Escatologia



ESCATOLOGIA

              É importante compreender que nossa esperança repousa unicamente em Cristo: sua Ressurreição é garantia e modelo da nossa: o destino de Jesus na sua morte e ressurreição é o único critério para o cristão; é a garantia da nossa Esperança. Aquilo que aconteceu nele é feliz antecipação da nossa herança futura.
            A Escritura nos ensina que a Parusia do Senhor Jesus, sua Manifestação gloriosa no final dos tempos, será causa da Ressurreição dos mortos: Cristo glorioso glorificará toda a humanidade, vivos e mortos! “Esperamos o Salvador Jesus Cristo, que transformará nosso mísero corpo, tornando-o semelhante ao seu corpo glorioso, em virtude do poder que tem de sujeitar a si toda criatura” (Fl 3,20s).
            É importante, desde já, fazer uma distinção sobre o modo como o Novo Testamento utiliza a palavra ressurreição. Há três modos de usá-la: 
·       em sentido figurado: como volta de um morto a esta vida. É o caso da “ressurreição” de Lázaro, da filhinha de Jairo, do filho da viúva de Naim... etc. Aqui não se trata rigorosamente de ressurreição no sentido cristão da palavra, mas de revitalização: ou seja, alguém estava morto e voltou a esta vidinha nossa... e, depois, morrerá novamente!
·       em sentido neutro: como passo prévio ao juízo: o homem não ficará na morte: ele, quer salvo, quer condenado, continuará vivendo após a morte. Todos “ressuscitarão” para serem julgados! Este não é ainda o sentido teologicamente mais profundo, mais forte e verdadeiro de ressurreição;
·       em sentido teologicamente positivo: como plena participação e configuração à vida de Cristo ressuscitado. Tal ressurreição é reservada somente aos bons. Aqueles que viveram na comunhão com Cristo serão completamente transfigurados, transformados em Cristo ressuscitado: serão como o próprio Cristo: passarão desta vida para uma outra Vida, plena, realizada, eterna! Este último sentido é o que realmente tem importância e faz parte essencial do anúncio cristão; antes, é o próprio centro do Evangelho! Quando dizemos que Cristo ressuscitou e que, nele, nós ressuscitaremos, é neste último sentido que estamos falando! A Ressurreição que nos interessa é esta última! 
            A Ressurreição, então, é a passagem desta vida (limitada, ambígua, precária) para uma Vida plena, diversa desta nossa vida de agora: teremos a Vida do próprio Cristo ressuscitado, uma Vida divina, na qual nosso corpo e nossa alma serão transfigurados. Como diz a III Oração Eucarística para as crianças: “No Reino de Jesus ninguém mais vai sofrer, ninguém mais vai chorar, ninguém mais vai ficar triste!” Nosso corpo será transfigurado, como o de Jesus: não mais estará sujeito às leis da física, da matéria como a conhecemos agora; nossa alma também será ressuscitada, transformada: nunca mais teremos tristezas, depressão, saudades... seremos plenamente realizados, porque estaremos para sempre com o Senhor, que saciará todas as nossas sedes e realizará todos os mais profundos anseios do nosso coração! É isto que significa ressuscitar! Mas, vamos seguir passo a passo o Novo Testamento!
            Vejamos, primeiro, o ensinamento do próprio Jesus Cristo. No seu tempo, a Ressurreição era uma doutrina muito divulgada e aceita entre os judeus. Somente os saduceus achavam que a vida acabava com a morte (cf. Mc 12,18; At 23,6-8). Uma idéia que nunca existiu no meio do povo de Israel foi a da reencarnação - esta não tem nada a ver com a Bíblia! Contra os saduceus, Jesus ensinou que Deus é o Deus dos vivos e não dos mortos: ele é o Deus que ressuscita seus amigos (cf. Mc 12,18-27). Ainda para Jesus, essa vida após a morte será vida com o corpo e não somente como a alma: “Não tenhais medo dos que matam o corpo mas não podem matar a alma. Deveis ter medo daquele que pode fazer perder-se a alma e o corpo no inferno” (Mt 10,28). Observe-se bem que segundo o Evangelho, corpo e alma sofrerão no inferno: “Se teu olho direito te leva a pecar, arranca-o e joga longe de ti, pois é preferível perder um dos teus membros do que teu corpo inteiro ser lançado no inferno. E se tua mão direita te leva a pecar, corta-a e joga longe de ti, pois é preferível perder um dos teus membros do que teu corpo inteiro ser lançado no inferno” (Mt 5,29s). É o homem todo, no seu corpo e na sua alma, que é salvo ou condenado! A idéia de uma alma desencarnada que não tem nada a ver com o corpo, é totalmente contrária ao pensamento bíblico! Jesus ensina também que bons e maus “ressuscitarão” (no segundo sentido, que apresentamos acima) para o julgamento: e, assim, uns ressuscitarão para a Vida (verdadeira Ressurreição: estar com Cristo e, com ele, ser glorificado) e outros ressuscitarão para a morte (ressurreição em sentido figurado: viver no Inferno, viver na morte!): “Não vos admireis, porque vem a hora em que todos os que estão mortos ouvirão sua voz. Os que praticaram o bem sairão dos túmulos para a ressurreição da vida; os que praticaram o mal ressuscitarão para serem condenados” (Jo 5,28s). O próprio Senhor ensinou também que, após a sua Ressurreição, aqueles que comessem, na Eucaristia, seu corpo ressuscitado, pleno de Vida eterna, ressuscitariam também com ele e como ele. Ressurreição, aqui, no sentido forte, profundo, verdadeiro: “Jesus lhes disse: “Na verdade eu vos digo: se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come minha carne e bebe meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia. Quem come minha carne e bebe meu sangue permanece em mim, e eu nele” (Jo 6,53s.56).
            Assim, Jesus não somente anunciou sua própria Ressurreição (cf. Mc 8,31; Mt 16,21ss; Lc 9,22, etc), como também ensinou que todos ressuscitariam através dele! Há uma passagem em Mateus que mostra bem isto: “Os túmulos se abriram e muitos corpos de santos ressuscitaram. Eles saíram dos túmulos, depois da ressurreição de Jesus, entraram na Cidade Santa e apareceram a muitos” (Mt 27,52s). Qual o significado deste trecho tão misterioso? Será que os mortos voltaram a viver e entraram em Jerusalém, espantando as pessoas?! Não! Não é isto que Mateus quer dizer! Ele quer afirmar somente que a Ressurreição de Cristo é causa da nossa ressurreição. A Cidade Santa na qual os mortos entrarão é a Jerusalém celeste, a Glória do Corpo de Cristo, isto é, o Céu (cf. Ap 21,2.10; 22,19). Mateus usa, aqui, aquele tipo de linguagem que os estudiosos da Bíblia chamam de apocalíptica: uma linguagem cheia de figuras!!
            Concluindo, por enquanto: 1) Jesus ensinou a Ressurreição; 2) ensinou que ressuscitaremos em todo o nosso ser, corpo e alma; 3) ensinou que há uma Ressurreição para a Vida (verdadeira Ressurreição) e uma ressurreição para a morte (para a condenação: ressurreição às avessas!); 4) o próprio Jesus é a causa da nossa Ressurreição: ressuscitaremos porque ele ressuscitou! 
            Vimos que Jesus nos prometeu a ressurreição: ressuscitaremos nele e por ele: “Eu sou a Ressurreição!” (Jo 11,25), ressuscitaremos em todo o nosso ser, corpo e alma. Agora, nos perguntamos: como e quando será isso?
            Ressuscitaremos da morte, que é o término de nossa vida terrena. Mas, que é a morte? É certo que, com ela, a condição humana chega a seu ponto culminante e também a seu ponto crítico, pois esta experiência da morte toca o homem não somente pela dor da progressiva dissolução de seu corpo como também pelo temor da desaparição perpétua. Não podemos, portanto, fazer de conta que a morte não existe ou, se existe, diz respeito aos outros e não a nós. Pelo contrário: a morte dos outros deve recordar-nos que também nós morreremos: com a morte, realiza-se o ponto crítico da passagem desta vida para uma outra situação - aquela podemos esperar somente na fé. Todo organismo vivo decai até chegar à morte natural. Não dá para escapar da morte. A medicina pode prolongar a vida, mas não pode evitar a morte
            Mas, o que significa morrer? A morte, primeiramente, revela nossa finitude, nossa limitação! Que estranho é o ser humano: sonha com a vida, deseja a vida... mas sabe que um dia morrerá! Aliás, o homem é o único ser que sabe que morrerá... por isso mesmo, a morte não é somente uma questão física, biológica: não é apenas um corpo que morre e vira cadáver; é uma pessoa que morre! Eu não digo: “Meu corpo morre”, ao invés, digo e sinto: “Eu morro!” São minhas relações, é minha história, meus sonhos, que são colocados em crise com a morte! E é interessante: em geral, aproximamo-nos da morte exatamente quando mais queremos viver, quando, já adultos, damos tanto valor à vida e somos já maduros. Em certo sentido, nunca estamos prontos para morrer, mas para viver. E é assim, já que Deus é o Deus vivo e nos criou para a vida e não para a morte. A morte terá sempre um gostinho amargo, mesmo para quem crê. A morte com gosto de morte entrou no mundo pelo pecado (cf. Sb 2,23s). Nossa passagem pelo mundo deveria terminar com o desabrochar da eternidade, sem esta experiência dolorosa a que chamamos morte. A morte como experiência negativa e ameaça do nada é conseqüência do pecado (cf. Rm 6,23). A morte, como nós experimentamos atualmente, na nossa situação de pecadores, não é somente uma questão biológica, física; é também uma decadência pessoal, existencial. É dolorosa no corpo e na alma! Tem um gosto de derrota, de salto no escuro, de pulo no desconhecido! E não adianta fingir que a morte não existe! O que nossa fé nos ensina é exatamente isso: Deus não é o autor dessa situação de morte em que vivemos: as mortes de cada dia, de cada derrota, de cada sofrimento, de cada injustiça, traição ou lágrima... tudo isso é conseqüência de uma humanidade pecadora.... Tampouco Deus é o autor da última morte, daquela que marca o término da nossa vida terrena... Se a experimentamos como derrota, dissolução, salto no escuro... é devido à situação de pecado. Se o homem não tivesse dito “não” a Deus, não experimentaria a partida deste mundo como morte, como derrota dolorosa, como salto no escuro...
            É dessa morte que Cristo, o Ressuscitado, nos liberta: “Eu sou a Ressurreição!” Ora, desde o Batismo, estamos unidos a ele; vamos morrendo com ele nesta vida para, enfim, ressuscitar também com ele, participando da sua ressurreição: para nós, morrer é morrer com Cristo e como Cristo, é completar em nós a morte de Jesus para que a vida ressuscitada de Jesus nos plenifique. Assim, aquele que é batizado já não vê na morte o angustioso fim do seu ser, mas a possibilidade última e mais radical de configuração com seu Modelo, que é Cristo ressuscitado. Sim, seremos como Cristo ressuscitado! Vista deste modo, a morte torna-se o ato que deve ser vivido com vontade de entrega livre e amorosa, na esperança da ressurreição. A morte torna-se um co-morrer com Cristo para co-ressuscitar com ele: ”Com ele fomos sepultados pelo batismo na morte para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim também andemos em novidade de vida. Pois, se estamos inseridos no solidarismo de sua morte, também o seremos no da ressurreição” (Rm 6,4s). Desde o Batismo começamos a morrer com Cristo, isto é, começamos a viver as mortes de cada dia como participação na morte do Senhor. Tal participação deve ser ratificada pela mortificação de cada dia, pela participação da Eucaristia, que é mergulho na morte e ressurreição do Senhor Jesus. Assim, o cristão vai se apropriando da própria morte e dando-lhe um sentido, fazendo de sua morte uma morte-ação, morte como união com o Cristo morto! Morrer, para o cristão, já não deveria ser uma fatalidade: ele deveria dizer: “Morro a cada dia, em cada lágrima, em cada tristeza, em cada derrota... Mas não morro como um derrotado: uno minhas mortes à morte do Senhor, para como ele ressuscitar!” A morte, assim, vai ganhando sentido em nós, vai se tornando uma realidade humana e cristã, e não uma fatalidade biológica. Enquanto isso, para quem não se abre para o Cristo, para quem o refuta, a morte vai sendo experimentada a cada dia como poder aniquilador, vazio do ser e total fracasso da existência... Assim, vamos morrendo e caminhando para o encontro com Cristo. Para nós, com efeito, a morte tem também este aspecto belíssimo: é um encontro com o Senhor: “Ficai preparados, porque, numa hora que não pensais, o Filho do homem virá” (Lc 12,40).
Sim, Jesus virá: ele é aquele que vem ao nosso encontro (cf. Mt 11,2): “Vou e retorno a vós” (Jo 14,18.28). Ele vem vindo sempre na nossa existência: veio no Batismo, quando entramos em comunhão com sua morte e ressurreição, vem sobretudo na Eucaristia, quando mergulhamos na sua Páscoa e já experimentamos o gosto da comunhão com ele, vem a cada dia para nos fazer passar da “carne” (pecado) ao “espírito” (vida no Espírito Santo). Finalmente, ele virá na passagem definitiva, no momento do encontro final. Por isso mesmo Paulo exclamava: “O meu desejo é partir para estar com Cristo” (Fl 1,23). Assim, morrer é ir ao encontro do Salvador que vem, quem irrompe com sua Glória na minha pobre existência; morrer é ser surpreendido por Cristo, é ser invadido pela sua Vida divina e plena. Santa Teresinha dizia com sabedoria: “Não é a morte que virá me buscar, é o bom Deus!”
Pois bem: eis a conclusão maravilhosa: não morreremos sozinhos; morreremos como Cristo e com Cristo; mais ainda: morreremos em Cristo. Ele não vem sozinho ao nosso encontro! Ele é o primogênito dentre os mortos, é a Cabeça da Igreja. Tendo sido batizados, morremos como membros do seu corpo, que é a Igreja e morremos no seu corpo. Assim, não morremos sozinhos: morremos na comunidade dos santificados, dos batizados! A morte será o passar da Igreja terrestre para a Igreja da Glória. É também mistério de comunhão com os irmãos que ficam e que fazem parte do Corpo de Cristo, que é a Igreja!  
O que ressuscitará em mim? 
            Comecemos deixando claro que, para a Sagrada Escritura, o homem é um todo, corpo e alma espiritual ou em outra linguagem, corpo, alma e espírito. Nós temos a dimensão material (nosso corpo) e aquela dimensão imaterial (a que denominamos alma). São dimensões, não pedaços nossos! Eu sou um todo: sou meu corpo e sou minha alma! É absolutamente contrário à Sagrada Escritura e a uma sã antropologia pensar o ser humano simplesmente como um espírito que “tem” um corpo, que está encarnado num corpo! Nada disso: sou corpo e alma!
            Pois bem, dizer que ressuscitarei, é afirmar que todo o meu ser, corpo e alma, é chamado à comunhão com o Cristo. Não é um pedaço de mim que vai ressuscitar, mas eu todo! Minha alma, sede de toda a minha vida inteligente, afetiva, sentimental e espiritual, será ressuscitada; também meu corpo, com o qual eu amei, chorei, sorri, criei relações, exprimi sentimentos, também será transfigurado!
            Meu corpo ressuscitará: São Paulo diz de modo belíssimo: “Semeado corruptível, o corpo ressuscita incorruptível; semeado desprezível, ressuscita reluzente de glória; semeado na fraqueza, ressuscita cheio de força; semeado corpo psíquico, ressuscita corpo espiritual” (1Cor 15,42-44). É interessante que a ressurreição da carne sempre foi escândalo, já no novo Testamento: os atenienses zombaram de São Paulo, quando este falou sobre ela: “Ao ouvirem falar da ressurreição dos mortos, alguns começaram a zombar, enquanto outros diziam: ‘A respeito disto, te ouviremos outra vez’” (At 17,32). Como os espíritas atuais e os espiritualistas de todas as épocas, os gregos aceitavam que a alma era imortal e “desencarnava”... mas que também o corpo ressuscitava, não aceitavam de modo algum! Até os cristãos de Corinto, na Grécia, pensavam que a ressurreição era somente espiritual. São Paulo os repreende duramente: “Se se proclama que Cristo ressuscitou dos mortos, como podem alguns dentre vós dizer que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou!” (1Cor 15,12s). É o mesmo engano dos espíritas e de todos os espiritualistas! Nós cremos que nosso corpo também ressuscitará.
            Mas como isso é possível? Ele será destruído totalmente e, mais ainda, já nesta vida, meu corpo vai mudando, células vão morrendo e outras vão nascendo... Por um lado é meu corpo mas, por outro, é sempre e continuamente renovado... Então, como ressuscitará? O engano aqui é querer descrever o corpo da ressurreição! Também os coríntios perguntavam a São Paulo como isso seria possível: “Mas, dirá alguém, como ressuscitam os mortos?” E o Apóstolo respondia com firmeza e quase indignação: “Insensato!” (1Cor 15,36). Não se pode descrever o corpo da ressurreição, não se pode imaginar como será, e isso por uma razão simples: o corpo da ressurreição não pertence mais a este mundo. Será o meu corpo, mas não mais do modo como eu agora o possuo; será minha matéria, mas totalmente transfigurada pelo Espírito do Ressuscitado: “Semeado corpo psíquico, ressuscita corpo espiritual” (1Cor 15,44). Um dos grandes enganos de muitos teólogos atuais é a preocupação em imaginar como será possível um corpo ressuscitado a partir do nosso pobre corpo mortal. É totalmente impossível qualquer descrição! Basta pensar no corpo do Ressuscitado: era seu corpo, o mesmo que fora crucificado e os apóstolos conheciam tão bem: tinha as marcas da paixão (cf. Lc 24,40; Jo 20,27); e, no entanto, eles tinham dificuldades em reconhecer o Senhor, pois seu corpo estava agora glorificado: “Depois disso, manifestou-se em outra forma a dois deles” (Mc 16,12); “Seus olhos estavam impedidos de reconhecê-lo. Ele ficou invisível diante deles” (Lc 24,16.31); “Já amanhecera, Jesus estava de pé, na praia, mas os discípulos não sabiam que era Jesus” (Jo 21,4). Então: é pela potência do Espírito do Ressuscitado que nosso corpo ressuscitará como o corpo do Cristo glorioso. Especular mais que isso, é inútil e presunçoso.
            E a alma? Também ressuscita. É importante não confundir ressurreição com imortalidade! Os espíritas confundem direitinho as duas coisas! Dizer que a alma é imortal é dizer que ela, por ser imaterial, não pode ser desagregada, decomposta, destruída. Mas isso não quer dizer que ela tem a garantia de ser feliz. Muito pelo contrário: a alma, simplesmente entregue a si mesma, teria as mesmas privações que já tem aqui: solidão, medo, tristeza, angústia, incompletude, etc...Afirmar que a alma ressuscita é afirmar que ela também – e não só o corpo! – será transfigurada e glorificada: nada mais de tristeza, solidão, saudade, angústia, medo... O mesmo Espírito Santo que ressuscitou Jesus será a vida de nossa alma: passaremos de uma vida simplesmente psíquica para uma vida espiritual (= “espirituada”)!
            Então, em todo o nosso ser, corpo e alma, estaremos com o Senhor, revestidos totalmente de sua glória, participando da sua ressurreição! 
Como e quando será a ressurreição? 
            Nossa ressurreição é um processo que inicia logo após a morte e terminará na Parusia: logo após a morte, com uma dimensão mais individual e na Parusia do Senhor, com uma dimensão mais marcadamente comunitária e cósmica. Vejamos:
            A morte, além de ser uma realidade que me atinge como “eu”, como identidade e como alguém que vive neste mundo em relações com as coisas e as pessoas, é também uma dilaceração de minha unidade psicossomática: meu corpo e minha alma, inseparáveis, separam-se! Por isso também a morte é experimentada por nós como algo existencialmente doloroso, como uma realidade que traz em sai algo de violência... Eu sou meu corpo, e na minha corporeidade experimento a morte e a dissolução do meu corpo, que vai decompor-se até o nada. Eu sou minha alma, que padece a separação do corpo com o qual e para o qual foi criada.
Mas imediatamente após a morte, minha alma ressuscita, isto é, é transfigurada com Cristo e em Cristo. Note-se bem: a alma ressuscita! Não basta, para ela, ser imortal porque é indestrutível: isso não garantiria a felicidade da alma. Somente transfigurada pelo Espírito do Cristo ressuscitado, temos a plenitude! É nesta plenitude feliz que nossa alma entra logo após a morte. Isto é o céu: estar com Cristo; aí ninguém mais vai sofrer, ninguém mais vai chorar, ninguém mais vai ficar triste, ninguém mais vai ter saudade. Perder o Cristo é o inferno, que também começa logo após a morte para a alma dos condenados. Note-se que, para os cristãos, não é suficiente afirmar que a alma é imortal; é necessário afirmar também que ela ressuscitará e será plenificada em Cristo!
Mas, o que é a alma? É o nosso princípio de vida, de consciência e liberdade, é o núcleo de nossa personalidade, do nosso eu. Não é uma parte, um pedaço de mim, mas uma dimensão minha. Na minha alma, na minha dimensão anímica, eu tenho consciência de mim, de minha identidade: sei quem sou, sei o que quero, recorde plenamente o que fui e o que vivi! Então, logo após a minha morte uma minha dimensão – a alma! - já entra na plenitude de Cristo, mas o meu ser humano como um todo ainda não está totalmente glorificado: falta a dimensão corporal...
            Na Parusia do Senhor, quando ele se manifestar na sua glória, todo o mundo físico será glorificado e, aí também meu corpo, minha dimensão somática, física, material, será ressuscitada. Então, em corpo e alma eu estarei com o Senhor glorificado ou, estarei eternamente distante dele.
            Então, há duas afirmações que é necessário manter quisermos ser coerentes com a Tradição da Igreja e com os dados da Escritura: 1) após a morte não ficamos dormindo, mas já ressuscitamos; 2) esta ressurreição imediata atinge somente uma dimensão nossa – a alma; no final dos tempos, também nosso corpo ressuscitará. Nosso corpo não ressuscita logo após a morte, mas somente no final dos tempos, no Dia da Ressurreição!
            Alguns teólogos perguntam: como pode existir uma alma separada? É preciso ter cuidado com esta questão! Filosoficamente falando, não pode existir alma separada neste mundo: a alma foi feita para animar o corpo e o corpo só é corpo humano porque animado por uma alma humana! Isto vela para este mundo! Com a morte, nós saímos deste mundo e, então, não há muito que a filosofia ou a teologia possam falar sobre o além de modo descritivo. Não podemos descrever nossa situação no além! Um outro ponto importante, a ser tomado em consideração: o modelo do que acontecerá conosco após a morte é Cristo! Ora, entre sua morte e ressurreição, enquanto seu corpo era destruído pela morte, no túmulo, sua alma humana não estava ali, unida ao corpo; não estava morta, apesar de ainda não estar glorificada! Então, não é impossível falar numa alma “separada”. Além do mais, a alma não fica propriamente separada: desde o Batismo e pela Eucaristia estamos incorporados em Cristo, no seu corpo, que é a Igreja: mesmo sem o nosso corpo físico e individual, estamos inseridos em Cristo e unidos ao seu corpo! Mesmo antes da ressurreição final do nosso corpo, não somos alma sem corpo algum, separada de todo corpo! Estamos no corpo de Cristo! Como é isto? Não podemos descrever nem imaginar, pois são realidades que pertencem ao mundo futuro! Sabemos disso, no entanto, pela fé naquilo que o Novo Testamento atesta e a contínua Tradição da Igreja ensina.
            Quanto ao modo como o corpo ressuscitará no final dos tempos, já vimos nos artigos passados; basta dar uma olhadinha.
            Uma última observação: em Maria, a Virgem, a ressurreição já foi totalmente realizada. Ela – e somente ela entre todos os santos – já está totalmente com Cristo, em corpo e alma, devido à sua singularíssima união com o Cristo!
            Ficamos por aqui. Espero que, de modo geral, algumas questões sobre o além tenham ficado mais clara. Para uma apresentação mais detalhada, leia uma série de artigos sobre escatologia, que escrevi neste mesmo site.

