sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Pentecostes e Trindade Ano A



ANO A 

SOLENIDADE DO PENTECOSTES

O tema deste domingo é, evidentemente, o Espírito Santo. Dom de Deus a todos os crentes, o Espírito dá vida, renova, transforma, constrói comunidade e faz nascer o Homem Novo.
O Evangelho apresenta-nos a comunidade cristã, reunida à volta de Jesus ressuscitado. Para João, esta comunidade passa a ser uma comunidade viva, recriada, nova, a partir do dom do Espírito. É o Espírito que permite aos crentes superar o medo e as limitações e dar testemunho no mundo desse amor que Jesus viveu até às últimas conseqüências.
Na primeira leitura, Lucas sugere que o Espírito é a lei nova que orienta a caminhada dos crentes. É Ele que cria a nova comunidade do Povo de Deus, que faz com que os homens sejam capazes de ultrapassar as suas diferenças e comunicar, que une numa mesma comunidade de amor, povos de todas as raças e culturas.
Na segunda leitura, Paulo avisa que o Espírito é a fonte de onde brota a vida da comunidade cristã. É Ele que concede os dons que enriquecem a comunidade e que fomenta a unidade de todos os membros; por isso, esses dons não podem ser usados para benefício pessoal, mas devem ser postos ao serviço de todos.

LEITURA I – Atos 2,1-11

Leitura dos Atos dos Apóstolos

Quando chegou o dia de Pentecostes,
os Apóstolos estavam todos reunidos no mesmo lugar.
Subitamente, fez se ouvir, vindo do Céu,
um rumor semelhante a forte rajada de vento,
que encheu toda a casa onde se encontravam.
Viram então aparecer uma espécie de línguas de fogo,
que se iam dividindo,
e pairou uma sobre cada um deles.
Todos ficaram cheios do Espírito Santo
e começaram a falar outras línguas,
conforme o Espírito lhes concedia que se exprimissem.
Residiam em Jerusalém judeus piedosos,
procedentes de todas as nações que há debaixo do céu.
Ao ouvir aquele ruído, a multidão reuniu se
e ficou muito admirada,
pois cada qual os ouvia falar na sua própria língua.
Atônitos e maravilhados, diziam:
«Não são todos galileus os que estão a falar?
Então, como é que os ouve cada um de nós
falar na sua própria língua?
Partos, medos, elamitas,
habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia,
do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília,
do Egito e das regiões da Líbia, vizinha de Cirene,
colonos de Roma, tanto judeus como prosélitos,
cretenses e árabes,
ouvimo-os proclamar nas nossas línguas
as maravilhas de Deus».

AMBIENTE

Já vimos, no comentário aos textos dos domingos anteriores, que o livro dos “Atos” não pretende ser uma reportagem jornalística de acontecimentos históricos, mas sim ajudar os cristãos – desiludidos porque o “Reino” não chega – a redescobrir o seu papel e a tomar consciência do compromisso que assumiram, no dia do seu batismo.
No que diz respeito ao texto que nos é proposto e que descreve os acontecimentos do dia do Pentecostes, não existem dúvidas de que é uma construção artificial, criada por Lucas com uma clara intenção teológica. Para apresentar a sua catequese, Lucas recorre às imagens, aos símbolos, à linguagem poética das metáforas. Resta-nos descodificar os símbolos para chegarmos à interpelação essencial que a catequese primitiva, pela palavra de Lucas, nos deixa. Uma interpretação literal deste relato seria, portanto, uma boa forma de passarmos ao lado do essencial da mensagem; far-nos-ia reparar na roupagem exterior, no folclore, e ignorar o fundamental. Ora, o interesse fundamental do autor é apresentar a Igreja como a comunidade que nasce de Jesus, que é assistida pelo Espírito e que é chamada a testemunhar aos homens, o projeto libertador do Pai.

