vida. Suscitar esta semana uma ocasião de a testemunhar explicitamente. «Dar a Deus o que é de Deus» é dizer também a outros a felicidade que nos é dada pelo Altíssimo!

30º DOMINGO DO TEMPO COMUM

A liturgia do 30º domingo Comum diz-nos, de forma clara e inquestionável, que o amor está no centro da experiência cristã. O que Deus pede – ou antes, o que Deus exige – a cada crente, é que deixe o seu coração ser submergido pelo amor.
O Evangelho diz-nos, de forma clara e inquestionável, que toda a revelação de Deus se resume no amor – amor a Deus e amor aos irmãos. Os dois mandamentos não podem separar-se: “amar a Deus” é cumprir a sua vontade e estabelecer com os irmãos relações de amor, de solidariedade, de partilha, de serviço, até ao dom total da vida. Tudo o resto é explicação, desenvolvimento, aplicação à vida prática dessas duas coordenadas fundamentais da vida cristã.
A primeira leitura garante-nos que Deus não aceita a perpetuação de situações intoleráveis de injustiça, de arbitrariedade, de opressão, de desrespeito pelos direitos e pela dignidade dos mais pobres e dos mais débeis. A título de exemplo, a leitura fala da situação dos estrangeiros, dos órfãos, das viúvas e dos pobres vítimas da especulação dos usurários: qualquer injustiça ou arbitrariedade praticada contra um irmão mais pobre ou mais débil é um crime grave contra Deus, que nos afasta da comunhão com Deus e nos coloca fora da órbita da Aliança.
A segunda leitura apresenta-nos o exemplo de uma comunidade cristã (da cidade grega de Tessalônica) que, apesar da hostilidade e da perseguição, aprendeu a percorrer, com Cristo e com Paulo, o caminho do amor e do dom da vida; e esse percurso — cumprido na alegria e na dor — tornou-se semente de fé e de amor, que deu frutos em outras comunidades cristãs do mundo grego. Dessa experiência comum, nasceu uma imensa família de irmãos, unida à volta do Evangelho e espalhada por todo o mundo grego.

LEITURA I – Ex 22,20-26

Leitura do Livro do Êxodo

Eis o que diz o Senhor:
«Não prejudicarás o estrangeiro, nem o oprimirás,
porque vós próprios fostes estrangeiros na terra do Egito.
Não maltratarás a viúva nem o órfão.
Se lhes fizeres algum mal e eles clamarem por Mim,
escutarei o seu clamor;
inflamar-se-á a minha indignação
e matar-vos-ei ao fio da espada.
As vossas mulheres ficarão viúvas, e órfãos os vossos filhos.
Se emprestares dinheiro a alguém do meu povo,
ao pobre que vive junto de ti,
não procederás com ele como um usurário,
sobrecarregando-o com juros.
Se receberes como penhor a capa do teu próximo,
terás de lha devolver até ao pôr do sol,
pois é tudo o que ele tem para se cobrir,
é o vestuário com que cobre o seu corpo.
Com que dormiria ele?
Se ele Me invocar, escutá-lo-ei,
porque sou misericordioso».

AMBIENTE

O “Decálogo” ou “dez mandamentos” (cf. Ex 20,2-17) era, sem dúvida, o coração da Aliança e apresentava os valores fundamentais que deviam marcar o comportamento do Povo de Deus, quer em relação a Jahwéh, quer em relação à vida comunitária. No entanto, as leis do “Decálogo” eram relativamente gerais e não consideravam todos os casos e situações…
A complexidade da vida diária obrigou, portanto, a um esclarecimento e a uma concretização das leis apresentadas no “Decálogo”. Em conseqüência, surgiram novas normas, bem concretas, que regulavam o dia a dia do Povo de Deus. Uma ampla re-compilação dessas leis aparece no Livro do Êxodo.
Logo a seguir ao “Decálogo”, em lugar de honra, os catequistas de Israel colocaram um bloco heterodoxo de leis, que se convencionou chamar “Código da Aliança” (cf. Ex 20,22-23,19). São leis que os autores do Livro do Êxodo apresentam como ditadas por Deus a Moisés, no Sinai; na realidade trata-se de leis de proveniência diversa, cuja antiguidade continua a ser discutida, mas que a maioria dos comentadores faz remontar ao tempo dos “juízes” (séc. XII a.C.).
O “Código da Aliança” é um bloco legislativo que regula vários aspectos da vida do Povo de Deus, desde o culto até às relações sociais. Trata-se de um conjunto de prescrições, soluções, disposições justas, sãs e sólidas que solucionam as dificuldades, explicam os princípios e ordenam a conduta dos homens nas situações comuns e variáveis da condição humana. Nele sobressai, não só uma consciência muito viva de que Israel é chamado à comunhão com Deus, mas também um forte sentido social. Revela um Povo preocupado em concretizar os compromissos da Aliança na vida do dia a dia. Sugere que a fé de Israel não é uma realidade abstrata ou fantasmagórica, mas uma realidade bem viva, que se deve viver em cada sector da vida prática.
O texto que hoje nos é proposto é um extrato do “Código da Aliança”.

MENSAGEM

A nossa leitura refere-se exatamente a algumas exigências sociais que resultam da Aliança. Apresenta indicações concretas acerca da forma como lidar com três realidades de carência, de necessidade, de debilidade: a do estrangeiro, a do órfão e da viúva, e a do pobre que foi obrigado a pedir dinheiro emprestado. Trata-se, em qualquer caso, de pessoas em situação difícil, quer em termos jurídicos, quer em termos sociais, quer em termos econômicos.
O “estrangeiro” é frequentemente um desenraizado, obrigado a deixar a sua terra de referência e o seu quadro de relações familiares, atirado para um ambiente cultural e social adverso, e onde as leis locais nem sempre protegem convenientemente os seus direitos e a sua dignidade. A sua situação de debilidade é aproveitada, com freqüência, por pessoas sem escrúpulos que os exploram, que os escravizam e que contra eles cometem impunemente as maiores injustiças.
O “órfão” e a “viúva” integram a categoria das vítimas tradicionais dos abusos dos poderosos. Desprotegidos, ignorados pelos juízes e pelos dirigentes, sem defesa diante das arbitrariedades dos mais fortes, vítimas de toda a espécie de injustiças, têm em Jahwéh o seu único defensor.
O “pobre que pede dinheiro” é, quase sempre, esse camponês carregado de impostos, arruinado por anos de más colheitas, que tem de pedir dinheiro emprestado para pagar as dívidas e para sustentar a família. A sua extrema necessidade é explorada pelos usurários e pelos especuladores sem escrúpulos, que o obrigam a deixar como penhor os seus bens mais básicos. Sufocado por juros altíssimos, acaba por tudo perder e por ficar na miséria mais absoluta, condenado a morrer de frio ou de fome.
A sensibilidade de Israel diz-lhe que Deus não aceita a perpetuação destas situações intoleráveis de injustiça, de arbitrariedade, de opressão, de desrespeito pelos direitos dos mais pobres e débeis. Se Israel pretende viver em comunhão com Deus e aproximar-se do Deus santo, tem de banir do meio da comunidade as injustiças e as arbitrariedades cometidas sobre os mais débeis – nomeadamente sobre os estrangeiros, os órfãos, as viúvas e os pobres. Essa é uma das condições para a manutenção da Aliança.

ATUALIZAÇÃO

Na reflexão, considerar os seguintes dados:

• O apelo a não prejudicar nem oprimir o estrangeiro convida-nos a considerar como acolhemos esses imigrantes que cruzam as nossas fronteiras à procura de melhores condições de vida e que, além da solidão, das dificuldades lingüísticas, do desenraizamento cultural, ainda são vítimas do racismo, da xenofobia, da má vontade, da exploração, das arbitrariedades cometidas por empresários sem escrúpulos, das violências praticadas pelas máfias que transacionam carne humana. Não podemos ficar indiferentes e insensíveis aos seus dramas e sofrimentos, ou sentir-nos alheados e sem responsabilidades face às injustiças que contra eles se cometem. Precisamos de ver em cada homem ou mulher – russo, ucraniano, romeno, cabo-verdiano, angolano, guineense – um irmão que Deus colocou ao nosso lado e que temos de cuidar, proteger e amar.

• O apelo a não maltratar nem a fazer qualquer mal à viúva e ao órfão convida-nos a considerar a forma como acolhemos e tratamos os nossos irmãos mais débeis, sem defesa, ou que pertencem a grupos de risco… São as crianças, exploradas, usadas, maltratadas, condenadas precocemente a uma vida de trabalho e impedidas de viver a infância; são os idosos, atirados para lares, condenados em vida a uma existência de sombras, subtraídos ao seu ambiente familiar e às suas relações sociais; são os doentes incuráveis, abandonados, condenados à solidão, que escondemos e que evitamos para não perturbar a nossa boa disposição e o mito de uma vida isenta de sofrimento e de morte… Precisamos de aprender que todos os homens e mulheres – particularmente os mais débeis, os mais carentes, os mais abandonados – devem ser respeitados, protegidos e amados.

• O apelo a não explorar os pobres convida-nos a considerar a situação daqueles que não têm instrução e estão condenados a uma vida de trabalho escravo, ou que têm de viver com salários de miséria, ou que são vítimas da especulação com bens essenciais, ou que são enganados e vilipendiados… O nosso texto diz claramente que Deus não aceita um mundo construído deste jeito e sugere que nós, crentes, não podemos tolerar as situações que roubam a vida e a dignidade dos pobres.

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 17 (18)

Refrão: Eu vos amo, Senhor: sois a minha força.

Eu Vos amo, Senhor, minha força,
minha fortaleza, meu refúgio e meu libertador.
Meu Deus, auxílio em que ponho a minha confiança,
meu protetor, minha defesa e meu salvador.

Na minha aflição invoquei o Senhor
e clamei pelo meu Deus.
Do seu templo Ele ouviu a minha voz,
e o meu clamor chegou aos seus ouvidos.

Viva o Senhor, bendito seja o meu protetor;
exaltado seja Deus, meu salvador.
O Senhor dá ao Rei grandes vitórias
e usa de bondade para com o seu ungido.

LEITURA II - 1 Ts 1,5c-10

Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Tessalonicenses

Irmãos:
Vós sabeis como procedemos no meio de vós, para vosso bem.
Tornaste-vos imitadores nossos e do Senhor,
recebendo a palavra no meio de muitas tribulações,
com a alegria do Espírito Santo;
e assim vos tornastes exemplo
para todos os crentes da Macedônia e da Acaia.
Porque, partindo de vós, a palavra de Deus ressoou
não só na Macedônia e na Acaia,
mas em toda a parte se divulgou a vossa fé em Deus,
de modo que não precisamos de falar sobre ela.
De fato, são eles próprios que relatam
o acolhimento que tivemos junto de vós
e como dos ídolos vos convertestes a Deus,
para servir ao Deus vivo e verdadeiro
e esperar dos Céus o seu Filho,
a quem ressuscitou dos mortos:
Jesus, que nos livrará da ira que há de vir.

AMBIENTE

Já vimos, no passado domingo, o contexto em que apareceu a Primeira Carta aos Tessalonicenses…
Depois de ter anunciado o Evangelho em Tessalônica e de ter juntado à sua volta uma comunidade viva e entusiasta, constituída maioritariamente por cristãos vindos do mundo pagão, Paulo teve de deixar a cidade à pressa, para fugir às maquinações dos judeus (ano 49/50). Entretanto, preocupado com a fidelidade dos tessalonicenses ao Evangelho, Paulo enviou Timóteo de volta a Tessalônica, a fim de saber notícias e de encorajar os tessalonicenses na fé. Paulo estava em Corinto quando Timóteo regressou de Tessalônica e apresentou o seu relatório. As notícias eram verdadeiramente animadoras: os tessalonicenses eram uma comunidade exemplar e viviam animada e empenhadamente o seu compromisso cristão, apesar das dificuldades e da hostilidade do meio.
Paulo, feliz e confortado, escreveu aos tessalonicenses animando-os a prosseguir no caminho da fidelidade a Jesus e ao Evangelho. Aproveitou também para completar a formação doutrinal dos tessalonicenses e para corrigir alguns aspectos da vida da comunidade. Estamos na Primavera/Verão do ano 50 ou 51.

MENSAGEM

Paulo continua a longa ação de graças que começou no vers. 2. Ação de graças, porquê?
Porque à acção evangelizadora dos apóstolos (Paulo, Silvano, Timóteo) e do Espírito Santo, os tessalonicenses responderam com o acolhimento entusiasta do Evangelho. O nascimento para Cristo da jovem comunidade cristã de Tessalônica aconteceu num ambiente de alegria e de júbilo, apesar da hostilidade provocada pela oposição dos judeus e pela tensão entre os cristãos e as autoridades da cidade.
De resto, a alegria e o sofrimento fazem parte do dinamismo do Evangelho, desde o início… Cristo ofereceu a sua vida até à cruz para que a Boa Nova do Reino chegasse a toda a humanidade; Paulo imitou Cristo e anunciou o Evangelho no meio de dificuldades e perseguições; os tessalonicenses imitaram Paulo e receberam jubilosamente o Evangelho, apesar da hostilidade dos seus concidadãos; os crentes de toda a Grécia (“da Macedônia e da Acaia”, as duas províncias romanas da Grécia) imitaram os tessalonicenses e sofreram alegremente pelo Evangelho… Dessa forma, fica manifesto que o Senhor, os apóstolos e toda a Igreja partilham o mesmo destino: todos percorrem o mesmo caminho, iluminados pelo Evangelho, no meio da alegria e do sofrimento.
A história desta longa cadeia que vai de Jesus à Igreja mostra que o Evangelho se torna um dinamismo de vida e de salvação para todos os povos quando é acolhido na alegria, apesar do sofrimento e da perseguição.

ATUALIZAÇÃO

Ter em conta, na reflexão e partilha, os seguintes dados:

• Muitas vezes entendemos a fé como um acontecimento pessoal, que diz respeito apenas a nós próprios e a Deus (“eu cá tenho a minha fé”) e que não nos compromete com os outros. Na realidade, a fé liga-nos a uma longa cadeia que vem de Jesus até nós e que inclui uma imensa família de irmãos espalhados pelo mundo inteiro. Tenho consciência de pertencer a uma família de fé e sinto-me unido e solidário com todos os meus irmãos em Cristo? Tenho consciência de que o meu testemunho e a minha vivência ajudam e enriquecem os meus irmãos, assim como a vivência e o testemunho dos meus irmãos me enriquecem e me ajudam a mim?

• Nenhuma comunidade cristã é uma ilha. É preciso que as comunidades cristãs partilhem, estabeleçam laços, se interpelem uma às outras, se ajudem, se animem mutuamente… É nesse diálogo e nessa partilha que o projeto de Deus se vai tornando mais claro para todos e que podemos discernir, com mais nitidez, os caminhos de Deus. As nossas comunidades cristãs e religiosas estão abertas à partilha, ou são células isoladas, que vivem num total alheamento dos problemas, das vicissitudes e das dificuldades das outras comunidades?