01. Escatologia - Sobre o fim do mundo!

            Este tópico deveria chamar-se “Escatologia”. Mas, se eu colocasse este título, quem iria lê-lo? Com o título que escolhi, tenho certeza que ninguém resistirá à curiosidade!
            O presente escrito é o primeiro de uma série que pretendo apresentar sobre a Escatologia, a parte da teologia que trata das “últimas coisas”, dos novíssimos, como se dizia antigamente... “morte, juízo, inferno e paraíso”. É assim que se aprendia no catecismo.
            Mas, para que possamos compreender bem a Escatologia cristã, é necessário, antes, entender uma coisa muito importante: o centro da esperança cristã é Cristo ressuscitado; assim, ele é também o centro de tudo aquilo que vamos afirmar nestes tópicos. Jesus é o centro da fé e da história humana: tudo quanto o Pai fez e pensou para a humanidade e o mundo foi através de Cristo e somente em Cristo terá sua realização (cf. Cl 1,15-20). Portanto, as coisas últimas que acontecerão nada mais são que o cumprimento amoroso daquilo que o Pai sonhou para nós desde o início em Cristo: “Disse-me, então: “Está feito. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. A quem tiver sede, darei gratuitamente água da fonte da vida” (Ap 21,6). Jesus é, assim, o Fim (quer dizer, a Finalidade, Escaton, em grego) de toda a criação e de toda a humanidade: Jesus é o nosso único Futuro; Futuro certo, Futuro para o qual tudo quanto foi criado caminha: ele é o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim!
            Este Futuro nosso, que é Jesus, tem quatro características:
·       É um Futuro Absoluto. Nós estamos acostumados com tantos futuros: todo dia planejamos e enchemos a agenda de compromissos; fazemos planos para o futuro. Os futuros que esperamos e planejamos podem acontecer ou não... e, se acontecerem, um dia vão virar passado. É, assim: de futuro em futuro, nossos futuros vão se tornando presentes e, depois, passados... Mas, quando dizemos que Cristo é um Futuro absoluto, estamos afirmando que ele vai acontecer de certeza porque tudo foi criado pelo Pai através dele e para ele. Cristo é o único Futuro certo da humanidade! E mais ainda: é o Futuro que nunca será passado. Quando ele vier, quando estivermos nele, seremos plenos; nós e toda a criação... para sempre!
Ele é um Futuro que vem. Este Futuro, que é o próprio Cristo, é vinda, é chegada! Nos nossos futurozinhos, somos nós que vamos até eles, eles estão sempre dentro do tempo: viram presente e depois passado. Nossos futuros vão sendo feitos de presente: com o presente vou plantando o futuro, vou caminhando para ele. Com Cristo não é assim: ele vem e vem trazendo algo novo: um mundo novo, uma vida nova, uma Glória sem fim, que vai transformar tudo! Ele será a Novidade que vai renovar toda esta velha criação, toda esta velha humanidade! Quando ele vier fará novas todas as coisas (cf. Ap 21,5). É por isso que não podemos nem pensar direito como será o final dos tempos e a Vida na eternidade: é Futuro novo, é algo muitíssimo diferente deste mundo que conhecemos. Não tem nada a ver com aquele céu boboca da novela “A Viagem”, nem com as coisas que a gente imagina. Por isso a Escritura exclama: “Santo, santo, santo
é o Senhor Deus, o Todo-poderoso, que era, que é e que vem” (Ap 4,8). Não se diz: “Deus que era, que é e que será”, mas “Deus que vem!”... vem como novidade que enche de alegria a vida do mundo e a nossa, porque vem trazendo a graça e a salvação! Por isso mesmo Jesus ensinou a pedir no Pai nosso: Venha o teu Reino!” E a Bíblia  termina pedindo: “Vem Senhor Jesus!” (Ap 22,20).
·       Ele é um Futuro que já se faz presente. Este Futuro, que é Cristo, que será uma novidade linda para toda a criação, é também um Futuro já presente de modo misterioso. Ele está vivo, ressuscitado no nosso meio, agindo pela força do seu Espírito. Basta pensar na Eucaristia e nos demais sacramentos, na graça que Cristo derrama no nosso coração. Quantas vezes a gente experimenta o aperitivozinho do céu aqui na terra, quando experimenta a união com Cristo no nosso coração! Estar com Cristo agora é já o início do Futuro que virá!
·       Este Futuro exige uma resposta humana. Este Futuro que é Cristo, vem ao nosso encontro; mas nós também vamos ao encontro dele. Como? Respondendo-lhe “sim” na nossa vida! Cada escolha nossa, cada palavra, cada decisão, cada ato, é um “sim” ou um “não” a esse Futuro, a Cristo. Então, nossas ações neste mundo têm já um gosto de eternidade, preparam o nosso encontro com o Senhor que vem. Não existe ação neutra: é sim ou não ao Cristo que vem! 
Ainda uma coisa, para terminar: se Cristo é o nosso Futuro, o nosso Fim último, a nossa Finalidade, nosso Destino, nosso Porto, então, tudo aquilo que vai acontecer conosco e com o mundo, no final dos tempos, somente pode ser compreendido a partir de Cristo: ele é o Fim Último (Escaton) que dá sentido às “coisas últimas” (escatà). Por exemplo: só poderemos compreender o que é a morte, o céu, o inferno, o purgatório, o juízo, etc... se colocarmos tudo isto em relação com Cristo ressuscitado, nosso Destino! É isto que vamos fazer neste série de tópicos. Então a gente vai ver quanto é bela a esperança cristã!
Guardemos bem isto: a esperança cristã não tem outro objeto a não ser o próprio Deus, Futuro absoluto e definitivo do homem, que vem a nós em Jesus Cristo. Assim, podemos compreender as palavras de um grande teólogo deste século: “Deus é o fim último (Escaton) das criaturas: ele é o céu para quem o alcança, o inferno para quem o perde, o juízo para quem por ele é examinado, o purgatório para quem é por ele purificado... e tudo isto no modo em que ele dirigiu-se ao mundo, isto é, no seu Filho, Jesus Cristo, que é a revelação de Deus e, portanto, a síntese das coisas últimas!”
            Resumindo: nosso Fim é Deus que vem a nós em Jesus Cristo para nos salvar. Nele tudo se explica: o céu é estar com ele; o inferno é perdê-lo; o juízo é se ver na sua luz; o purgatório é ser purificado no seu amor e verdade! 

2. A Vinda do Senhor  segundo o Antigo Testamento 

            Vimos, no tópico passado, que o Futuro que Deus prepara para o mundo todo e para os cristãos é o próprio Cristo: a criação toda caminha para ele, a história caminha para ele, nossa vida caminha para ele!
            No Credo nós professamos, conforme a Escritura, que o Senhor Jesus ressuscitado “está sentado à Direita de Deus Pai, donde há de vir em sua Glória para julgar os vivos e os mortos. E o seu Reino não terá fim”.
            Esta Vinda gloriosa de Cristo no final dos tempos é chamada de Parusia do Senhor. A palavra grega “parusia” era usada para significar a chegada solene do rei em uma determinada cidade. Quando ele chegava, provocava um ambiente de alegria e distribuía ao povo benefícios e alimentos em fartura. Os cristãos, ao pensarem na vinda do Cristo como Rei eterno, que virá trazendo a alegria da salvação final, deram a este último acontecimento da história humana o nome de Parusia do Senhor.
            A idéia de que haveria um Dia do Senhor já existia desde o Antigo Testamento. O povo de Israel sempre soube que o seu Deus era o Senhor dos tempos, Deus que age na história humana, levando o seu povo para um futuro sempre melhor e cheio de esperança. Se observarmos bem os textos do Antigo Testamento aparece claro que Deus sempre está prometendo ao seu povo um futuro de bênção e felicidade: ele é o Deus da Promessa, o Deus que nunca fica parado no presente, o Deus que sempre faz o povo caminhar ao encontro do futuro que o Senhor preparou, futuro sempre melhor, futuro de vida. Por isso mesmo aparece tanto nos profetas aquelas expressões: “eis que virá um tempo”, “eis que virão dias”, “naqueles dias”, “acontecerá no fim dos dias”... Assim, enquanto para os pagãos o tempo nunca mudava e tudo que já tinha acontecido ia continuar sempre acontecendo e o mundo não tinha jeito mesmo, para o povo de Deus a história do mundo e a história do povo de Israel caminham para um destino, uma finalidade, uma plenitude, que o próprio Deus prometeu e preparou! Bastava que o povo não se fechasse para Deus, que aceitasse caminhar com o Senhor. Isto é muito importante, pois fica claro que não existe destino: o homem é chamado a construir seu destino dizendo sim a Deus e caminhando para o futuro que ele lhe preparou. Cada pessoa é livre: pode dizer sim ou não ao convite de Deus!
            É assim que Israel vai tendo cada vez mais certeza de que Deus age na história, conduzindo todos os acontecimentos. O povo da Bíblia sabe que pode se confiar nas mãos do Senhor e esperar num futuro no qual Deus vai agir de modo pleno, com uma intervenção fulgurante, mudando toda tristeza do seu povo em alegria, toda opressão em liberdade, todo pranto em sorriso, toda morte em vida. Todo sofrimento do povo de Israel, todas as suas humilhações terão fim e Deus vai consolar para sempre o seu povo, numa nova situação, em que não haverá mais dor, opressão, pecado nem morte. Este futuro é conhecido, no Antigo Testamento, com o nome de Dia do Senhor. Será um Dia de Julgamento e de derrota para todo o pecado do mundo, para todo o mal praticado na história humana e um Dia de salvação e vitória para todos os amigos de Deus, particularmente para o povo de Israel. Por exemplo: “Os olhos orgulhosos do homem serão humilhados, e será abatida a arrogância humana; naquele Dia só o Senhor será exaltado. Porque é o Dia do Senhor Todo-poderoso contra tudo que é orgulhoso e arrogante, contra tudo que se exalta e que será humilhado (...); só o Senhor será exaltado naquele dia. Os ídolos desaparecerão completamente...” (Is 2,11s.18s). É importante observar que quando o Antigo Testamento fala desse Dia do Senhor usa comparações, imagens, figuras, metáforas, para ensinar que será um Dia solene e decisivo, Dia da verdade, Dia de julgamento, Dia que envolverá não somente a humanidade, mas toda a criação: “Tocai a trombeta em Sião, dai alarme em minha montanha santa! Tremam todos os habitantes do país, porque está chegando o Dia do Senhor! Sim, está próximo! É um Dia de trevas e escuridão, um Dia de nuvens e obscuridade”! (Jl 2,1s); “Colocarei sinais no céu e na terra, sangue, fogo e colunas de fumaça! O sol se transformará em trevas, a lua em sangue, antes que chegue o Dia do Senhor, grande e terrível”! (Jl 3,3s); “Eis que vem o Dia, que queima como um forno. Todos os arrogantes e os que praticam o mal serão como palha; o Dia que vem os queimará de modo que não lhes restará raiz nem ramo. Mas para vós que temeis o meu nome, brilhará o sol de justiça, que traz a cura em seus raios” (Ml 3,19s). Nestes textos, a imagem da trombeta significa solenidade, julgamento (pois os julgamentos e as entradas dos personagens solenes eram sempre anunciadas com o toque da trombeta), os sinais no céu e na terra são imagens para mostrar que esse Dia do Senhor terá importância para toda criação e o fogo recorda que o Senhor purificará sua criação de todo pecado e maldade. Trata-se de um tipo de linguagem chamado de linguagem apocalíptica, que descreve as coisas de modo bem estonteante, vivo, exagerado, em que o importante não são os detalhes, mas a idéia que as imagens querem transmitir!
            Mais uma coisa: aos poucos, os profetas vão descobrindo que este Dia do Senhor estará ligado à chegada de um personagem misterioso, chamado de Messias (= o Ungido de Deus) e, às vezes, de Filho do Homem: “Continuei a prestar atenção às visões noturnas, eis senão quando, com as nuvens do céu, vinha vindo um como filho de homem; ele avançou até junto do Ancião e foi conduzido à sua presença. Foram-lhe dados domínio, glória e realeza, e todos os povos, nações e línguas o serviam. Seu domínio é eterno e não acabará, seu reino jamais será destruído” (Dn 7,13-14). Esse Filho do Homem viria de junto de Deus (representado aqui pela imagem do Ancião, recordando a sua eternidade). Quando a profecia diz que ele vem sobre as nuvens, quer dizer que ele vem do mundo divino, que é alguém mais que um simples ser humano. Ele vem para estabelecer um reino eterno, reino de Deus, o Dia do Senhor! Assim, na esperança do povo de Deus, o Senhor mandaria Alguém, chamado de Messias ou Filho do Homem, um personagem misterioso, que traria consigo o Dia do Senhor.
            Então, resumindo: (1) o povo de Deus sempre soube que sua história estava nas mãos de seu Deus; (2) este Deus preparava para o seu povo um futuro de salvação, alegria, plenitude e paz, chamado Dia do Senhor, (3) este Dia será de julgamento para os maus e os opressores do povo eleito, um Dia eterno, de uma situação completamente nova, (4) este Dia será trazido pelo Filho do Homem, pelo Messias.

3. A Vinda do Senhor segundo o Novo Testamento - I 

            No tópico passado vimos que a Vinda do Senhor no final dos tempos é chamada de Parusia, que significa chegada, vinda de alguém importante e que traz consigo dons e bênçãos. Vimos também que já no Antigo Testamento Israel esperava pelo Dia do Senhor, Dia de salvação para os amigos de Deus e de julgamento para os maus. Este Dia do Senhor, anunciado pelos profetas, estava ligado à vinda de um personagem misterioso: o Messias, o Filho do Homem.
            O Novo Testamento continuou falando no Dia do Senhor, relacionando tudo a Cristo: é ele o Messias, o Filho do Homem prometido pelo Antigo Testamento. Para os cristãos, o Cristo que veio para salvar, voltará com glória para levar tudo à plenitude da salvação. Esta Vinda ou Manifestação do Senhor Jesus era chamada pelos cristãos e pelo Novo Testamento com o nome de Dia do Senhor ou Parusia do Senhor. Esta Parusia de Cristo será Dia de alegria, de plenitude, de consumação, de glória. Será também Dia da Aparição do Senhor, que vai revelar toda a sua glória, toda a vitória da sua Ressurreição; vitória sobre o pecado, o egoísmo e a morte! A Vinda do Senhor será, portanto, uma verdadeira manifestação: todo o mundo verá e reconhecerá, finalmente, a soberania de Cristo!
            Nos primeiros tempos da Igreja esta Parusia foi ardentemente desejada e pensada como algo iminente, que iria acontecer logo, a qualquer momento. Mas, por que esta pressa da Vinda de Cristo? O motivo era este: se Jesus ressuscitou e tudo lhe está submetido é normal que se pensasse que o domínio do Senhor devesse manifestar-se rapidamente: quem tem a alegria da salvação, deseja logo a sua plenitude; fica impaciente para estar na plenitude do Cristo ressuscitado. Assim, encontramos nos textos mais antigos do Novo Testamento afirmações dessa proximidade da Parusia: “Irmãos, não queremos que ignoreis coisa alguma a respeito dos mortos, para não vos entristecerdes, como os outros homens, que não têm esperança. Se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, cremos também que Deus levará com Jesus os que nele morrerem. Eis o que vos declaramos conforme a palavra do Senhor: nós, que ficamos ainda vivos, não precederemos os mortos na vinda do Senhor. Quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, o próprio Senhor descerá do céu e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os vivos, que estamos ainda na terra, seremos arrebatados juntamente com eles para as nuvens, ao encontro do Senhor nos ares. Assim estaremos sempre com o Senhor” (1Ts 4,13-17).
É necessário fazer algumas observações sobre este texto:
·       Note-se que Paulo esperava para muito breve a Parusia; e não só: ele mesmo pensava que estaria vivo quando o Senhor viesse. Para ele, quem estivesse já morto ressuscitaria corporalmente e quem estivesse vivo seria transformado em Glória!
·       No entanto, é importante notar que Paulo não fazia cálculo algum... não fazia como as seitas nem como os videntes de fim de ano, contratados pelo “Fantástico” da Rede Globo! Não inventava datas para a Vinda do Senhor... somente esperava para logo... porque esperava ansiosamente, esperava com amor!
·       Quanto à linguagem que Paulo usa, é a linguagem apocalíptica, que exagera nas figuras e comparações: ele fala em “sinal”, em “som da trombeta”, em “voz do arcanjo”, em “ser arrebatado nos ares”, simplesmente para afirmar que nós seremos elevados até à Glória de Cristo Senhor. O som da trombeta significa que este momento será solene, como as chegadas dos grandes personagens e como os julgamentos: antigamente as trombetas soavam quando chegavam os reis e os juízes! Paulo, aqui, não quer descrever a Vinda do Senhor: é impossível fazer tal descrição porque o Dia do Senhor já não pertence a este mundo como nós conhecemos, mas será o começo de um mundo novo! Do mesmo modo a imagem do arrebatamento nos ares é somente uma imagem! As seitas se apegam a isto literalmente por pura e cristalina ignorância! 
O que era bonito nos cristãos é que eles não somente esperavam o Senhor, mas sobretudo desejavam sua Vinda. A primeira Comunidade cristã espera e deseja o Senhor na sua Parusia; tanto que exclamava freqüentemente: Marana thá! (= Vem, Senhor!) (cf. 1Cor 16,22; Ap 22,20). Portanto, é muito importante, para o cristão, viver no desejo da plena Manifestação do Senhor. A Liturgia latina exclama ainda hoje em cada Missa: “Anunciamos a vossa morte... vinde, Senhor Jesus!”
            Diante disto, uma questão pode ser colocada: os primeiros cristãos erraram, esperaram em vão ao pensar que o Senhor viria logo? Afinal, o tempo passou e o Senhor não veio! Para responder bem a esta questão é necessário primeiramente distinguir sentido cronológico e sentido teológico. É certo que, cronologicamente (ou seja, se olharmos o tempo contado pelos dias e anos), séculos já se passaram e o Senhor ainda não voltou; porém teologicamente (ou seja, do ponto de vista da fé), a certeza da manifestação de Jesus Cristo, o desejo dessa manifestação e a consciência de que ele é Senhor são tão profundas em nós e a sua salvação é tão presente na vida dos cristãos que, para nós a sua Vinda é algo próximo, que exige sempre de nós uma opção imediata, urgente, por ele em toda a nossa vida! A cronologia não é o mais importante! Sabemos que o Senhor virá e, nosso desejo é tanto que continuamos dizendo: ”o Senhor virá em breve: preparemo-nos! Sua Vinda é tão importante que o tempo é breve para nos converter!” É por isso mesmo que o Novo Testamento dá tanta importância à Parusia do Senhor, que levará tudo à plenitude. Tal expectativa revela o desejo e, ao mesmo tempo, a urgência da escolha - o tempo é breve!
            É interessante que já no tempo dos Apóstolos alguns cristãos começaram a perder o fervor porque o Senhor não voltava logo, Na sua Epístola São Pedro responde: “Deveis saber que nos últimos dias virão zombadores cheios de escárnio que vivem segundo suas próprias paixões, dizendo: ‘Onde está a promessa de sua vinda? Pois, desde que morreram os pais, tudo permanece igual desde o princípio da criação’. Mas há uma coisa, caríssimos, de que não vos deveis esquecer: um dia diante do Senhor é como mil anos e mil anos como um dia. O Senhor não retarda o cumprimento de sua promessa, como alguns pensam, mas usa de paciência para convosco. Não deseja que alguém pereça. Ao contrário, quer que todos se arrependam. Entretanto, virá o dia do Senhor como ladrão! Por isso, caríssimos, vivendo nesta esperança, esforçai-vos para que ele vos encontre imaculados e irrepreensíveis na paz. E crede que a paciência do Senhor é para nossa salvação!” (2Pd 3,3-15). Notemos que Pedro dá ao problema do atraso da Parusia uma resposta em duas partes: (1) Para o Senhor um dia é como mil anos: é inútil fazer cálculos e esperar que o Senhor cumpra nossos cálculos! (2) Não se devem angustiar se o Senhor não chega; se ele tarda é para a nossa conversão!
            Resumindo o que vimos: 
·       Para nós, cristãos, o Senhor Jesus virá na sua Glória; é isto que chamamos Dia do Senhor.
·       Esta Vinda manifestará a todos que Cristo é o Senhor de todas as coisas e de toda a história humana.
·       Os primeiros cristãos esperavam para logo a Parusia do Senhor simplesmente porque amavam ardentemente o Cristo: quem ama, deseja logo a presença do Amado.
·       Os cristãos não faziam cálculo sobre quando o Senhor voltaria.
·       Como o Senhor não veio logo, os cristãos começaram a compreender que o importante é estar sempre preparados e desejando a Vinda do Cristo, aproveitando o tempo para a conversão. 
            No próximo tópico veremos o que acontecerá na Vinda do Cristo! 

3. A Vinda do Senhor segundo o Novo Testamento - II 

            Vimos, no tópico passado, que os cristãos esperam o Dia do Senhor, que será o Dia da Parusia, da Manifestação gloriosa de Cristo. Mas, em que consistirá esta Manifestação?
            Primeiramente é necessário deixar bem claro que o Dia da Vinda do Senhor não é um dia entre os outros dias: é o Dia, Dia que já não pertence à seqüência de dias do nosso modo de contar o tempo... não é um dia de 24 horas. O Dia do Senhor não pertence mais a este nosso tempo; é um Dia sem fim, um Dia eterno, um Dia que já não é mais iluminado pela luz deste sol, mas pelo próprio Sol de Justiça, Cristo gloriosos, pleno do esplendor do Espírito Santo.
            Assim sendo, duas coisas devem ser claras para nós:
· Não podemos marcar a data do Dia do Senhor: este Dia estará fora dos dias, meses e anos; já não pertence ao nosso tempo!
· Também não podemos descrever o que ocorrerá neste Dia. Isto por um motivo simples: este Dia pertence já à eternidade, à Glória e, assim, não pode ser descrito nem comparado a nada neste mundo! Quando a Escritura usa imagens para falar deste Dia, é somente para nos dar uma idéia distante daquilo que ocorrerá. Nós já escrevemos sobre isto no tópico passado... Querer descrever o final dos tempos é fundamentalismo tolo; é rebaixar o Dia eterno aos nossos pobres dias! 
Uma coisa é certa: o Senhor virá, glorioso, pleno do esplendor do Espírito Santo, que o ressuscitou dos mortos. A sua Vinda, que será Manifestação da sua Glória, terá conseqüências imensas: 
1) Primeiramente ficará clara, na Vinda do Senhor Jesus, sua relação com o Pai e o Espírito Santo, ou seja, aparecerá a Glória da Trindade que nos salva: é o Pai quem enviará o Cristo glorificado: “Virão da parte de Deus os tempos de refrigério e enviará aquele que vos é destinado: o Cristo Jesus” (At 3,20). O mesmo Pai que enviou o Filho a primeira vez, enviá-lo-á na sua Parusia, que é iniciativa salvífica do Pai que tanto nos ama! O Pai, que tudo criou pelo Filho e para o Filho e quer, através dele, tudo levar à plenitude, tudo glorificar (cf. Cl 1,16). Este Filho vem glorificado pelo Espírito que o Pai derramou sobre ele na Ressurreição (cf. Rm 1,3s). É o Espírito quem glorifica o Filho na sua natureza humana, morta e ressuscitada; é na potência do Espírito que o Cristo aparecerá diante do mundo com Senhor e Juiz. Ele vem, pleno do Espírito, para encher da Glória do Espírito todas as coisas: “A este Jesus Deus o ressuscitou. Exaltado pela direita de Deus, ele recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e o derramou” (At 2,32s; cf. Jo 14,26; 20,19-23); “Sucederá os últimos dias, diz o Senhor, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne”...(At 2,17). 
2) A Vinda do Cristo será também manifestação da Glória do Senhor ressuscitado. Desde a Ressurreição Jesus assume pleno domínio sobre todas as coisas, mas este domínio não se exerce ainda em toda a plenitude. Jesus já é o Senhor; a salvação já aconteceu; o seu domínio é real, mas não ainda plenamente manifestado. Quando ele se manifestar, então sim, tudo ser-lhe-á submetido para que tudo entre na Glória do seu Espírito e chegue até o Pai. A Parusia manifestará em toda a criação, e em nós, particularmente, aquela plenitude de Vida que, em Cristo, já é uma realidade plena: “Vi o céu aberto e eis um cavalo branco. Quem o montava chama-se Fiel e Verdadeiro e é com justiça que julga e faz guerra. Seus olhos são como chamas de fogo, traz na cabeça muitos diademas e tem um nome escrito que ninguém conhece, só ele mesmo. Está vestido com um manto tinto de sangue e seu nome é Verbo de Deus. Seguem-no os exércitos celestes em cavalos brancos, vestidos de linho branco puro. De sua boca sai uma espada afiada para ferir as nações. Deverá governá-las com cetro de ferro e pisar o lagar do vinho com o furor da cólera de Deus Todo-poderoso. Sobre o manto e sobre a coxa está escrito seu nome: Rei dos reis, Senhor dos senhores” (Ap 19,11-16). Neste texto aparece o domínio de Cristo sobre a história: ele é a realização da nova criação, gloriosa, feliz, livre do pecado. A nova criação coincide com a Vinda do Cristo: ele vem para trazer a glória da salvação, pois é e será sempre o Salvador: “Do mesmo modo também Cristo, que se ofereceu uma vez para tirar os pecados de muitos, aparecerá, pela segunda vez, sem pecado para os que o esperam a fim de receberem a salvação” (Hb 9,28). 
3) A Vinda do Cristo será também glorificação e realização plena da Igreja. Se ela é o Corpo de Cristo, a Glória da Cabeça (Cristo) glorificará plenamente todo o Corpo. Esta idéia aparece muito clara no Apocalipse, onde a Igreja é apresentada como a Jerusalém gloriosa, toda enfeitada como Esposa do Cordeiro, toda pura e toda iluminada pela luz do próprio Cristo ressuscitado (cf. Ap 21). 
4) A Manifestação do Cristo será também glorificação do homem pela ressurreição. O cume da obra de Jesus e a plenitude da Igreja serão também a plenitude do homem: “Na verdade Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morrem. Com efeito, assim como por um homem veio a morte, assim também por um homem vem a ressurreição dos mortos. Assim como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos reviverão. Cada qual, porém, em sua ordem: como primícias, Cristo, em seguida os que forem de Cristo por ocasião de sua vinda. Depois será o fim, quando entregar o reino a Deus Pai” (1Cor 15,20-24). 
A Vinda do Cristo será para nós Dia da Ressurreição, Dia em que todos ressuscitarão em seus corpos revestidos do mesmo Espírito que ressuscitou o corpo do Cristo! Assim, a Jerusalém celeste, que é a Igreja, estará plenamente gloriosa, com todos os seus filhos ressuscitados pela Glória do Espírito, todos como membros do Cristo no seio amoroso do Pai! 
            Este tópico ainda continuará no próximo número. Aí veremos o que acontecerá com a história humana e com toda a criação. Veremos também o que significa o juízo final, que ocorrerá na Vinda do Senhor!