MENSAGEM

Antes de mais, Lucas coloca a experiência do Espírito no dia de Pentecostes. O Pentecostes era uma festa judaica, celebrada cinqüenta dias após a Páscoa. Originariamente, era uma festa agrícola, na qual se agradecia a Deus a colheita da cevada e do trigo; mas, no séc. I tornou-se a festa histórica que celebrava a aliança, o dom da Lei no Sinai e a constituição do Povo de Deus. Ao situar neste dia o dom do Espírito, Lucas sugere que o Espírito é a lei da nova aliança (pois é Ele que, no tempo da Igreja, dinamiza a vida dos crentes) e que, por Ele, se constitui a nova comunidade do Povo de Deus – a comunidade messiânica, que viverá da lei inscrita, pelo Espírito, no coração de cada discípulo (Ez 36,26-28).
Vem, depois, a narrativa da manifestação do Espírito (At 2,2-4). O Espírito é apresentado como “a força de Deus”, através de dois símbolos: o vento de tempestade e o fogo. São os símbolos da revelação de Deus no Sinai, quando Deus deu ao Povo a Lei e constituiu Israel como Povo de Deus (cf. Ex 19,16.18; Dt 4,36). Estes símbolos evocam a força irresistível de Deus, que vem ao encontro do homem, comunica com o homem e que, dando ao homem o Espírito, constitui a comunidade de Deus.
O Espírito (força de Deus) é apresentado em forma de língua de fogo. A língua não é somente a expressão da identidade cultural de um grupo humano, mas é também a maneira de comunicar, de estabelecer laços duradouros entre as pessoas, de criar comunidade. “Falar outras línguas” é criar relações, é a possibilidade de superar o gueto, o egoísmo, a divisão, o racismo, a marginalização… Aqui, temos o reverso de Babel (Gn 11,1-9): lá, os homens escolheram o orgulho, a ambição desmedida que conduziu à separação e ao desentendimento; aqui, regressa-se à unidade, à relação, à construção de uma comunidade capaz do diálogo, do entendimento, da comunicação. É o surgimento de uma humanidade unida, não pela força, mas pela partilha da mesma experiência interior, fonte de liberdade, de comunhão, de amor. A comunidade messiânica é a comunidade onde a ação de Deus (pelo Espírito) modifica profundamente as relações humanas, levando à partilha, à relação, ao amor.
É neste enquadramento que devemos entender os efeitos da manifestação do Espírito (At 2,5-13): todos “os ouviam proclamar na sua própria língua as maravilhas de Deus”. O elenco dos povos convocados e unidos pelo Espírito atinge representantes de todo o mundo antigo, desde a Mesopotâmia, passando por Canaan, pela Ásia Menor, pelo norte de África, até Roma: a todos deve chegar a proposta libertadora de Jesus, que faz de todos os povos uma comunidade de amor e de partilha. A comunidade de Jesus é assim capacitada pelo Espírito para criar a nova humanidade, a anti-Babel. A possibilidade de ouvir na própria língua “as maravilhas de Deus” outra coisa não é do que a comunicação do Evangelho, que irá gerar uma comunidade universal. Sem deixarem a sua cultura e as suas diferenças, todos os povos escutarão a proposta de Jesus e terão a possibilidade de integrar a comunidade da salvação, onde se fala a mesma língua e onde todos poderão experimentar esse amor e essa comunhão que tornam povos tão diferentes, irmãos. O essencial passa a ser a experiência do amor que, no respeito pela liberdade e pelas diferenças, deve unir todas as nações da terra.
O Pentecostes dos “Atos” é, podemos dizê-lo, a página programática da Igreja e anuncia aquilo que será o resultado da ação das “testemunhas” de Jesus: a humanidade nova, a anti-Babel, nascida da ação do Espírito, onde todos serão capazes de comunicar e de se relacionar como irmãos, porque o Espírito reside no coração de todos como lei suprema, como fonte de amor e de liberdade.