• Paulo considera que o dinamismo do Evangelho se cumpre na experiência paradoxal da alegria e da dor… Receber o Evangelho com alegria significa abrir-lhe o coração, acolhê-lo, deixar que ele encontre uma terra boa onde possa frutificar e dar fruto… A dor, por sua vez, não é uma realidade boa e que devamos procurar; mas pode ajudar-nos a confiar mais em Deus, a entregarmo-nos nas suas mãos, a amadurecermos o nosso empenho e o nosso compromisso, a percebermos o sentido dos valores evangélicos do dom e da entrega da vida.

ALELUIA – Jo 14,23

Aleluia. Aleluia.

Se alguém Me ama, guardará a minha palavra, diz o Senhor;
meu Pai o amará e faremos nele a nossa morada.

EVANGELHO – Mt 22,34-40

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo,
os fariseus, ouvindo dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus,
reuniram-se em grupo,
e um doutor da Lei perguntou a Jesus, para O experimentar:
«Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?».
Jesus respondeu:
«‘Amarás o Senhor, teu Deus,
com todo o teu coração, com toda a tua alma
e com todo o teu espírito’.
Este é o maior e o primeiro mandamento.
O segundo, porém, é semelhante a este:
‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’.
Nestes dois mandamentos se resumem
toda a Lei e os Profetas».

AMBIENTE

O Evangelho deste domingo leva-nos, outra vez, a Jerusalém, ao encontro dos últimos dias de Jesus. Os líderes judaicos já fizeram a sua escolha e têm idéias definidas acerca da proposta de Jesus: é uma proposta que não vem de Deus e que deve ser rejeitada… Jesus, por sua vez, deve ser denunciado, julgado e condenado de forma exemplar. Para conseguir concretizar esse objetivo, os responsáveis judaicos procuram argumentos de acusação contra Jesus.
É neste ambiente que Mateus situa três controvérsias entre Jesus e os fariseus. Essas controvérsias apresentam-se como armadilhas bem organizadas e montadas, destinadas a surpreender afirmações polêmicas de Jesus, capazes de ser usadas em tribunal para conseguir a sua condenação. Depois da controvérsia sobre o tributo a César (cf. Mt 22,15-22) e da controvérsia sobre a ressurreição dos mortos (cf. Mt 22,23-33), chega a controvérsia sobre o maior mandamento da Lei (cf. Mt 22,34-40). É esta última que o Evangelho de hoje nos apresenta… Ao perguntar a Jesus qual é o maior mandamento da Lei, os fariseus procuram demonstrar que Jesus não sabe interpretar a Lei e que, portanto, não é digno de crédito.
A questão do maior mandamento da Lei não era uma questão pacífica e era, no tempo de Jesus, objeto de debates intermináveis entre os fariseus e os doutores da Lei. A preocupação em atualizar a Lei, de forma a que ela respondesse a todas as questões que a vida do dia a dia punha, tinha levado os doutores da Lei a deduzir um conjunto de 613 preceitos, dos quais 365 eram proibições e 248 ações a pôr em prática. Esta “multiplicação” dos preceitos legais lançava, evidentemente, a questão das prioridades: todos os preceitos têm a mesma importância, ou há algum que é mais importante do que os outros?
É esta a questão que é posta a Jesus.

MENSAGEM

A resposta de Jesus, no entanto, supera o horizonte estreito da pergunta e vai muito mais além, situando-se ao nível das opções profundas que o homem deve fazer… O importante, na perspectiva de Jesus, não é definir qual o mandamento mais importante, mas encontrar a raiz de todos os mandamentos. E, na perspectiva de Jesus, essa raiz gira à volta de duas coordenadas: o amor a Deus e o amor ao próximo. A Lei e os Profetas são apenas comentários a estes dois mandamentos.
Os cristãos de Mateus usavam a expressão “a Lei e os Profetas” para se referirem aos livros inspirados do Antigo Testamento, que apresentavam a revelação de Deus (cf. Mt 5,17; 7,12). Dizer, portanto, que “nestes dois mandamentos se resumem a Lei e os Profetas” (vers. 40), significa que eles encerram toda a revelação de Deus, que eles contêm a totalidade da proposta de Deus para os homens.
A originalidade deste sumário evangélico da Lei não está nas idéias de amor a Deus a ao próximo, que são bem conhecidas do Antigo Testamento: Jesus limita-se a citar Dt 6,5 (no que diz respeito ao amor a Deus) e Lv 19,18 (no que diz respeito ao amor ao próximo)… A originalidade deste ensinamento está, por um lado, no fato de Jesus os aproximar um do outro, pondo-os em perfeito paralelo e, por outro, no fato de Jesus simplificar e concentrar toda a revelação de Deus nestes dois mandamentos.
Portanto, o compromisso religioso (que é proposto aos crentes, quer do Antigo, quer do Novo Testamento) resume-se no amor a Deus e no amor ao próximo. Na perspectiva de Jesus, que é que isto quer dizer?
De acordo com os relatos evangélicos, Jesus nunca se preocupou excessivamente com o cumprimento dos rituais litúrgicos que a religião judaica propunha, nem viveu obcecado com o oferecimento de dons materiais a Deus. A grande preocupação de Jesus foi, em contrapartida, discernir a vontade do Pai e a cumpri-la com fidelidade e amor. “Amar a Deus” é pois, na perspectiva de Jesus, estar atento aos projetos do Pai e procurar concretizar, na vida do dia a dia, os seus planos. Ora, na vida de Jesus, o cumprimento da vontade do Pai passa por fazer da vida uma entrega de amor aos irmãos, se necessário até ao dom total de si mesmo.
Assim, na perspectiva de Jesus, “amor a Deus” e “amor aos irmãos” estão intimamente associados. Não são dois mandamentos diversos, mas duas faces da mesma moeda. “Amar a Deus” é cumprir o seu projeto de amor, que se concretiza na solidariedade, na partilha, no serviço, no dom da vida aos irmãos.
Como é que deve ser esse “amor aos irmãos”? Este texto só explica que é preciso “amar o próximo como a si mesmo”. As palavras “como a si mesmo” não significam qualquer espécie de condicionalismo, mas que é preciso amar totalmente, de todo o coração.
Noutros textos mateanos, Jesus explica aos seus discípulos que é preciso amar os inimigos e orar pelos perseguidores (cf. Mt 5,43-48). Trata-se, portanto, de um amor sem limites, sem medida e que não distingue entre bons e maus, amigos e inimigos. Aliás, Lucas, ao contar este mesmo episódio que o Evangelho de hoje nos apresenta, acrescenta-lhe a história do “bom samaritano”, explicando que esse “amor aos irmãos” pedido por Jesus é incondicional e deve atingir todo o irmão que encontrarmos nos caminhos da vida, mesmo que ele seja um estrangeiro ou inimigo (cf. Lc 10,25-37).

ATUALIZAÇÃO

Na reflexão e partilha, considerar os seguintes pontos:

• Mais de dois mil anos de cristianismo criaram uma pesada herança de mandamentos, de leis, de preceitos, de proibições, de exigências, de opiniões, de pecados e de virtudes, que arrastamos pesadamente pela história. Algures durante o caminho, deixamos que o inevitável pó dos séculos cobrisse o essencial e o acessório; depois, misturamos tudo, arrumamos tudo sem grande rigor de organização e de catalogação e perdemos a noção do que é verdadeiramente importante. Hoje, gastamos tempo e energias a discutir certas questões (o casamento dos padres, o sacerdócio das mulheres, o uso dos meios anticonceptivos, as questões acerca do que é ou não litúrgico, aos problemas do poder e da autoridade, os pormenores legais da organização eclesial…) e continuamos a ter dificuldade em discernir o essencial da proposta de Jesus. O Evangelho deste domingo põe as coisas de forma totalmente clara: o essencial é o amor a Deus e o amor aos irmãos. Nisto se resume toda a revelação de Deus e a sua proposta de vida plena e definitiva para os homens. Precisamos de rever tudo, de forma a que o lixo acumulado não nos impeça de compreender, de viver, de anunciar e de testemunhar o cerne da proposta de Jesus.

• O que é “amar a Deus”? De acordo com o exemplo e o testemunho de Jesus, o amor a Deus passa, antes de mais, pela escuta da sua Palavra, pelo acolhimento das suas propostas e pela obediência total aos seus projetos – para mim próprio, para a Igreja, para a minha comunidade e para o mundo. Esforço-me, verdadeiramente, por tentar escutar as propostas de Deus, mantendo um diálogo pessoal com Ele, procurando refletir e interiorizar a sua Palavra, tentando interpretar os sinais com que Ele me interpela na vida de cada dia? Tenho o coração aberto às suas propostas, ou fecho-me no meu egoísmo, nos meus preconceitos e na minha auto-suficiência, procurando construir uma vida à margem de Deus ou contra Deus? Procuro ser, em nome de Deus e dos seus planos, uma testemunha profética que interpela o mundo, ou instalo-me no meu cantinho cômodo e renuncio ao compromisso com Deus e com o Reino?

• O que é “amar os irmãos”? De acordo com o exemplo e o testemunho de Jesus, o amor aos irmãos passa por prestar atenção a cada homem ou mulher com quem me cruzo pelos caminhos da vida (seja ele branco ou negro, rico ou pobre, nacional ou estrangeiro, amigo ou inimigo), por sentir-me solidário com as alegrias e sofrimentos de cada pessoa, por partilhar as desilusões e esperanças do meu próximo, por fazer da minha vida um dom total a todos. O mundo em que vivemos precisa de redescobrir o amor, a solidariedade, o serviço, a partilha, o dom da vida… Na realidade, a minha vida é posta ao serviço dos meus irmãos, sem distinção de raça, de cor, de estatuto social? Os pobres, os necessitados, os marginalizados, os que alguma vez me magoaram e ofenderam, encontram em mim um irmão que os ama, sem condições?

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 30º DOMINGO DO TEMPO COMUM

1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 30º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

2. DURANTE A CELEBRAÇÃO.
As palavras finais de envio poderão retomar o mandamento do amor fraterno, propondo um ou outro gesto concreto para o aplicar nesta semana: no bairro, ou através de uma ou outra iniciativa proposta para a Semana Missionária. O amor ao qual Cristo nos convida é, efetivamente, um amor para viver!

3. PALAVRA DE VIDA.
Eram numerosas as prescrições na Lei, o que levava talvez a esquecer o essencial. Jesus, posto à prova por um doutor da Lei, resume os preceitos num só mandamento, o do Amor, tendo como sujeitos a amar: Deus e o próximo. Nenhuma concorrência entre si. Se amar a Deus é o primeiro mandamento, e amar o próximo o segundo, Jesus precisa que os dois são “semelhantes”. São João, o discípulo que Jesus amava, chega a afirmar: “Aquele que diz «amo a Deus» e não ama o seu irmão é um mentiroso”.

4. UM PONTO DE ATENÇÃO.
Pôr em realce o Evangelho. Ele lembra-nos a importância do mandamento do amor. A leitura do Evangelho deve ser pausada e, porventura, enquadrada com algum refrão ou gesto que refira o Amor de Deus.

5. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Comprometer-se com uma pessoa particular. Quem é este “próximo” que tenho dificuldade em amar? O Evangelho deste domingo compromete-nos com uma pessoa particular: através de uma palavra, de um gesto, de um caminho, de uma visita que traduzirá o amor que temos para com ele.


Finados "Para mim, a vida é Cristo, e morrer é lucro"

“É diante da morte que o enigma da condição humana atinge seu ponto mais alto". Em certo sentido, a morte corporal é natural; mas para a fé ela é na realidade "salário do pecado" (Rm 6, 23). E para os que morrem na graça de Cristo, é uma participação na morte do Senhor, a fim de poder participar também de sua ressurreição.

A morte é dolorosa como um fim de festa. Nossa dor seria diferente se compreendêssemos que fim não precisa significar negatividade, mas positividade. Ex: o estudante chega ao fim de seu curso e atinge seu objetivo; a mulher grávida que abraça o filhinho que acaba de nascer. Para o homem a morte é um fim plenitude e um fim meta alcançada.

A morte sendo o fim normal da vida, recorda-nos que temos um tempo limitado para realizar a nossa vida.

Graças a Cristo a morte cristã tem um sentido positivo. "Para mim, a vida é Cristo, e morrer é lucro" (Fl 1, 21). "Fiel é esta palavra: se com ele morremos, com ele viveremos" (2Tm 2, 11). A novidade essencial da morte cristã está nisto: pelo batismo o cristão já está sacramentalmente "morto com Cristo", para viver de uma vida nova; e se morrermos na graça de cristo, a morte física consuma este "morrer com cristo" e completa assim a nossa incorporação a ele no seu ato redentor.

A morte é o fim da peregrinação terrestre do homem, do tempo de graça e de misericórdia que Deus lhe oferece para realizar a sua vida terrestre segundo o projeto divino e para decidir o seu destino último. Quando tiver terminado "o único curso da nossa vida terrestre", não voltaremos mais a outras vidas terrestres. "Os homens devem morrer uma só vez; depois do que, há o julgamento" (Hs 9, 27). Não existe "reencarnação" depois da morte.

Na pessoa de Jesus ressuscitado Deus se revela aquele que ressuscita os mortos. Da mesma forma como ressuscitou Jesus Deus nos ressuscitará também. Toda a argumentação de São Paulo se baseia nessa fé (cf. 1Cor 6, 14; 1Cor 15, 12-18.20-22).
No momento da morte, a pessoa humana é aquela pessoa que se tornou tal pelo decorrer da própria vida.

No momento da morte, a pessoa humana conhece pela primeira vez todas as dimensões e influências de sua própria vida. A pessoa se encontra com Deus e julga sua própria vida vivida, a partir dos parâmetros do agir de Deus que são o amor e o perdão.

A morte não significa uma igualação global de todos os seres humanos. As pessoas na morte serão o que fizeram de si mesmas durante a própria vida.

Depois da morte, cada ser humano precisa de um processo de evolução para reunir e completar os fragmentos de sua própria vida. A doutrina católica propõe um passo à frente, um processo evolutivo qualitativamente chamado "Purgatório".

O Purgatório é o estado de purificação por que passam os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas que não estão completamente purificados, embora tenham garantida a sua salvação eterna. A Igreja formulou a doutrina da fé relativa ao Purgatório, sobretudo no Concílio de Florença e de Trento. Fazendo referência a certos textos da Escritura (1Cor 3, 15: lPd 1, 7), a tradição da Igreja fala de um fogo purificador.

O Céu é o estado de perfeita união e comunhão com Deus. E a comunidade bem-aventurada de todos os que estão perfeitamente incorporados a Jesus. Este mistério de comunhão dos bem-aventurados com Deus e com os que estão em Cristo supera toda a compreensão e imaginação (1Cor 2, 9). A Escritura fala-nos dele em imagens: vida, luz, festa de casamento, vinho do Reino, casa do Pai, Jerusalém Celeste, Paraíso, etc.