3. A Vinda do Senhor segundo o Novo Testamento - III 

            Vimos, no tópico passado, que a Vinda do Senhor será ação salvífica da Trindade, plena manifestação da glória de Cisto, glorificação e consumação da Igreja e glorificação do homem pela ressurreição. Mas, não é só: a Parusia do Senhor não somente diz respeito ao homem considerado individualmente, mas será glorificação de toda a história humana. Cristo glorificado iluminará tudo aquilo que o homem realizou, de bom e de mal neste mundo! Aí, então, toda a história humana será passada a limpo e a justiça será feita: “Mostrou o poder de seu braço e dispersou os que se orgulham de seus planos. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. Encheu de bens os famintos e os ricos despediu de mãos vazias. Acolheu Israel, seu servo, lembrando-se de sua misericórdia, conforme o que prometera a nossos pais, em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre” (Lc 1,51-55). 
Esta verdade aparece de modo belo no Apocalipse, que apresenta o Cristo, Cordeiro imolado e ressuscitado, tendo nas mãos o livro da história humana. É ele, que na sua Vinda, desvendará o sentido último de todas as coisas (cf. Ap 5).
Além da história humana, todo o universo, toda a criação será transfigurada, plenificada pelo Espírito Santo que o Senhor Jesus derramará sobre tudo: “Vi um céu novo e uma terra nova, porque o primeiro céu e a primeira terra haviam desaparecido e o mar já não existia. Vi a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu do lado de Deus, ornada como uma esposa se enfeita para o esposo. Ouvi uma voz forte do trono, que dizia: ‘Eis a tenda de Deus entre os homens. Ele levantará sua morada entre eles e eles serão seu povo e o próprio Deus-com-eles será o seu Deus. Enxugará as lágrimas de seus olhos e a morte já não existirá nem haverá luto nem pranto nem fadiga, porque tudo isso já passou’” (Ap 21,1-4). Portanto, a manifestação da Glória do Ressuscitado será também plena libertação da criação, lugar da história do homem com o seu Deus em Cristo: “Com efeito, o mundo criado aguarda ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus. Pois as criaturas foram sujeitas à vaidade, não voluntariamente mas pela vontade daquele que as sujeitou, na esperança de serem também elas libertadas do cativeiro da corrupção para participarem da liberdade gloriosa dos filhos de Deus. Pois sabemos que toda a criação até agora geme e sente dores de parto. E não somente ela mas também nós que temos as primícias do Espírito gememos dentro de nós mesmos, aguardando a adoção, a redenção de nosso corpo” (Rm 8,19-23). 
Notemos que a Sagrada Escritura não anuncia a destruição do mundo, da criação, mas a sua transformação, a sua glorificação! A história humana terminará; terminará o tempo como nós conhecemos, toda a criação será glorificada - já não mais será assim, como a conhecemos agora. Poderíamos até afirmar, em certo sentido, que a criação toda ressuscitará, isto é, será glorificada! Passará para a plenitude de Deus e de seu Cristo glorioso na potência do Espírito. Há um texto na Escritura que parece afirmar a destruição de tudo pelo fogo: “Entretanto, virá o dia do Senhor como ladrão, e nele passarão com estrépito os céus, e os elementos abrasados se dissolverão e a terra será consumida com suas obras. Pois, se deste modo tudo vai desagregar-se, como não deveis perseverar em vossa santa conduta e em vossa piedade, aguardando e acelerando a chegada do dia de Deus, quando os céus em fogo se dissolverem e os elementos abrasados se derreterem?” (2Pd 3,10-12).  Mas, se olharmos este texto com bem atenção não é bem assim: Pedro está comparando o fim de todas as coisas com o dilúvio (cf. v. 6): ora, no dilúvio o mundo não foi destruído pela água, mas purificado! O apóstolo quer ensinar que, pelo Espírito de Cristo, a criação toda será ainda mais plenamente purificada que na época de Noé, desta vez pelo fogo do Espírito de Cristo, que destruirá toda impiedade para sempre (cf. 2Pd 3,7). Notemos que o fogo purifica mais radicalmente que a água; por isso Pedro usa a imagem do fogo (a trata-se apenas de uma imagem)! Então, não será a destruição do mundo, mas sua purificação, sua glorificação. Pensemos no fogo que, em contato com uma barra de ferro, purifica-a e torna-a incandescente. É esta a imagem: um mundo purificado e transfigurado, impregnado da Vida do Cristo ressuscitado, que é dada pelo Espírito Santo! Passará este mundo como o conhecemos, e teremos - são palavras do próprio Pedro! - “novos céus e nova terra onde habitará a justiça!” (v. 13). Assim pensar em fim do mundo como destruição apavorante de tudo não está de acordo com as Escrituras! Deus não odeia nada do que criou: “Pois Deus não fez a morte, nem se alegra com a perdição dos vivos. Criou todas as coisas para subsistirem” (Sb 1,13s); “Sim, tu amas todos os seres, e nada detestas do que fizeste; se odiasses alguma coisa, não a terias criado. E como poderia subsistir alguma coisa, se não a quisesses? Ou como poderia conservar-se se não a tivesses chamado à existência? Porém, a todos poupas, porque te pertencem, ó soberano amigo da vida” (Sb 11,24-26). 
A Parusia do Senhor, será portanto, acontecimento de vida, plenitude, alegria! O Senhor consumará a obra de sua salvação!
Falta-nos ainda meditar sobre um aspecto desta Parusia: o juízo! Sim, o Senhor virá para julgar os vivos e os mortos. Este será o tema de nosso próximo tópico! 

4. A PARUSIA , fundamento da escatologia cristã.
4. 1 O Conceito

O interesse pela parusia advém do fato de que a comunidade cristã primitiva esperou um acontecimento que finalizará a história num duplo sentido: seja porque lhe conferirá uma finalidade, uma meta; seja porque lhe imporá uma conclusão.
O vocábulo grego parousia ( de páreimi: estar presente, estar aí, chegar) é originalmente  referido tanto para a descida ou manifestação de pessoas divinas na terra ( por ocasião de uma festa religiosa ou por uma intervenção milagrosa), quanto para as visitas que reis e príncipes fazem às cidades submetidas ao seus impérios.  O sentido principal do termo, conforme a cultura grega, é de visita, chegada, advento de um soberano ou de uma divindade. E serve tanto para ser empregado como conceito político[1], quanto religioso.  Esta identificação entre o profano e o sagrado deve-se ao fato de que em ambiente helenístico as figuras reais são consideradas com acentos divinos.  O que sempre se destaca para a parousia é o seu caráter triunfal e glorioso. Trata-se de uma manifestação em poder e glória que tem um acento explicitamente jubiloso e festivo.
No Novo Testamento, o conceito é utilizado para descrever a futura vinda de Cristo, Senhor de tudo e de todos ( Pantocrátor) no final dos tempos. As descrições desse advento valem-se das imagens da manifestação gloriosa  do imperador romano. A Carta aos Gálatas apresentará a parusia de Cristo como a manifestação do verdadeiro soberano que dominará as potestades e o mundo ( Cf. Gl 4,3). Espera-se a libertação das escravidões e dos sofrimentos, do pecado e da guerra, mas principalmente, aguarda-se a aniquilação da morte, o último inimigo a ser destruído.  Com a visita do Senhor, espera-se a transfiguração total do universo[2].

4.2 Variações  terminológicas

Habitualmente o vocábulo para designar a consumação da história é parusia. Sabe-se, porém, que outras expressões neotestamentárias remetem ao mesmo evento. Há uma variedade de termos que expressa a riqueza do conceito nos livros do Novo Testamento. É justamente essa diversidade que possibilitará diferentes acentos teológicos sobre o acontecimento.
Um termo alternativo utilizado é epifania (epiphanéia = manifestação). Ele, substitui o vocábulo parusia, ausente  nas Cartas Pastorais.  Epifania é uma palavra usada entre os gregos para referir-se às manifestações das divindades pagãs ou para personagens reais que se apresentam como representantes das divindades. Os imperadores também eram acolhidos como ephíphanes, juntamente com os títulos de senhor, deus e salvador. A epifania do soberano pode se relacionar com data do seu aniversário, do começo do mandato imperial ou da sua visita a uma das cidades.
Nas Cartas Pastorais o termo é relacionado tanto à primeira vinda de Cristo ( 2 Tm 1,10; Tt 2,11; 3,4), quanto à sua vinda final ( 1 Tm 6,14; 2 Tm 4,1.8; Tt 2,13). A bivalência do termo na Carta a Tito, possibilitará aos Santos Padres falarem de uma dupla vinda do Salvador. E a continuidade entre parusia e epifania é percebida em 2 Tes 2,8, que menciona a “epifania” da sua parusia, isto é, a manifestação do advento de Cristo em poder e glória.
Epifania pode ter como variantes o substantivo apocalipse ( revelação) e o verbo manifestar-se ( phaneroûn), na voz passiva ( Col 3,4, 1 Jo 2,8). O vocábulo apocalipse aparece em 1 Cor 1,7 como objeto de esperança cristã. O  verbo phaneroó aparece em Col 3,4 e indica a manifestação de Cristo que implicará também na manifestação gloriosa dos cristãos ( 1 Jo 2,28).
Manifestação, revelação, visita  e vinda  são vocábulos que expressam a riqueza terminológica do conceito parusia. A utilização, entretanto, caracteriza-se sempre pela acentuação alegre do evento significado.

4.3  Fundamentação Bíblica

Não existe no Antigo Testamento um termo hebraico que possa equiparar-se ao que se denomina no grego do Novo Testamento como “parousia[3] . O vocábulo é mencionado 24 vezes no Novo Testamento, designando o mesmo sentido que os gregos davam à palavra. Refere-se ao advento glorioso de Cristo no final dos tempos, citado nos sinóticos, no corpus paulino, no joanino e nas cartas pastorais[4].  Geralmente a expressão parusia está ligada à idéia de fim do mundo e ao juízo final. O texto da primeira Carta aos Tessalonicenses ( 4,13-18), por exemplo, utiliza traços apocalípticos judaicos para descrever o evento: a voz do arcanjo, o toque da trombeta, as nuvens, a ressurreição dos mortos.  Conclui-se, então, que os textos neotestamentários integram  inseparavelmente a parusia e os outros elementos do éschaton[5]: a vinda de Cristo, a ressurreição dos mortos, o juízo final e a nova criação.
O advento de Cristo conclui e consuma a história enquanto evento salvífico. Trata-se de uma chegada em poder e glória, que derrotará as potestades do inimigo e glorificará os que agora pertencem a Cristo. Será uma manifestação gloriosa de Jesus, distinta da Encarnação, quando Ele se revelou na humildade do presépio. É por isso que os documentos, em sua totalidade, nunca se referem a uma segunda vinda, mas apenas como “vinda” . O Novo Testamento não entende a encarnação como uma primeira parusia de Cristo. O termo é utilizado somente para a chegada do Filho do Homem no juízo universal[6]. Há, contudo, elementos que justificam  a aplicação tardia do termo também para a encarnação. Isto ocorre quando compreende-se o aparecimento de Cristo como um “devir” de Deus que faz de Jesus a “ parusia de Deus” (Cf. Mt 1,23).  Encontra-se, ainda, uma outra utilização do vocábulo ao identificar-se Jesus com as figuras veterotestamentárias  do “ Filho do Homem” e do “ Servo de Javé”. Entende-se, assim,  que a obra da salvação deve ser realizada numa única pessoa que se manifesta em seus adventos.  No mesmo sentido está a idéia de que o cumprimento ( o já ) e a consumação ( o ainda- não) se realizam na mesma pessoa com suas duas  parusias: na carne e na glória.
 Biblicamente entende-se que a parusia de Jesus Cristo só pode ser descrita através de imagens. As visões neotestamentárias  referem-se ao Antigo Testamento, principalmente na transposição cristológica do  “Dia de Javé”;  revelando uma continuidade do conceito de parusia do Novo Testamento com a esperança escatológica do Antigo Testamento. Os evangelhos sinóticos falam da vinda do Filho do Homem evocando o capítulo 7 do livro de Daniel. No texto aparece a imagem do juízo e ressalta-se a vinda majestosa em poder e glória com anjos e nuvens. O mesmo cenário  pode ser lido em 1 Tes 4.

4.4 Jesus e o anúncio da parusia

A questão que passamos a análise agora, refere-se à consciência e pregação de   Jesus sobre a sua parusia.  As atitudes de Jesus nos Evangelhos em relação aos doentes, pecadores, excluídos e pobres revelam sua preocupação em devolver a dignidade humana e anunciar uma Boa Nova de salvação a todos, especialmente aos mais sofridos.  Esses são sinais característicos de seu messianismo, exercido nos traços do Servo Sofredor que assume as dores de seu povo.  Ele anuncia a chegada do Reino de Deus sobre a terra. Algumas vezes identifica a sua própria pessoa como a presença do Reino na terra. A vida e atividade do Nazareno é marcada pelo anúncio da vinda do Filho do Homem que fará irromper, definitivamente, o Reino de Deus.  Quando Jesus ensina seus discípulos a rezar ao Pai, orienta-os a suplicar pelo advento do Reino ( Lc 11,2; Mt 6,10).
O problema é saber se Jesus previa  um tempo intermediário entre a sua morte e a sua parusia, ou se esperava uma iminente manifestação do seu senhorio.  Textos como “ Em verdade, eu vos digo que não acabareis de percorrer as cidades de Israel até que venha o Filho do Homem” (Mt 10, 23) e “ Eu garanto a vocês: alguns dos que estão aqui, não morrerão sem ter visto o Reino de Deus chegar com poder”( Mc 9,1) indicam a idéia de que Jesus pensava numa certa proximidade da parusia, até não mais tarde que os limites de sua geração.  Apesar da polêmica nos estudos dos textos, tanto na redação, quanto no sentido, resta-nos ver qual a importância que Jesus deu a essa posição sobre a proximidade do seu advento em poder e glória. E o que dizer sobre a protelação da parusia?  Jesus teria se enganado? – como chegaram a sustentar alguns teólogos nos passado.
Se tomamos outros textos como Lc 17,20 “Os fariseus perguntaram a Jesus sobre o momento em que chegaria o Reino de Deus. Jesus respondeu: “ O Reino de Deus não vem ostensivamente”  e Mc 13,32 “Quanto a esse dia e a essa hora, ninguém sabe nada, nem os anjos no céu, nem o Filho. Somente o Pai é quem sabe”, constata-se que Jesus não preocupou-se com a determinação do “quando” da parusia. Ele fala do fim acentuando o caráter imprevisível de seu advento, sem revelações apocalípticas e nem previsões de acontecimentos que permitissem um cálculo. Ele não aceita que se projete o fim ou se marque uma data. No texto lucano, Jesus contra a opinião dos fariseus, assegura que a vinda do Reino não está sujeita à observação.   Em Marcos, Jesus mesmo confessa ignorar o dia da parusia, pois trata-se de um conhecimento exclusivo do Pai.
O Nazareno previu, entretanto, um tempo intermediário entre a sua  morte e a parusia. As parábolas do crescimento do Reino dão a entender este ínterim. A própria vida de Jesus é como uma semente que movimenta um processo: com perseverança e paciência se desfrutará a sua plenitude.  A formação de um discipulado, as instruções sobre a relação com o mundo e sobretudo a entrega de uma tarefa missionária entre os seus seguidores, supõem que Jesus tinha certeza de que o fim não viria com a sua morte, caso contrário nada disso teria sentido. Na mesma direção estão os insistentes convites à vigilância. Estas, confirmam a tese de que há uma indeterminação absoluta sobre o momento da parusia. Nelas se especula sobre a dupla possibilidade de uma  chegada repentina ( a parábola do servo infiel) ou tardia ( na parábola das dez virgens).  Quando Jesus emprega o “ não sabeis nem o dia e nem a hora” em sua pregação, entende-se a total imprevisão do “quando” do final dos tempos.  E insistindo na vigilância e perseverança, percebe-se um Jesus mais preocupado com a qualificação do tempo em que se vive, do que a quantificação dos dias que faltam para o fim.    
Com acentos diferenciados, percebe-se que na pregação de Jesus há uma continuidade na expectativa da comunidade: a parusia virá e está próxima, mas não se sabe quando isto acontecerá. Espera-se que ela venha o mais breve possível. Há uma irrelevância teológica quando à data, mas há a necessidade de uma perseverante vigilância.  Não pode-se descartar, também o tempo intermediário entre a ressurreição de Jesus e a sua parusia. Sem ele, não haveria lugar para o mandato missionário, a ética exigente e a expectação[7].  O fato deste tempo se dilatar e protelar a consumação além da ciência humana de Jesus, não altera a esperança de que estamos cada dia mais perto do fim. Em Cristo inaugurou-se os tempos finais e não haverá maior manifestação de Deus do que o seu Verbo encarnado.

4.5  A comunidade cristã primitiva e a espera de Cristo

Certamente o problema mais difícil da escatologia neotestamentária é saber quando virá o Senhor e o porquê do retardamento[8].  É na tentativa de resolver esta questão que cai-se na tentação de considerar como produção da comunidade cristã primitiva os textos mais incômodos[9]. Nos estudos bíblicos não existe um acordo na análise dos textos. É possível apenas uma consideração global sobre o problema, partindo dos resultados exegéticos obtidos até agora.
O debate nasce da constatação de duas linhas de texto que, inicialmente, podem parecer contraditórios: um grupo de textos menciona a proximidade da parusia, outro, ao contrário, proclama a sua dilatação no tempo.  Vimos no parágrafo acima que as parábolas da vigilância e alguns textos de Paulo podem indicar uma aproximação do evento. Constatou-se, também, que a impossibilidade de datar ou prever com segurança o evento, baseia-se em textos bíblicos.
Provavelmente os primeiros cristãos esperavam uma  parusia próxima, dentro de sua geração. Textos como 1 Tes 4,15-17 e 1 Cor 15, 51-52 são testemunhas a este respeito. Eles supõem que nem todos os membros da comunidade morrerão antes da vinda de  Jesus. Paulo está seguro de encontrar-se entre o grupo dos privilegiados que não morrerão até a parusia. A morte dos cristãos antes do “Dia do Senhor” causa um certo mal-estar, mas em Rm 13,11-12 lê-se que “apesar de tudo” aproxima-se o dia portador da salvação.
O problema que se impõe é  saber se a comunidade cristã primeira colocava sua esperança escatológica exclusivamente  no advento próximo do fim. Em caso afirmativo, a esperança cristã em nada difere da esperança judaica. Os judeus também esperam a resolução iminente da história.  E se admitimos que a expectativa cristã reduzia-se à esperança na imediata ou próxima vinda de Cristo em poder e glória, como explicar o fato da comunidade ter sobrevivido apesar de ruir sua persuasão fundamental: a parusia próxima? O que é mais surpreendente ainda, é o fato de ter sobrevivido sem renunciar a sua atitude característica de expectação.
Na Carta aos Romanos, Paulo já não aborda mais o tema sobre o fim dentro de sua geração: possivelmente renunciara a esta idéia. Seguramente, entretanto, deixou-se de contar entre os que viveriam até então ( Fl 1,21-23). Apesar disso, continua alimentando  e pregando a esperança na parusia ( Fl 1,6-10; 2,16; 3,20-21).  Aos poucos, os escritos mudam a terminologia e  tendem a afirmar  mais a aproximação e vizinhança da parusia e sustentam que o Senhor está próximo.  A modificação acentua mais o aspecto teológico da vizinhança e aproximação de Cristo, do que o seu caráter cronológico.  Não se nega uma proximidade temporal, mas afirma-se cada vez mais o “já realizado em Cristo” como garantia do penhor futuro.
Na Segunda Carta aos Tessalonicenses, Paulo admoesta aos que acentuavam suas opiniões sobre o fim do mundo, impedindo que suponham a iminência do “Dia do Senhor” ( 2 Tes 2,2). Ele proíbe a redução cronológica da vinda de Cristo. O que está em jogo, portanto, não é a data da parusia, mas a preparação dos cristãos para o advento daquele dia que virá como um ladrão ( 1 Tes 5,2.4).
A Segunda Carta de Pedro, no terceiro capítulo aborda o tema do atraso da parusia. Dá uma palavra sobre os que criticam os cristãos  diante de uma esperança que vê protelada sempre mais a vinda do Cristo.  E a  mensagem é articulada em duas fases: a) a relativização do tempo de espera, que não pode ser computado segundo os módulos humanos comuns, pois diante do Senhor “um dia é como mil anos e mil anos como um dia” ( v.8) – dessa forma não é possível admitir um retardamento do cumprimento da promessa; b) “ o Dia do Senhor chegará como um ladrão” (v.10), acentuando o aspecto imprevisível da parusia.
Entre os textos que falam de uma proximidade e outros que sustentam uma dilatação da parusia, é possível interpretar uma incompatibilidade ou uma complementaridade.  Na primeira posição, os estudiosos concordam em classificar como elemento autêntico da pregação de Jesus, somente os textos pertencentes à linha da proximidade da parusia, atribuindo aos outros, à criação da comunidade primitiva para remediar a falta de realização da expectativa. Supõe-se um erro de Jesus sobre a data do evento e acusam o retardamento da parusia à valorização de um tempo intermediário (especialmente em Lucas)  e à constituição do corpo ético e institucional do Novo Testamento[10].  Seguindo a hipótese da complementaridade, os estudiosos percebem que no querigma apostólico  não menciona-se a proximidade da parusia, que a comunidade sobrevive sem traumas aparentes ao retardamento e que a proximidade é entendida num sentido teológico e não estritamente temporal.
Conclui-se, portanto, que o autêntico problema da proximidade da parusia não refere-se ao fato de um suposto retardar do advento final de Cristo, mas depende da reta compreensão de tal vizinhança. O que fez as primeiras comunidades cristãs superarem a frustração de uma expectativa imediata da parusia foram as construções interpretativas sobre o evento esperado. O acento teológico permitiu manter a esperança em Cristo, já presente em sua Igreja,  e na sua parusia que se realizará nos tempos finais. Entre a iminência e a protelação da parusia, os primeiros cristãos preferem esperar no Deus fiel que cumpre suas promessas. Para além do cálculo temporal, do quando e do como, está a experiência do encontro com o Ressuscitado como penhor seguro da esperança no futuro em Cristo. As crises são superadas na passagem de uma esperança situada nos confins do  tempo e do espaço para uma expectativa no Deus fiel, que cumpre o que diz. O cronológico é superado pelo sentido teológico do evento.

4.6 Os sinais do advento de Cristo

O Novo Testamento apresenta alguns sinais indicativos que precederiam a chega do Filho do Homem: a perda da fé ( Lc 18,8 e  Tes 2,3b), o aparecimento do Anticristo[11] ( 2 Tes 2,1-4; 1 Jo 2, 18-22; 4,1-4; 2 Jo 7), a pregação do Evangelho a todas as nações ( Mt 24,14) e a conversão de Israel ( Rom 11,25 ss.).
Sobre a perda da fé atribui-se o texto de Lucas 18,8: “Mas o Filho do Homem, quando vier, será que vai encontrar a fé sobre a terra?” .  Partindo de uma interpretação literal e fundamentalista, encontra-se aqui um dos indícios que precederiam o fim do mundo. Essa hermenêutica, entretanto, é fruto de um erro de exegese, pois não é possível saber qual critério  verifica  quando a fé é intensa ou fraca a ponto de chegar o final dos tempos.  Uma justa análise do texto deve considerar que  o versículo é parte final da parábola de Jesus sobre o juiz iníquo e a viúva  injustiçada ( Lc 18,1-8).  No contexto, a frase exorta os discípulos para perseverarem e viverem na fidelidade, para que suas orações seja atendidas.  Não é possível tomar o versículo  como uma referência isolada ao fim do mundo.
Já a interpretação sobre o aparecimento do Anticristo considera diferentes elementos. Este é um personagem que aparece em diferentes textos bíblicos. A imagem é usada por São Paulo ( 2 Tes 2,1-4) e por São João ( 1 Jo 2,18-22; 4,2-4; 2 Jo 7-9).  O parecer de ambos sobre o assunto é feito de modo contraditório[12]. Para Paulo o Anticristo é um personagem individual e que há de vir. João, por sua vez, identifica-o com uma coletividade já presente que se encarna na oposição ao Cristo[13]. No Apocalipse, porém, o Anticristo é descrito a partir das características do  Império Romano ( Ap 13,1-10). E o vocábulo “Anticristo” aparece somente nos escritos de João ( 1 Jo 2,18: “Vocês não ouviram dizer que o Anticristo devia chegar?” ). Paulo usa mais a expressão “homem ímpio” ( 2 Tes 2,1-12 -  “aparecerá o homem ímpio, o filho da perdição: ele é o adversário que se opõe e se levanta contra todo ser que se chama Deus” ).  Tanto para Paulo, quanto para João, o fim do mundo seria marcado por uma apostasia geral que poderia ser interpretada como uma perversão religiosa  total da humanidade ou até mesmo um resfriamento generalizado da fé.  Ele seria um poder do mal representado por uma pessoa, ou por um poder coletivo, representado pelas forças maléficas que se opõem ao Reino de Cristo e que estão atuando na história e no cosmos. Pode-se considerá-lo como um poder que enfrenta o senhorio de Cristo, que nega a sua divindade, causa a confusão e faz excluir a esperança na parusia de Jesus.  É um poder que está presente em todos os tempos da história, assinalando que a última hora já chegou.  João identifica este sinal como  uma marca indelével para perceber quem rejeita Cristo: “ Pois vejam quantos anticristos já vieram! Daí reconhecemos que a última hora já chegou” (1 Jo 2,18b).
Sobre a pregação do Evangelho de Cristo em todo mundo, também é preciso ponderar as variações da exegese.  Colhe-se este sinal em Mateus “E esta Boa Notícia sobre o reino  será  anunciada  pelo mundo inteiro, como um testemunho para todas as nações. Então chegará o fim ( 24,14).  Sobre a expressão  “mundo inteiro”, a exegese  vê uma referência ao mundo habitado daquele tempo e especificamente o Império Romano.  E a palavra “fim” é uma alusão à destruição de Jerusalém. O texto, portanto, expressaria que o Evangelho deveria atingir as partes mais importantes do Império, antes que Jerusalém fosse destruída. Isso já estava acontecendo durante a pregação de Paulo ( 1 Tes 1,8; Rm 1, 5-8; 10,18; Cl 1,6.23)[14].
Intérpretes mais antigos, entretanto, sustentaram que ao ser pregado o Evangelho no mundo inteiro, estaria próximo o fim do mundo. Precisando a compreensão desse sinal, está a posição de  Santo Agostinho, comentando Mt 24,14: “ (...) mesmo que tivéssemos certeza de que o Evangelho tivesse sido anunciado a todos os povos do mundo, mesmo assim não poderíamos dizer quanto tempo faltaria para o fim do mundo”[15].  A exegese contemporânea entende o versículo 14 do capítulo 24 de Mateus  como a indicação do fim do judaísmo ou do reino da Judéia e a expansão da salvação para todos os povos[16]. E a expressão “ mundo inteiro” é vista num sentido hiperbólico.
De outra parte, embora seja difícil precisar o sentido da expressão “ todas as nações”, permanece sempre válida a tarefa de evangelizar durante o tempo intermediário. Este indicaria o dever missionário da Igreja no tempo entre a ressurreição de Cristo e  a sua parusia. O mandato missionário também permanece difícil de se objetivar e  precisar, principalmente quando sente-se a necessidade de uma “ nova evangelização”, porque as culturas mudam e a própria Igreja deve ser permanentemente evangelizada[17].
Outro sinal referente à parusia  é a conversão de Israel. Este está largamente  desenvolvido no capítulo 11 da Carta de Paulo aos Romanos: “Pois se o fato de eles serem rejeitados trouxe a reconciliação do mundo, o efeito da reintegração deles será a ressurreição dos mortos” ( Rom 11,15). Percebe-se, então, que Paulo não pensa numa Igreja sem os judeus. O apóstolo relaciona o seu povo com a parusia dizendo que a rejeição de Jesus como Cristo possibilitou a extensão das promessas de salvação para todos os povos, mas quando manifestar-se em sua glória, também os judeus verão o seu Messias esperado e a consumação de todas as promessas  no Senhor Jesus. Para Paulo, Deus não rejeitou Israel, pois há um “resto” de Israel que aderiu ao Evangelho, garantindo a continuidade do projeto de Deus para o seu povo. Os que rejeitaram Jesus e o Evangelho são vistos como duros de coração que deverão esperar uma manifestação final do Cristo( Rom 11,12). Judeus e gentios, portanto, são herdeiros das promessas que encontrarão fim e meta na parusia.