ATUALIZAÇÃO

Para a reflexão, considerar as seguintes indicações:

• Temos, neste texto, os elementos essenciais que definem a Igreja: uma comunidade de irmãos reunidos por causa de Jesus, animada pelo Espírito do Senhor ressuscitado e que testemunha na história o projeto libertador de Jesus. Desse testemunho resulta a comunidade universal da salvação, que vive no amor e na partilha, apesar das diferenças culturais e étnicas. A Igreja de que fazemos parte é uma comunidade de irmãos que se amam, apesar das diferenças? Está reunida por causa de Jesus e à volta de Jesus? Tem consciência de que o Espírito está presente e que a anima? Testemunha, de forma efetiva e coerente, a proposta libertadora que Jesus deixou?

• Nunca será demais realçar o papel do Espírito na tomada de consciência da identidade e da missão da Igreja… Antes do Pentecostes, tínhamos apenas um grupo fechado dentro de quatro paredes, incapaz de superar o medo e de arriscar, sem a iniciativa nem a coragem do testemunho; depois do Pentecostes, temos uma comunidade unida, que ultrapassa as suas limitações humanas e se assume como comunidade de amor e de liberdade. Temos consciência de que é o Espírito que nos renova, que nos orienta e que nos anima? Damos suficiente espaço à ação do Espírito, em nós e nas nossas comunidades?

• Para se tornar cristão, ninguém deve ser espoliado da própria cultura: nem os africanos, nem os europeus, nem os sul-americanos, nem os negros, nem os brancos; mas todos são convidados, com as suas diferenças, a acolher esse projeto libertador de Deus, que faz os homens deixarem de viver de costas voltadas, para viverem no amor. A Igreja de que fazemos parte é esse espaço de liberdade e de fraternidade? Nela todos encontram lugar e são acolhidos com amor e com respeito – mesmo os de outras raças, mesmo aqueles de quem não gostamos mesmo aqueles que não fazem parte do nosso círculo, mesmo aqueles que a sociedade marginaliza e afasta?

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 103 (104)

Refrão 1: Enviai, Senhor, o vosso Espírito
e renovai a face da terra.

Refrão 2: Mandai, Senhor, o vosso Espírito
e renovai a terra.

Refrão 3: Aleluia.

Bendiz, ó minha alma, o Senhor.
Senhor, meu Deus, como sois grande!
Como são grandes, Senhor, as vossas obras!
A terra está cheia das vossas criaturas.

Se lhes tirais o alento, morrem
e voltam ao pó donde vieram.
Se mandais o vosso espírito, retomam a vida
e renovais a face da terra.

Glória a Deus para sempre!
Rejubile o Senhor nas suas obras.
Grato Lhe seja o meu canto
e eu terei alegria no Senhor.

LEITURA II – 1 Cor 12,3b-7.12-13

Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

Irmãos:
Ninguém pode dizer «Jesus é o Senhor»
a não ser pela ação do Espírito Santo.
De fato, há diversidade de dons espirituais,
mas o Senhor é o mesmo.
Há diversas operações,
mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos.
Em
cada um se manifestam os dons do Espírito
para o bem comum.
Assim como o corpo é um só e tem muitos membros
e todos os membros, apesar de numerosos,
constituem um só corpo,
assim também sucede com Cristo.
Na verdade, todos nós
- judeus e gregos, escravos e homens livres -
fomos batizados num só Espírito,
para constituirmos um só Corpo.
E a todos nos foi dado a beber um único Espírito.