O Inferno é o estado de auto-exclusão definitiva da comunhão com Deus e com os bem-aventurados. A pena principal do Inferno consiste na separação eterna de Deus, o Único em quem o homem pode ter a vida e a felicidade para as quais foi criado e às quais aspira.

Para ir para o Inferno é preciso uma aversão voluntária a Deus e persistir nela até o fim da vida.

"Caro salutis est cardo" ("A carne é o eixo da salvação"). Cremos em Deus que é o criador da carne; cremos no Verbo feito carne para redimir a carne; cremos na ressurreição da carne, consumação da criação e da redenção da carne.

SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS

Ap 7,2-4.9-14; 1 Jo 3,1-3; Mt 5;1-12
Já bem próximos da conclusão de mais uma etapa do nosso caminho de fé, celebramos todos os nossos irmãos que atingiram a maturidade em Cristo e que reinam na glória com seu e nosso Senhor. Necessariamente esta celebração deve ser marcada pela alegria e esperança, pois os santos que hoje celebramos e que já estão na glória, são nossos irmãos: homens, mulheres e crianças, que como todos nós, tiveram uma vida sofrida, mas que permaneceram fiéis ao Senhor porque confiavam na sua misericórdia.
Todos sabemos que a igreja já celebra seus filhos santos ao longo do ano, distribuindo suas celebrações em dias diferentes. Ora, se já os celebramos ao longo do ano, então porquê celebrá-los novamente hoje? A resposta é simples. Ao longo do ano a igreja celebra os seus filhos santos já reconhecidos publicamente e confirmados pelo processo de beatificação. Porém, ela crê que o número de filhos santos é infinitamente superior àquele dos que foram canonizados. Certamente há um número bem maior de irmãos nossos que viveram dignamente sua condição de filhos. Os santos canonizados são só uma representação da grande multidão de irmãos que já foram salvos pela graça de Cristo e que já estão na glória com Ele. Portanto, hoje nós celebramos todos os santos, também aqueles que foram canonizados, mas acima de tudo, aquela multidão de irmãos até bem próximos de nós, que seguiram fielmente o Senhor e que receberam como recompensa, contemplar eternamente sua face, no céu. Provavelmente estão incluídas nesta celebração muitas de nossas pessoas queridas: parentes, amigos, conhecidos, que foram esquecidos pela história, mas lembrados e acolhidos por Deus. A nossa alegria, portanto, não é só pelo fato de celebrarmos os santos, mas principalmente por saber que a santidade é um dom, um fruto da graça do batismo, que todos recebemos. Ela é uma meta possível para todos os batizados. Sendo fiéis aos compromissos do batismo e fazendo frutificar a graça do Cristo, também nós haveremos de participar do destino glorioso dos santos.
A Palavra celebrada ajuda-nos a compreender melhor quem são os santos e quais são os caminhos seguros que nos conduzem para a santidade.
O Apocalipse falará dos nossos irmãos santos, afirmando que eles são aquela multidão oriunda de todas as raças, nações, povos e línguas e que comprovam que a salvação e a santidade são universais, destinadas a todos os filhos de Deus dispersos. Mostra ainda que os santos são os que foram marcados com o sinal do Cristo Salvador, o batismo e que honraram os compromissos decorrentes desta graça, tanto nos momentos bons como naqueles de provações e dificuldades da vida. Eles foram os que não tiveram medo de renegarem a si mesmos para poderem seguir o Cristo mais de perto, oferecendo tudo de si mesmos a Deus, até o ponto de derramarem o próprio sangue por causa da fé e da fidelidade ao Cristo. Eles são os que podem permanecer de pé diante do trono de Deus, contemplando a glória do Ressuscitado e participando da comunhão íntima com a Santíssima Trindade. Eles são os que proclamam que a salvação pertence ao nosso Deus e que chegou até nós sob forma de dom gratuito, na pessoa e obra de Cristo. Eles são os que abraçaram com coragem e dignidade a própria cruz, passaram firmes pela grande provação e foram purificados pelo sangue de Cristo derramado na cruz. Eles formam a grande família de Deus, que continuamente eleva ao Salvador um hino de ação de graças por eles mesmos e por todos nós que ainda caminhamos aqui, diretamente cantado no templo celeste. Para eles já manifestou-se o Cristo glorioso e o contemplam face-a-face nos céus. Eles já são em plenitude aquilo que a graça vai realizando aos poucos em cada um de nós. São aqueles que já tiveram a alegria de recolher os frutos bons e abundantes que a graça do batismo produziu em suas vidas.
Como descreve o Evangelho lido neste dia, os santos são os que viveram perfeitamente as bem- aventuranças, que constituem o ponto central de todo o anúncio evangélico e reúnem todas as exigências para que se chegue a tomar posse do Reino. De fato, os santos foram os melhores exemplos de pessoas pobres em espírito; daqueles que nunca pararam de lutar para fazer frutificar a graça, mas que viveram esta luta em atitude de confiança e humildade, esperando tudo do Senhor, pois reconheciam que sem a graça de Deus, teria sido inútil toda a luta. São exemplos de filhos completamente abandonados no Pai; absolutamente confiantes em seu amor misericordioso. Nossos irmãos santos viveram também a mansidão ensinada e pedida pelo Senhor e que cujo prêmio haveria de ser a posse da terra, enquanto imagem da plenitude dos bens do céu, perfeitamente sintetizados no dom da salvação. Eles foram os que viveram as grandes aflições por causa do testemunho que deram de Jesus e do seu Evangelho e que foram consolados e premiados pela sua fidelidade. Durante esta vida provaram duramente fome e sede de justiça porque foram explorados e injustiçados, mas que agora foram abundantemente saciados pela justiça divina. Foram os verdadeiros profetas da misericórdia, perdoando até mesmo seus algozes, como o fez Jesus e que agora foram inteiramente transformados pela misericórdia de Deus. Mesmo vivendo em meio a maldade dos homens, permaneceram sempre de coração puro e por isto estão vendo Deus como Ele é. Foram pacíficos e arautos da paz, pois não tiveram medo de derramar o próprio sangue para que o mundo pudesse experimentar mais eficazmente a verdadeira paz que vem de Deus. Foram perseguidos por causa do Reino e de sua justiça, mas receberam por herança o Reino. Enfim, eles são a prova mais concreta de que mesmo não sendo fácil permanecer fiel ao Senhor num mundo tão contraditório, pecador, individualista e auto-suficiente, vale a pena resistir e depois abraçar a plenitude da vida em Deus. Os santos são motivo de esperança para nós, pois se tudo foi possível para eles, o será ainda mais para nós que não estamos sós, mas podemos contar com a graça e a mais, a intercessão deste grande números de irmãos heróis que rezam por nós na presença de Deus glorioso.
São João afirma que já somos filhos, mas a plenitude deste dom ainda está por ser revelada, quando estivermos na presença de Deus, ao lado da multidão dos nossos irmãos santos. Até chegarmos lá, é tempo para construirmos nossa estrada para o céu. O caminho mais seguro é viver as bem-aventuranças e principalmente, cumprir a recomendação que Jesus coloca no final do texto lido hoje: felizes sereis quando vos insultarem, vos perseguirem e disserem contra vós toda espécie de mentira por causa de mim. Alegrai-vos e exultai porque será grande a vossa recompensa no céu". Esta promessa e a certeza da sua realização, foi o segredo da fidelidade dos santos. Esperando e confiando nestas palavras do Senhor, eles resistiram tudo e permaneceram fiéis. Eles viveram seus sofrimentos na fé, como forma de participar ativamente dos sofrimentos salvíficos de Cristo e por isto, adquiriram o direito de participar igualmente de sua glória. O grande testemunho dos nossos irmãos santos e que permanece como permanente desafio para todos nós, é exatamente viver a alegria e a esperança cristã em todos os momentos de nossa vida, particularmente naqueles de maior provação. Para chegar à glória, Jesus abraçou com coragem e dignidade a sua cruz. Para todos os seus seguidores de todos os tempos, este é também o único caminho seguro. Nossos irmãos santos que hoje celebramos são a prova mais evidente desta verdade.

32º DOMINGO DO TEMPO COMUM

A liturgia do 32º Domingo do Tempo Comum convida-nos à vigilância. Recorda-nos que a segunda vinda do Senhor Jesus está no horizonte final da história humana; devemos, portanto, caminhar pela vida sempre atentos ao Senhor que vem e com o coração preparado para o acolher.
Na segunda leitura, Paulo garante aos cristãos de Tessalônica que Cristo virá de novo para concluir a história humana e para inaugurar a realidade do mundo definitivo; todo aquele que tiver aderido a Jesus e se tiver identificado com Ele irá ao encontro do Senhor e permanecerá com Ele para sempre.
O Evangelho lembra-nos que “estar preparado” para acolher o Senhor que vem significa viver dia a dia na fidelidade aos ensinamentos de Jesus e comprometidos com os valores do Reino. Com o exemplo das cinco jovens “insensatas” que não levaram azeite suficiente para manter as suas lâmpadas acesas enquanto esperavam a chegada do noivo, avisa-nos que só os valores do Evangelho nos asseguram a participação no banquete do Reino.
A primeira leitura apresenta-nos a “sabedoria”, dom gratuito e incondicional de Deus para o homem. É um caso paradigmático da forma como Deus se preocupa com a felicidade do homem e põe à disposição dos seus filhos a fonte de onde jorra a vida definitiva. Ao homem resta estar atento, vigilante e disponível para acolher, em cada instante, a vida e a salvação que Deus lhe oferece.

LEITURA I – Sb 6,12-16

Leitura do Livro da Sabedoria

A Sabedoria é luminosa e o seu brilho é inalterável;
deixa-se ver facilmente àqueles que a amam
e faz-se encontrar aos que a procuram.
Antecipa-se e dá-se a conhecer aos que a desejam.
Quem a busca desde a aurora não se fatigará,
porque há de encontrá-la já sentada à sua porta.
Meditar sobre ela é prudência consumada,
e quem lhe consagra as vigílias depressa ficará sem cuidados.
Procura por toda a parte os que são dignos dela:
aparece-lhes nos caminhos, cheia de benevolência,
e vem ao seu encontro em todos os seus pensamentos.

AMBIENTE

O “Livro da Sabedoria” é o mais recente de todos os livros do Antigo Testamento (aparece durante a primeira metade do séc. I a.C.). O seu autor – um judeu de língua grega, provavelmente nascido e educado na Diáspora (Alexandria?) – exprimindo-se em termos e concepções do mundo helênico, faz o elogio da “sabedoria” israelita, traça o quadro da sorte que espera o justo e o ímpio no mais-além e descreve (com exemplos tirados da história do Êxodo) as sortes diversas que tiveram os pagãos (idólatras) e os hebreus (fiéis a Jahwéh). O seu objetivo é duplo: dirigindo-se aos seus compatriotas judeus (mergulhados no paganismo, na idolatria, na imoralidade), convida-os a redescobrirem a fé dos pais e os valores judaicos; dirigindo-se aos pagãos, convida-os a constatar o absurdo da idolatria e a aderir a Jahwéh, o verdadeiro e único Deus… Para uns e para outros, só Jahwéh garante a verdadeira “sabedoria” e a verdadeira felicidade.
O texto que nos é proposto pertence à segunda parte do livro (cf. Sb 6,1-9,18). Aí, o autor do livro coloca na boca do rei Salomão (embora o nome do rei nunca seja referido explicitamente) o “elogio da sabedoria”. Dirigindo-se aos outros reis, Salomão convida-os a acolher a “sabedoria” (cf. Sb 6,11), pois ela é bela, inalterável e garante a imortalidade e o reinado eterno.
O que é esta “sabedoria” de que aqui se fala? A “sabedoria” é a arte de bem viver, de ser feliz. Consta de um conjunto de princípios práticos, de normas de comportamento deduzidas da reflexão e da experiência, destinadas a orientar o homem sobre a forma de conduzir-se na vida do dia a dia. O objetivo dessas normas é proporcionar ao homem uma vida harmoniosa, equilibrada, ordenada, cheia de êxitos.
No entanto, a reflexão israelita acabou por identificar a “sabedoria” com a Torah (Lei de Deus). Ser “sábio” é – para a reflexão judaica da época em que o “Livro da Sabedoria” apareceu – cumprir integralmente os mandamentos da Lei. Na “sabedoria”/Torah, revelada por Jahwéh, está o caminho para ter êxito, para ultrapassar os obstáculos que a vida traz e para ser feliz.
É neste contexto que devemos entender este convite à “sabedoria”.

MENSAGEM

A “sabedoria” não é, na perspectiva do autor do texto, algo de misterioso, e de oculto, que o homem tem dificuldade em encontrar… Ela brilha com brilho inalterável e atraente, que prende o olhar de quem a procura. Não é preciso correr atrás dela, com cuidado e fadiga, trilhando caminhos difíceis ou procurando em lugares recônditos e sombrios… Basta sentir interesse por ela, amá-la, desejá-la, que ela imediatamente se fará presente, oferecendo a vida e a felicidade a todos os que anseiam por ela. Quem ama a “sabedoria” facilmente “tropeça” nela, nas circunstâncias mais comuns da vida do dia a dia: à porta da casa, nos caminhos e até na intimidade dos próprios pensamentos… Para que a “sabedoria” ilumine a vida do homem, só é preciso disponibilidade para a acolher.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão pode partir dos seguintes dados:

• A “sabedoria” de que o autor da primeira leitura fala é um dom de Deus para que o homem saiba conduzir a sua vida ao encontro da verdadeira vida e da verdadeira felicidade. Deus não é um adversário do homem, com ciúmes do homem, preocupado em impedir a felicidade e a realização do homem; mas é um Deus cheio de amor, preocupado em proporcionar ao homem todas as possibilidades de ser feliz e de se realizar plenamente. A nossa leitura convida-nos a ver em Deus esse Pai cheio de amor, preocupado com a felicidade dos seus filhos, sempre disposto a oferecer-lhes os seus dons e a conduzi-los para a vida e para a salvação; e convida-nos a uma atenção contínua, a fim de detectarmos e acolhermos esses dons que, a cada instante, Deus nos oferece.

• O que é decisivo para que o homem tenha acesso pleno aos dons de Deus é a sua disponibilidade para acolher e para aceitar esses dons… Deus coloca os seus dons à disposição do homem, de forma gratuita e incondicional; ao homem é pedido apenas que não se feche no seu egoísmo e na sua auto-suficiência, mas abra o seu coração à graça que Deus lhe oferece.

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 62 (63)

Refrão: A minha alma tem sede de Vós, meu Deus.

Senhor, sós o meu Deus: desde a aurora Vos procuro.
A minha alma tem sede de Vós.
Por Vós suspiro,
como terra árida, sequiosa, sem água.

Quero contemplar-Vos no santuário,
para ver o vosso poder e a vossa glória.
A vossa graça vale mais que a vida;
por isso, os meus lábios hão de cantar-Vos louvores.

Assim Vos bendirei toda a minha vida
e em vosso louvor levantarei as mãos.
Serei saciado com saborosos manjares
e com vozes de júbilo Vos louvarei.