4.6.1 O conteúdo dos sinais

A interpretação dos sinais do futuro advento do Cristo deu margem à fantasia de muitos grupos religiosos, inclusive católicos, que encontram por todos os lados indicações da iminência do fim do mundo. Muitas pessoas comentam sobre as catástrofes naturais, epidemias, aparições de Nossa Senhora e até diante da crise de esperança da sociedade moderna que “estes” são sinais antecipadores do apocalipse final.
A teologia compreende os sinais com muita cautela e faz uma análise crítica de acordo com os princípios hermenêuticos das afirmações escatológicas.  É preciso diferenciar entre o que se afirma e a imagem que se evoca[18]. Pode-se dizer que os sinais são importantes para todas as épocas, em todos os tempos eles apontam para a permanente vizinhança do Reino de Deus.  Eles sinalizam para a humanidade que todo tempo é último; por isto inquietam, evitam a inércia e suscitam o trabalho pelo Reino. Contra a mentalidade de quem vê a catástrofe iminente, a Igreja faz uma leitura mais prudente, pois nenhum dos sinais consegue prever, com certeza, o tempo final. São indicações que apelam os cristãos para viverem vigilantes e esperançosos no Salvador que virá.
Os sinais, de certa forma, sempre estiveram presentes em cada geração cristã, alertando e convidando ao seguimento de Cristo. Terremotos, guerras, fome, e muitos outros indicadores, muitas vezes alarmaram pessoas que  liam nos fatos uma futura catástrofe advinda da ira de Deus. Nada disso é mais fantasioso e pouco eficaz para a esperança cristã na  parusia.

4. 7 O tema na Igreja antiga

Os escritos do Novo Testamento referem-se ao final ainda não realizado expresso na superposição de suas tradições principais: primeiro, através da ressurreição de Jesus já inaugurou-se um novo tempo, um novo éon; e segundo, remete-se à fé na futura intervenção de Cristo que inaugurará de forma definitiva o novo céu e a nova terra. Esta justaposição, e não mera dilatação da parusia, foi a tarefa imposta às teologias do cristianismo primitivo[19]. A fé na parusia foi registrada em todas as manifestações da igreja antiga, na liturgia primitiva, no testemunho dos Santos Padres, nos Símbolos e doutrinas do Magistério.

4.7.1 O período patrístico

A Didaqué conserva o Maranathá cúltico e conclui com uma evocação da vinda do Senhor nas nuvens do céu[20]. Para designar essa vinda, somente o Discurso a Diogneto e o Pastor de Hermas utilizam o termo parusia no sentido técnico[21]. Já Inácio de Antioquia, emprega-o para designar a encarnação[22]. Este é o sentido que também Justino outorga sem desconhecer, porém, a significação técnica de “vinda gloriosa”.  Para distinguir ambos os significados, Justino é o primeiro a usar as expressões “primeira e segunda vinda de Cristo”. Utiliza também “ vinda sem glória e vinda na glória”[23].  Distinção conhecida também por Irineu de Lion[24].
A esperança em um iminente final do mundo  precisou ser conciliada na comunidade cristã primitiva com a dura realidade de que a história continuava e o fim parecia tardar. Deste problema ocuparam-se os Padres apostólicos e os primeiros apologetas cristãos.
A Carta de Clemente afronta o problema  de reclamações diante de uma esperança que tardava e parecia tender à frustração: “Estas coisas ouvimos já dos nossos pais, agora estamos nos tornando velhos e nada disso aconteceu”.[25] E uma resposta é encontrada na Segunda Carta de Clemente: “Esperando, perseveramos para receber o prêmio.”.[26] Percebe-se que, lentamente há um redimensionamento da expectativa; de uma espera próxima, para uma vigilância da hora incerta: “Dado que não conhecemos o dia da aparição de Deus, esperamos de hora em hora o seu Reino”[27].
            A fé na parusia aparece notavelmente purificada dos elementos secundários nos escritos de Santo Agostinho. Na Epístola 199, intitulada De fine  saeculi[28], ele trata das questões relativas à data e interpretações dos sinais parusíacos. Sobre estes, Agostinho destaca a sua obscuridade e condena a perigosa tentativa de definir algo sobre eles. E especificamente sobre a data, escreve: “ não me atrevo a calcular o tempo. Nem creio que algum profeta tenha fixado sobre o assunto do número de anos. Mais bem há de prevalecer o que o próprio Senhor disse”[29]. Justamente por isso, sustenta: “quem disse que o Senhor virá logo, fala segundo uma opção na qual pode enganar-se perigosamente”[30].

4.7.2 Os símbolos cristãos

            A Igreja assumiu a doutrina da parusia nos credos[31]. E o Concílio Lateranense IV a definiu em 1215[32]. A fé na vinda gloriosa foi registrada nos Símbolos desde as suas primeiras formulações com a expressão: “há de vir a julgar”[33]. A expressão pode induzir a pensar que a parusia é considerada a  partir do juízo. Na realidade é uma justaposição vinda-juízo, a partir da qual se explica que o juízo será uma manifestação de poder e não uma ação judicial. “Vir a julgar”, portanto, quer significar “ vir com poder”. Somente mais tarde, quando perdeu-se a dimensão triunfal do conceito de juízo, foi necessário interpolar entre ambos os verbos a expressão “com glória” – há de vir com glória para julgar.
            O símbolo niceno-constantinopolitano associa a vinda de Cristo na glória, ao anúncio do juízo escatológico colocado em suas mãos: “ E de novo virá na glória para julgar os vivos e os mortos”[34]. A expressão “ de novo” repreende a argumentação de Justino à Trifão, que permite repartir as profecias relativas ao Cristo em suas vindas: a primeira, sofrida e kenótica e a segunda, definitiva e gloriosa. Na segunda vinda se realizará o fim dos tempos, já inaugurado pela ressurreição. Por isso, a parusia é mencionada no Credo seguindo a profissão de fé que proclama Jesus sentado à direita do Pai, expressando, assim, que ele participa da glória do Pai, é juiz e Senhor e somente na parusia todos verão a sua glória.
            Outra expressão muito presente nos Credos, principalmente nos orientais,  é: “ e o seu Reino não haverá fim”.  Sua motivação é polêmica. No quarto século surgiu uma heresia atribuída a Marcelo de Ancira, o qual sustentava que na parusia o Verbo retornaria ao Pai, até confundir-se nele. O mistério trinitário teria assim um valor econômico e histórico, mas não teológico e eterno.  A idéia remonta a uma interpretação indevida do texto paulino: “É preciso que ele reine até             que não tenha colocado todos os seus inimigos sob seus pés. (...) E quando tudo lhe for submetido, também ele, o Filho, será submetido   Àquele que submeteu todas as coisas, para que Deus seja tudo em todos” ( 1 Cor 15,25.28). A Igreja, como revela a história dos dogmas, vê neste texto uma alusão ao último cumprimento da missão do Filho. Não entende-se que o Filho não haverá mais razão para ser e existir depois da consumação de tudo. A fé cristã professa que o Filho, glorificado em sua humanidade, continuará a exercitar eternamente a sua função mediadora. É nele e por ele que os eleitos verão a Deus.  O Reino que a parusia inaugurará,  portanto, não terá fim, pois será ao Reino do Filho, do Pai e do Espírito Santo. 

4.7.3 Os aspectos litúrgicos

A celebração litúrgica era vista na Igreja Primitiva como a antecipação mítica do Reino de Deus. Cada vez que ela acontece, antecipa-se uma realidade que será permanente somente na consumação dos tempos.  Na Eucaristia ressoa o Maranathá ( Vem, Senhor Jesus!). Neste clamor percebe-se um paralelismo de situações: como o Senhor veio na celebração, atendendo à oração sacramental, espera-se a sua vinda no final da história, respondendo à súplica da Igreja que espera a sua presença gloriosa e pública[35].No mesmo contexto cultual, encontra-se a fórmula Maran atha ( o Senhor vem!), que indica mais uma profissão de fé do que propriamente uma oração.  O emprego destas fórmulas expressa o valor e o conteúdo da liturgia cristã primitiva sobre o advento de Cristo.

4.8 Neutralização e crise de expectativa.

Com o passar do tempo percebe-se que a esperança, a reflexão e a fé na parusia sofreu uma notável transformação. Se as comunidades primitivas viviam galvanizadas pela esperança no advento de Cristo em glória e poder, diferente é a percepção medieval. Da patrística à teologia medieval constata-se uma certa neutralização da expectativa. Basta ver que desde a Idade Média, até o Concílio Vaticano II, somente duas vezes é mencionado o termo “parusia” nos documentos do Magistério eclesiástico: no IV Concílio de Latrão[36] e na profissão de fé  do Imperador Miguel Paleólogo[37]. Ambas as referências são empregadas de forma simples e rotineira.
Entre os fatores que influenciaram esse deslocamento de compreensão  e a conseqüente neutralização da parusia, destaca-se  a dissociação entre futuro histórico e a esperança do Reino.  No tempo da igreja nascente, as perseguições e os martírios impeliam a esperança num tempo novo de paz e justiça. Os cristãos clamavam a vinda de Cristo para finalizar o poder arrogante de então, que matava e oprimia. Nesta tensão aguardava-se uma nova terra e um novo céu.  Com a paz constantiniana, as perseguições cessaram, o Reino é identificado com o Império Cristão e novos acentos sobre a parusia emergem.
Na medida  em que o tempo se prolongava e a história continuava, protelando a expectativa de uma intervenção definitiva de Deus,  duas posições se destacaram: por um lado, a esperança num reino milenar na terra e, por outro, no período medieval, a busca do céu, da visão beatífica do encontro  com Deus, depois da morte.  Ambas as interpretações favoreceram reflexões que até hoje influenciam a expectativa na parusia: ora pontualizando-a no tempo cronológico ( o fim do mundo) , ora remetendo-a para uma realidade totalmente transcendental ( o céu) sem implicações sobre a terra. No século III, Orígenes afirma que o Reino de Deus estaria somente na alma do crente e não no mundo. Enfatiza uma escatologia individual  que esvazia a dimensão coletiva. O cristianismo da experiência bíblica entra em contato com a filosofia grega da escatologia individualizada e nasce uma nova escatologia, sem aspectos coletivos e mundanos.
Há uma nítida deslocação da esperança cristã na parusia, influenciada por condicionamentos do passado que poluíram as fontes originais. A herança que recebemos desse processo faz com que acentue-se mais o sujeito que espera a parusia, do que o objeto de sua esperança. O que está radicalizado não é a índole transcendental do esperado, mas o ser humano que aguarda uma dimensão espiritual futura e melhor, não raras vezes, desconectada com a dimensão corporal, terrena e material da existência humana. Muitos esperam somente naquilo que sustenta o espírito. Destaca-se um dualismo que impossibilita uma relação de diálogo entre história e esperança.
A espera próxima pela vinda de Cristo foi cedendo  lugar para uma expectativa mais remota. Ao longo do tempo, não soube-se transmitir à comunidade cristã, que a proximidade em questão é uma situação de iminência, incomensurável nos padrões do tempo físico, mas perceptível na visão teológica do “agora” da salvação e da proximidade permanente de Cristo[38].

4.9 Do Maranathá ao Pro Mora Finis.

A esperança em um reino milenar que se realiza sobre a terra está registrada em diferentes culturas e crenças. Os cristão esperavam o reino de paz que Cristo inauguraria, os romanos aguardavam a idade do ouro e os nossos contemporâneos prenunciam um “fim” deste mundo, numa situação sem história e sem conflitos.
O milenarismo cristão professa a fé no retorno de Cristo para completar seu plano salvífico. A plenitude do seu reino é esperada na história, no mundo. No milênio a paz será estabelecida e o mal exterminado , marca a morte do infiel e a destruição da impiedade. Não se acredita que a parusia seja o fim da história.  A doutrina da Igreja diz que a parusia termina a história e dá início ao novo céu e nova terra definitivos. O milenarismo, no entanto, diz que Cristo volta e dá início a um outro período histórico: o reino milenar. No reino se cumprirão todas as promessas do Antigo Testamento: a justiça total, a paz universal, a perfeição moral e física; após, haverá um tempo de conclusão do milênio e então virá a ressurreição e o juízo universal.
Os milenaristas têm uma esperança muito concreta e real. Acreditam na transformação do mundo, nas dimensões cósmicas, históricas e sociais. Têm uma visão pessimista do mundo atual e esperam a iminência do reino milenar:  “Cristo em breve voltará!”, apregoam. Todos os que acreditam numa utopia sobre a terra são identificados como ramificações do milenarismo. Atua entre os milenaristas o influxo do judaísmo, especialmente a crença judaica sobre o futuro reino messiânico compreendido como domínio político e material. Confirma este dado o fato da esperança milenar ter desenvolver-se principalmente em ambientes asiáticos, onde o cristianismo ficou mais exposto ao condicionamento judaico.
            No início da era cristã, algumas vezes interpretou-se Ap 2,1-10 partindo de concepções judaicas. Os profetas do Antigo testamento propuseram a vinda do Messias como o início de um tempo de grande prosperidade para Israel ( Cf. Is 9,1-6; Ez 40,1-18; Dn 7,1-28). Os autores de livros apócrifos valorizaram tais vaticínios e descreveram o reinado do messias como um período de abundância e de felicidade material neste mundo. Diziam que as pessoas viveriam um número de anos maior do que a cifra dos dias de outrora. E enquanto os judeus identificavam esse bem-estar terrestre com a bem-aventurança definitiva do ser humano, outros o interpretavam como início de um reinado messiânico.
Já no tempo da Igreja pré-constantiniana prevalecia uma atitude cristã favorável à esperança no milenarismo. É o que nos relata Barnabé, Justino e Irineu de Lion[39].
Eusébio de Cesaréia dá informações sobre a mudança que ocorreu na interpretação sobre o reino da glória depois da virada constantiniana[40]. A mudança de paradigma sobre a interpretação da história passa de um sofrer com Cristo no tempo presente ( como anteriormente ocorria durante as perseguições e martírio), para um reinar com Ele. Inicia-se, portanto, o reino milenário. Quando o Império romano da Besta Apocalíptica se transformou no Império Cristão e o cristianismo deixou de ser religião perseguida, para tornar-se a religião dominante, teve origem o chamado milenarismo presêntico. O Sacro Império é considerado a encarnação do reino milenário descrito no capítulo 20 do livro do Apocalipse e na monarquia divina universal de Daniel 2 e 7.  A teologia da igreja torna-se a teologia imperial, pois o Império Cristão é considerado a representação do senhorio de Deus na terra[41]. Trono e altar, salvação e domínio fundam-se em unidade.  Com a virada constantiniana  a cristandade perseguida torna-se religião lícita e dominante, que no império romano assumirá a forma bizantina e no oriente se desenvolverá como cesarismo e no ocidente como Sacro Império: um  ideal teopolítico considerado válido até o final dos tempos.
O reino de Constantino inicia com a cruz. Não a do Calvário, mas com aquela do seu sonho: “ In hoc signes vinces”. Na certeza de que “com este sinal” venceria, Constantino avançou sobre Massêncio em 312 e vitorioso, inicia um processo de maior acolhida do cristianismo em seu império, até assumi-lo por completo. Para a teologia constantiniana do Reino, Cristo já reina no céu sob as vestes  do Pantocrátor, como muitas vezes se representa nas cúpulas de basílicas bizantinas. A Igreja, então, não clama mais “venha o teu Reino e passe este mundo” como no tempo dos mártires, mas professa o “pro mora finis”, implorando que o fim seja deferido.
O que Constantino iniciara, chega ao seu auge com Justiniano, quando Estado e Igreja se fundem numa espécie de unidade quiliástica. Dos dois carismas: o eclesial e o imperial, retira-se a idéia dos dois poderes: o espiritual e o temporal. O Sacro Império é concebido como a meta última do plano que Deus projetou para os povos e portanto é o cumprimento da história universal.
A mesma monarquia religiosa e política era concebida como uma imitatio Dei e permeada pelo esplendor da glória sobrenatural. O imperador que professava a fé era também a origem de todo poder sobre a terra e única fonte de direito, pelo qual governava com uma autoridade que não conhecia limites. Este absolutismo autocrático conotou o sistema e a história política de Bizâncio e depois da queda de Constantinopla, em 1453, continuou até 1917 com Moscou na autocracia do césar da Rússia. O milenarismo político do império bizantino conhece seu fim quando Roma é tomada pelos germânicos e conquistada pelos visigodos.
Enquanto a Igreja se aliava cada vez mais ao Império, nascia o monaquismo. Quanto mais se desenvolvia uma cristandade secular, mundana, no sentido mais restrito do termo, tanto maior consenso encontravam as comunidades monásticas. Era a reação contra a identificação e redução do Reino de Cristo aos reinos do mundo.
Se a cristandade do mundo via a realização do Reino de Cristo no Império Cristão, a cristandade das ordens religiosas fazia valer a reserva apocalíptica contra as potências deste mundo. O Império, por sua vez, compreende que sua missão é anunciar o Evangelho de Cristo até os confins da terra ( Cf. At 1,8) . Com essa motivação, a missão do  Evangelho torna-se a tarefa geopolítica do Império. Quer-se evangelizar e subjugar os povos ao reino de paz que Cristo inaugurará nos últimos tempos. Ilustra bem esta concepção, a conquista e evangelização da América. Sob a guia de Portugal e Espanha, não se evangelizava para suscitar a fé, mas para propagar o Reino de Cristo, onde  a submissão produzia a salvação e a resistência conduzia  à morte. A escolha que se impunha não era entre fé e incredulidade, mas entre ser batizado ou morrer.
É possível captar o caráter milenarista do império cristão também na motivação messiânica das cruzadas medievais. A reconquista da cidade santa de Jerusalém objetivava dominar a capital do reino milenário e o lugar do retorno de Cristo. Segundo o mito messiânico, o último imperador cristão será o imperador do tempo final, ele vencerá o Anticristo e se transferirá para a cidade santa onde depositará sobre o Gólgota a sua coroa, aos pés de Cristo, que ali retornará.
Na medida em que a igreja se concebia como reino milenário de Cristo, não pôde-se mais admitir que algo se colocasse entre o seu presente e o seu futuro na eternidade celeste . Ela está convicta de que chegará até o fim do mundo sem que as portas do inferno prevaleçam sobre ela. O limite dessa identificação do reino com a igreja é de reduzir a grandeza do evento da parusia para  a história e o cosmos numa simples transposição: da igreja terrestre para o reino celeste.

4.10 O Reino sobre a terra: a interpretação milenarista

            No cristianismo antigo chegara-se a criar um esquema para interpretar o reino messiânico. A sua duração era calculada em função dos sete dias em que se julgava ter sido criado o mundo: a história anterior ao messias se estenderia por 6000 anos; o sétimo milênio seria o período do reino messiânico, no qual os justos gozariam de repouso e bem-estar paralelos ao repouso de Deus após a obra da criação. Terminados os sete milênios, dar-se-ia finalmente a entrada de cada criatura no seu estado definitivo.
Vejamos o esquema criado pelos milenaristas cristãos da antigüidade, baseados em Apocalipse 20:
1.      A segunda vinda Cristo em glória e poder;
2.      A primeira ressurreição, apenas para os justos;
3.      O juízo universal;
4.      O reino messiânico de mil anos
5.      A segunda ressurreição, ou geral, de todos os homens e mulheres;
6.      O juízo final;
7.      O prêmio ou a sanção definitiva.
            Analisando esse esquema, percebe-se que a primeira ressurreição é concedida unicamente aos justos. Ressuscitados, estes se assentarão com Cristo para participar do julgamento que se realizará. O juízo é denominado de universal porque serão julgados os povos como coletividades. Em seguida, inaugura-se o reino dos mil anos. Satanás, estando impedido de exercer sua ação nociva, não poderá interferir nem no céu e nem na terra. Os justos ressuscitados, reinarão com Cristo na cidade de Jerusalém, renovada e gloriosa.  No mundo viverão aqueles que ainda não ressuscitaram, com melhores condições de vida do que nos tempos anteriores à segunda vinda de Cristo. Terminado este período, Satanás fará a derradeira perseguição contra o Reino de Cristo, e será prostrado para sempre. Acontecerá então a segunda ressurreição dos mortos, daqueles que não participaram da primeira, e ocorrerá o juízo final, juízo de cada indivíduo particular. Juízo em que Cristo não terá assessores e examinará tanto pecadores, quanto justos. O julgamento final é também chamado juízo dos mortos, enquanto o anterior, o universal, é dito juízo dos vivos[42]. Neste esquema originou-se o quiliasmo ( do grego  chílioi = mil) ou milenarismo. E ainda hoje é possível encontrar grupos religiosos fundamentalistas que pregam esse tempo milenar sobre a terra, sendo versões modernas de interpretações quiliásticas antigas.

4.10.1 O milenarismo e a Tradição
   
         É possível classificar dois tipos de quiliasmos.
a)      O Milenarismo material, conhecido também como grosseiro,  entende a felicidade do reino terrestre de Cristo nos prazeres da carne: uso e abuso do sexo, da comida e da bebida. Esta interpretação foi sustentada por Cerinto e ensinada por adeptos da gnose no segundo século.  Este milenarismo foi totalmente condenado por todos os Santos Padres e Doutores da Igreja. Depois de ter caído no esquecimento a partir do terceiro século, ressurgiu por inovadores religiosos do século XVI.
b)      Milenarismo  espiritual  ou mitigado, é o que concebe a felicidade em termos mais dignos. Afirma que os justos, após a primeira ressurreição, já não casarão nem serão sujeitos à fome ou à dor, segundo o que diz Jesus em Lc 20,35.
Nos primeiros séculos do cristianismo, o milenarismo espiritual era professado por vários Padres e escritores da Igreja: São Justino,  Santo Irineu, Tertuliano,    Latâncio e São Metódio de Olimpo. Ilustra este pensamento a descrição do reino terrestre dada por Pápias na Adversus Haereses de Santo Irineu:
      “Virão dias em que as videiras crescerão, tendo cada qual dez mil cachos; em cada cacho, haverá dez mil bagos; e cada bago espremido dará  vinte e cinco medidas de vinho. E, quando alguns dos santos colher um cacho, outro clamará: sou cacho de melhor qualidade; tomai  a mim, por mim bendiz ao Senhor. Da mesma forma o grão de trigo.[43]
            Santo Agostinho também sofreu a influência do reino milenário, principalmente nos primeiros escritos, mas depois propôs novo modo de interpretar Ap 20, excluindo o reino milenário[44].
            O milenarismo foi atacado com vigor no Oriente pela escola de Alexandria, por Clemente e sobretudo por Orígenes. No ocidente a posição de São Jerônimo e de Santo Agostinho fazem com que o sistema caia em descrédito na tradição cristã. A esperança  milenarista não  desapareceu completamente e renasceu das cinzas na baixa Idade Média com Joaquim di Fiore, tendo  suas influências  até nossos dias.
            O Magistério da Igreja, sem condenar formalmente o milenarismo, lhe é desfavorável. Em 1944 a Santa Sé foi questionada sobre a idéia do milenarismo espiritual e a hipótese de que Cristo virá antes do juízo final para reinar visivelmente neste mundo. A resposta se fez nos seguintes termos:  “ O sistema dito ‘ milenarismo mitigado’ não pode ser ensinado sem perigo para a fé”[45].

4.10.2  As previsões do fim do mundo e o reino milenar

            O mundo pagão e o mundo judeu da antigüidade conheciam diferentes interpretações sobre uma nova fase do mundo e da história, com a proximidade do  messias e do seu reino.  Isto chegou a influenciar os primeiros cristãos na expectativa de que o Senhor Jesus não tardaria a voltar. A tensão escatológica chegou ao extremo em fins do século II e início do III. Na Ásia Menor, Montano e suas profetizas, Priscila e Maximila, apregoaram a vinda iminente do Paráclito prometido por Jesus em João 16. Acabaria o mundo presente para dar lugar ao Reino de Deus, Era comum até entre cristãos demonstração de fanatismo[46].
            A expectativa de um iminente fim do mundo  dissipou-se com o decorrer do tempo. Isto não impedia que certos cristãos procurassem através de cálculos e conjeturas anunciar  a época da catástrofe final. Se ela não estava às portas, pensavam também que ela não podia tardar.  Foi o caso de Santo Irineu de Lion que partilhava da idéia de que no ano 6000 após a criação do mundo seria o ano final da história[47].  Opinião semelhante era sustentada por Hipólito de Roma[48], Santo Ambrósio[49] e Santo Hilário de Poitiers[50].
            No século V a idéia da iminência do fim do mundo foi novamente alimentada pelo desenrolar dos acontecimentos de então: invasões dos Godos assolavam o Império Romano e sua capital. Até que em 476 Odoacre se apoderou de Roma, destituindo o último imperador, Rômulo Augusto. A queda da cidade que até então fora o centro da civilização, união e bem-estar entre os povos, parecia ser prognóstico de que o mundo não subsistiria. Este pensamento é atestado por São Jerônimo, São  João Crisóstomo e São Leão Magno[51]. No sexto e sétimo séculos, São Gregório Magno indicava em suas pregações a próxima vinda de Cristo, já que as guerras e as misérias da época pareciam ser os sinais precursores da parusia[52].
            Foi no décimo século, entretanto, com o início do novo milênio ( o segundo da era cristã) que a questão sobre o fim tornou-se mais forte. Escritores e pregadores medievais chegaram a julgar que no ano 1000 o Anticristo seria desencadeado sobre o mundo e em seguida viria o juízo universal.  Famosa e polêmica foi a percepção de Joaquim di Fiore ( 1130-1202)nos finais do século XII[53]. Ele distinguia três idades do mundo: a do Pai, a da revelação do Filho e a do Espírito Santo, caracterizada por um entendimento mais profundo e espiritual das Escrituras Sagradas. Seria esta, a era definitiva, guiada pelo Evangelho eterno cuja menção está Ap 14,6.
            São Tomás de Aquino informa que alguns doutores medievais julgavam que os astros cessariam de se mover no fim dos tempos, para ocupar exatamente a mesma posição que tinham no início do mundo, de tal forma que nenhuma trajetória astral ficaria incompleta. Atribuía-se, então, a duração de 36.000 anos da história toda. O que determinaria ainda mais 30.000 anos antes do fim do mundo. Para o doutor angélico um futuro tão extenso parecia pouco provável[54]. Atestava, porém, que não existe um tempo diferente e nem previa uma plenitude intra-histórica.
            O século XV foi marcado por expectativas do fim do mundo. O desejo da nova era, lançado por Joaquim di Fiore e seus seguidores, crescia diante das desordens religiosas e políticas dos séculos XIV e XV: transferências dos papas para Avinhão, o grande Cisma do Ocidente cristão, novas teorias relativas ao governo da Igreja e do Estado.
            No período da Reforma Protestante os grandes reformadores não mostravam muito entusiasmo pelo milenarismo. Lutero acreditava no próximo advento de Cristo, mas rejeitava o quiliasmo. Desgostavam-no profundamente os cálculos que  alguns familiares e amigos faziam sobre a data da parusia. Da mesma forma agiu Calvino, para quem os milenaristas eram acusados de retalhar o reinado de Cristo e reduzi-lo a mil anos.  A Confissão Helvética de 1566,  condena o “ sonho dos judeus ”, ou seja , que antes do juízo final haveria uma idade de ouro e durante mil anos os que temem a Deus ocupariam todos os reinos da terra. Excluía-se, assim, sob o plano teológico, a possibilidade da esperança cristã implicar num futuro para os hebreus enquanto tais.
            A Idade Moderna também conheceu previsões e profecias sobre o fim. O Iluminismo francês apesar de ser laicista e anticlericalista, converge para o espírito de Joaquim di Fiore, com a lei dos três estados formulada por Augusto Comte e Saint Simon, pela qual o positivismo representa o terceiro reino do Espírito e o estágio completo da evolução humana.
            O humanista pico de Mirandola, morto em 1494 previa a volta de Cristo para o ano de 1994, partindo de pressupostos da mística neoplatônica e cabalística. O exegeta católico do século XVII, Cornélio Lapide, predizia a proximidade do fim do mundo apelando para um oráculo comum entre os turcos: a religião de Maomé haveria de durar dois mil anos.
            Um milenarista destacado foi o jesuíta chileno Manuel Lacunza ( 1731-1801), para quem a Teologia, a Sagrada Escritura e a Astronomia eram ocupações favoritas. Ao morrer, deixou uma obra inacabada intitulada: “ A vinda do Messias em glória e majestade”[55] , que em 1824 foi incluída no Index (índice dos livros proibidos), tendo sido condenada possivelmente pelo capítulo que dedicava ao reino dos mil anos de  Cristo na terra[56].
            Grupos religiosos sobrevivem até hoje baseados no anúncio iminente do fim. É o caso dos Adventistas do Sétimo Dia, fundados por Guilherme Miller, morto em 1849, que após ter aderido ao racionalismo de sua época, se converte à corrente dos batistas.  Miller partia do princípio de que todas as profecias bíblicas referentes ao Messias se devem cumprir literalmente.  Na segunda vinda de Cristo, em glória,   ele estabelecerá seu reino milenário, que será a realização verbal da era messiânica profetizada pelo Antigo Testamento. Terminado o milênio, virá o juízo final.  E partindo de Daniel 8,14, que propõe um enigma de duas mil e trezentas tardes e manhãs, Miller considerou as tardes e as manhãs  como anos e julgava que Cristo viria instaurar o milênio no ano 2300 a partir da data do oráculo, isto é, 457 a.C., o que projetaria a parusia de cristo para o ano de 1843, precisamente entre março de 1843 e março de 1844. Em 1833, uma chuva de asteróides favoreceu a interpretação de Miller e foi entendida como prenúncio do fim. Com a passagem do ano de 1843 houve a grande decepção para os seus 50.000 adeptos. Miller protelou para outubro de 1844 a data derradeira e nada aconteceu. Os adventistas até hoje conservam a crença no próximo regresso de Cristo e alguns dizem que o prazo previsto por Daniel de fato terminou em 1844, mas  Cristo ainda estaria a purificar o santuário, conforme o oráculo, e logo após viria para completar esta obra.
            Influenciados pelos adventistas, nasce as Testemunhas de Jeová, fundados por Charles Russell, morto em  1916. Adepto também de cálculos para detrminar a data do fim,  Russell afirmava que a sua geração não passaria sem  ter visto o Reino de Deus, e profetizou o ano de 1874 para a parusia de Cristo. Em 1914 seria inaugurado o ano milenário, ao qual, no ano de 2914 se seguiriam os céus novos e a terra nova. Nesta estrada muitos trilham até hoje, sejam os adeptos, quanto os dissidentes, todos buscam prever a aproximação do fim do mundo  e o início do novo reino.
            Outro grupo com tendências milenaristas são os Mórmos, a Igreja dos Santos dos Últimos Dias, como a própria denominação já indica. Fundada por J. Smith, este esperava ver o final dos tempos antes de morrer.
            No meio católico não são raras as notícias sobre revelações particulares com aparições de Jesus e da Virgem Maria referindo-se ao final dos tempos.  A revelação do terceiro segredo de Fátima em maio de 2000 causou decepção em muitas pessoas, convictas de que a Virgem teria revelado algum segredo sobre o destino final do mundo.  Muitas profecias aparecem prevendo um fim catastrófico e fazendo uma leitura da realidade em chave apocalíptica, interpretando-a como prenúncios do fim. Promovendo mensagens de conversão e de penitência, tais profecias tendem a transmitir a idéia de que o tempo final está muito próximo e que é preciso se preparar para o caos. Embora a Santa Sé tenha  advertido sobre a relatividade do conteúdo das revelações particulares, prossegue o fenômeno com bom número de adpetos entre os católicos. 
       
4.10.3 O Sentido da fé milenarista

O relato do combate escatológico e o reino dos mil anos têm uma função parenética. Querem exortar os cristãos perseguidos à perseverança até a morte.  A força dessa exortação reside na promessa de uma recompensa próxima  garantida aos mártires. A morte do mártir exemplifica o sentido verdadeiro de toda morte cristã. A imagem da primeira ressurreição evoca o dom de uma nova relação com Deus. Imagem que deve sustentar a caminhada do cristão na história.
O milenarismo pode ajudar a “sonhar” um futuro diferente “ nesta terra”. Impedem reduzir a esperança cristã na dimensão espiritual e o dualismo corpo e alma, tão presente na concepção de muitos cristãos. O novo céu, supõe uma nova terra.  O sonho e o desejo, longe de ser uma projeção da futura realidade, podem estimular o empenho pela sociedade nova. A grande tragédia moderna é a incapacidade de pensar um futuro melhor para todos, principalmente para as massas sobrantes da humanidade,  aquelas populações que não contam nem economicamente, nem politicamente e muito menos, socialmente[57].
Um futuro reinado de Cristo sobre a terra pode soar como uma utopia, como “um não lugar”.  Dificilmente espera-se que o reino venha sobre a terra, como fruto da absoluta intervenção livre de Deus sobre o mundo.  E os milenaristas, do seu modo, tangendo as fronteiras da heresia, marcam a história profetizando a chegada de um novo tempo que urge uma tomada de posição no aqui e agora de cada tempo histórico[58].
A inspiração e força do conteúdo milenarista provoca a sociedade e a história para repensar o futuro intra-histórico. A crise ecológica,  a violação dos direitos humanos  e injustiça social clamam por situações e medidas  concretas. Dependem de estruturas que planejem e executem projetos  que garantam a vida para todos e para tudo.  E isto supõe uma resistência na esperança, esperar contra todo desespero.  É a esperança das vítimas do sistema mundial em vigor.  Por não terem seus direitos garantidos no tempo presente, acreditam num futuro alternativo. Na concretização dessa ânsia, desfilam utopias que vêm e que vão. Permanece, no entanto, a esperança.
Num balanço final, pode-se perceber que sem o milenarismo a escatologia se dilui numa nostalgia transcendente e se reduz na esperança no além, abstrata. Por outro lado, quando o momento presente é identificado de forma quiliástica como o Reino de Cristo, então só resta esperar o fim do mundo. O quiliasmo tem seu lugar na escatologia cristã somente enquanto o reino milenário de Cristo é objeto de esperança concreta, que se estende sobre a sociedade e a história.  O reinado milenar de Cristo não pode ser entendido como um reino de mil anos partindo de interpretações fantasiosas e fundamentalistas do capítulo 20 do Apocalipse.  O quiliasmo entra na escatologia para reclamar uma dimensão mais histórica e corpórea, mais material e concreta do que supõe a categoria Reino de Deus. Sem acolher o milenarismo, é preciso insistir que o Reino de Deus deve ser construído com a participação da humanidade na história, apesar de ser dom total.  Neste sentido, pode-se verificar os tempos históricos e criticar o quanto cada época aproxima-se ou afasta-se do reino de liberdade, vida e justiça; sinais que prefiguram e antecipam o Reino definitivo.

5. O advento de Cristo para a História e o Cosmos

            Introdução sobre os éschata.
O advento de Cristo há de transformar o cosmos e a história. Na dimensão histórica a parusia deverá levar à plenitude todas as expectativas dos seres humanos, construtores e vítimas da história. Essa perspectiva atinge tanto a dimensão pessoal quanto coletiva. Outro aspecto que aguarda ser resolvido refere-se ao último inimigo: a morte. Enquanto ela não for derrotada fica difícil falar de ressurreição dos mortos. Estes aguardam a aniquilação da morte. Decorrente da ressurreição final será o juízo universal que fará reinar a justiça de Deus sobre a terra. Com o juízo será possível avaliar os grandes instrumentos de opressão e violência ao longo dos séculos. Somente após refletirmos as questões deixadas em aberto pela esperança da parusia sobre a história e a antropologia, é que poder-se-á abordar a outra dimensão: a cósmica, que englobará todo o criado.

5.1  A ressurreição dos mortos: Morrer para nascer

São Paulo afirma que a ressurreição do Crucificado dá início ao processo da ressurreição dos mortos e a nova criação do mundo ( Cf. Rm 8,11). Na ressurreição de Jesus revelou-se a vida eterna e manifestou-se a força da vida no Espírito Santo. Os corpos mortais superam, em Cristo, não somente o pecado, mas também derrotam a morte. Em 1 Cor 15,20-24 Paulo descreve o processo com as expressões aparché e arrabón, indicando antecipações que se sucedem umas às outras. São partes que tendem ao todo e o início que ruma para a perfeição final. Pelo fato da criação escatológica resultar do processo da ressurreição e da criação da vida é que Deus Criador recebe um novo nome, messiânico: ho egeiras Ieosun: “Aquele que ressuscita Jesus”, o Pai de Jesus  Cristo, o Deus que ressuscita  os mortos, o Deus da Esperança ( Rm 15,13)[59].
Segundo a estrutura escatológica do relato das aparições do Ressuscitado, os discípulos anunciaram o acontecimento de Jesus Cristo como “a ressurreição dos mortos”. Evidentemente que a expectativa apocalíptica se volta àquela ressurreição singular e universal que acontecerá no final dos dias ( Cf. Dn 12,2). Os cristãos, no entanto, modificaram essa expectativa antiga proclamando em Jesus Cristo já iniciou, antes de todos os outros, a ressurreição escatológica dos mortos.  Com Cristo já iniciou o último dia da história. Nas palavras paulinas compreende-se que “a noite vai avançada e o dia é vizinho” ( Rm 13,12). E Jesus é anunciado como “primícia dos que morreram” ( 1 Cor 15,20), “primogênito daqueles que ressuscitam dos mortos”( Col 1,18).
Na parusia de Jesus Cristo deverá emergir, portanto, o elemento específico da escatologia cristã: a ressurreição dos mortos. Ela está indicada no Credo Apostólico com a expressão “ressurreição da carne[60], que compreende a vida eterna sem prescindir da vida corporal. O Credo Niceno-constantinopolitano refere-se a esta dimensão nos termos: “ espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que virá[61].
A ressurreição da carne é a recuperação da corporalidade dos mortos. Com ela o cristianismo professou a necessidade de não abstrair a esperança de uma vida futura que perdesse a identidade de cada pessoa. As interpretações modernas que tendem ao reducionismo espiritual e abdicam o aspecto concreto da ressurreição não respondem à expectativa da comunidade cristã primitiva[62].  Para teólogos como J. Moltmann, não é possível conceber a esperança eterna apenas para a alma na imortalidade do céu. Essa interpretação provoca a inimizade entre corpo e alma que sugere a submissão do corpo ao domínio da alma e a repressão de seus impulsos e necessidades. Há quem pense de encontrar Deus onde o corpo termina, por isso consideram-no um inimigo a ser silenciado e flagelado para o bem da alma. “E ficamos cruéis, violentos, permitimos a exploração e a guerra. Pois se Deus se encontra para além do corpo, então tudo pode ser feito ao corpo”[63]. O anseio por libertação do corpo faz o ser humano, que pensa somente na alma, desejar a morte, e desenvolver o instinto tanático contra toda carne na própria vida, na vida dos outros e na natureza.  Se o corpo é o registro histórico da existência, que marca, define e determina a vida, ele também há de ser glorificado na parusia.
Somente a ressurreição da carne desenvolve o aspecto natural do conceito pessoal de ressurreição dos mortos. Essa fundamenta-se no ressuscitamento escatológico, por meio do qual deus cria novas todas as coisas, levando-as à consumação. Ora, aqueles que Deus ressuscita no final dos tempos têm que erguer-se por si mesmos. À força de cima, corresponde a força de baixo. Os mortos permanecem identificáveis para Deus, ainda que se decomponham. A história individual não pode ser anulada e dissolvida no além da morte. Ela não pode destruir o relacionamento do Criador com a criatura.
O Novo Testamento vincula a ressurreição dos mortos à singularidade da páscoa de Jesus. Como a ressurreição do Cristo morto foi realizada por Deus mediante o Espírito da vida,   assim também a ressurreição dos mortos é esperada como um evento físico que diz respeito ao ser humano integral, isto é,  como vida infusa aos “corpos mortais” ( Rm 8,11). A ressurreição dos mortos é descrita como um processo pessoal. A destruição da morte, no entanto, ilustra a dimensão cósmica (  Cf. 1 Cor 15,26 e Ap 21,4). Ambos os aspectos estão intimamente ligados. A ressurreição dos mortos requer uma nova terra, onde a morte não terá mais vez.
Os termos mais freqüentes no Novo Testamento para exprimir o significado do ressuscitamento ou a ressurreição dos mortos são: transformatio ( 1 Cor 15,52) e transfiguratio (Fil 3,21). Expressam que na ressurreição o ser humano encontra sua salvação, reconciliação e realização final. Ressuscitar para a vida eterna significa que para Deus nada se perde: nem a dor e nem os instantes de felicidade. O homem encontrará em Deus não somente o momento último, mas toda sua história reconciliada. O que na vida é experimentado como graça, será consumado totalmente na glória. Em Cristo e na força do seu Espírito já inicia uma vida nova no meio da existência assinalada pela morte. Experimenta-se, antecipadamente, o que somente a parusia revelará totalmente.

5.2  A ressurreição individual.

No confronto com a escatologia católica, a ressurreição dos mortos distingue-se da acentuação protestante em relação ao destino individual. A escatologia reformada interessa-se pelo final dos tempos de forma especial porque não concebe um tempo intermediário entre a morte individual e o juízo final dos mortos. Nesta percepção, os mortos estão num sono eterno até o dia da ressurreição final na parusia de Cristo.
O pensamento católico sobre o tema remonta à declaração de Bento XII realizada no Concílio  de Trento na sessão XXV, quando rejeita a opinião de que os mortos dormiriam na esperança de serem ressuscitados no advento de Cristo. Sustenta-se, no entanto, que cada ser humano é julgado imediatamente após a morte[64]. É o  juízo particular que antecipa individualmente o juízo universal. Há dois juízos, conforme a doutrina católica, um particular, subitamente após a morte, e outro universal, na parusia, quando haverá a destruição da morte e iniciará o novo céu e nova terra.
A posição luterana vê a condição dos mortos como uma espécie de sono profundo, sem sonhos, além do espaço e do tempo, onde não há mais consciência e nem se experimentam sensações[65]. Os mortos no último dia não saberão onde estavam e nem por quanto tempo estiveram mortos. Todos são ressuscitados de improviso, sem saber de que modo se encontraram com a morte e como ela foi superada[66]. Lutero não responde sobre a quantidade de tempo que passará entre a morte do indivíduo e a ressurreição escatológica. Nem vale-se das categorias  de tempo e espaço.  Ele recorre às expressões de tempo de Deus: “ num abrir e fechar de olhos” ( 1 Cor 15,52). O último dia é o “Dia do Senhor”, o tempo de Deus é o tempo do presente eterno. Se os mortos não vivem mais no tempo dos vivos, então eles existirão na presença eterna de Deus. O tempo da morte até a ressurreição será “um só instante”. Sobre a questão do lugar ou estado no qual os mortos se encontram, responde-se  que já estão no novo mundo da ressurreição e da vida eterna. Assim interpreta-se as palavras de  Jesus na cruz dirigidas ao crucificado do seu lado: “Hoje estarás comigo no paraíso” ( Lc  23,43). Ele diz “ hoje” e não daqui a três dias, referindo-se ao hoje eterno de Deus.
Há, entre os luteranos, teólogos que não concordam totalmente com o sono dos mortos até a parusia. É o caso de J. Moltmann que aproxima-se muito mais da idéia de um “acordar” dos mortos logo após a morte para viver, na comunhão de Cristo , até a parusia. Ele compreende que essa existência  dos mortos em Cristo não é a ressurreição, mas apenas um “estar em Cristo”. Os mortos não estão separados de Deus, sustenta. Não estão dormindo, como ensina a doutrina luterana tradicional, mas também não estão ressuscitados, como professa a fé católica. Para Moltmann os mortos estão “em Cristo”.
Interessa-nos especialmente o fato do teólogo protestante refutar a idéia do sono dos mortos. Para ele é preciso admitir que em Cristo, também os mortos disporão de um tempo, havendo Cristo tempo para eles. Na Primeira Carta de Pedro afirma-se que foi anunciada a Boa Nova também aos mortos ( 4,6) e que depois da morte, Cristo anunciou a salvação também aos espíritos que esperavam na prisão ( 3,19). O que leva a concluir que Cristo se importa com os mortos. Faz-se necessário distinguir, porém, que o tempo dos mortos não é igual ao tempo da vida na terra, que traz a morte. Eles vivem no tempo de Cristo, que Moltmann interpreta como o “tempo do amor”. Dessa forma, o teólogo reformado chega afirmar o purgatório: “ É justamente este o elemento de verdade contido na doutrina do purgatório”[67].
Retomando a fé católica sabe-se que logo após a morte há a ressurreição individual, quando os mortos permanecem em Cristo, ainda que não se saiba quando e nem como, esperam a ressurreição da carne e o juízo universal. E desprende-se dessa constatação que há duas esferas: a dos mortos e a dos vivos.  Pode-se considerar dois semi-círculos de relacionamentos: a comunhão entre os vivos e a comunhão entre os mortos. O espaço no qual os vivos se movimentam  não dá acesso ao espaço reservado aos mortos. Não somos capazes de imaginar o espaço que os mortos dispõem em Cristo, porque desse dado não temos experiência. A única certeza que temos é que a nossa morte não nos separará de Cristo. A separação entre o além dos mortos e o mundo dos vivos é causada pela morte e superada somente no Ressuscitado.  Rejeita-se e nem supõe-se alguma possibilidade de uma comunicação entre vivos e mortos como fazem as crenças reencarnacionistas e a necromancia.  O que mantém unidos  vivos e mortos é a comunhão dos dois círculos: O Cristo. Nele se estabelece a “comunhão dos santos” vivos e mortos. Nele estão unidas as duas vertentes no amor recíproco e na esperança comum na parusia do Reino. No fim dos tempos serão ressuscitados todos os mortos ao mesmo tempo e repentinamente, num momento, ao soar da última trombeta ( Cf. 1 Cor 15,52), isto é, diacronicamente.  A ressuscitação dos mortos liga o fim dos tempos da história da morte e o início da eternidade da nova criação, na qual a morte não mais existirá.

5.3 A questão da alma separada do corpo depois da morte.

A redenção que inclui o corpo humano é tradicional no meio católico. Não obstante as tentativas recentes de amenizar o escândalo que esta significa para a razão e para ciência, a reafirmação da fé original tem seus fundamentos. A fé na ressurreição da carne remonta principalmente a Santo Tomás de Aquino , para quem  a relação grega entre matéria e forma é estendida à alma como forma do corpo. Não mais como Aristóteles, uma forma que perece com o corpo. Mas uma forma espiritual que não se destrói na morte,  nem se espiritualiza totalmente, mas mantém  uma relação transcendental com a matéria. A alma garante a continuidade do ser humano e a unicidade do seu corpo, já que ela é sua forma. Tomás de Aquino chega a afirmar que a alma é mais perfeita quando unida ao corpo do que quando separada[68].
            O vínculo entre alma e corpo se faz na ordem do existir e do conhecer, por isso a alma separada tem relação profunda com seu corpo e nunca se transformará em puro espírito, pois conserva sempre seu aspecto de mundanidade, de corporeidade, de historicidade.  Ao insistir nessa relações, o “doutor angélico” une matéria, mundo e história, sem evidentemente, utilizar esses termos. O conhecimento a partir do sensível, como a forma natural e digna da alma, marca-a definitivamente. Mesmo separada não se desliga totalmente  dessa condição e mantém relação com esse antigo modo de conhecer e  portanto de  ser.  Santo Tomás vincula o conhecimento das almas separadas com conhecimentos precedentes, com sua relação natural, com alguma afeição[69].
Na simplificação catequética, contudo,   pode-se perceber que ocorreu uma desvinculação da alma em relação ao mundo, ao corpo e à matéria:

            “A diferença entre uma alma separada e um anjo - diferença que Tomás insiste em conservar - praticamente desaparece na consciência de um católico médio. A alma leva da terra somente os méritos e os deméritos segundo os quais será julgada para prêmio ou condenação eternos. É esse esquema dualista, espiritualista e simplificado, que de fato era vivido pelo católico médio e não a Teologia elaborada com matizes e distinções de Santo Tomás”[70].
            As primeiras reações contra esta posição da imortalidade da alma remetem à Karl Barth, para quem o homem morre todo e não tem em si, em sua natureza, o germe da imortalidade. Ele coloca em contraposição à imortalidade da alma, a  ressurreição do homem por obra de Deus. Ele quer ressaltar a transcendência e não a autonomia natural do ser humano.  Outro combate veio dos  estudos da exegese, afirmando que a tese da imortalidade da alma está subtraída do seu fundamento bíblico. É uma idéia estranha ao pensamento semita e bíblico. Oscar Culmann recuperará a idéia da “dormitio” para referir-se ao sono dos mortos à espera da ressurreição. A posição tradicional da alma imortal, separada do corpo à espera da ressurreição dos mortos no final dos tempos será a rejeitada como não bíblica e de origem  helênica. Na verdade,  a  Bíblia conhece diferentes formas de concepção da vida além da morte, desde o sheol sem nenhuma esperança de vida até a forma mais elaborada da ressurreição dos mortos no Novo Testamento.
             A fé católica, entretanto,  afirma a continuidade e a subsistência, depois da morte, do elemento espiritual, dotado de consciência e vontade, de tal modo que o “eu  humano” subsiste no ínterim entre a morte e a ressurreição final. E para designar tal elemento espiritual usa a palavra “alma”. É o que ensina o “Credo do Povo de Deus” de Paulo VI:
            “Cremos que as almas de todos aqueles que morrem na graça de Cristo, que se devam ainda purificar no Purgatório, quer sejam recebidas por Jesus no Paraíso, no mesmo instante em que deixam os seus corpos, como sucedeu com o Bom Ladrão, formam o Povo de Deus, para além da morte, que será definitivamente vencida no dia da Ressurreição, em que estas almas se reunirão aos seus corpos”[71].
            O teólogo J. Ratzinger  retém o esquema da alma separada e ressurreição dos corpos no final dos tempos, mas apresenta alguns aspectos inovadores. Ele entende, com o auxílio da categoria “tempo da memória”, extraída de Santo Agostinho, a relação da alma separada com a história.  O “tempo da memória” reúne de modo original o presente, o passado e o futuro. Carrega a marca da relação com o mundo corporal e supera-a . Ao morrer, o homem desliga-se do tempo físico e retém o tempo da memória que não é a eternidade e nem o tempo físico.  Este tempo permite entender o que de definitivo se fez na vida, o que depende de uma  purificação e o que  já pode estar numa nova relação com a matéria através da ressurreição da carne.  Porque o homem continua depois da morte temporal, mantendo relação com a história humana da qual saiu pela morte.  Ela constituiu seu tempo humano, que permanece após a morte na forma de “tempo da memória”[72].     
       Há quem defenda, por outro lado,  que o  corpo entra na glória ressuscitado logo após a morte. Este esquema resolve melhor a relação entre matéria e espírito segundo os postulados das ciências físicas e humanas. Responde melhor às linhas antropológicas atuais, mas  pode ainda ficar preso a um horizonte individualista e sem perspectiva parusíaca. Descarta-se o caráter de comunhão na esperança entre céu e terra que aguardam o  Senhor da parusia para plenificar o Reino “assim na terra como no céu”. Tal percepção possibilita o individualismo, enquanto cada um é a história que construiu e que seguirá à sua ação, mas marcada por ela. Os mártires do Apocalipse que clamam por justiça ao Cordeiro não têm mais razão de esperar o juízo final segundo esta concepção, pois já foram glorificados plenamente e individualmente. A causa comum que fê-los padecer coletivamente se dilui na glorificação individual. Cada um que morre já vive, no instante de sua morte, a parusia do Cristo que vem  no último dia de cada história individual.
O Catecismo da Igreja Católica  refere-se a este argumento nos parágrafos 997 a 1001 quando diz que os mortos ressuscitam definitivamente no último dia, no fim do mundo. Eles esperam a glorificação do corpo que se realizará na parusia do Cristo. E também como todo o gênero humano, o mundo todo que está intimamente ligado com a humanidade e por ela chega ao seu fim, será restaurado em Cristo.  Integra-se  a visão do ser humano como um todo, corpo e alma, matéria e espírito , possibilitando uma nova aproximação com a modernidade para a qual o dualismo que supervaloriza o espírito e atrofia o corpo não é mais capaz de responder às inquietações humanas. O esquema tradicional da alma que espera a ressurreição dos mortos no dia da ressurreição encontra-se com a esperança na parusia e forma uma unidade diante do futuro de Cristo. A corporalidade da ressurreição só terá lugar na nova criação que será inaugurada no evento parusíaco.