Quando no leito Vos recordo,
passo a noite a pensar em Vós.
Porque Vos
tornastes o meu refúgio,
exulto à sombra das vossas asas.

LEITURA II – 1 Ts 4,13-18

Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Tessalonicenses

Não queremos, irmãos, deixar-vos na ignorância
a respeito dos defuntos,
para não vos contristardes como os outros,
que não têm esperança.
Se acreditamos que Jesus morreu e ressuscitou,
do mesmo modo, Deus levará com Jesus
os que em Jesus tiverem morrido.
Eis o que temos para vos dizer,
segundo a palavra do Senhor:
Nós, os vivos, os que ficarmos para a vinda do Senhor,
não precederemos os que tiverem morrido.
Ao sinal dado, à voz do Arcanjo e ao som da trombeta divina,
o próprio Senhor descerá do Céu,
e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro.
Em seguida, nós, os vivos, os que tivermos ficado,
seremos arrebatados juntamente com eles sobre as nuvens,
para irmos ao encontro do Senhor nos ares,
e assim estaremos sempre com o Senhor.
Consolai-vos uns aos outros com estas palavras.

AMBIENTE

De acordo com os “Atos dos Apóstolos”, Paulo não teve muito tempo para evangelizar os tessalonicenses. Depois de poucas semanas de pregação, um motim habilmente preparado pelos judeus da cidade obrigou-o a deixar precipitadamente Tessalônica, deixando atrás de si uma comunidade cristã fervorosa e entusiasta, mas insuficientemente preparada do ponto de vista catequético (cf. At 17,1-10). Paulo foi para Bereia, depois para Atenas e Corinto. De Corinto, Paulo enviou Timóteo ao encontro dos tessalonicenses, para verificar como é que a comunidade se estava a agüentar face à hostilidade dos judeus. No regresso a Corinto, Timóteo deu conta a Paulo da situação da comunidade: os tessalonicenses continuavam a viver com entusiasmo a sua fé, embora sentissem algumas dúvidas em questões de fé e de doutrina.
Um dos problemas teológicos que mais preocupava os tessalonicenses era a questão da parusia (regresso de Jesus, no final dos tempos)… Paulo e as primeiras gerações cristãs acreditavam que esse dia surgiria num espaço de tempo muito curto e que assistiriam ao triunfo final de Jesus. A este propósito os tessalonicenses punham, no entanto, um problema muito prático: qual será a sorte dos cristãos que morrerem antes da segunda vinda de Cristo? Como poderão sair ao encontro de Cristo vitorioso e entrar com ele no Reino de Deus se já estão mortos?
É então que Paulo escreve aos tessalonicenses, encorajando-os na fé e respondendo às suas dúvidas. Estamos no ano 50 ou 51. O texto que nos é proposto é parte desse esclarecimento sobre a parusia que Paulo incluiu na carta.

MENSAGEM

Antes de mais, Paulo confirma aquilo que, provavelmente, já antes havia ensinado aos tessalonicenses: que Cristo virá para concluir a história humana; e que todo aquele que tiver aderido a Cristo e se tiver identificado com Ele, esteja morto ou esteja vivo, encontrará a salvação (vers. 14). Se Cristo recebeu do Pai a vida que não acaba, quem se identifica com Cristo está destinado a uma vida semelhante; a morte não tem poder sobre Ele… Isto deve encher de esperança o cristão, mantendo-o alegre, sereno e cheio de ânimo.
Como é que se concretizará isso? Como é que aqueles que já morreram assistirão ao triunfo final de Cristo?
Paulo não é demasiado explícito, pois está consciente que se trata de uma realidade misteriosa, que foge à lógica e à linguagem humanas. De qualquer forma, para descrever a passagem do homem velho para a realidade do homem novo que vive para sempre junto de Deus, Paulo vai recorrer ao gênero literário “apocalipse”, um gênero literário que utiliza preferentemente a imagem e o símbolo (afinal, a linguagem mais adaptada para expressar uma realidade que nos ultrapassa e que não conseguimos definir e explicar nos seus detalhes). O quadro que Paulo traça é o seguinte: aqueles crentes que entretanto morreram ressuscitarão primeiro (“à voz do arcanjo”, “ao som da trombeta de Deus” – elementos típicos da escatologia judaica); depois, em companhia de “nós, os vivos”, irão ao encontro do Senhor que vem na sua glória e permanecerão com Ele para sempre.
Em qualquer caso, o que está aqui em causa não é a definição do quadro fotográfico da última vinda do Senhor… O que Paulo aqui pretende é tranqüilizar os tessalonicenses, assegurando-lhes que não haverá qualquer diferença ou discriminação entre os que morreram antes da segunda vinda de Jesus e aqueles que permanecerem vivos até esse instante: uns e outros encontrar-se-ão com o Senhor Jesus, partilharão o seu triunfo e entrarão com ele na glória.

ATUALIZAÇÃO

Na reflexão e partilha, considerar as seguintes questões:

• A certeza da ressurreição garante-nos que Deus tem um projeto de salvação e de vida para cada homem; e que esse projeto está a realizar-se continuamente em nós, até à sua concretização plena, quando nos encontrarmos definitivamente com Deus.

• A nossa vida presente não é, pois, um drama absurdo, sem sentido e sem finalidade; é uma caminhada tranqüila, confiante – ainda quando feita no sofrimento e na dor – em direção a esse desabrochar pleno, a essa vida total em que se revelará o Homem Novo.

• Isso não quer dizer que devamos ignorar as coisas boas deste mundo, vivendo apenas à espera da recompensa futura, no céu; quer dizer que a nossa existência deve ser – já neste mundo – uma busca da vida e da felicidade; isso implicará uma não conformação com tudo aquilo que nos rouba a vida e que nos impede de alcançar a felicidade plena, a perfeição última (a nós e a todos os homens nossos irmãos).

• Não é possível viver com medo, depois desta descoberta: podemos comprometer-nos na luta pela justiça e pela paz, com a certeza de que a injustiça e a opressão não podem pôr fim à vida que nos anima; e é na medida em que nos comprometemos com esse mundo novo e o construímos com gestos concretos, que estamos a anunciar a ressurreição plena do mundo, dos homens e das coisas.

ALELUIA – Mt 24,42a.44

Aleluia. Aleluia.

Vigiai e estai preparados,
porque, na hora em que não pensais,
virá o Filho do homem.

EVANGELHO – Mt 25,1-13

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo,
Disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola:
«O reino dos Céus pode comparar-se a dez virgens,
que, tomando as suas lâmpadas, foram ao encontro do esposo.
Cinco eram insensatas e cinco eram prudentes.
As insensatas, ao tomarem as suas lâmpadas,
não levaram azeite consigo,
enquanto as prudentes,
com as lâmpadas, levaram azeite nas almotolias.
Como o esposo se demorava,
começaram todas a dormitar e adormeceram.
No meio da noite ouviu-se um brado:
‘Aí vem o esposo; ide ao seu encontro’.
Então, as virgens levantaram-se todas
e começaram a preparar as lâmpadas.
As insensatas disseram às prudentes:
‘Dai-nos do vosso azeite,
que as nossas lâmpadas estão a apagar-se’.
Mas as prudentes responderam:
‘Talvez não chegue para nós e para vós.
Ide antes comprá-lo aos vendedores’.
Mas, enquanto foram comprá-lo, chegou o esposo.
As que estavam preparadas
entraram com ele para o banquete nupcial;
e a porta fechou-se.
Mais tarde, chegaram também as outras virgens e disseram:
‘Senhor, senhor, abre-nos a porta’.
Mas ele respondeu:
‘Em verdade vos digo: Não vos conheço’.
Portanto, vigiai, porque não sabeis o dia nem a hora.

AMBIENTE

Nos capítulos 24 e 25 do seu Evangelho, Mateus apresenta um quinto e último discurso de Jesus. Para compô-lo, Mateus re-elaborou o chamado “discurso escatológico” de Marcos (cf. Mc 13) e ampliou-o com três parábolas e uma impressionante descrição do juízo final.
Enquanto em Marcos, o “discurso escatológico” se refere, especialmente, aos sinais que precederão a destruição do Templo de Jerusalém, em Mateus o mesmo discurso aborda, sobretudo, o tema da segunda vinda de Jesus e a atitude com que os discípulos devem preparar essa vinda. Esta mudança de perspectiva tem a ver com as necessidades da comunidade de Mateus…
Estamos nos finais do séc. I (década de 80)… Já tinha passado a “febre escatológica” e os cristãos já não esperavam a vinda iminente de Jesus. Passado o entusiasmo inicial, a vida de fé dos crentes tinha arrefecido e a comunidade tinha-se instalado na rotina, no comodismo, na facilidade… Era preciso algo que abanasse os discípulos e os despertasse de novo para o compromisso com o Evangelho.
Neste contexto, Mateus descobre que as palavras do “discurso escatológico” de Jesus encerram uma poderosa interpelação; então compõe, com elas, uma exortação dirigida aos cristãos. Fundamentalmente, lembra-lhes que a segunda vinda do Senhor está no horizonte final da história humana; mas enquanto esse acontecimento não se realiza, os crentes são chamados a viver com coerência e entusiasmo a sua fé, fiéis aos ensinamentos de Jesus e comprometidos com a construção do Reino. A isto, a catequese primitiva chama “estar vigilantes, à espera do Senhor que vem”.
A parábola que hoje nos é proposta alude aos rituais típicos dos casamentos judaicos. De acordo com os costumes, a cerimônia do casamento começava com a ida do noivo a casa da noiva, para levá-la para a sua nova casa. Normalmente, o noivo chegava atrasado, pois devia, antes, discutir com os familiares da noiva os presentes que ofereceria à família da sua amada. As negociações entre as duas partes eram demoradas e tinham uma importante função social… Os parentes da noiva deviam mostrar-se exigentes, sugerindo dessa forma que a família perdia algo de muito precioso ao entregar a menina a outra família; por outro lado, o noivo e os seus familiares ficavam contentes com as exigências, pois dessa forma mostravam aos vizinhos e conhecidos o valor e a importância dessa mulher que entrava na sua família. Os que testemunhavam o acordo, estavam prontos para ir avisar a noiva de que as negociações estavam concluídas e o noivo ia chegar… Enquanto isso, a noiva, vestida a preceito, esperava em casa do seu pai que o noivo viesse ao seu encontro. As amigas da noiva esperavam também, com as lâmpadas acesas, para acompanhar a noiva, entre danças e cânticos, à sua nova casa. Era aí que tinha lugar a festa do casamento.
É este pano de fundo que a nossa parábola supõe.

MENSAGEM

A “parábola das dez virgens”, tal como saiu da boca de Jesus, era uma “parábola do Reino” (vers. 1: “o Reino dos céus pode comparar-se…”). O Reino de Deus é, aqui, comparado com uma das celebrações mais alegres e mais festivas que os israelitas conheciam: o banquete de casamento. As dez jovens, representam a totalidade do Povo de Deus, que espera ansiosamente a chegada do messias (o noivo)… Uma parte desse Povo (as jovens previdentes) está preparada e, quando o messias finalmente aparece, pode entrar a fazer parte da comunidade do Reino; outra parte (as jovens descuidadas) não está preparada e não pode entrar na comunidade do Reino.
A parábola original constituía, pois, um apelo aos israelitas no sentido de não perderem a oportunidade de participar na grande festa do Reino.
Algumas dezenas de anos depois, Mateus retomou a mesma parábola, adaptando-a às necessidades da comunidade. A parábola foi, então, convertida numa exortação a estar preparado para a vinda do Senhor, a qual pode acontecer no momento menos esperado. A festa é, neste novo contexto, a segunda vinda de Jesus. O noivo que está para chegar é Jesus. As dez jovens representam a Igreja que, experimentando na história as dificuldades e as perseguições, anseia pela chegada da libertação definitiva. Uma parte da Igreja (as jovens previdentes) está preparada, vigilante, atenta e, quando o “noivo” chega, pode entrar no banquete da vida eterna; a outra parte (as jovens descuidadas) não está preparada, porque apostou nos valores do mundo, guiou a sua vida por eles e esqueceu os valores do Reino.
O que é que significa, na perspectiva de Mateus, “estar preparado para acolher a vinda do Senhor”? Significa, escutar as palavras de Jesus, acolhê-las no coração e viver de forma coerente com os valores do Evangelho… “Estar preparado” significa, fundamentalmente, viver na fidelidade aos projetos do Pai e amar os irmãos até ao dom da vida, em todos os instantes da nossa existência.
A mensagem que Mateus pretende transmitir com esta parábola aos cristãos da sua comunidade (e, no fundo, aos cristãos de todas as comunidades cristãs de todos os tempos e lugares) é esta: nós os crentes, não podemos afrouxar a vigilância e enfraquecer o nosso compromisso com os valores do Reino. Com o passar do tempo, as nossas comunidades têm tendência para se instalar no comodismo, no adormecimento, no descuido, numa vida de fé que não compromete, numa religião de “meias tintas” e de facilidade, num testemunho pouco empenhado e pouco coerente… É preciso, no entanto, que o nosso compromisso com Jesus se renove cada dia. A certeza de que Ele vem outra vez, deve impulsionar-nos a um compromisso ativo com os valores do Evangelho, na fidelidade aos ensinamentos de Jesus e ao compromisso com o Reino.

ATUALIZAÇÃO

Considerar as seguintes questões:

• Nós, os cristãos do séc. XXI, não somos significativamente diferentes dos cristãos que integravam a comunidade de Mateus… Também percorremos um caminho de altos e baixos, em que os momentos de entusiasmo e de compromisso alternam com os momentos de instalação, de comodismo, de adormecimento, de pouco empenho. As dificuldades da caminhada, os apelos do mundo, a monotonia, a nossa fragilidade levam-nos, frequentemente, a esquecer os valores do Reino e a correr atrás de valores efêmeros, que parecem garantir-nos a felicidade e só nos arrastam para caminhos de escravidão e de frustração. O Evangelho deste domingo lembra-nos que a segunda vinda do Senhor deve estar sempre no horizonte final da nossa existência e que não podemos alienar os valores do Evangelho, pois só eles nos mantêm identificados com esse Senhor Jesus que há de voltar para nos oferecer a vida plena e definitiva. Enquanto caminhamos nesta terra devemos, pois, manter-nos atentos e vigilantes, fiéis aos ensinamentos de Jesus e comprometidos com esse Reino que Ele nos mandou construir.

• “Estar preparado” não significa, contudo, ter a “alminha” limpa e sem mancha, para que, quando nos encontrarmos com o Senhor, Ele não tenha nenhuma falta não confessada a apontar-nos e nos leve para o céu… Mas significa, sobretudo, vivermos dia a dia, de forma comprometida e entusiasta, o nosso compromisso batismal. “Estar preparado” passa por descobrirmos dia a dia os projetos de Deus para nós e para o mundo e procurar concretizá-los, com alegria e entusiasmo; “estar preparado” passa por fazermos da nossa vida, em cada instante, um dom aos irmãos, no serviço, na partilha, no amor, ao jeito de Jesus.

• Embora o nosso texto se refira, primordialmente, ao nosso encontro final com Jesus, todos nós temos consciência de que esse momento não será o nosso único encontro com o Senhor… Jesus vem ao nosso encontro todos os dias e reclama o nosso empenho e o nosso compromisso na construção de um mundo novo – o mundo do Reino. Ele faz ecoar o seu apelo na Palavra de Deus que nos questiona, na miséria de um pobre que nos interpela, no pedido de socorro de um homem escravizado, na solidão de um velho carente de amor e de afeto, no sofrimento de um doente terminal abandonado por todos, no grito aflito de quem sofre a injustiça e a violência, no olhar dolorido de um imigrante, no corpo esquelético de uma criança com fome, nas lágrimas do oprimido… O Evangelho deste domingo avisa-nos que não podemos instalar-nos no nosso egoísmo e na nossa auto-suficiência e recusar-nos a escutar os apelos do Senhor.

• A história das jovens “insensatas” que se esqueceram do essencial faz-nos pensar na questão das prioridades… É fácil irmos “na onda”, preocuparmo-nos com o imediato, o visível, o efêmero (o dinheiro, o poder, a influência, a imagem, o êxito, a beleza, os triunfos humanos…) e negligenciarmos os valores autênticos. Mateus, com algum dramatismo, avisa-nos que só os valores do Evangelho nos asseguram a participação no banquete do Reino. O objetivo da catequese de Mateus não é dizer-nos que, se não nos portarmos bem, Deus nos castiga com o inferno; mas é alertar-nos para a seriedade com que devemos avaliar as nossas opções, de forma a não perdermos oportunidades para nos realizarmos e para chegarmos à felicidade plena e definitiva.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 32º DOMINGO DO TEMPO COMUM

1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 32º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

2. DURANTE A CELEBRAÇÃO.
É através do canto da anamnese, em particular, que a nossa espera do Senhor é cantada e proclamada. Hoje, este cântico deveria ser particularmente cuidado. Além disso, podemos realçar a dimensão da espera preparando uma faixa com as palavras: “Esperamos a vossa vinda na glória”.

3. PALAVRA DE VIDA.
Acontece-nos sermos apanhados pelo sono, quando a noite se prolonga ou quando a fadiga se faz sentir. Quem pode recriminar-nos por isso? Assim, ninguém critica as jovens convidadas para o banquete por terem adormecido: o esposo tardava em chegar. Ao contrário, o que distingue estas jovens é que algumas eram insensatas, descuidadas, imprevidentes, e as outras, sensatas, previdentes, prudentes. Com efeito, é antes de adormecer que é preciso vigiar, prever, de maneira a estarmos prontos para o encontro, e não sermos apanhados desprevenidos, sem nada preparado, e sobretudo sem o essencial. Arriscamos faltar ao encontro…

4. UM PONTO DE ATENÇÃO.
Celebrar à volta do mesmo cântico.
De vez em quando, é conveniente unificar a celebração à volta de um mesmo cântico. Os textos de hoje sublinham uma atitude de disponibilidade para com Deus, o desejo de encontrar Deus, a espera da sua vinda. Na primeira leitura, a Sabedoria é o próprio Deus que é preciso procurar desde a aurora, e quem vem à nossa frente. O salmo exprime o mesmo desejo em forma de oração. O Evangelho convida a guardar a lâmpada sempre acesa, etc. Podemos escolher um cântico relacionado com este tema, mesmo se não segue à letra a expressão do tema. Pode-se começar o cântico antes da primeira leitura, retomar outras estrofes depois do Evangelho, e outras ainda no momento de ação de graças.

5. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Visitar alguém, encontrar-se…
Comprometer-se a visitar uma pessoa que tenha necessidade de “reconforto” (chegada de novo, doente, só)…
Aqueles que quiserem poderão encontrar-se para uma simples partilha sobre as suas dificuldades atuais…

33º DOMINGO DO TEMPO COMUM

A liturgia do 33º Domingo do Tempo Comum recorda a cada cristão a grave responsabilidade de ser, no tempo histórico em que vivemos, testemunha consciente, ativa e comprometida desse projeto de salvação/libertação que Deus Pai tem para os homens.
O Evangelho apresenta-nos dois exemplos opostos de como esperar e preparar a última vinda de Jesus. Louva o discípulo que se empenha em fazer frutificar os “bens” que Deus lhe confia; e condena o discípulo que se instala no medo e na apatia e não põe a render os “bens” que Deus lhe entrega (dessa forma, ele está a desperdiçar os dons de Deus e a privar os irmãos, a Igreja e o mundo dos frutos a que têm direito).
Na segunda leitura, Paulo deixa claro que o importante não é saber quando virá o Senhor pela segunda vez; mas é estar atento e vigilante, vivendo de acordo com os ensinamentos de Jesus, testemunhando os seus projetos, empenhando-se ativamente na construção do Reino.
A primeira leitura apresenta, na figura da mulher virtuosa, alguns dos valores que asseguram a felicidade, o êxito, a realização. O “sábio” autor do texto propõe, sobretudo, os valores do trabalho, do compromisso, da generosidade, do “temor de Deus”. Não são só valores da mulher virtuosa: são valores de que deve revestir-se o discípulo que quer viver na fidelidade aos projetos de Deus e corresponder à missão que Deus lhe confiou.

LEITURA I – Pr 31,10-13.19-20.30-31

Leitura do Livro dos Provérbios

Quem poderá encontrar uma mulher virtuosa?
O seu valor é maior que o das pérolas.
Nela confia o coração do marido,
e jamais lhe falta coisa alguma.
Ela dá-lhe bem-estar e não desventura,
em todos os dias da sua vida.
Procura obter lã e linho
e põe mãos ao trabalho alegremente.
Toma a roca em suas mãos, seus dedos manejam o fuso.
Abre as mãos ao pobre e estende os braços ao indigente.
A graça é enganadora e vã a beleza;
a mulher que teme o Senhor é que será louvada.
Dai-lhe o fruto das suas mãos,
e suas obras a louvem às portas da cidade.

AMBIENTE

O “Livro dos Provérbios” apresenta várias coleções de ditos, de sentenças, de máximas, de provérbios (“mashal”) onde se cristaliza o resultado da reflexão e da experiência (“sabedoria”) de várias gerações de “sábios” antigos (israelitas e alguns não israelitas). O objetivo desses provérbios é definir uma espécie de “ordem” do mundo e da sociedade que, uma vez apreendida e aceite pelo indivíduo, o levará a uma integração plena no meio em que está inserido. Dessa forma, o indivíduo poderá viver sem traumas nem sobressaltos que destruam a sua harmonia interior e o incapacitem para dar ao sua contribuição à comunidade. Ficará, assim, de posse da chave para viver em harmonia consigo mesmo e com os outros, e assegurará uma vida feliz, tranqüila e próspera.
O livro apresenta-se como tendo sido composto por Salomão (cf. Pr 1,1), o rei “sábio”, conhecido pelos seus dotes de governação, pelos seus dons literários, por numerosas sentenças sábias (cf. 1 Rs 3,16-28; 5,7; 10,1-9.23) e que se tornou uma espécie de “padrão” da tradição sapiencial… Na realidade, não podemos aceitar, de forma crítica, essa indicação: a leitura atenta do livro revela que estamos diante de coleções de proveniência diversa, compostas em épocas diversas. Alguns dos materiais apresentados no livro podem ser do séc. X a.C. (época de Salomão; no entanto, isso não implica que venham do próprio Salomão); outros, no entanto, são bem mais recentes.
O texto que nos é hoje proposto aparece no final do Livro dos Provérbios. Apresenta-se literariamente como um “poema alfabético” (poema em que a primeira letra de cada verso segue a ordem das letras do alfabeto: a primeira palavra do primeiro verso, começa com a letra “alef”, a primeira palavra do segundo verso, começa com a letra “bet” e assim sucessivamente). Tema do poema: a mulher virtuosa.
Provavelmente, o Livro dos Provérbios foi usado como manual para a formação de jovens que freqüentavam as escolas de “sabedoria”. Este poema, situado no final do livro, poderia ser a “instrução final”: antes de abandonar a escola e depois de haver assimilado os ensinamentos dos “sábios”, o aluno era instruído acerca da eleição da esposa.

MENSAGEM

Quais são então, na perspectiva dos “sábios” de Israel, as características da mulher virtuosa?
Antes de mais, é a mulher que gere bem a casa e não deixa que nada falte. Ao constatar a boa ordem em que tudo caminha, por ação da esposa, o coração do marido descansa e confia (vers. 11-12).
Depois, é a mulher diligente, que trabalha a lã e o linho para que os seus familiares tenham agasalhos suficientes e que se encarrega de todos os trabalhos domésticos (vers. 13 e 19).
É, ainda, a mulher de coração generoso, que tem piedade do infeliz e que partilha generosamente o fruto do seu trabalho com o pobre que pede auxílio (vers. 20).
É, finalmente, a mulher que não se preocupa com a sua aparência, mas se preocupa em viver no temor do Senhor. Viver no “temor do Senhor” significa respeitar os mandamentos, obedecer a Jahwéh, aceitar com humildade e confiança a sua vontade, os seus planos e os seus projetos (vers. 30-31).
O retrato da mulher aqui esboçado está muito longe da noiva/esposa do Cântico dos Cânticos, que oferece ao amado a sua presença, o seu corpo e o seu amor. O ideal de mulher aqui apresentado é o da mãe de família que dirige com eficiência, com dedicação e com empenho a sua casa rural e que é co-responsável com o marido na administração da casa, dos bens e da propriedade.

ATUALIZAÇÃO

Considerar as seguintes questões:

• Mais do que uma mulher virtuosa ideal, o “sábio” autor do texto que nos é proposto exalta todos aqueles – mulheres e homens – que conduzem a sua vida de acordo com os valores do trabalho, do empenho, do compromisso, da generosidade, do “temor de Deus”. São estes valores, na opinião do autor, que nos asseguram uma vida feliz, tranqüila e próspera. Numa época em que a cultura do “deixa andar”, da falta de responsabilidade, do egoísmo se afirma cada vez mais, este texto constitui uma poderosa interpelação… Na verdade, por que caminhos é que chegamos à vida e à felicidade?

• O nosso texto sugere também uma reflexão sobre as nossas prioridades… Da mulher virtuosa diz-se que não se preocupa com os valores efêmeros (a aparência), mas que se preocupa com os valores eternos (o “temor de Deus”). Quais são as prioridades da nossa vida? Quais são os valores em que apostamos a nossa existência? Os nossos valores fundamentais são valores que nos trazem felicidade duradoura?

• A referência à generosidade para com o pobre e o necessitado é questionante… Como é que consideramos e tratamos aqueles irmãos que nos batem à porta, a pedir um pedaço de pão, um pouco de atenção, ou ajuda para deslindar um qualquer problema burocrático? Temos o coração aberto aos irmãos e pronto para ajudar, ou fechamo-nos à caridade, à partilha, ao dom?

• A referência ao “temor de Deus” como valor primordial na vida da mulher ou do homem “sábio” e virtuoso também merece a nossa consideração. No Antigo Testamento, o “temor de Deus” é a qualidade do homem ou da mulher que ama Deus, que procura conhecer os seus planos e projetos e que cumpre – com obediência radical e com total confiança – a vontade de Deus. Esta dependência de Deus – diz-nos um “sábio” de Israel – não diminui a nossa liberdade, nem atenta contra a nossa realização; pelo contrário, é condição essencial para a realização plena do homem.

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 127

Refrão: Ditoso o que segue o caminho do Senhor.

Feliz de ti que temes o Senhor
e andas nos seus caminhos.
Comerás do trabalho das tuas mãos,
serás feliz e tudo te correrá bem.

Tua esposa será como videira fecunda,
no íntimo do teu lar;
teus filhos serão como ramos de oliveira,
ao redor da tua mesa.

Assim será abençoado o homem que teme o Senhor.
De Sião te abençoe o Senhor:
vejas a prosperidade de Jerusalém,
todos os dias da tua vida.

LEITURA II – 1 Ts 5,1-6

Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Tessalonicenses

Irmãos:
Sobre o tempo e a ocasião, não precisais que vos escreva,
pois vós próprios sabeis perfeitamente
que o dia do Senhor vem como um ladrão noturno.
E quando disserem: «Paz e segurança»,
é então que subitamente cairá sobre eles a ruína,
como as dores da mulher que está para ser mãe,
e não poderão escapar.
Mas vós, irmãos, não andeis nas trevas,
de modo que esse dia vos surpreenda como um ladrão,
porque todos vós sois filhos da luz e filhos do dia:
nós não somos da noite nem das trevas.
Por isso, não durmamos como os outros,
mas permaneçamos vigilantes e sóbrios.

AMBIENTE

Já vimos, no passado domingo, que um dos problemas fundamentais para os tessalonicenses residia na compreensão dos acontecimentos ligados à parusia (regresso de Jesus, no final dos tempos).
Paulo e as primeiras gerações cristãs acreditavam que o “dia do Senhor” (o dia da intervenção definitiva de Deus na história, para derrotar os maus e para conduzir os bons à vida plena e definitiva) surgiria num espaço de tempo muito curto e que os membros da comunidade ainda assistiriam ao triunfo final de Jesus. No entanto, os dias foram passando e, provavelmente, faleceu algum membro da comunidade. Por isso, os tessalonicenses perguntavam: qual será a sorte dos cristãos que morreram antes da segunda vinda de Cristo? Como poderão eles sair ao encontro de Cristo vitorioso e entrar com ele no Reino de Deus se já estão mortos?
A estas questões Paulo respondeu já no texto que nos foi proposto no passado domingo… Mas, no texto de hoje, Paulo continua a sua reflexão sobre o “dia em que o Senhor virá” e sobre a forma como os cristãos o devem preparar.

MENSAGEM

A primeira questão que o nosso texto põe é a da eventual data do “dia do Senhor”. Paulo tem alguma indicação concreta acerca disso? É possível prever uma data?
Não. Paulo está convicto de que esse acontecimento se dará proximamente; no entanto, a data exata continua desconhecida e imprevista.
Por isso, os crentes devem estar atentos para não serem surpreendidos. Para descrever a “surpresa de Deus”, Paulo utiliza duas imagens bem significativas: Deus surpreende-nos como um ladrão que chega de noite, quando ninguém está à espera (vers. 2); e Deus é como as dores de parto que surgem de repente (vers. 3). Em conseqüência, a vida cristã deve estar marcada por uma atitude de preparação e de vigilância.
Para além da questão da data, o que é importante é que os cristãos vivam de forma coerente com a opção que fizeram no dia do seu Batismo. Os crentes têm de viver de maneira diferente dos não crentes, pois os horizontes de uns e de outros são diferentes… Os não crentes vivem mergulhados na noite e nas trevas, estão adormecidos, atordoam-se com a bebida; vivem no presente, absolutamente despreocupados em relação ao futuro, de olhos postos no horizonte terreno. Os crentes são filhos da luz e do dia, estão vigilantes, mantêm-se sóbrios; vivem de olhos postos no futuro, à espera que chegue a vida verdadeira, plena, definitiva que Deus lhes vai oferecer.
Na verdade, a vida dos crentes é mais bela e significativa, porque está cheia de esperança. No entanto, é preciso dar corpo à esperança esperando, fiéis e vigilantes a chegada do Senhor.