5.4 A pessoa e o mundo na ressurreição dos mortos

            O Reino de Deus não se ocupa apenas da dimensão pessoal, nem a escatologia pode reduzir-se a resolver o problema do futuro de cada ser humano. Entretanto, a justiça e a paz prometidas são conceitos que se relacionam e se referem às pessoas e ao mundo. Os dados bíblicos informam que o evento parusíaco vem acompanhado da ressurreição dos mortos. Essa ressurreição parusíaca envolve todos os seres humanos e cada um em particular, porque é todo o homem que ressurge, não somente o seu corpo.  A profissão de fé católica entende que a ressurreição dos mortos na parusia comporta um duplo aspecto. Por um lado será a confirmação, para além da morte, da identidade de cada ser humano, de sua história vivida entre angústias e esperanças; de pessoa encarnada. Neste sentido haverá uma profunda continuidade entre o ser ressuscitado e seu “eu presente”, com todas as dimensões da vida terrena: as formas precárias e as escolhas fundamentais de sua vida. Nada se perde, tudo é retomado na identidade de cada pessoa diante do evento final. Por outro lado, este “eu encarnado” será totalizado na ressurreição, não somente pela sua reintegração essencial, para a qual recuperará a sua corporalidade, mas também em razão de que se manifeste o significado das instâncias humanas da vida corporal.
            O ser corporal humano atual é limitado biologicamente ( pelo corpo mortal) e moralmente ( pelo corpo do pecado). É por isso que vive-se uma existência humana exposta às múltiplas formas de alienação. Com a parusia, o corpo da ressurreição realizará uma forma de vida escatológica na qual a corporalidade expressará a realização de uma presença de comunhão com o mundo e com os outros seres humanos. A pessoa verá realizada plenamente em si, a sua identidade de “imagem de Deus”. Essa dimensão escatológica comporta uma certa transcendência da corporalidade como realidade simplesmente biológica, pois comportará uma nova identidade e uma finalidade superior, que tenderá à imortalidade. O desejo de ser imortal é diverso do distinto de sobrevivência que temos agora em nosso ser. Ratzinger explica que “este é comum a todos os organismos vivos e estão no lado de cá da morte, refere-se à vida temporal da qual os seres participam. É uma tendência de conservação e reprodução da vida biológica vegetal e animal. A tendência à imortalidade é própria do ser humano que tem sede de plenitude de vida para além da morte e comporta em si um desejo antropológico implícito de ressurreição”[73].
            O advento de Cristo realizará plenamente o que confessamos como “ressurreição da carne” no Credo Apostólico[74]. Entretanto, a ressurreição dos mortos não pode ser pensada sem o evento pascal de Cristo. O fundamento e a manutenção da esperança na ressurreição parusíaca é a ressurreição do Crucificado. O Ressuscitado estende os efeitos de sua ressurreição, levando-a à plenitude quando envolve toda criatura humana e a criação na parusia. É Cristo que transfigurará o nosso mísero corpo mortal para conformá-lo num corpo glorioso, diz Paulo ( Fl 3,21). O processo de transfiguração não é compreendido como mero ato físico, mas está na ordem da nova criação, por isso se expressa em uma nova vida dada pelo Ressuscitado na força de seu Espírito.

5.5 A justiça de Deus no juízo universal

            Originalmente o juízo final foi entendido como a instância na qual Deus faz justiça para os que sofrem injustiças. Tratava-se de uma esperança para as  vítimas da História Universal ( cf. Ap 6,10.17). Posteriormente, ele foi entendido como um juízo sobre os malfeitores e Deus foi concebido como um juiz criminal da humanidade, diante do qual todas as pessoas deveriam tremer. A espera do juízo passava através de uma mensagem ameaçadora que intimidava, desprovida de seu caráter alegre e libertador.
            Diversa é a perspectiva do Antigo Testamento, na qual Javé cumpre a justiça em Israel mediante sua aliança. Ele julga os povos no “dia de Javé” que deve acontecer nos  “últimos tempos” ( Is 2,2 e Mq 4,1). O resultado será  o grande reino da paz. Os profetas anunciaram  este juízo afirmando seu início  no próprio Israel. Javé também julgará o Israel oprimido e condenará seus inimigos que triunfam. Desta esperança nascem os salmos da vingança, que expressam a necessidade da reparação da injustiça que Israel padece por amor ao nome de Deus.
            No cristianismo o juízo foi transformado no dia da ira de Deus. A história da teologia e da arte cristã apresentam a relação da expectativa da volta de Cristo ao juízo final sobre vivos e mortos. Isto é bem acentuado na arte medieval. Muitas pinturas nas igrejas faziam uma catequese do medo, apavorando as pessoas sem criarem alegre expectativa. A esperança no Reino sem fim do Credo Niceno foi relevada a segundo plano ou esquecida completamente.
            A imagem de Cristo juiz do mundo não estimulou a esperança na parusia, pelo contrário. Na medida em que se associou a parusia ao juízo final, obscureceu-se o sentido do julgamento que reside unicamente na vitória da justiça de Deus que há de tornar-se a base da nova criação.  Daí a necessidade de exorcizar o pânico e o medo do julgamento, para que  renasça o desejo de uma feliz realização  da obra de Cristo. O motivo dessa esperança é o próprio Jesus Cristo que a si mesmo se entregou pelos pecadores e sofreu  as dores e as enfermidades humanas. Ele é esperado como juiz. O Crucificado julgará mediante o Evangelho da justiça de Deus e não segundo uma lei estranha. O amor de Deus que Jesus proclamou e personificou é incondicional. Ele atinge sua forma mais perfeita no amor ao inimigo. Seria impossível pensar que o Cristo na parusia agirá em contradição com o Jesus dos Evangelhos. Caso contrário, desmentiria tudo o que fez e falou o Nazareno e apareceria como outro juiz universal, desconhecido dos cristãos, que têm um Mestre manso e humilde de coração.
            A expectativa pelo juízo derradeiro deve estar integrada na expectativa de Cristo e não inversamente. O que se tem visto com freqüência é a projeção de angústias reprimidas, para satisfazer desejos masoquistas de autoflagelo. Jesus julgará segundo o critério de sua Boa Nova. Sua justiça salvífica renovará o mundo.  Somente depois que a expectativa apocalíptica do juízo estiver inteiramente cristianizada ela perderá seus medos e se tornará uma esperança libertadora voltada para o futuro.  O juízo deve ser esperado e rezado a partir de seu caráter provisório, porque é premissa para a vinda do Reino eterno. Somente assim o pavor do juízo não paralisará por mais tempo a expectativa da parusia.
            O julgamento de Deus no juízo final não será a última palavra de Cristo. Seu pronunciamento final será: “Eis que eu renovo todas as coisas”. O juízo final, por isso, é passageiro. Definitiva é a nova criação, que será inaugurada com o julgamento. Por isso toda esperança no juízo deve suscitar alegria da libertação, porque a justiça triunfará. Aplica-se aqui a expressão popular diante de tantas situações injustas: “ A justiça de Deus tarda, mas não falha”.

5.6  Salvação e condenação no juízo final.

            A questão que passamos a analisar agora refere-se ao problema da sentença final do julgamento universal: acontecerá um duplo êxito do juízo ou uma reconciliação geral? Quando pensa-se numa reconciliação universal pode-se perguntar: “Por que devo crer e empenhar-me numa vida justa se no final todos serão perdoados e salvos?” De outra parte,    o duplo êxito do juízo permite indagar: “ Por que Deus criou os seres humanos se no final há a possibilidade da condenação eterna?”  Pode Deus odiar as suas criaturas sem odiar a si mesmo?”
            O primeiro aspecto de nossa reflexão trata da condenação eterna e a salvação dos diabos. Questiona-se a possibilidade do juízo final permitir uma salvação sem fim para os bons e o destino eterno dos maus no inferno. A polêmica é antiga. Orígenes na sua teologia pedagógico-salvífica via que no fim até o diabo seria salvo, mas não conseguiu impor sua idéia no cristianismo antigo[75]. A Igreja luterana na Confissão Augusta, em seu artigo 17 ensinava que Jesus Cristo virá nos últimos dias para julgar e fazer ressurgir todos aqueles que estão mortos, para dar vida aos crentes e eleitos, para mandar ao inferno os ímpios e os diabos. Reprova-se, então, os anabatistas, com sua posição de que os diabos e os condenados não terão uma pena eterna. Em termos análogos sustenta a igreja reformada na Confissão Helvética, em seu artigo XI e o Catecismo de Heidelberg, na questão 52.
            Somente nos séculos XVII e XVIII essa doutrina será reproposta em ambiente protestante. Passa-se a crer, então, que no fim haverá o juízo, com o paraíso e o inferno, mas em função do Reino universal. E justamente por isso os tormentos do inferno não serão eternos, mas limitados, como é o éon temporal.  Afirma-se que se é verdade que Deus será tudo em todos, não poderá existir mais nenhum inferno.           
            A expressão apokatastasis pántòn  está em Atos 3,21 e indica a restauração de todas as coisas. Entende-se aqui a realização das promessas divinas e não uma reconciliação universal. O que não acontece em Efésios 1,10, quando a recapitulação de tudo em Cristo e  a reconciliação de todas as coisas em Cristo Col 1,20 indicam claramente uma reconciliação universal. A imagem do Pantocrátor expressa que Cristo governa sobre tudo para entregar o Reino ao Pai, para que Deus seja tudo em todos.
            Favorável à tese da reconciliação geral está a experiência da graça que é maior do que o pecado: “ Lá onde abundou o pecado, superabundou a graça” ( Rm 5,20). Em Deus, o amor rende a ira.  Nesta percepção o juízo não pode apresentar um duplo êxito, antes, serve de afirmação universal da justiça divina, quando todas as coisas serão recriadas.  Nela a salvação se manifesta através de uma confiança ilimitada em Deus. Para quem defende esta tese, o duplo êxito do juízo é rejeitada porque deposita uma confiança exagerada  nas decisões  humanas.
            Contra a doutrina da reconciliação universal está o fato de que o Deus que restaura e cria direitos, pretende também salvar os homens através da fé. A humanidade não é arrastada, mas persuadida a entrar pela porta da salvação. Em Cristo a Trindade se humilha até o ponto de confiar a própria glorificação nas mãos da humanidade. Deus respeita a liberdade e a decisão humana, sua fé e sua incredulidade, para depois dar o último juízo, o que cabe a cada um.
            Sobre o duplo êxito do juízo testemunham principalmente os textos do evangelho de Mateus: quando fala-se de fé e de incredulidade. Distinguindo o caminho da  vida e o da perdição ( Mt 7,13). Há também o capítulo 25 ( 31-46) que refere-se ao juízo final que descreve o Filho do Homem proferindo: “Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos”. Aos da sua direita, porém, dirá: “Vinde benditos do meu Pai, recebei a recompensa na herança do Reino preparado para vós desde a fundação do mundo”. A decisão se faz pelo bem praticado em favor dos empobrecidos, oprimidos e sofredores. Marcos também menciona o  inferno e do fogo eterno ( Mc 9,  45.48). Lucas refere-se ao rico Epulão que é precipitado no inferno e nos tormentos, enquanto o pobre Lázaro é acolhido no seio de Abraão (Lc 16,23). João identifica a fé com a vida eterna e a incredulidade com a perdição ( Jo 3,36). Paulo também reconhece a perdição em Fil 3,19; 1 Cor1,18; 2 Cor 2,15.
            O restabelecimento de todas as coisas evoca o problema dos diabos e a descida de Cristo aos infernos. A doutrina cristã tem por pressuposto que na sua paixão e morte Jesus experimentou o verdadeiro e total inferno dos seus sofrimentos em vistas da reconciliação do mundo e para a danação do pecado. Baseando-se na descida de Cristo ao inferno, há quem afirme que o Redentor já salvou a todos, nada será perdido e tudo será restaurado e acolhido no Reino de Deus. Para Lutero, por exemplo, Cristo, no abandono da cruz, suportou no nosso lugar, por nós e em nosso favor, todos os tormentos do inferno, da rejeição de Deus e da morte eterna[76]. Sofrendo no seu próprio corpo a nossa maldição, através de suas feridas conhecemos a eleição pela graça. O reformador fala de um Cristo que desce aos infernos antes da morte física sobre a Cruz. Calvino segue na mesma direção[77]. Refere-se ao abandono que o Cristo sofre entre o Getsêmani e o Gólgota como um sofrimento pela eternidade.  A oração que não é atendida no Monte das Oliveiras é vista como preparação às penas do inferno. É o que testemunham o suor e o sangue que banham a terra. Jesus teria experimentado a dor da geena. O inferno, segundo Lutero, não é um lugar especial, nem mesmo um mundo subterrâneo, mas uma experiência existencial[78], a experiência da cólera e da maldição de Deus que se abatem sobre o pecado e sobre a impiedade.
            A descida de Cristo aos infernos indica que também no inferno Deus se faz presente ( Cf. Sl 139,8); que Jesus sofreu a experiência de inferno; por isso o inferno e a morte estão superados em Deus.  Nesta linha de pensamento, teólogos como Moltmann identificam a destruição da morte com a destruição do inferno. Afirma-se que Cristo deixou-se perder para colocar-se à procura dos que estão perdidos afim de reconduzi-los à casa do Pai. E quando ele foi libertado do inferno, abriu as portas e derrubou os seus muros. Declara-se, então, que pela ressurreição de Cristo não existe mais a perdição por toda eternidade[79].
            Seguindo a teoria da reconciliação universal, estendida à destruição do inferno, o juízo final é tido como a posição de Deus sobre a história. Todos os pecados, as maldades, injustiças e violências deste mundo que mata e sofre, serão condenadas e destruídas porque o juízo de Deus executa o que promete. No julgamento, todavia, todos os pecadores, os malvados, os violentos, os assassinos e os filhos de satanás, o diabo e os anjos caídos seriam libertados, salvos de sua corrupção mortal e restituídos  na essência mais verdadeira dos seres que saem das mãos do Criador.  Deus, assim, permaneceria fiel a si mesmo e não consentiria que se perca nada do que fora criado.

5.7 Juízo particular: crise e síntese da Vida

O esquecimento da escatologia no pensamento cristão, conduziu o catolicismo a perceber o julgamento apenas sob a forma individual, denominado pelos manuais de teologia como “julgamento particular”. Na Idade Média, entretanto, já  Tomás de Aquino questionava-se a respeito da legitimidade da repetição do julgamento particular no final da história[80].  Interpretava-se o julgamento último a partir do juízo particular, como se fosse a norma.
A parusia significa a evidência universal do senhorio do Crucificado. O juízo final é diferente do julgamento particular, após a morte. Este segundo verifica as ações de cada pessoa diante da proposta de Jesus Cristo, e que pode ser resumido nas palavras do místico espanhol São João da Cruz: “No entardecer da vida, seremos julgados pelo amor”[81]. O juízo final  interessa-se pela história como um todo, uma vez que revela a todos que a história humana, em sua positividade ou negatividade,  é a história do Messias e de Deus.
C. Duquoc atribui o esquecimento do significado teológico do juízo final, na recente tradição, devido à importância que se revestiu o individualismo nos séculos precedentes, desde o Renascimento[82]. O que desembocou numa moral individualista, esquecida das dimensões sócio-políticas do ser humano.  Ora, a história não pode ser concebida como a justaposição de ações individuais, pois o processo histórico afeta a todos os seres humanos e é determinado pela ação e situação de cada pessoa.  Essa interligação de responsabilidades e determinismos, que forma a rede de relações sociais, é também lugar da relação com Deus. A parusia será o desvelamento da oculta identidade entre a relação com os homens e relação com Deus, mediante o relacionamento com o seu Messias.
            O julgamento consiste na revelação da legitimidade da esperança, implícita na prioridade do amor ao próximo e à justiça, mais do que à própria existência terrena enclausurada no egoísmo. O julgamento é atual, porque é na decisão histórica a favor da luz ou das trevas que se dá o veredicto.  A parusia revela a solidez da esperança, mas quem opta pelas trevas já está julgado. A parusia mostra também as conseqüências mortais para quem opta pelas trevas e verifica a validade da opção feita na história.
            Se a parusia traz o julgamento, então no “grande dia” ela faz aparecer a aberração do desprezo pelo outro, pela justiça e pelo futuro. Ela não é mais apelo à fé , mas é salvação ou perdição[83].  É a parusia que desvela a identidade entre a causa histórica da justiça e do amor ao outro. A parábola do juízo final em Mateus 25 é o  lugar clássico no qual encontra-se afirmada a objetividade do juízo, nos critérios de Jesus de Nazaré e sua prática de amor a Deus e aos irmãos. Supor que no final tudo será  zerado, sem respeitar a opção daqueles que negam o projeto de Deus, é esvaziar a justiça divina. Ainda que ninguém seja condenado, resta a possibilidade de condenação como opção livre e consciente para cada criatura humana.

5.7.1 A possibilidade do inferno

            O questionamento sobre a pena eterna diversas vezes apareceu na reflexão cristã e não faltou quem sustentasse que Deus não poderia abandonar alguém no inferno “eternamente”, porque contradiria à criação, a paternidade e sua misericórdia infinita. Tal concepção afirma que no final de tudo, Deus teria compaixão até dos demônios e salvaria a todos. Essa visão aproxima-se da teoria espírita e oriental do “karma”, a qual sustenta que no fim, por mais duras que sejam as reencarnações, tudo chega à perfeição.
O Evangelho realmente nos revela que Deus criou tudo para a salvação e não quer que nada se perca. E o inferno é, de fato, um escândalo até aos olhos de Deus[84]. O inferno, no entanto,  não foi criado por Deus, mas pela decisão das criaturas livres e inteligentes, anjos e homens, que decidem serem diabólicos. A “possibilidade” de uma condenação eterna revela a grandeza de nossa liberdade, a dignidade e a seriedade de nossas escolhas. A criatura humana foi feita para ser livre , porque o amor é livre e só o amor salva. O inferno deve permanecer como a séria possibilidade de recusarmos livremente e definitivamente o amor de Deus, rejeitando a comunhão trinitária.
       Pode ser  muito difícil que alguém escolha o inferno, porque a vida neste mundo é tempo de salvação. Não dá para julgar ninguém, e nem sabemos se há alguém no inferno. Não temos certeza nem mesmo de Judas. E se alguém quiser sustentar que o inferno está vazio, tem a liberdade para pensar assim. Entretanto, quando se vê tanta malícia e corrupção, tanta monstruosidade criada com crueldade sofisticada, é também muito difícil pensar que o inferno esteja vazio[85].
 Por mais difícil que seja pensar num Deus que permite a frustração eterna da criatura, seria otimismo cego amenizar o peso e o significado da opções pela cultura da morte que invade estruturas, ideologias e também pessoas humanas. Sem desejar e nem julgar quem está ou vai ao inferno, é preciso manter, com  a tradição bíblica e apostólica, a possibilidade de uma condenação eterna, pois o tempo do amor e das opções pela vida são o motivo da existência na história. E sobre aqueles que não podem decidir? Os deficientes mentais, os maníacos, as multidões de homens e mulheres privados de direitos, de liberdade e de esperanças. Certamente o critério para a condenação é ser livre, maduro e responsável, não vítima e nem padecer  com as decisões dos outros. São perspectivas  diferentes do mesmo julgamento. O juízo, portanto, não usa senão critérios da misericórdia divina que considera as condições internas e externas de cada pessoa, na liberdade e responsabilidade de cada uma.

5.7.2 A unidade entre o particular e o universal

            O conteúdo do julgamento é a história real, pois é nessa mesma história empírica que esteve em jogo a relação com o Ressuscitado e, por isso, com Deus. O veredicto do julgamento não é arbitrário, não é imprevisto; mas é conforme o Evangelho do Cristo na sua condição de Messias-Servo. A parusia é assim uma verificação da identidade entre Deus e o homem, iluminada pela verdade do messianismo do Servo.
            Parusia e juízo final da história se relacionam de forma indissociável, bem como a ressurreição geral dos mortos e a nova criação. As teologias da desmitologização reduziram esta dimensão a uma categoria da existência. Esvaziaram-na de toda e qualquer possibilidade de caráter fatual, porque proclamam que não há nenhum “retorno” de Cristo que deva ser esperado neste mundo. Esse “retorno” é considerado como fruto da fantasia. A redução da parusia a uma categoria existencial retira todo sentido global da história e nega a sua verificação final no julgamento.
            Santo Tomás de Aquino escreve que a forma do julgamento ninguém pode saber com certeza[86]. É somente através de imagens que se proclama que a história tem um sentido e que caminha em direção do  encontro com Deus. Os texto bíblicos afirmam que diante dEle estarão todas as nações da terra ( Lc 21,35), desde o início dos tempos ( Mt 10,15) até os últimos ( Mc 8,38). E não somente os seres humanos, mas também todas as criaturas manifestarão o juízo e  a verdade de si mesmas e de Deus. Tudo estará aberto, como um livro, onde será possível ler  o que está escrito ( Ap 20,12): os pensamentos ocultos (Lc 6,37), as omissões ( Tg 4,17), cada palavra proferida para a construção ou destruição ( Mt 12,36), as intenções do coração ( Mt 15,3-9) e especialmente o amor sem limites ( Mt 25,31-46). No juízo tudo aparecerá no seu sentido último.
            No presente as pessoas vivem de encontros e desencontros, estão abertas em busca do sentido da existência, vivem o tempo do risco e do livre arbítrio para  o bem e para o mal. Somente na morte se realiza a grande síntese da vida, quando no encontro íntimo entre a criatura humana e o seu Criador se faz a grande decisão, o juízo particular.  E no juízo universal se realiza a manifestação universal do que ocorreu no juízo particular.  Este ato público revela o vínculo de cada pessoa com o todo. Há uma comunhão e mística que nos une a todos e a tudo.  Fazemos parte da globalidade da criação que somente se manifestará como unidade total no Juízo Universal.  O juízo particular na morte está em profunda correlação com o Juízo Universal, pois cada ser humano, embora síntese do todo, é um momento de um processo universal que o transcende. Ele é parte da história de toda a criação.  Melhor que identificar dois julgamentos, seria pensar num único juízo com momentos escatológicos diferenciados: o particular e o universal; com critérios, porém, comuns: a participação de toda criação na glória de Deus.
            A idéia do  único juízo com dimensões particulares e universais, leva-nos a afirmar que aqueles que estão em Cristo, os eleitos, mesmo que estejam pessoalmente felizes, ainda não estão plenificados enquanto  a terra não chegar ao seu acabamento. Os que vivem nos “céus”, por isso, estão em comunhão com os que habitam  na terra, através da solidariedade e da intercessão; até a parusia e a glória plena.

6. A nova criação: espaço da parusia

            Para integrar a categoria “espaço” na reflexão sobre a parusia, é importante precisar a linguagem. Isto se faz distinguindo espaço geométrico de espaço ecológico. A moderna separação cartesiana de um sujeito espiritual sem corpo e um mundo de corpos estendidos no espaço geométrico é estranha à tradição bíblica. A percepção cartesiana reduz as coisas, independente  de serem pedra, animal ou planta, à estruturas geométricas significadas pelos seus valores de uso. Na concepção ecológica, parte-se do pressuposto de que espaço é ante de tudo “ambiente vital”. Esse será o conceito que utilizaremos nessa reflexão.