ATUALIZAÇÃO

Na reflexão, ter em conta os seguintes dados:

• A questão fundamental que os cristãos devem pôr, a propósito da segunda vinda do Senhor, não é a questão da data, mas é a questão de como esperar e preparar esse momento. Paulo deixa claro que o que é preciso é estar vigilante. “Estar vigilante” não significa ficar a olhar para o céu à espera do Senhor, esquecendo e negligenciando as questões do mundo e os problemas dos homens; mas significa viver, no dia a dia, de acordo com os ensinamentos de Jesus, empenhando-se na transformação do mundo e na construção do Reino.

• A certeza da segunda vinda do Senhor dá aos crentes uma perspectiva diferente da vida, do seu sentido e da sua finalidade… Para os não crentes, a vida encerra-se dentro dos limites estreitos deste mundo e, por isso, só interessam os valores deste mundo; para os crentes, a verdadeira vida, a vida em plenitude, está para além dos horizontes da história e, por isso, é preciso viver de acordo com os valores eternos, os valores de Deus. Assim, na perspectiva dos crentes, não são os valores efêmeros, os valores deste mundo (o dinheiro, o poder, os êxitos humanos) que devem constituir a prioridade e que devem dominar a existência, mas sim os valores de Deus. Quais são os valores que eu considero prioritários e que condicionam as minhas opções?

• A certeza da segunda vinda do Senhor aponta também no sentido da esperança. Os cristãos esperam, em serena expectativa, a salvação que já receberam antecipadamente com a morte de Cristo, mas que irá consumar-se no “dia do Senhor”. Os crentes são, pois, homens e mulheres de esperança, abertos ao futuro – um futuro a conquistar, já nesta terra, com fé e com amor, mas sobretudo um futuro a esperar, como dom de Deus.

ALELUIA – Jo 15,4a.5b

Aleluia. Aleluia.

Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós, diz o Senhor.
Quem permanece em Mim dá fruto abundante.

EVANGELHO – Mt 25,14-30

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo,
Disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola:
«Um homem, ao partir de viagem,
chamou os seus servos e confiou-lhes os seus bens.
A um entregou cinco talentos, a outro dois e a outro um,
conforme a capacidade de cada qual; e depois partiu.
O que tinha recebido cinco talentos
os fez render e ganhou outros cinco.
Do mesmo modo,
o que recebera dois talentos ganhou outros dois.
Mas, o que recebera dois talentos ganhou outros dois.
Mas, o que recebera um só talento
foi escavar na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor.
Muito tempo depois, chegou o senhor daqueles servos
e foi ajustar contas com eles.
O que recebera cinco talentos aproximou-se
e apresentou outros cinco, dizendo:
‘Senhor, confiaste-me cinco talentos:
aqui estão outros cinco que eu ganhei’.
Respondeu-lhe o senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel.
Porque foste fiel em coisas pequenas, confiar-te-ei as grandes.
Vem tomar parte na alegria do teu senhor’.
Aproximou-se também o que recebera dois talentos e disse:
‘Senhor, confiaste-me dois talentos:
aqui estão outros dois que eu ganhei’.
Respondeu-lhe o senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel.
Porque foste fiel em coisas pequenas, confiar-te-ei as grandes.
Vem tomar parte na alegria do teu senhor’.
Aproximou-se também o que recebera um só talento e disse:
‘Senhor, eu sabia que és um homem severo,
que colhes onde não semeaste e recolhes onde nada lançaste.
Por isso, tive medo e escondi o teu talento na terra.
Aqui tens o que te pertence’.
O senhor respondeu-lhe: ‘Servo mau e preguiçoso,
sabias que ceifo onde não semeei e recolho onde nada lancei;
devias, portanto, depositar no banco o meu dinheiro
e eu teria, ao voltar, recebido com juro o que era meu.
Tirai-lhe então o talento e dai-o àquele que tem dez.
Porque, a todo aquele que tem,
dar-se-á mais e terá em abundância;
mas, àquele que não tem, até o pouco que tem lhe será tirado.
Quanto ao servo inútil, lançai-o às trevas exteriores.
Aí haverá choro e ranger de dentes’».

AMBIENTE

Mais uma vez, o Evangelho apresenta-nos um extrato do “discurso escatológico” (cf. Mt 24-25), onde Mateus aborda o tema da segunda vinda de Jesus e define a atitude com que os discípulos devem esperar e preparar essa vinda.
A catequese que Mateus apresenta neste discurso tem em conta as necessidades da sua comunidade cristã. Estamos no final do séc. I (década de 80). Os cristãos, fartos de esperar a segunda vinda de Jesus, esqueceram o seu entusiasmo inicial… Instalaram-se na mediocridade, na rotina, no comodismo, na facilidade. As perseguições que se adivinham provocam o desânimo e a deserção… Era preciso reaquecer o entusiasmo dos crentes, re-despertar a fé, renovar o compromisso cristão com Jesus e com a construção do Reino.
É para responder a este contexto que Mateus re-elabora o “discurso escatológico” de Marcos (cf. Mc 13) e compõe, com ele, uma exortação dirigida aos cristãos. Lembra-lhes que a segunda vinda do Senhor está no horizonte final da história humana; e que, até lá, os crentes devem “pôr a render os seus talentos”, vivendo na fidelidade aos ensinamentos de Jesus e comprometidos com a construção do Reino.
A parábola que hoje nos é proposta fala de “talentos” que um senhor distribuiu pelos servos. Um “talento” significa uma quantia muito considerável… Corresponde a cerca de 36 quilos de prata e ao salário de aproximadamente 3.000 dias de trabalho de um operário não qualificado.

MENSAGEM

A “parábola dos talentos” conta que um “senhor” partiu em viagem e deixou a sua fortuna nas mãos dos seus servos. A um, deixou cinco talentos, a outro dois e a outro um. Quando voltou, chamou os servos e pediu-lhes contas da sua gestão. Os dois primeiros tinham duplicado a soma recebida; mas o terceiro tinha escondido cuidadosamente o talento que lhe fora confiado, pois conhecia a exigência do “senhor” e tinha medo. Os dois primeiros servos foram louvados pelo “senhor”, ao passo que o terceiro foi severamente criticado e condenado.
Provavelmente a parábola, tal como saiu da boca de Jesus, era uma “parábola do Reino”. O amo exigente seria Deus, que reclama para si uma lealdade a toda a prova e que não aceita meias tintas e situações de acomodação e de preguiça. Os servos a quem ele confia os valores do Reino devem acolher os seus dons e pô-los a render, a fim de que o Reino seja uma realidade. No Reino, ou se está completamente comprometido, ou não se está.
Depois, Mateus pegou na mesma parábola e situou-a num outro contexto: o da vinda do Senhor Jesus, no final dos tempos… A vinda do Senhor é uma certeza; e, quando Ele voltar, julgará os homens conforme o comportamento que tiverem assumido na sua ausência.
Nesta versão da parábola, o “senhor” é Jesus que, antes de deixar este mundo, entregou bens consideráveis aos seus “servos” (os discípulos). Os “bens” são os dons que Deus, através de Jesus, ofereceu aos homens – a Palavra de Deus, os valores do Evangelho, o amor que se faz serviço aos irmãos e que se dá até à morte, a partilha e o serviço, a misericórdia e a fraternidade, os carismas e ministérios que ajudam a construir a comunidade do Reino… Os discípulos de Jesus são os depositários desses “bens”. A questão é, portanto, esta: como devem ser utilizados estes “bens”? Eles devem dar frutos, ou devem ser conservados cuidadosamente enterrados? Os discípulos de Jesus podem – por medo, por comodismo, por desinteresse – deixar que esses “bens” fiquem infrutíferos?
Na perspectiva da nossa parábola, os “bens” que Jesus deixou aos seus discípulos têm de dar frutos. A parábola apresenta como modelos os dois servos que mexeram com os “bens”, que demonstraram interesse, que se preocuparam em não deixar parados os dons do “senhor”, que fizeram investimentos, que não se acomodaram nem se deixaram paralisar pela preguiça, pela rotina, ou pelo medo.
Por outro lado, a parábola condena veementemente o servo que entregou intactos os bens que recebeu. Ele teve medo e, por isso, não correu riscos; mas não só não tirou desses bens qualquer fruto, como também impediu que os bens do “senhor” fossem criadores de vida nova.
Através desta parábola, Mateus exorta a sua comunidade no sentido de estar alerta e vigilante, sem se deixar vencer pelo comodismo e pela rotina. Esquecer os compromissos assumidos com Jesus e com o Reino, demitir-se das suas responsabilidades, deixar na gaveta os dons de Deus, aceitar passivamente que o mundo se construa de acordo com valores que não são os de Jesus, instalar-se na passividade e no comodismo, é privar os irmãos, a Igreja e o mundo dos frutos a que têm direito.
O discípulo de Jesus não pode esperar o Senhor de mãos erguidas e de olhos postos no céu, alheado dos problemas do mundo e preocupado em não se contaminar com as questões do mundo… O discípulo de Jesus espera o Senhor profundamente envolvido e empenhado no mundo, ocupado em distribuir a todos os homens seus irmãos os “bens” de Deus e em construir o Reino.

ATUALIZAÇÃO

Na reflexão, considerar os seguintes dados:

• Antes de mais, é preciso ter presente que nós, os cristãos, somos agora no mundo as testemunhas de Cristo e do projeto de salvação/libertação que o Pai tem para os homens. É com o nosso coração que Jesus continua a amar os publicanos e os pecadores do nosso tempo; é com as nossas palavras que Jesus continua a consolar os que estão tristes e desanimados; é com os nossos braços abertos que Jesus continua a acolher os imigrantes que fogem da miséria e da degradação; é com as nossas mãos que Jesus continua a quebrar as cadeias que prendem os escravizados e oprimidos; é com os nossos pés que Jesus continua a ir ao encontro de cada irmão que está sozinho e abandonado; é com a nossa solidariedade que Jesus continua a alimentar as multidões famintas do mundo e a dar medicamentos e cultura àqueles que nada têm… Nós, cristãos, membros do “corpo de Cristo”, que nos identificamos com Cristo, temos a grave responsabilidade de O testemunhar e de deixar que, através de nós, Ele continue a amar os homens e as mulheres que caminham ao nosso lado pelos caminhos do mundo.

• Os dois “servos” da parábola que, talvez correndo riscos, fizeram frutificar os “bens” que o “senhor” lhes deixou, mostram como devemos proceder, enquanto caminhamos pelo mundo à espera da segunda vinda de Jesus. Eles tiveram a ousadia de não se contentar com o que já tinham; não se deixaram dominar pelo comodismo e pela apatia… Lutaram, esforçaram-se, arriscaram, ganharam. Todos os dias, há cristãos que têm a coragem de arriscar. Não aceitam a injustiça e lutam contra ela; não pactuam com o egoísmo, o orgulho, a prepotência e propõem, em troca, os valores do Evangelho; não aceitam que os grandes e poderosos decidam os destinos do mundo e têm a coragem de lutar objetivamente contra os projetos desumanos que desfiguram esta terra; não aceitam que a Igreja se identifique com a riqueza, com o poder, com os grandes e esforçam-se por torná-la mais pobre, mais simples, mais humana, mais evangélica; não aceitam que a liturgia tenha de ser sempre tão solene que assuste os mais simples, nem tão etérea que não tenha nada a ver com a vida do dia a dia… Muitas vezes, são perseguidos, condenados, desautorizados, reduzidos ao silêncio, incompreendidos; muitas vezes, no seu excesso de zelo, cometem erros de avaliação, fazem opções erradas… Apesar de tudo, Jesus diz-lhes: “muito bem, servo bom e fiel. Porque foste fiel em coisas pequenas, confiar-te-ei as grandes. Vem tomar parte na alegria do teu Senhor”.

• O servo que escondeu os “bens” que o Senhor lhe confiou mostra como não devemos proceder, enquanto caminhamos pelo mundo à espera da segunda vinda de Jesus. Esse servo contentou-se com o que já tinha e não teve a ousadia de querer mais; entregou-se sem luta, deixou-se dominar pelo comodismo e pela apatia… Não lutou, não se esforçou, não arriscou, não ganhou. Todos os dias há cristãos que desistem por medo e cobardia e se demitem do seu papel na construção de um mundo melhor. Limitam-se a cumprir as regras, ou a refugiar-se no seu cantinho cômodo, sem força, sem vontade, sem coragem de ir mais além. Não falham, não cometem “pecados graves”, não fazem mal a ninguém, não correm riscos; limitam-se a repetir sempre os mesmos gestos, sem inovar, sem purificar, sem nada transformar; não fazem, nem deixam fazer e limitam-se a criticar asperamente aqueles que se esforçam por mudar as coisas… Não põem a render os “bens” que Deus lhes confiou e deixam-nos secar sem dar frutos. Jesus diz-lhes: “servo mau e preguiçoso, sabias que ceifo onde não semeei e recolho onde não lancei; devias, portanto, depositar o meu dinheiro no banco e eu teria, ao voltar, recebido com juro o que era meu”.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 33º DOMINGO DO TEMPO COMUM

1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 33º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

2. DURANTE A CELEBRAÇÃO.
Aquilo que terá sido pensado e rezado em termos de “balanço de competência” ou de balanço dos talentos recebidos pode tornar-se oferenda. Aqueles que quiserem poderão escrever em pequenos papéis, oferecidos no momento da apresentação dos dons, duas palavras: uma dizendo um “talento” recebido ou uma competência (habilidade, tempo livre…); outra dizendo a maneira como ele “frutifica” (equipa de decoração da paróquia, visita aos doentes…).

3. PALAVRA DE VIDA.
Quantos homens, mulheres e crianças, em todo o mundo, mas também perto de nós, lançam SOS para que a sua vida seja salva, e que eles possam viver de pé, dignamente, humanamente! Jesus ouviu os seus gritos, escutou-os, respondeu-lhes com uma palavra, um olhar, um gesto, e era sempre para transmitir dignidade, confiança, saúde, paz. Fechamos hoje os nossos ouvidos? Agarramo-nos às nossas riquezas? E se fizéssemos um desvio no nosso caminho para nos aproximarmos, para nos fazermos próximo de todos aqueles que caíram na beira do caminho?

4. UM PONTO DE ATENÇÃO.
A oração do Pai Nosso.
O Pai Nosso é muitas vezes uma oração mecânica, maquinal, de rotina. À força de tanto o recitar, não damos a devida atenção ao que dizemos. É preciso aproveitar uma celebração dominical para fazer reencontrar todo o seu valor: é a oração que Jesus formulou e ensinou aos seus discípulos. Cantado ou recitado, pode-se fazer uma breve introdução e deixar um breve tempo de silêncio antes de rezar o Pai Nosso. Recitação bem pausada, com as mãos erguidas ou unidas ao que está ao lado.

5. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Fazer o ponto da situação sobre os nossos talentos.
E se aproveitássemos a parábola de hoje para fazer o ponto da situação sobre os “talentos” que recebemos e aqueles que ganhamos? Discernir em conjunto pode ajudar a perceber estes frutos em Igreja e a dar graças por eles.

34º DOMINGO DO TEMPO COMUM

NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO


Tema do 34º Domingo do Tempo Comum

No 34º Domingo do Tempo Comum, celebramos a Solenidade de Jesus Cristo, Rei e Senhor do Universo. As leituras deste domingo falam-nos do Reino de Deus (esse Reino de que Jesus é rei). Apresentam-no como uma realidade que Jesus semeou, que os discípulos são chamados a edificar na história (através do amor) e que terá o seu tempo definitivo no mundo que há de vir.
A primeira leitura utiliza a imagem do Bom Pastor para apresentar Deus e para definir a sua relação com os homens. A imagem sublinha, por um lado, a autoridade de Deus e o seu papel na condução do seu Povo pelos caminhos da história; e sublinha, por outro lado, a preocupação, o carinho, o cuidado, o amor de Deus pelo seu Povo.
O Evangelho apresenta-nos, num quadro dramático, o “rei” Jesus a interpelar os seus discípulo acerca do amor que partilharam com os irmãos, sobretudo com os pobres, os débeis, os desprotegidos. A questão é esta: o egoísmo, o fechamento em si próprio, a indiferença para com o irmão que sofre, não têm lugar no Reino de Deus. Quem insistir em conduzir a sua vida por esses critérios, ficará à margem do Reino.
Na segunda leitura, Paulo lembra aos cristãos que o fim último da caminhada do crente é a participação nesse “Reino de Deus” de vida plena, para o qual Cristo nos conduz. Nesse Reino definitivo, Deus manifestar-se-á em tudo e atuará como Senhor de todas as coisas (vers. 28).

LEITURA I – Ez 34,11-12.15-17

Leitura da Profecia de Ezequiel

Eis o que diz o Senhor Deus:
«Eu próprio irei em busca das minhas ovelhas
e hei de encontrá-las.
Como o pastor vigia o seu rebanho,
Quando estiver no meio das ovelhas que andavam tresmalhadas,
para as tirar de todos os sítios em que se desgarraram
num dia de nevoeiro e de trevas.
Eu apascentarei as minhas ovelhas,
Eu as levarei a repousar, diz o Senhor.
Hei de procurar a que anda tresmalhada.
Tratarei a que estiver ferida,
darei vigor à que andar enfraquecida
E velarei pela gorda e vigorosa.
Hei de apascentá-las com justiça.
Quanto a vós, meu rebanho,
assim fala o Senhor Deus:
Hei de fazer justiça entre ovelhas e ovelhas,
entre carneiros e cabritos».

AMBIENTE

Ezequiel é conhecido como “o profeta da esperança”. Desterrado na Babilônia desde 597 a.C. (no reinado de Joaquim, quando Nabucodonosor conquista Jerusalém pela primeira vez e deporta para a Babilônia a classe dirigente do país), Ezequiel exerce aí a sua missão profética entre os exilados judeus.
A primeira fase do ministério de Ezequiel decorre entre 593 a.C. (data do seu chamamento) e 586 a.C. (data em que Jerusalém é arrasada pelas tropas de Nabucodonosor e uma segunda leva de exilados é encaminhada para a Babilônia). Nesta fase, Ezequiel procura destruir falsas esperanças e anuncia que, ao contrário do que pensam os exilados, o cativeiro está para durar… Eles não só não vão regressar a Jerusalém, mas os que ficaram em Jerusalém (e que continuam a multiplicar os pecados e as infidelidades) vão fazer companhia aos que já estão desterrados na Babilônia.
A segunda fase do ministério de Ezequiel desenrola-se a partir de 586 a.C. e prolonga-se até cerca de 570 a.C. Instalados numa terra estrangeira, privados de Templo, de sacerdócio e de culto, os exilados estão desesperados e duvidam da bondade e do amor de Deus. Nessa fase, Ezequiel procura alimentar a esperança dos exilados e transmitir ao Povo a certeza de que o Deus salvador e libertador – esse Deus que Israel descobriu na sua história – não os abandonou nem esqueceu.
O texto que nos é hoje proposto pertence, provavelmente, à segunda fase do ministério de Ezequiel. Depois de denunciar os “maus pastores” que exploraram e abusaram do Povo e o conduziram por caminhos de morte e de desgraça, até à catástrofe final de Jerusalém e ao Exílio (cf. Ez 34,1-9), o profeta anuncia a chegada de um tempo novo em que o próprio Deus vai conduzir o seu Povo e apascentar as suas ovelhas. É um oráculo de esperança, que abre uma nova história e propõe um novo futuro ao Povo de Deus.

MENSAGEM

No Antigo Médio Oriente, o título de “pastor” é atribuído, frequentemente, aos deuses e aos reis. É um título bastante expressivo em civilizações que viviam da agricultura e do pastoreio. A metáfora expressa admiravelmente dois aspectos, aparentemente contrários e com freqüência separados, da autoridade exercida sobre os homens: o pastor é, ao mesmo tempo, um chefe que dirige o seu rebanho e um companheiro que acompanha as ovelhas na sua caminhada para as pastagens onde há vida.
Além disso, o pastor é um homem forte, capaz de defender o seu rebanho contra os animais selvagens; e é também delicado para as suas ovelhas. Conhece o estado e as necessidades de cada uma, leva nos braços as mais frágeis e débeis, ama-as e trata-as com carinho. A sua autoridade não se discute: está fundada na entrega e no amor.
É sobre este fundo que Ezequiel vai colocar as relações que unem Deus e Israel.
A este Povo a quem os pastores humanos (os reis, os sacerdotes, a classe dirigente) trataram tão mal, o profeta anuncia a chegada desse tempo novo em que Jahwéh vai assumir a sua função de pastor do seu Povo. Como é que Deus desempenhará essa função?
Deus vai cuidar das suas ovelhas e interessar-se por elas. Neste momento, as ovelhas estão dispersas numa terra estrangeira, depois dos acontecimentos dramáticos que trouxeram ao rebanho morte e desolação; mas Deus, o Bom Pastor, vai reuni-las, reconduzi-las à sua própria terra e apascentá-las em pastagens férteis e tranqüilas (vers. 11-12).
Mais: Deus, o Bom Pastor, irá procurar cada ovelha perdida e tresmalhada, cuidar da que está ferida e doente, vigiar a que está gorda e forte (vers. 16); além disso, julgará pessoalmente os conflitos entre as mais poderosas e as mais débeis, a fim de que o direito das fracas não seja pisado (vers. 17).

ATUALIZAÇÃO

Considerar os seguintes desenvolvimentos:

• A imagem bíblica do Bom Pastor é uma imagem privilegiada para apresentar Deus e para definir a sua relação com os homens. Sublinha a sua autoridade e o seu papel na condução do seu Povo pelos caminhos da história; mas, sobretudo, sublinha a preocupação, o carinho, o cuidado, o amor de Deus pelo seu Povo. Na nossa cultura urbana, já nem todos entendem a figura do “pastor”; mas todos são convidados a entregar-se nas mãos de Deus, a confiar totalmente n’Ele, a deixar-se conduzir por Ele, a fazer a experiência do seu amor e da sua bondade. É uma experiência tranqüilizante e libertadora, que nos traz serenidade e paz.

• Também aqui, a questão não é se Deus é ou não “pastor” (Ele é sempre “pastor”!); mas é se estamos ou não dispostos a segui-l’O, a deixar-nos conduzir por Ele, a confiar n’Ele para atravessar vales sombrios, a deixar-nos levar ao colo por Ele para que os nossos pés não se firam nas pedras do caminho. Uma certa cultura contemporânea assegura-nos que só nos realizaremos se nos libertarmos de Deus e formos os guias de nós próprios. O que escolhemos para nos conduzir à felicidade e à vida plena: Deus ou o nosso orgulho e auto-suficiência?

• Às vezes, fugindo de Deus, agarramo-nos a outros “pastores” e fazemos deles a nossa referência, o nosso líder, o nosso ídolo. O que é que nos conduz e condiciona as nossas opções: a riqueza e o poder? Os valores ditados por aqueles que têm a pretensão de saber tudo? O política e socialmente correto? A opinião pública? O presidente do partido? O comodismo e a instalação? A preservação dos nossos esquemas egoístas e dos nossos privilégios? O êxito e o triunfo a qualquer custo? O herói mais giro da telenovela? O programa de maior audiência da estação televisiva de maior audiência?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 22 (23)

Refrão: O Senhor é meu pastor: nada me faltará.

O Senhor é meu pastor: nada me falta.
Leva-me a descansar em verdes prados,
conduz-me às águas refrescantes
e reconforta a minha alma.

Ele me guia por sendas direitas,
por amor do seu nome.
Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos
não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo.

Para mim preparais a mesa
à vista dos meus adversários;
com óleo me perfumais a cabeça
e o meu cálice transborda.

A bondade e a graça hão de acompanhar-me
todos os dias da minha vida,
e habitarei na casa do Senhor
para todo o sempre.


LEITURA II – 1 Cor 15,20-26.28

Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

Irmãos:
Cristo ressuscitou dos mortos,
como primícias dos que morreram.
Uma vez que a morte veio por um homem,
também por um homem veio a ressurreição dos mortos;
porque, do mesmo modo que em Adão todos morreram,
assim também em Cristo serão todos restituídos à vida.
Cada qual, porém, na sua ordem:
primeiro, Cristo, como primícias;
a seguir, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda.
Depois será o fim,
quando Cristo entregar o reino a Deus seu Pai.
É necessário que Ele reine,
até que tenha posto todos os inimigos debaixo dos seus pés.
E o último inimigo a ser aniquilado é a morte,
porque Deus «tudo submeteu debaixo dos seus pés».
Quando todas as coisas Lhe forem submetidas,
então também o próprio Filho Se há de submeter
àquele que Lhe submeteu todas as coisas,
para que Deus seja tudo em todos.

AMBIENTE

No
decurso da sua segunda viagem missionária, Paulo chegou a Corinto, vindo de Atenas, e ficou por lá cerca 18 meses (anos 50-52). De acordo com At 18,2-4, Paulo começou a trabalhar em casa de Priscila e Áquila, um casal de judeu-cristãos. No sábado, usava da palavra na sinagoga. Com a chegada a Corinto de Silvano e Timóteo (2 Cor 1,19; At 18,5), Paulo consagrou-se inteiramente ao anúncio do Evangelho. Mas não tardou a entrar em conflito com os judeus e foi expulso da sinagoga.
Como resultado da pregação de Paulo nasceu, contudo, a comunidade cristã de Corinto. A maior parte dos membros da comunidade eram de origem grega, embora, em geral, de condição humilde (cf. 1 Cor 11,26-29; 8,7; 10,14.20; 12,2); mas também havia elementos de origem hebraica (cf. At 18,8; 1 Cor 1,22-24; 10,32; 12,13).
De uma forma geral, a comunidade era viva e fervorosa; no entanto, estava exposta aos perigos do ambiente corrupto que se respirava na cidade e não podia deixar de ser influenciada por esse ambiente. É neste contexto que podemos entender alguns dos problemas sentidos na comunidade e apontados na Primeira Carta aos Coríntios: moral dissoluta (cf. 1 Cor 6,12-20; 5,1-2), querelas, disputas, lutas (cf. 1 Cor 1,11-12), sedução da sabedoria filosófica de origem pagã que se introduzia na Igreja revestida de um superficial verniz cristão (cf. 1 Cor 1,19-2,10)… Na comunidade de Corinto, vemos as dificuldades da fé cristã em inserir-se num ambiente hostil, marcado por uma cultura pagã e por um conjunto de valores que estão em contradição com a pureza da mensagem evangélica.
Um dos pontos onde havia uma notória dificuldade em conciliar os dados da fé cristã com os valores do mundo grego era na questão da ressurreição. Enquanto que a ressurreição dos mortos era relativamente bem aceite no judaísmo (habituado a ver o homem na sua unidade), constituía um problema muito sério para a mentalidade grega. A cultura grega estava fortemente influenciada por filosofias dualistas, que viam no corpo uma realidade negativa e na alma uma realidade nobre e ideal. Aceitar que a alma viveria sempre não era difícil para a mentalidade grega… O problema era aceitar a ressurreição do homem total: sendo o homem (de acordo com a mentalidade grega) constituído por alma e corpo, como podemos falar da ressurreição do homem?

MENSAGEM

Frente às objeções e dúvidas dos coríntios, Paulo parte da ressurreição de Cristo (cf. 1 Cor 15,1-11), para concluir que todos aqueles que se identificarem com Cristo ressuscitarão também (cf. 1 Cor 15,12-34).
O nosso texto começa precisamente com a afirmação de que “Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram” (vers. 20). A sua ressurreição não foi um caso único e excepcional, mas o primeiro caso. “Primeiro” deve ser entendido aqui, não apenas em sentido cronológico, mas sobretudo no sentido do princípio ativo da ressurreição de todos os outros homens e mulheres. Cristo foi constituído por Deus princípio de uma nova humanidade; a sua ressurreição arrasta atrás de si toda a sua “descendência” – isto é, todos aqueles que se identificam com Ele, que acolheram a sua proposta de vida e o seguiram – ao encontro da vida plena e eterna (vers. 21-23).
O destino dessa nova humanidade,é o Reino de Deus. O Reino de Deus será uma realidade onde o egoísmo, a injustiça, a miséria, o sofrimento, o medo, o pecado, e até a morte (isto é, todos os inimigos da vida e do homem) estarão definitivamente ausentes, pois terão sido vencidos por Cristo (vers. 24-26). Nesse Reino definitivo, Deus manifestar-se-á em tudo e atuará como Senhor de todas as coisas (vers. 28).
A reflexão de Paulo lembra aos cristãos que o fim último da caminhada do crente é a participação nesse “Reino de Deus” de vida plena e definitiva, para o qual Cristo nos conduz.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão pode fazer-se a partir dos seguintes dados:

• O nosso texto garante-nos que a meta final da nossa caminhada é o Reino de Deus – isto é, uma realidade de vida plena e definitiva, de onde a doença, a tristeza, o sofrimento, a injustiça, a prepotência, a morte estarão ausentes. Convém ter sempre presente esta realidade, ao longo da nossa peregrinação pela terra… A nossa vida presente não é um drama absurdo, sem sentido e sem finalidade; é uma caminhada tranqüila, confiante – ainda quando feita no sofrimento e na dor – em direção a esse desabrochar pleno, a essa vida total que Deus nos reserva.

• Como é que aí chegamos? Paulo responde: identificando-nos com Cristo. A ressurreição de Cristo é o “selo de garantia” de Deus para uma vida oferecida ao projeto do Reino… Demonstra que uma vida vivida na escuta atenta dos projetos do Pai e no amor e no serviço aos homens, conduz à vida plena; demonstra que uma vida gasta na luta contra o egoísmo, a opressão e o pecado, conduz à vida definitiva; demonstra que uma vida gasta ao serviço da construção do Reino, conduz à vida verdadeira… Se a nossa vida for gasta do mesmo jeito, seguiremos Cristo na ressurreição, atingiremos a vida nova do Homem Novo e estaremos para sempre com Ele nesse Reino livre do sofrimento, do pecado e da morte que Deus reserva para os seus filhos.

• Descobrir que o Reino da vida definitiva é a nossa meta final significa eliminar definitivamente o medo que nos impede de atuar e de assumir um papel de protagonismo na construção de um mundo novo. Quem tem no horizonte final da sua vida o Reino de Deus, pode comprometer-se na luta pela justiça e pela paz, com a certeza de que a injustiça, a opressão, a oposição dos poderosos, a morte não podem pôr fim à vida que o anima. Ter como meta final o Reino significa libertarmo-nos do medo que nos paralisa e encontrarmos razões para um compromisso mais conseqüente com Deus, com o mundo e com os homens.

ALELUIA – Mc 11,9.10

Aleluia. Aleluia.

Bendito O que vem em nome do Senhor!
Bendito o reino do nosso pai David!

EVANGELHO – Mt 25,31-46

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Quando o Filho do homem vier na sua glória
com todos os seus Anjos,
sentar-Se-á no seu trono glorioso.
Todas as nações se reunirão na sua presença
e Ele separará uns dos outros,
como o pastor separa as ovelhas dos cabritos;
e colocará as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda.
Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita:
‘Vinde, bem ditos de meu Pai;
recebei como herança o reino
que vos está preparado desde a criação do mundo.
Porque tive fome e destes-Me de comer;
tive sede e destes-me de beber;
era peregrino e Me recolhestes;
não tinha roupa e Me vestistes;
estive doente e viestes visitar-Me;
estava na prisão e fostes ver-Me’.
Então os justos Lhe dirão:
‘Senhor, quando é que Te vimos com fome
e Te demos de comer,
ou com sede e Te demos de beber?
Quando é que Te vimos peregrino e te recolhemos,
ou sem roupa e Te vestimos?
Quando é que Te vimos doente ou na prisão e Te fomos ver?’
E o Rei lhes responderá:
‘Em verdade vos digo: Quantas vezes o fizestes
a um dos meus irmãos mais pequeninos,
a Mim o fizestes’.
Dirá então aos que estiverem à sua esquerda:
‘Afastai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno,
preparado para o demônio e os seus anjos.
Porque tive fome e não Me destes de comer;
tive sede e não Me destes de beber;
era peregrino e não Me recolhestes;
estava sem roupa e não Me vestistes;
estive doente e na prisão e não Me fostes visitar’.
Então também eles Lhe hão de perguntar:
‘Senhor, quando é que Te vimos com fome ou com sede,
peregrino ou sem roupa, doente ou na prisão,
e não Te prestamos assistência?’
E Ele lhes responderá:
‘Em verdade vos digo: Quantas vezes o deixastes de fazer
a um dos meus irmãos mais pequeninos,
também a Mim o deixastes de fazer’.
Estes irão para o suplício eterno
e os justos para a vida eterna».

AMBIENTE

Esta impressionante descrição do juízo final é a conclusão das três parábolas precedentes (a “parábola do mordomo fiel e do mordomo infiel” – cf. Mt 24,45-51; a “parábola das jovens previdentes e das jovens descuidadas” – cf. Mt 25,1-13; a “parábola dos talentos” – cf. Mt 25,14-30). Tanto no texto que nos é proposto como nessas três parábolas aparecem dois grupos de pessoas que tiveram comportamentos diversos enquanto esperavam a vinda do Senhor Jesus. O autor do texto mostra agora qual será o “fim” daqueles que se mantiveram e daqueles que não se mantiveram vigilantes e preparados para a vinda do Senhor.
Mais uma vez, para percebermos a catequese que Mateus aqui desenvolve, temos de recordar o contexto da comunidade cristã a quem ela se destina. Estamos nos últimos decênios do séc. I (década de 80). Já passou o entusiasmo inicial pela vinda iminente de Jesus para instaurar o Reino definitivo. Os cristãos que constituem a comunidade de Mateus estão desinteressados, instalados, acomodados; vivem a fé de forma rotineira, morna, pouco exigente e pouco comprometida; alguns, diante das dificuldades, deixam a comunidade e renunciam ao Evangelho…
Mateus, preocupado com a situação, procura revitalizar a fé, reacender o entusiasmo, entusiasmar ao compromisso. Vai fazê-lo através de uma catequese que convida à vigilância, enquanto se espera o encontro final com Cristo.
No texto que nos é proposto, Mateus mostra aos crentes da sua comunidade – com a linguagem veemente dos pregadores da época – o que espera, no final da caminhada, quer aqueles que se mantiveram vigilantes e viveram de acordo com os ensinamentos de Jesus, quer aqueles que se esqueceram dos valores do Evangelho e que conduziram a vida de acordo com outros interesses e preocupações.

MENSAGEM

A parábola do juízo final começa com uma introdução (vers. 31-33) que apresenta o quadro: o “Filho do Homem” sentado no seu trono, a separar as pessoas uma das outras “como o pastor separa as ovelhas dos cabritos”.
Vêm, depois, dois diálogos. Um, entre “o rei” e “as ovelhas” que estão à sua direita (vers. 34-40); outro, entre “o rei” e os “cabritos” que estão à sua esquerda (vers. 41-46). No primeiro diálogo, o “rei” acolhe as “ovelhas” e convida-as a tomar posse da herança do “Reino”; no segundo diálogo, o “rei” afasta os “cabritos” e impede-os de tomar posse da herança do Reino. Porquê? Qual é o critério que “o rei” utiliza para acolher uns e rejeitar outros?
A questão decisiva parece ser, na perspectiva de Mateus, a atitude de amor ou de indiferença para com os irmãos mais pequenos de Jesus, que se encontram em situações dramáticas de necessidade – os que têm fome, os que têm sede, os peregrinos, os que não têm que vestir, os que estão doentes, os que estão na prisão… Jesus identifica-se com os pequenos, os pobres, os débeis, os marginalizados; manifestar amor e solidariedade para com o pobre é fazê-lo ao próprio Jesus e manifestar egoísmo e indiferença para com o pobre é fazê-lo ao próprio Jesus.
A cena pode interpretar-se de duas maneiras, dependendo de como entendemos a palavra “irmão”. Entendida em sentido genérico, a palavra “irmão” designaria qualquer homem; neste caso, a exortação de Jesus convida os que querem entrar no Reino a ir ao encontro de qualquer homem que tenha fome, que tenha sede, que seja peregrino, que esteja nu, esteja doente ou que esteja na prisão, para lhe manifestar amor e solidariedade. Entendida num sentido mais restrito, a palavra “irmão” designaria os membros da comunidade cristã… De qualquer forma, os dois sentidos não se excluem; e é possível que Mateus se refira às duas realidades.
A exortação que Mateus lança à sua comunidade cristã (e às comunidades cristãs de todos os tempos e lugares) nas parábolas precedentes ganha, assim, uma força impressionante à luz desta cena final. Com os dados que este Evangelho nos apresenta, fica perfeitamente evidente que “estar vigilantes e preparados” (que é o grande tema do “discurso escatológico” dos capítulos 24 e 25) consiste, principalmente, em viver o amor e a solidariedade para com os pobres, os pequenos, os desprotegidos, os marginalizados. Em última análise, é esse o critério que decide a entrada ou a não entrada no Reino de Deus.
Esta exortação dirige-se a uma comunidade que negligencia o amor aos irmãos, que vive na indiferença ao sofrimento dos mais débeis, que é insensível ao drama dos pobres e que não cuida dos pequenos e dos desprotegidos. Como essas são atitudes que não se coadunam com a lógica do Reino, quem vive desse jeito não poderá fazer parte do Reino.
A cena do juízo final será uma descrição exata e fotográfica do que vai acontecer no final dos tempos?
É claro que não. Mateus não é um repórter, mas um catequista a instruir a sua comunidade sobre os critérios e as lógicas de Deus. O objetivo do catequista Mateus é deixar bem claro que Deus não aprova uma vida conduzida por critérios de egoísmo, onde não há lugar para o amor a todos os irmãos, particularmente aos mais pobres e débeis. Um dos pormenores mais sugestivos é a identificação de Cristo com os famintos, os abandonados, os pequenos, os desprotegidos: todos eles são membros de Cristo e não os amar é não amar Cristo. Dizer que se ama Cristo e não viver do jeito de Cristo, no amor a todos os homens, é uma mentira e uma incoerência.
Deus condena os maus (“os cabritos”) ao inferno? Não. Deus não condena ninguém. Quem se condena ou não é o homem, na medida em que não aceita ou aceita a vida que Deus lhe oferece. E haverá alguém que, tendo consciência plena do que está em jogo, rejeite o amor e escolha, em definitivo, o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência – isto é, o afastamento definitivo de Deus e do Reino? Haverá alguém que, percebendo o sem sentido dessas opções, se obstine nelas por toda a eternidade?
Então, porque é que Mateus põe Deus a dizer aos “cabritos”: “afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e para os seus anjos”? Porque Mateus é um pregador veemente, que usa a técnica dos pregadores da época e gosta de recorrer a imagens fortes que toquem o auditório e que o levem a sentir-se interpelado. Para além dos exageros de linguagem, a mensagem é esta: o egoísmo e a indiferença para com o irmão não têm lugar no Reino de Deus.

ATUALIZAÇÃO

Considerar os seguintes pontos:

• Quem é que a nossa sociedade considera uma “pessoa de sucesso”? Qual o perfil do homem “importante”? Quais são os padrões usados pela nossa cultura para aferir a realização ou a não realização de alguém? No geral, o “homem de sucesso”, que todos reconhecem como importante e realizado, é aquele que tem dinheiro suficiente para concretizar todos os sonhos e fantasias, que tem poder suficiente para ser temido, que tem êxito suficiente para juntar à sua volta multidões de aduladores, que tem fama suficiente para ser invejado, que tem talento suficiente para ser admirado, que tem a pouca vergonha suficiente para dizer ou fazer o que lhe apetece, que tem a vaidade suficiente para se apresentar aos outros como modelo de vida… No entanto, de acordo com a parábola que o Evangelho propõe, o critério fundamental usado por Jesus para definir quem é uma “pessoa de sucesso” é a capacidade de amar o irmão, sobretudo o mais pobre e desprotegido. Para mim, o que é que faz mais sentido: o critério do mundo ou o critério de Deus? Na minha perspectiva, qual é mais útil e necessário: o “homem de sucesso” do mundo ou o “homem de sucesso” de Deus?

• O amor ao irmão é, portanto, uma condição essencial para fazer parte do Reino. Nós cristãos, cidadãos do Reino, temos consciência disso e sentimo-nos responsáveis por todos os irmãos que sofrem? Os que não têm trabalho, nem pão, nem casa, podem contar com a nossa solidariedade ativa? Os imigrantes, perdidos numa realidade cultural e social estranha, vítimas de injustiças e violências, condenados a um trabalho escravo e que, tantas vezes, não respeita a sua dignidade, podem contar com a nossa solidariedade ativa? Os pobres, vítimas de injustiças, que nem sequer têm a possibilidade de recorrer aos tribunais para que lhes seja feita justiça, podem contar com a nossa solidariedade ativa? Os que sobrevivem com pensões de miséria, sem possibilidades de comprar os medicamentos necessários para aliviar os seus padecimentos, podem contar com a nossa solidariedade ativa? Os que estão sozinhos, abandonados por todos, sem amor nem amizade, podem contar com a nossa solidariedade ativa? Os que estão presos a um leito de hospital ou a uma cela de prisão, marginalizados e condenados em vida, podem contar com a nossa solidariedade ativa?

• O Reino de Deus – isto é, esse mundo novo onde reinam os critérios de Deus e que se constrói de acordo com os valores de Deus – é uma semente que Jesus semeou, que os discípulos são chamados a edificar na história (através do amor) e que terá o seu tempo definitivo no mundo que há de vir. Não esqueçamos, no entanto, este fato essencial: o Reino de Deus está no meio de nós; a nossa missão é fazer com que ele seja uma realidade bem viva e bem presente no nosso mundo. Depende de nós fazer com que o Reino deixe de ser uma miragem, para passar a ser uma realidade a crescer e a transformar o mundo e a vida dos homens.

• Alguém acusou a religião cristã de ser o “ópio do povo”, por pôr as pessoas a sonhar com o mundo que há de vir, em lugar de as levar a um compromisso efetivo com a transformação do mundo, aqui e agora. Na verdade, nós os cristãos caminhamos ao encontro do mundo que há de vir, mas de pés bem assentes na terra, atentos à realidade que nos rodeia e preocupados em construir, desde já, um mundo de justiça, de fraternidade, de liberdade e de paz. A experiência religiosa não pode, nunca, servir-nos de pretexto para a evasão, para a fuga às responsabilidades, para a demissão das nossas obrigações para com o mundo e para com os irmãos.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 34º DOMINGO DO TEMPO COMUM

1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 34º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

2. DURANTE A CELEBRAÇÃO.
Porque se trata da “Parusia”, da vinda de Cristo na glória, no fim dos tempos, procurar-se-á visualizar, se possível com um pôster, um símbolo que signifique a glória de Cristo que vem sobre o mundo. Além disso, procure-se, ao longo da celebração, pôr em realce as diversas aclamações a Cristo, particularmente festejado hoje.

3. PALAVRA DE VIDA.
A sua coroa será feita de espinhos… O seu trono será uma cruz… O seu poder diferente do poder do mundo… O seu mandamento será o do Amor… A sua armada será composta por homens desarmados… A sua Lei são as bem-aventuranças… O seu Reino será um mundo de paz… Decididamente, este rei não é como os outros, porque o seu Reino não é deste mundo. Contudo, nós somos os seus sujeitos convidados a segui-l’O, e mesmo a fazer com que se realize este Reino. Fazemo-lo sempre que somos artífices da paz e nos amamos como Ele nos ama. Nada mais… mas nada menos.

4. UM PONTO DE ATENÇÃO.
Valorizar as aclamações.
Pôr em realce, hoje, as aclamações habituais. Um belo ícone de Cristo em majestade pode ser colocado em destaque, no princípio da celebração, durante o cântico de entrada. Depois das palavras de introdução, canta-se o Glória a Deus, cuja maior parte é um hino a Cristo. O Aleluia será a ocasião de uma aclamação solene, mais desenvolvida hoje, enquanto o Evangeliário é apresentado à assembléia. No final da celebração, alguém pega no ícone e apresenta-o à assembléia, que canta um cântico de glória a Cristo. O cântico que serve de anamnese na Eucaristia pode ser retomado aqui em forma de aclamação.

5. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Dar ternura e reconforto aos “pequenos”.
Pessoalmente e em comunidade cristã, empenhemo-nos nesta semana em dar, em nome do Senhor, ternura e reconforto aos “pequenos” até aqui ignorados e tão próximos (no nosso prédio, bairro, cidade).


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