6.1 Ceús e terra da parusia

A etimologia hebraica designa céu como  o que é alto, e terra como o que é baixo. Nas tradições bíblicas, céu significa a região do ar para as nuvens e para os animais alados. O espaço é dividido em céu, terra e mar. Pode-se distinguir também o céu no sentido simbólico, como sendo o mundo dos anjos, mundo invisível e lugar da glória de Deus.
O céu como lugar da glória pode ser expresso tanto no singular, quanto no plural: “Eis que do Senhor teu Deus são o céu, o céu dos anjos, a terra e tudo o que nela existe” ( Dt 10,14). O céu dos céus reúne o plural aberto das regiões invisíveis e desconhecidas da criação. Paulo menciona um terceiro céu ( 2 Cor 12,2). Não sabemos se ele fala do céu do anjos, no além, do ar ou do céu das estrelas. Influenciados pelo judaísmo, alguns Santos Padres referiam-se aos sete céus.  Essa multiplicidade de falar do céu revela de forma objetiva a impossibilidade de determinar exatamente o que seja essa região da criação na linguagem humana.  Diferente da terra, que é sempre referida no singular, confiada e conhecida pelo ser humano.
Na Bíblia, o céu é a morada de Deus. Ele age na terra a partir do céu, onde seu nome é santificado, sua vontade é realizada e seu Reino é preparado. Por mais estranho que possa parecer, é preciso assumir o conceito de céu como o meio ambiente que está mais próximo de Deus e lhe corresponde totalmente. A terra, por sua vez, é a região mais ampla de sua existência, seu meio ambiente indireto. O céu, porém,  não tem natureza divina, ele é uma parte do mundo  criado que deve ser diferenciada do mundo visível. É através dessa diferenciação que o mundo visível pode ser compreendido como criação, o qual existe a partir de Deus. Quem mora no céu é o Criador que virá morar em toda sua criação. A imanência de Deus no mundo torna-o excêntrico, isto é, sua centralidade está fora de si, transcende-o; por isso a esperança escatológica se orienta pela expectativa de que o Reino do céu venha sobre a terra e que a glória de Deus resplandeça na esfera visível da criação: a terra. “ Assim na terra, como no céu”.
Com o termo terra pensa-se no espaço  de vida das pessoas e dos animais terrestres, em oposição ao espaço do ar e do mar. É o espaço visível da criação em oposição ao céu, ao mundo invisível. A terra é simbolicamente a parte da criação na qual Deus ainda não tomou moradia. Esse simbolismo implica que a terra não seja compreendida apenas como este planeta, mas também todo mundo material e visível ao qual a terra pertence[87].
Sobre a relação entre o céu e a terra, é preciso romper com o dualismo. Se vemos a relação do Criador com a criatura, percebemos a analogia que deve resplandecer entre céu e terra. O céu é sempre descrito nas tradições bíblicas como o lugar onde Deus está, a partir de onde ele age e para onde se dirigem a oração e o louvor.  Em correspondência, o amor de Deus se endereça claramente à terra e ao mundo, no qual as pessoas existem.
Outra relação se faz necessário: entre céu e Reino de Deus. Pode-se considerar o céu como o ambiente da presença de Deus, mas ainda não é o palco do Reino da glória, porque este último supõe também a outra esfera da criação: a terra. Mais, o Reino implica num novo céu e numa nova terra, que se relacionam de uma forma atualmente desconhecidas.  O Reino deve ser concebido a partir da integração entre céu e terra. O céu é a dimensão atual que aguarda a comunhão  plena com a terra na glória da parusia. Então Deus reinará absolutamente sobre toda criação e céu e terra, unidos, formarão o habitat de Deus. No Reino, a diferença entre céu e terra não é abolida e nem funde-se os dois espaços vitais num terceiro ambiente. A terra não se torna celeste e nem o céu se torna terrestre, mas ambos deverão se comunicar de uma maneira nova e ilimitada[88].

 6.2 A shekiná, Tenda da presença

            A Bíblia e os credos cristãos têm como premissa espacial para a parusia de Cristo, o céu. À ascensão de Jesus ao céu, corresponde à vinda do céu. O conceito de espaço, entretanto, precisa especificar essa categoria do lugar da parusia. Se a mediação temporal referia-se a um novo conceito de tempo, que não o chronos, mas  o éon da parusia, na mediação espacial pede um aprofundamento de conceitos.
            Na teologia do Filho do Homem afirma-se que a vinda do Cristo no fim dos tempos procede do céu.  A imagem recorda o Filho do Homem que vem sobre as nuvens do céu, com poder, honra e força. Ele vem de cima, do próprio Deus, do céu. Os evangelistas afirmam que ele virá na glória do seu Pai ( Mc 8,38). O que pressupõe que ele estava anteriormente sentado à direita do Poder ( Mc 14,62).
            Afirmar que “Cristo vem do céu” significa expressar simbolicamente a sua procedência de Deus, mas também indica o espaço que está em contraposição ao mundo visível. Por isso se diz que ele virá com os anjos ( Mc 13,27), que ele enviará aos quatro ventos para reunir os eleitos. Não se pensa no firmamento visível dos astros, mas no círculo das possibilidades e forças criativas de Deus, onde ele habita e por isso o céu já tem parte na sua eternidade.
            A expressão “nuvens do céu”, nas quais vem o Filho do Homem, é uma alusão  à revelação da glória de Deus ( Cf. Ex 16,10) e à indicação de sua presença ( Ex 13,21 e Ap 10,1). Não refere-se ao céu físico.  O espaço da parusia não pode ser apenas o céu. É preciso um recurso de linguagem que expresse melhor a morada de Deus com suas criaturas, a comunhão de céu e terra, a nova relação que se estabelece entre tempo e espaço. 
            Utilizando um simbolismo adotado por Moltmann, é possível encontrar um “espaço” que retrate nos limites da linguagem o que seria o lugar da parusia: trata-se da shekiná.  Esta categoria é extraída da doutrina  rabínica e cabalística que afirma a presença de Deus nas pessoas e sua morada entre elas.  Ela remonta a idéia do Deus que abandona a sua concentração, distende-se e produz uma habitação fora de si que tornar-se-á também sua morada com as criaturas. Esse contrair-se de Deus num espaço terreno não significa a atenuação de sua presença universal[89].
            Através da shekiná Deus está presente em Israel, sofre com o povo a perseguição, é peregrino com os hebreus e prisioneiro no exílio, bem como é solidário na morte de seus mártires. A shekiná mora no jardim do Éden, mas depois do primeiro pecado se distancia da humanidade. No tempo compreendido entre Abraão e Moisés, ela retorna gradativamente sobre Israel e lhe salva da escravidão do Egito: aparece para Moisés sobre a sarça ardente, faz o povo atravessar o mar de juncos, pousa sobre a arca da aliança e estabelece sua morada no templo de Sião.  Depois da destruição do templo de Salomão em 587, ela retorna ao céu e acompanha o povo no exílio. A recordação da destruição da cidade de Deus, do templo e do palácio real pelos babilônicos, se transforma na esperança de que Deus retornará, em glória, sobre o templo futuro, para habitar para sempre no meio dos israelitas. Isto é o que descreve o profeta Ezequiel nos capítulos 40 a 48. A revelação da glória de Deus nos últimos tempos está ligada ao retorno definitivo da shekiná. A habitação escatológica de Deus no novo céu e na nova terra é a presença de Deus no espaço de suas criaturas.  O que acompanhou Israel na libertação da escravidão do Egito e que depois encontrou sobre o Monte Sião de Jerusalém uma morada determinada no tempo, passa a penetrar os grandes espaços da criação na shekiná.
Moltmann ilustra a teoria da shekiná relacionando-a com a Kenose de Jesus.  A cristologia dogmática procurou explicar a plenitude da divindade que habita em Jesus com termos semelhantes ao da teologia da contração. Abaixando-se e humilhando-se, o Lógos eterno assumiu a figura de escravo, para partilhar como irmão ( Fl 2), dos sofrimentos de seus irmãos e assim redimi-los . Para salvaguardar a imutabilidade de Deus, a cristologia sucessiva substituirá a idéia da kenose pela de assunção da natureza humana pela parte do Lógos. Segundo Moltmann, ambas cristologias prospectam uma singular comunhão que se estabelece entre Deus e a natureza humana e a própria história  na qual ele vem agora habitar.
            Na reflexão sobre a parusia interessa particularmente a idéia da shekiná como habitação de Deus no meio de sua criação. Trata-se de uma nova presença de Deus. Ele não é mais apenas o Criador e Salvador de sua criação, mas também habita com as criaturas. O mundo, o céu e a terra, tornam-se a morada de Deus.  Tudo isso pode ser um sonho ou fantasia se não tiver uma prefiguração que antecipe o futuro. E é justamente na cristologia que encontra-se a concretização mais absoluta da shekiná: na Encarnação.  Em Cristo está presente o mesmo Deus que reconciliou em si o mundo. O ser humano que está em Cristo, já é uma nova criatura. Em Cristo encontra-se uma dupla morada: a habitação de Deus e a habitação dos crentes. Uma dupla habitação que fundamenta a esperança escatológica e universal dos cristãos na nova criação de todas as coisas. Em Jesus a shekiná adquire traços totalmente distintos da doutrina rabínica[90].  Jesus é Deus que habitou entre nós, o Verbo feito carne ( Jo 1, 13). Na escatologia cristã esta habitação de Deus com seu povo não é fixa num lugar e num tempo, ela tem uma transversalidade e singularidade como foi o evento Cristo para toda história e cosmos. A nova Jerusalém desce do céu, advém com o Cristo e o céu e a terra se comunicam de forma ainda não conhecida.
            Como no início o Criador fez da criação a própria morada, no fim, a nova criação torna-se sua morada.  Há uma interação nos modos de habitar: o mundo em Deus e Deus no mundo. Isto não implica que o mundo desapareça em Deus num panteísmo, nem que Deus se dissolva no mundo, num ateísmo. Na recíproca habitação, Deus e o mundo  permanecem inconfundíveis e inseparáveis, dado que Deus habita na criação de maneira divina e o mundo habita em Deus de forma mundana.
            Da auto-humilhação divina fala-se também tratando das inabitações históricas do Espírito. Na experiência do Espírito Santo, experimenta-se  uma nova presença de Deus. Ele habita o ser humano.  Esta morada é compreendida como  a shekiná de Deus. Antes do Espírito de Jesus ser efundido sobre a terra, a presença de Deus vinha experimentada somente no templo, na liturgia e no dia do Senhor. Agora, a própria humanidade, o corpo humano torna-se templo do Espírito Santo; a shekiná por excelência. Na parusia, enfim, o novo céu e a nova terra tornar-se-ão templo e morada de Deus. O mundo inteiro será a pátria de Deus. Pela inabitação do Espírito, o ser humano  e a comunidade cristã são transfigurados no corpo de Crist     
   
6.3 Shekiná e Sabbat: futuro e presente da parusia

            Se assumimos a shekiná, enquanto tenda da Presença e o Sabbath, enquanto “tempo” da comunhão plena do Criador com as criaturas, como símbolos escatológicos, podemos afirmar que ambos se relacionam profundamente. O sábado  ou domingo da semana é a shekiná de Deus que ainda não chegou na pátria futura. A shekiná escatológica é o sábado que chegou à sua realização nos espaços do mundo. Sabbath e Shekiná se relacionam como promessa e realização,  início e atuação plena.
            A unidade entre sabbath e shekiná se dá na imagem do Deus que  mergulha no sábado da criação, procurando seu repouso. Este descanso não é compreendido negativamente, como fim da inquietude criadora e histórica de Deus,  mas sim como a felicidade eterna e a paz que não conhece fim[91]. No Salmo 132, nos versículos 13 e 14 pode-se intuir melhor essa relação: “Porque Javé escolheu Sião, e a desejou como residência própria: Ela é minha mansão para sempre, aí vou habitar, pois eu a desejei”.
            É possível representar a presença de Deus em diversos modos: como o lugar da glória, o local onde Deus pretende fazer morar o seu nome,   como a base de apoio para o seu trono que está no céu. A morada de Deus em Sião não tem um caráter exclusivo. Na recordação da arca peregrina, a morada de Deus vem localizada no meio dos israelitas ( Ez 43,7) e assim Israel percebe a presença da shekiná até no exílio. Esta convicção influencia posteriormente sobretudo o modo de santificar o sabbath. Com a destruição do templo de Jerusalém, os filhos de Israel passam a considerar o sábado como o edifício que se ergue no tempo. A presença espacial de Deus torna-se uma presença temporal e o sabbath do tempo abre-se para a shekiná  do final dos tempo.
            O Novo Testamento também enquadra-se no contexto dessa expectativa sabática sobre uma futura shekiná que preencherá céu e terra. Paulo vê a plenitude dos tempos na missão do Filho ( Gl 4,4-5). João descreve o mesmo acontecimento como o Verbo que se fez carne e veio habitar entre nós ( Jo 1,14). A morada eterna do Logos em nossa carne significa a realização dos tempos e vice-versa: os tempos se cumprem quando a shekiná de Deus se afirma definitivamente. Lucas descreve a primeira pregação de Jesus no sábado messiânico, quando se dá o cumprimento das Escrituras, o ano da Graça e da libertação ( Lc 4,18ss). É por isso que Jesus convidará os cansados e oprimidos para confortá-los, isto é, para torná-los partícipes da shekiná e do sabbath. Para a comunidade pascal, Deus já habita neste mundo de impiedade na figura do Crucificado. E, através do Ressuscitado, mediante o Espírito, ele já antecipa a nova criação da shekiná universal.
            Quando sabbath e shekiná estabelecerem a inabitação de Deus, no mundo cessará para as criaturas o tempo (chronos) da distância de Deus e da caducidade e iniciará a vida eterna. Extinguirá também o espaço ( tópos)  da distância de Deus e iniciará a presença eterna na onipresença de Deus. Então a eternidade da inabitação de Deus concederá às criaturas, para sempre, um espaço que não conhece mais aflição.

7. Fim ou  transfiguração do Mundo

            Uma reflexão sobre a parusia não pode eximir-se de enfrentar o problema da esperança num  mundo em crise. Dentre os grandes desafios da escatologia atual emerge a necessidade de dar uma resposta às constantes pregações  sobre o final do mundo. Vimos, no início deste estudo,  como a idéia a idéia do fim fascina e afeta a expectativa de homens e mulheres em todos os tempos.  Analisemos diferentes tradições que tentaram dar uma explicação sobre o destino final da terra.
            Uma primeira tradição remonta à ortodoxia luterana que afirma a idéia da aniquilação e destruição  de tudo. Ensina-se que ao último juízo, segue  o fim total deste mundo. Com exceção dos anjos e dos seres humanos, tudo será consumado e se dissolverá no nada. Nesta posição, não espera-se uma transformação, mas o fim das substâncias que este contém[92]. Baseando-se em 2 Pe 3,12, sustenta-se que os anjos beatos e as pessoas crentes são totalmente absorvidas na visão beatífica de Deus. Os teólogos luteranos do século XVII não pensavam apenas na passagem desta idade do mundo, mas também na destruição do mundo conhecido. O mundo foi criado como céu e terra, mas somente permanecerão o paraíso dos remidos e o inferno dos condenados. A terra deixará de existir.
            O limite dessa interpretação está no fato de que a figura de um mundo destinado a desaparecer contrasta com a vontade de Deus que contempla a sua criação e vê que tudo é muito bom. Se a salvação consiste apenas na visão beatífica de Deus e interessa-se somente por uma alma sem corpo, então desaparece totalmente a idéia da ressurreição da carne.
            Outra percepção é defendida pela teologia reformada do século XVII que proclamava a fidelidade que continuamente Deus demonstra nos confrontos do criado e da sua lei, para a qual não poderia admitir uma destruição, mas apenas uma transformação[93]. Será o tempo no qual o Crucificado se manifestará como o justo a respeito do mundo inteiro e o Reino de Deus assumirá uma figura gloriosa. A nova intervenção do Criador interessará aos mortos porque toda alma será reunida ao corpo no qual viveu sobre a terra. Para a tradição reformada esta unidade do “novo” e do “idêntico” exprime o sentido da transformação do mundo e não o conceito de reforma do mundo. A destruição do mundo, porém, está implícita nessa transformação, enquanto a recriação do céu e da terra pressupõe a destruição do estado no qual o mundo existe atualmente.
            A crítica a essa versão paira sobre o sentido da fidelidade de Deus. Na opinião de J. Moltmann, a fidelidade de Deus para com o mundo por ele criado, não pode limitar a sua liberdade de levar a cumprimento pleno a obra de suas mãos, de fazer da criação temporal, uma criação eterna, e modificar deste modo a própria existência do criado[94]. Enfim, não se compreende até que ponto as transformações nos tempos escatológicos mudam a realidade mundana em profundidade, modificam as condições transcendentais próprias do mundo e as bases sobre o qual isso acontece.
            Da tradição oriental das igrejas ortodoxas emerge a doutrina da redenção física, que a igreja antiga dilata até incluir todo o cosmos. Remonta-se à Santo Atanásio na sua expressão: “Deus se fez homem para que nós homens fossemos divinizados”[95]. A divinização humana estende-se até o cosmos graças ao fato da teologia ortodoxa não distinguir entre natureza e pessoa. Cada pessoa é vista como uma hipóstase de toda natureza cósmica, vinculada com as outras criaturas. Disso, decorre que a natureza cósmica é comum a todas as pessoas humanas e as hipóstases humanas existem em comunhão com todas as demais criaturas. Da unidade entre pessoa e natureza segue que a natureza é redimida quando a pessoa é redimida, transfigurada e divinizada. A chave da união hipostática entre pessoa e natureza é o corpo humano. Se a imagem de Deus foi criada  não somente na alma, mas também no corpo, então a salvação comportará a transfiguração corporal.
            O limite desse pensamento é considerar a divinização do cosmos num sentido demais espiritualizado, que não dá lugar para uma nova criação do céu e da terra. Acentua muito mais a divinização do que uma nova relação que a parusia trará.
            Na linha dos profetas de Israel encontra-se a interpretação escatológica do ecofeminismo[96]. Este tem o interesse de calar uma escatologia especulativa, muito elevada e acusada de machista. Defende-se, então, que a terra é boa, como bom é o processo de vida e morte. Deveríamos, portanto,  retomar a doutrina da morte natural e considerar a lei da vida como boa e justa. Ensina-se que a existência individual um dia acabará por dissolver-se na matriz cósmica da matéria-energia, em novos centros individuais. Esta matriz da vida está destinada a durar eternamente e constitui a base do vir e do devir próprio do ser individualizado e dos mundos planetários.
            O que no Novo Testamento é esperança escatológica, no ecofeminismo torna-se onipresença panteística. A matriz da vida é destinada a durar eternamente; não aceita-se a destruição do mundo ou o fim do planeta. Afirma-se que a vida individual é mortal, diversa é a vida coletiva, imortal.  Neste hino de louvor à terra boa, não se adverte sobre a fragilidade e as possibilidades destrutivas do planeta. Descarta, principalmente, a necessidade da redenção. Não é possível idolatrar a terra a ponto de deificá-la.  Não pode-se pensar que a terra, criatura viva e geradora de vida, venha a torna-se a deusa Gaia[97].
            O profundo respeito pela terra não significa valorizar o processo vida-morte pensando que se continua a viver nos vermes e nas plantas que poderão derivar do nosso corpo orgânico. Trata-se, antes, de viver na esperança do dia no qual a terra se abrirá e os mortos ressurgirão. Com eles, a própria terra será ressuscitada na nova criação. A idéia de ressurgir desta própria matéria priva a esperança para a terra e não permite uma expectativa de ressurreição unida à criação visível.
            Num balanço conclusivo das posições acima sobre o final do mundo, pode-se encontrar sérios limites teológicos. A doutrina luterana da destruição parece pressupor uma teologia da cruz demais unilateral. A reflexão ortodoxa da divinização unilateraliza, por sua vez, a teologia da ressurreição. A teoria da transformação do mundo da tradição reformada poderia ser a ponte entre as duas primeiras, mas não conseguiu tocar nem a profundidade da teologia luterana da cruz e nem o vértice da teologia ortodoxa da divinização. A mais recente teoria da Terra Boa carece dos fundamentos escatológicos e cai facilmente no panteísmo.
            Uma alternativa para o impasse pode ser o pensamento de Johan Tobias Beck ( 1804-1878) que concebeu o novo mundo dos tempos escatológicos como uma nova organização mundana que não conhecerá mais contradições derivantes do pecado e nem as conseqüências da morte, onde se imporá uma nova ordem de escolha, inspirada na justiça[98]. Afirma-se que o fim pressupõe a realização do início e não sua destruição. A nova totalidade orgânica unifica céu e terra, divino e humano. A presença de Deus se realiza na plenitude da comunhão com a humanidade.
            Beck descreve o novo organismo mundial recorrendo ao conceito de pericórese recíproca: os seres humanos tornam-se templo de Deus e este torna-se o seu templo. Há aqui uma profunda compenetração, como ocorre em Cristo na doutrina das duas naturezas.  A esfera terrena do mundo não é separada da celeste, mas torna-se o próprio paraíso, porque é permeada pela mesma vida divina e pela sua excelsa potência. Neste caminho, segue J. Moltmann com a doutrina da shekiná que prevê a unidade entre céu e terra sem destruição, mas recriação[99]. Ele supõe que o Reino da glória comporta tempo e história, futuro e possibilidade, sem quaisquer limitação e ambivalência. Prefere falar de tempo eterno do que eternidade atemporal e início da história eterna de Deus, da pessoa e da natureza, do que fim da história[100].  Evidente que falta precisão nesses conceitos e suas conseqüências para a escatologia, mas  de Moltmann adotamos a idéia de que o mundo não será destruído. A plenificação da criação e da história da promessa de Deus representam o fim deste mundo corrompido pelo pecado e pela morte, pela injustiça e pela violência. Rejeita-se a interpretação apocalíptica da destruição do mundo.
            A transformação para a glória ocorre na parusia diacronicamente a toda criação desde o primeiro até o último dia. Ela não é algo que acontece depois deste mundo, mas algo que acontece com este mundo. A vivência das criaturas pelas gerações é redimida e transformada em alegria eterna. Nessa mesma direção pensa I. Ellacuría, sustentando que a nova criação não é a criação de um novo mundo fora da história, mas é a cristificação da natureza e da história. É o advento do Reino de Deus que transformará este mundo, tornando possível a vida, incluso os mortos[101].
            Para a reflexão sobre a parusia, isso implica dizer que o Dia da vinda do Senhor é um “dia” e não uma noite. Nesse simbolismo cósmico há um sinal de vida e de esperança, pois tudo não termina num eclipse de Deus, num fim do mundo que acaba em nada, como tantas vezes proclamaram grupos fanáticos apocalípticos. O dia da vinda será um dia sem noite, dia da luz eterna, dia da nova criação. “O tempo criado na alternação entre dia e noite acabará para dar lugar apenas à aurora da eternidade”[102].
            O dia da parusia  cairá no tempo, por isso será chamado de dia “dia derradeiro”. O que vai determiná-lo  será o que nele acontecer: a vinda do Senhor na glória. Com ela interrompe-se a transitoriedade do tempo e determina-se o seu final. É muito mais do que um dia do calendário: é o dia de todos os dias, porque iluminará todos os outros dias da história que passa: os vivos o verão como “transformação” de tudo, e os mortos, como “ressuscitação”. Para que em tudo haja a “transfiguração” da glória divina. Não pode ser considerado um dia na seqüência dos demais dias, mas um dia que encontra-se transversalmente em todos os dias e em todos os tempos. Ele não acontece apenas em frente, mas também de cima; não apenas no tempo, mas também em relação a ele[103].

8. A purificação após a morte: o estado purgatório

Depois de termos tratado de todos os temas da escatologia cristã, vamos falar sobre o purgatório.
            Nossos irmãos protestantes criticam-nos e dizem que o purgatório é invenção da Igreja católica! Nada disso! A doutrina do purgatório está presente na Sagrada Escritura e na contínua Tradição da Igreja. O problema é compreendê-la bem, para não terminar colocando na nossa cabeça coisas que a Igreja jamais ensinou, deturpando, assim, a nossa fé católica!
            Primeiramente é necessário deixar claro uma coisa: não existe, na Bíblia, uma passagem falando sobre o purgatório, nem tampouco existe esta palavra “purgatório”! É inútil procurar. Mas, vejamos bem os seguintes pontos: 
*      No Antigo Testamento aparece uma constante convicção que somente uma absoluta pureza é digna de ser admitida à visão de Deus; nada de impuro pode estar diante dele: “Tendo Moisés transmitido ao Senhor a resposta do povo, o Senhor lhe disse: “Vai ter com o povo e o santifica, hoje e amanhã. Eles devem lavar as vestes, e estar prontos para o terceiro dia, pois no terceiro dia o Senhor descerá à vista de todo o povo sobre a montanha do Sinai. O povo todo presenciou os trovões, os relâmpagos, o som da trombeta e a montanha fumegando. à vista disso, o povo permaneceu ao longe, tremendo de pavor. Disseram a Moisés:’“Fala-nos tu, e te escutaremos. Mas que não nos fale Deus, do contrário morreremos’” (Ex 19,10s; 20,18s). “Ai de mim! Estou perdido, porque sou um homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de lábios impuros, e meus olhos viram o rei, o Senhor Todo-poderoso” (Is 6,5). “Lá haverá um caminho; chamar-se-à Caminho Santo. Nenhum impuro passará por ele; os insensatos não errarão nele” (Is 35,8). Também o Novo Testamento tem esta mesma convicção: Jesus afirma que os puros de coração verão a Deus (cf. Mt 5,8) e o Apocalipse diz que nada profano entrará na nova Jerusalém (cf. 21,27). 
*      Outro elemento, ainda mais importante, presente na Bíblia é a convicção da responsabilidade humana no processo da justificação (isto é, de sermos santificados por Deus), que implica na necessidade de uma participação pessoal na reconciliação com Deus e na aceitação das conseqüências penais derivadas dos pecados. Em outras palavras: Deus não salva o homem automaticamente, sem a sua aceitação e sem a sua participação - não somos fantoches de Deus! Em 2Sm 12, que conta o pecado de Davi com a mulher de Urias, existe uma típica distinção entre culpa e pena: Deus perdoou o pecado de Davi, mas a pena pelo pecado permaneceu: o filhinho morreu! Afinal de contas, o pecado, como fruto de uma livre decisão, não é um ato mecânico nem isolado, mas afeta a estrutura global do homem, tanto na sua dimensão pessoal quanto comunitária. Dou um exemplo: imaginem uma pessoa que gosta de difamar os outros. Cada vez que ela cai neste pecado e se confessa, o pecado é perdoado... mas as conseqüências permanecem: em primeiro lugar, esta pessoa, cada vez que cai neste pecado, fica mais fraca, mais viciada nele; em segundo lugar, pensem no mal, na difamação que ela espalhou! Tudo isto pesa na nossa vida: nós somos aquilo que fomos fazendo na vida; nossos atos nos formam, formam nossa personalidade e terão conseqüências no nosso destino eterno! 
            Agora, vejam bem: é precisamente estas duas idéias que abrem a possibilidade de que alguma pessoa de bem, amiga de Cristo, morra sem ter alcançado o grau de maturidade espiritual requerida para viver na comunhão imediata com Deus, havendo, portanto, a necessidade de uma purificação após a morte. Imaginem uma pessoa que ama o Cristo, que vive nele, que tem uma vida de Igreja... mas esta pessoa tem um vício, uma falha, uma má tendência que não consegue superar. Ora, após a morte, certamente esta pessoa vai ter que ser purificada desta má tendência que estava “colada” nela: é como a ferrugem que precisa ser raspada! É à luz dessa situação que a Escritura apresenta e aprova o costume da oração pelos defuntos. Leia, por exemplo, 2Mc 12,40ss. Vejamos também outros textos: “De outra maneira, o que pretendem aqueles que se batizam em favor dos mortos? Se os mortos realmente não ressuscitam, por que se batizam por eles?” (1Cor 15,29). O Apóstolo, aqui, refere-se a uma rito existente na Igreja de Corinto de ‘fazer-se batizar pelos mortos”. Parece que os fiéis esperavam que um batismo no lugar dos mortos favoreceria os membros pagãos de suas famílias que já haviam falecido. Ou então, o batismo no lugar dos catecúmenos falecidos antes do batismo. Paulo nem aprova nem desaprova tal prática... O que nos interessa aqui é a convicção que Paulo mostra de que certas ações litúrgicas, certas orações da Igreja, poderiam ser proveitosas aos mortos! Isso aparece claro! “O Senhor conceda sua misericórdia à família de Onesíforo, porque muitas vezes me socorreu e não se envergonhou de minhas algemas. Pelo contrário, quando veio a Roma, procurou-me com solicitude até me encontrar. O Senhor lhe conceda a graça de obter misericórdia junto ao Senhor naquele Dia. Sabes melhor do que ninguém, quantos bons serviços prestou ele em Éfeso (2Tm 1,16-18). Segundo os indícios, Onesíforo está morto e Paulo intercede por ele, suplicando a misericórdia do Senhor. Em outras palavras, Paulo reza por um morto!
            Concluindo, está presente na Escritura a oração pelos mortos, que a Igreja conheceu e praticou constantemente. Também a Tradição mais antiga da Igreja atesta abundantemente o costume de rezar pelos mortos litúrgica e privadamente. Tais testemunhos encontram-se particularmente nas catacumbas e cemitérios. Pense-se, por exemplo, na famosa inscrição encontrada sobre o túmulo de um cristão chamado Abércio, no início do cristianismo. Aí lê-se: “... quem compreende e está de acordo com estas coisas, rogue por Abércio”. Tertuliano, no século III, atesta largamente o costume de orar pelos defuntos pública e privadamente, inclusive oferecendo por eles a Eucaristia. Ele diz claramente que a viúva “ora pela alma (do marido)... e oferece um sacrifício em cada aniversário de sua morte”. Assim, é claríssimo o costume da oração pelos mortos nos quatro primeiros séculos cristãos. Um texto que teve particular importância para o nosso tema foi o de São Cipriano, bispo de Cartago no século III. Explicando uma frase de Cristo, ele diz o seguinte: “Uma coisa é não sair o encarcerado até pagar o último centavo e outra é receber sem demora o prêmio da fé e do valor. Uma coisa é purificar-se dos pecados pelo tormento de grandes dores e purgar muito tempo pelo fogo... e outra, ser coroado logo pelo Senhor”. Cipriano aqui refere-se aos que fugiram do martírio nas perseguições: para aqueles que não puderam se purificar antes da morte ou pelo martírio, haverá um “fogo purificador”, fogo purgatório. Aqui aparece pela primeira vez um testemunho explícito da convicção deste estado purgatório. Mas, notemos que a expressão “fogo purgatório” é, metafórica.
            Desde então, vai aparecendo cada vez mais claro para os cristãos: 
(1) a existência de um estado no qual os defuntos são purificados,
(2) o caráter penal-expiatório deste estado e
(3) a ajuda que os sufrágios, as orações dos vivos podem dar aos defuntos. 
            Afinal, como devemos entender o purgatório? Vamos partir de uma belíssima imagem do Apocalipse, que descreve o Cristo ressuscitado: “Os olhos eram como chamas de fogo. Os pés, semelhantes ao bronze incandescente no forno, e a voz, como a voz de muitas águas” (Ap 1,14b-15 cf. Dn 10,6).
            Morrer é partir para estar com Cristo, para encontrar aquele que “tem os olhos de fogo”, quer dizer, que nos vê como somos. No nosso encontro com ele, este fogo do seu olhar amoroso, fogo que é o próprio Espírito Santo, nos purificará: tudo aquilo que em nós foi “poeira do caminho”, aquelas pequenas coisas que ainda nos atrapalhavam e impediam que fôssemos totalmente livres, serão “queimadas”, purificadas no abraço final que Cristo nos dará! Então, compreendamos bem: o purgatório não é um lugar, nem está entre o céu e o inferno! O purgatório é a purificação que recebemos logo após a nossa morte, quando o abraço amoroso de Cristo nos envolve no fogo do seu amor! A gente passa pelo purgatório logo após a morte, caso ainda tenhamos aqueles apegozinhos, aquelas escravidõezinhas, aqueles pecadinhos de estimação.... Cristo completará em nós a obra começada. Mas, atenção: não é que a gente vai se converter depois da morte! Nada disso! Com a morte acaba nossa possibilidade de escolha: o purgatório é para quem escolheu o Cristo, viveu com ele, mas ainda tinha as pequenas incoerências de cada dia! Quem escolheu viver longe de Cristo não experimenta o purgatório, mas, ao contrário, viverá para sempre na contradição. Vimos isso quando falamos sobre o inferno!
            E as famosas penas do purgatório? Tratam-se simplesmente da dor, do sofrimento por ver que não amamos o bastante o Senhor. Quem é amado e descobre que não correspondeu a este amor como devia, sofre! Assim, o sofrimento do purgatório não é algo que Deus nos impõe, mas algo que vem da nossa própria imperfeição, da dor de não ter amado o bastante.
            E para que rezar pelos mortos que passam por este estágio purgatório? Já vimos que a Bíblia atesta a oração pelos mortos: trata-se de uma expressão belíssima da solidariedade dos membros do Corpo de Cristo: os mortos não cumprem seu destino de modo solitário, mas inseridos no Corpo do Senhor. A Igreja da terra está unida à Igreja que se purifica: o amor de Cristo nos uniu! Inseridos no Corpo de Cristo pelo Batismo, jamais estamos isolados, jamais estamos sozinhos! Mais ainda: neles, a Igreja mesma se purifica para ser Igreja glorificada!
            Uma última questão: se o purgatório acontece imediatamente após a morte e ninguém “fica” no purgatório, mas “passa” logo e pronto, para quê, então, rezar pelos mortos? É que para Deus não há tempo; tudo para ele é presente: a oração que fazemos hoje serve para um irmão nosso que já morreu há cem anos!
            Assim, rezemos pelos nossos mortos. Às vezes a gente escuta dizer na missa: “pelas almas do purgatório...” O que significa isso? Simplesmente: “pelos nossos irmãos que se purificam...” Rezamos para que sintam nossa solidariedade, já que a Igreja é a comunhão dos santos (=dos batizados), todos unidos no Corpo de Cristo ressuscitado.
            É muito errado fantasiar o purgatório, pensando que é um lugar, ou que lá se está sofrendo castigos, ou que alguém fique lá por uns tempos... Na outra vida não há tempo como aqui, nesta vida! Cuidado com as afirmações tolas e infantis!
            Uma coisa é certa: somente purificados de nossas incoerências poderemos estar com Aquele que é a Verdade. Se não arrancarmos nossos pecadinhos de estimação aqui, o Senhor vai arrancá-los no momento de nosso encontro com ele! E que dor saber que não fomos generosos o bastante! É isto - e só isto - que a Igreja quer dizer quando fala em purgatório!
            Com isto terminamos nossos tópicos de escatologia. Espero que tenham servido para esclarecer melhor nossa esperança em Cristo e nossa fé católica! Obrigado a você que me acompanhou ao longo destes artigos neste site.



[1] Na época imperial, a parusia do César podia inclusive dar lugar a uma nova era, comportando uma virada determinante da história. O imperador era aclamado em sua parusia como senhor e portador da salvação. O povo aguardava com expectativa a sua vinda, porque da mesma se esperava conseguir benefícios excepcionais.
[2] Sobre o significado da Parusia ver: A .  OEPKE, Parousia, in TWNT V, 857ss.; A . FEUILLET, Parousie, in SDB VI, 1331 ss.; L. CERFAUX, Jesucristo en San Pablo, Bilbao, 1960, 34s.;J.L. RUIZ DE LA PEÑA, La outra dimensión, Escatologia cristiana, Madrid, 1975, 159ss; IDEM La Pascua de la creación, Madrid, 1996, 124ss.; S. ZEDDA, L´escatologia biblica II, Brescia, 1975, 171s.; M. BORDONI, Gesù di Nazaret Signore e Cristo, v.2 e 3, Roma, 1982-1986; IDEM. Gesù nostra speranza, Bologna, 1991.
[3] Quando no Antigo Testamento aparece o termo em Jt 10,18 e 2 Mc 8,12; 15,21, há um significado puramente profano, totalmente desvinculado do sentido religioso. No entanto, o conceito de parusia está associado ao “ Dia de Javé”, que será aplicado a Jesus Cristo. Seu correspondente é o  “ Dia de Deus” do Antigo Testamento ( Cf. Am 5,18; Sl 96,13;98,9).
[4] Há, no entanto, uma exceção: em  2 Ts 2,9 a expressão parusia não significa o advento de Cristo, mas a “vinda do ímpio” que é instrumento para a ação de Satanás.
[5] Éschaton designa o futuro final da história e do cosmos, é o fim último e a meta de toda criação mo tempo e no espaço. Dele, deriva a palavra éschata que são os acontecimentos finais, tais como a ressurreição dos mortos e o juízo final.  Mais, eschatói é quem se espera no final de tudo: o Deus que vem.
[6] Cf. K. RAHNER, Parusia, in Sacramentum Mundi, V, 237.
[7] A comunidade de Qunram é um exemplo de entusiasmo na esperança da parusia e renúncia às posses. É uma comunidade onde pobres, famintos e sofredores são considerados beatos, porque no contexto apocalíptico, eles em breve rirão. Tende-se a esquecer as preocupações terrenas, porque confia-se incondicionalmente na aproximação previdente de Deus. Vive-se no estreito seguimento do decálogo, não admitindo o divórcio, pede-se o amor ao inimigo e renuncia-se à lei de Talião. “ A comunidade Q é uma comunidade retirada em si mesma, na espera de Deus com a  aproximação do Jesus celeste”. E. SCHILLEBEECKX, Gesù, la storia di un vivente, Brescia, 1976, 498ss.
[8] Cf. RUIZ DE LA PEÑA, La otra  dimensión, Op. cit. 153.
[9] Cf. R. SCHNACKENBURG, Reino y reinado de Dios, Madrid, 1967, 179.
[10] Cf. G. GOZZELINO, Nell´attesa della beata speranza, Torino, 105 ss.
[11]  De todos os sinais da parusia, o que mais mereceu atenção e estudos exegéticos foi o relativo ao Anticristo ( Cf. FEUILLET, Op. cit. 1393 e R. SCHNACKEMBURG, Cartas de San Juan, Barcelona, 1980, 177-181).
[12] Cf. ZEDDA, L´escatologia biblica, II, Brescia, 1975, 154 ss. e 397 ss.
[13]  João condena especialmente a seita gnóstica.
[14] Cf.  A. CHOURAQUI, O Evangelho segundo Mateus – Comentário a Mt 24,14, São Paulo, 1996.
[15] SANTO AGOSTINHO, Epistula 197.
[16] Cf. A. LANCELLOTTI, Comentário ao Evangelho de Mateus, Petrópolis, 1980, 205.
[17] Cf. EN 15.
[18] Cf. K. RAHNER, Sacramentum Mundi, 247.
[19] Cf. K. RAHNER, Parusia in Sacramentum Mundo, V, 243.
[20] Cf. Didaqué 7,6.
[21] Cf. Hermas v. III,5; s.IX 14,2.
[22] Cf. S. INACIO DE ANTIOQUIA, Fld. 9,2.
[23] Cf. S. JUSTINO, Dial. 14,8; 31,1; 49,2.7.8;53,1;54,1; 1 Apol 35,8, 52,3.
[24] Cf. S. IRINEU DE LION, Adv. Haer. IV, 22,1-2;33,11.
[25]  1 Clem. 23,3.
[26] 2 Clem. 11,5.
[27]  Ibid. 12,1.
[28] PL 33, 904-925.
[29] S. AGOSTINHO, Ep. 197, 1.2.
[30] IDEM, Ep. 199, 54.
[31] Cf. DS. 10-76.
[32] Cf. DS. 801.
[33] O símbolo batismal da igreja armena professa: “ Cremos (...) na vinda terrível e gloriosa” (DS. 6) e na fórmula de Hipólito de  Roma lê-se: “Crês em Cristo (...) que virá para julgar os vivos e os mortos?(DS.10).
[34] DS. 150.
[35] Cf.  O . CULLMANN, Christologie du Nouveau Testament, Neuchâtel, 1966, 181ss.
[36] DS. 801.
[37] DS. 852.
[38] Cf. RUIZ DE LA PEÑA, La pascua de la creación, 140.
[39] Cf. BARNABÉ,Ep. De Barnabé XV, 3-8; JUSTINO, Diálogo com Trifão, 80; S. IRINEU,Adv. Haer., V, 30,4,33,2.
[40] Cf. EUSÉBIO DE CESARÉIA, Hist. Eccl. 10,4.
[41]  A primeira teologia do reino, destinada a influenciar por longo tempo, foi aquela elaborada por Eusébio de Cesaréia, que justamente por isso foi considerado o “teólogo da corte” de Constantino, o Grande. Para Eusébio, os protótipos de Constantino e da  Igreja, Augusto e Cristo, são providenciais e estão ligados entre si, no quadro da história da salvação pelo recenseamento: o Salvador nasce quando “ um decreto de César Augusto ordenou que se fizesse o recenseamento de toda terra” ( Lc 2,1). Quando o  Senhor apareceu sobre a terra, no mesmo momento em que Augusto, o primeiro entre os romanos, tornou-se senhor das nações, terminaram também muitas soberanias e a paz se estendeu sobre a terra. Constantino é visto como aquele que deve levar a salvação do reino messiânico a todos os povos. Cf. H. BERKHOF, Die Theologie des Euseb Caesarea, Amsterdã, 1939.
[42] É com esta distinção que os milenaristas interpretam a fórmula de 2 Tm 4,1; At 10,42 e 1Pd 4,5 e do Símbolo de fé: “Cristo há de vir a julgar os vivos e os mortos”.
[43] Adv. Haer. 5,33.
[44] Cf. S. AGOSTINHO, De civitate Dei 20, 7-9.
[45] “ Systema millennarismi mitigati tuto doceri non potest” AAS. 36 ( 1944) 212,  DS. 3839.
[46] Como nos atesta Hipólito de Roma no início do século III: “ Um bispo na Síria persuadiu muitos irmãos a irem para o deserto ao encontro de Cristo, com suas esposas e seus filhos; estes vaguearam pelas montanhas e ao longo das estradas; pouco faltou para que o governo os mandasse prender como salteadores. (...) No Ponto, outro bispo, homem piedoso e humilde, mas demasiado confiante em suas visões, teve três sonhos e pôs-se a profetizar: Acontecerá isto e aquilo. E por fim: ‘Sabeis irmãos, que o juízo se realizará dentro de um ano, e, caso não aconteça o que vos digo, não deis mais fé às Escrituras, mas procedeis como bem quiserdes’. Ora, nada do previsto se verificou; o bispo se viu confuso, os irmãos se escandalizaram, as virgens se casaram e os que haviam vendido  seus campos foram obrigados a mendigar” In Danielem 3,18s.
[47] Cf. S. IRINEU , Adv. Haer. 5,23,2.
[48] Cf. HIPÓLITO DE ROMA , In Danielem  4,23.
[49] Cf. S. AMBRÓSIO , In Com. Lc 7,7.
[50] Cf. S. HILÁRIO , In Com. Mt 17,2.
[51] Cf. S. JERÔNIMO , Ep. 71,11 ( comentário a 2 Ts 2,50) ; S. JOÃO CRISÓSTOMO, in Com. Mt 20,6; in Jo 34,2; S. LEÃO MAGNO, Serm. 19,1.
[52] Cf. S. GREGÓRIO MAGNO, Moralia ad Job I. XVII cap. IX n. 11. PL LXXVI.
[53] Joaquim di Fiore é sobretudo um exegeta. Afirmou ter recebido uma iluminação  que lhe permitiu compreender de maneira nova as Escrituras. Ele rompe com o sistema agostiniano ao afirmar que a história não espera o fim do mundo, mas espera a sua transformação. Ele marcará o pensamento de seu tempo e se cristalizará em outros grandes pensadores. São Boaventura, no século XIII tem posição joaquinista, embora não aceitará a superação de Cristo pelo Espírito, como pensava di Fiore. No Renascimento ( séc. XV e XVI) os missionários franciscanos no México, inspirados em Joaquim di Fiore,  compreendem sua missão como a evangelização dos últimos povos da terra. Um estudo amplo sobre a importância deste monge calabrês no pensamento cristão encontra-se em H. DE LUBAC, La posterità spirituale di Gioacchino da Fiore, Milão, 1980.
[54] Cf. TOMÁS DE AQUINO, S. Th. Supl. III, 91, a . 2 ad8.
[55] Cf. M. LACUNZA. La Venida del Mesías en Gloria y Majestad, Londres, 1816, 4 tomos.
[56] Esta é opinião sustentada pelo estudioso de Lacunza: F.O. PARRA, El reino que há de venir: Historia y Esperanza en la obra de  Manuel Lacunza, in Pensamiento Teologico in Chile, Santiago, 1993.
[57]  A Teologia da Libertação, acusada de milenarista, considera que na América Latina a tendência ao quiliasmo é uma das latências mais revolucionárias e libertadoras do povo. No Brasil, o fenômeno de Antônio Conselheiro no Nordeste é um indicador do desejo de um novo reino, refutando a república que se instalava. A própria Teologia da Libertação admite, no entanto, que trata-se de uma realidade profundamente ambígua porque muitas formas de esperança se confundem com o mito.  Sobre este tema escreve Hugo ASSMANN, Teología desde la práxis de la liberación, Salamanca, 1976, 88ss.
[58]  Há até quem sustente que o “reino dos mil anos” constitui o fundamento da ética cristã, um estímulo concreto para desenvolver a solidariedade e a responsabilidade neste mundo, uma fonte de inspiração para o compromisso atual.  O milênio, como cumprimento da história  dentro da própria história,  inspira uma ação possível e esperançosa. É o que afirma C. BRUSTSCHLa Clarté de L`Apocalypse, Paris, 1966, 334-335.
[59] Cf. J. MOLTMANN,  Deus na Criação, 106-107.
[60]  DS 10.
[61] DS 150
[62] Totalmente contra a essa redução, J. Moltmann radicaliza: “ Quer-se sacrificar a esperança para a natureza carnal do homem em favor da personalidade dos mortos. Isso, porém, é absurdo, porque os homens são carne e participam das energias como também das mazelas da carne de todos os seres viventes. Se não existe a ressurreição da carne natural, então também não existe a ressurreição dos mortos pessoal. Se existe a ressurreição dos mortos pessoal, então existe também a ressurreição da carne natural”. (O Caminho de Jesus Cristo, 348).
[63] R. ALVES, Creio na ressurreição do corpo, São Paulo, 1984, 8.
[64] Cf. DS 1820-1835.
[65] Cf. M. LUTERO, Predigt. 16, Sonntag nach Trinitatis.
[66] Essa posição é análoga ao Alcorão ( Sura 10, 46ss.; 46,35) onde se afirma que o ressuscitado não tem consciência do intervalo que separa a morte do último juízo. Para os mortos há a impressão de que o juízo vem imediatamente depois da morte.
[67] J. MOLTMANN, Das Kommen Gottes, 127.
[68] Cf. S. Th .  I q. 89 a . 1 e a .  2 ad 1m;  I q. 90 a . 4c; I q. 118 a . 3c.
[69] Cf. S. Th .  I q. 89 a . 4c.
[70] J.B. LIBÂNIO e M.C. BINGEMER, Op. cit., 184.
[71] PAULO VI, O Credo do Povo de Deus, Doc. Pont. 177, Petrópolis, 1969, 13.
[72] J RATZINGER, Escatología, Salamanca,1992 .170-172.
[73] J. RATZINGER, Escatología. Curso de Teología Dogmática, t. IX, Barcelona, 1992, 144s.
[74] A ressurreição da carne é vista como símbolo  da integralidade humana, que permite uma crítica contra toda redução espiritualista e o resgate da valorização da corporalidade humana. Em vistas da integração corpo e alma que deverão ressuscitar, o ser humano deve ser visto como o sujeito de uma promessa ativa: a ressurreição dos mortos. Por isso não é admissível o dualismo corpo e espírito, quando se sabe que todo ser humano está destinado à comunhão na Trindade. Sobre o tema, Cf. D. WIEDERKEHR, Prospettive dell`escatologia, Brescia, 1978.
[75] DS 411: “Si quis dicit aut sentit, ad tempus esse daemonun et impiorum supplicium, ejusque finem aliquando futurum, sive restitutionem et reitegrationem fore  daemonun aut impiorum hominum, anathema sit.” [ Se alguém afirmar ou crer que o suplício  dos demônios e dos  malvados é temporâneo e que haverá um dia um fim, ou que haverá uma salvação e reintegração dos demônios e dos malvados, seja anátema.] O Quinto Concílio ecumênico Constantinopolitano, de 553 ratificou este edito do Imperador Justiniano.
[76] Cf. M. LUTERO, Tischereden I, 1017.
[77] Cf. CALVINO, Inst. II, 16,10.
[78] Teólogos evangélicos recentes seguem Lutero e Calvino quando interpretam que o inferno não é um lugar particular, separado, mas uma experiência existencial. É o caso de K. Barth, P. Althaus, W. Pannenberg e J. Moltmann.
[79] J. Moltmann assume a concepção dos Armênios quando afirmavam que o Cristo, mediante a sua paixão  destruiu completamente o inferno. Sabe-se que a Igreja Antiga, entretanto, condenou essa declaração (Cf. DS 1011)
[80] Cf. S. Th. III q.59, a .5.
[81] S. JOÃO DA CRUZ, Avisos, 59.
[82] C. DUQUOC, Op. cit., 283.
[83] Posição defendida também por C. DUQUOC, Op. cit., 280s.
[84] Cf. L.C. SUSIN, Op. cit., 50.
[85] Cf. Ibid., 51.
[86] S. Th. Suppl., 88,4
[87] É o que professa a fé da Igreja afirmando que Deus é o Criador das coisas “visíveis e invisíveis”, conforme reza o Credo apostólico, o Niceno-constantinopolitano, e no Credo Quicumque.
[88] Sobre essa distinção Cf. J. MOLTMANN, Deus na Criação, 266s.

[89] Essa idéias remontam ao pensamento de Franz Rosenzweig: “ Entre o Deus de nossos pais e o resto de Israel, a mística faz ponte com a doutrina da shekiná. O abaixar-se de Deus ao homem e o habitar de Deus no meio dos homens, vem figurada como uma divisão que se realiza no próprio Deus. Deus se divide em si, se dá ao povo, padece seus sofrimentos e com isso aceita a miséria dos países estrangeiros, e peregrina com Israel em suas peregrinações. (...) Deus mesmo – como seria muito natural para o ‘Deus de nossos pais” – se vende a Israel e sofre a sua mesma sorte, para o qual se torna também carente de redenção. A relação entre Deus e o resto, neste sofrimento, vai além de si mesmo”. F. ROSENSWEIG, Der  Stern  der Erlösung III, 129s.
[90] Cf. J. MOLTMANN,  Das Kommen Gottes, 335-336.
[91] Cf. J. MOLTMANN, Das Kommen Gottes, 293.
[92] Cf. H. SCHIMID, Die Dogmatik der evangelisch – lutherischen Kirche, dargestellt und aus den Quellen belegt, Gütersloh, 1983, 407.
[93] Cf. H. HEPPE – E. BIZER, Die Dogmatik der evangelisch – reformierten Kirche, Locus XXVIII: De glorificatione, Neukirchen, 1958, 557ss.
[94] J. MOLTMANN, Das Kommen Gottes,  299.
[95] ATANÁSIO, De Incarnatione, 54.
[96] Cf. RUETHER, R. Sexismus un die Rede von Gott. Schritte zu einer anderen Theologie, Gütersloh, 1985.
[97] Tese defendida pelo astrofísico agnóstico JAMES LOVELOCH, Gaya – a New Look at Life on Earth, Oxford, 1979.
[98] Cf. J.T. BECK, Die Vollendung des Reiches Gottes. Separatabdruck aus der Christlichen Glaubenslehre, Gütersloh, 1887, 95ss.
[99] Cf. J. MOLTMANN, Das Kommen Gottes, 306.
[100] Cf. J. MOLTMANN, Deus na Criação, 307.
[101] Cf. I. ELLACURÍA,  Mysterium Liberationis I, 424.
[102] Cf. J. MOLTMANN, O Caminho de Jesus Cristo,433.
[103]  Aqui entende-se a categoria tempo a partir das distinções feitas anteriormente entre chronos e kairós. O momento escatológico tem dois aspectos: Deus restringe sua glória e a criação entra no reino. No fim do tempo,     Deus recebe suas criaturas no reino. Assim, o último momento passa a ser o momento escatológico. O dia derradeiro conduz para o eterno dia da nova criação. Não se trata de uma eternidade essencial, mas de uma eternidade compartilhada que consiste na participação da eternidade essencial de Deus.

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