AMBIENTE

A comunidade cristã de Corinto era viva e fervorosa, mas não era uma comunidade exemplar no que diz respeito à vivência do amor e da fraternidade: os partidos, as divisões, as contendas e rivalidades perturbavam a comunhão e constituíam um contra-testemunho. As questões à volta dos “carismas” (dons especiais concedidos pelo Espírito a determinadas pessoas ou grupos para proveito de todos) faziam-se sentir com especial acuidade: os detentores desses dons carismáticos consideravam-se os “escolhidos” de Deus, apresentavam-se como “iluminados” e assumiam com freqüência atitudes de autoritarismo e de prepotência que não favorecia a fraternidade e a liberdade; por outro lado, os que não tinham sido dotados destes dons eram desprezados e desclassificados, considerados quase como “cristãos de segunda”, sem vez nem voz na comunidade.
Paulo não pode ignorar esta situação. Na primeira carta aos coríntios, ele corrige, admoesta, dá conselhos, mostra a incoerência destes comportamentos, incompatíveis com o Evangelho. No texto que nos é proposto, Paulo aborda a questão dos “carismas”.

MENSAGEM

Em primeiro lugar, Paulo acha que é preciso saber ajuizar da validade dos dons carismáticos, para que não se fale em “carismas” a propósito de comportamentos que pretendem apenas garantir os privilégios de certas figuras. Segundo Paulo, o verdadeiro “carisma” é o que leva a confessar que “Jesus é o Senhor” (pois não pode haver oposição entre Cristo e o Espírito) e que é útil para o bem da comunidade.
De resto, é preciso que os membros da comunidade tenham consciência de que, apesar da diversidade de dons espirituais, é o mesmo Espírito que atua em todos; que apesar da diversidade de funções, é o mesmo Senhor Jesus que está presente em todos; que apesar da diversidade de ações, é o mesmo Deus que age em todos. Não há, portanto, “cristãos de primeira” e “cristãos de segunda”. O que é importante é que os dons do Espírito resultem no bem de todos e sejam usados – não para melhorar a própria posição ou o próprio “ego” – mas para o bem de toda a comunidade.
Paulo conclui o seu raciocínio comparando a comunidade cristã a um “corpo” com muitos membros. Apesar da diversidade de membros e de funções, o “corpo” é um só. Em todos os membros circula a mesma vida, pois todos foram batizados num só Espírito e “beberam” um único Espírito.
O Espírito é, pois, apresentado como aquele que alimenta e que dá vida ao “corpo de Cristo”; dessa forma, Ele fomenta a coesão, dinamiza a fraternidade e é o responsável pela unidade desses diversos membros que formam a comunidade.

ATUALIZAÇÃO

Para refletir e atualizar a Palavra, considerar os seguintes elementos:

• Temos todos consciência de que somos membros de um único “corpo” – o corpo de Cristo – e é o mesmo Espírito que nos alimenta, embora desempenhemos funções diversas (não mais dignas ou mais importantes, mas diversas). No entanto encontramos, com alguma freqüência, cristãos com uma consciência viva da sua superioridade e da sua situação “à parte” na comunidade (seja em razão da função que desempenham, seja em razão das suas “qualidades” humanas), que gostam de mandar e de fazer-se notar. Às vezes, vêem-se atitudes de prepotência e de autoritarismo por parte daqueles que se consideram depositários de dons especiais; às vezes, a Igreja continua a dar a impressão – mesmo após o Vaticano II – de ser uma pirâmide no topo da qual há uma elite que preside e toma as decisões e em cuja base está o rebanho silencioso, cuja função é obedecer. Isto faz algum sentido, à luz da doutrina que Paulo expõe?

• Os “dons” que recebemos não podem gerar conflitos e divisões, mas devem servir para o bem comum e para reforçar a vivência comunitária. As nossas comunidades são espaços de partilha fraterna, ou são campos de batalha onde se digladiam interesses próprios, atitudes egoístas, tentativas de afirmação pessoal?

• É preciso ter consciência da presença do Espírito: é Ele que alimenta, que dá vida, que anima, que distribui os dons conforme as necessidades; é Ele que conduz as comunidades na sua marcha pela história. Ele foi distribuído a todos os crentes e reside na totalidade da comunidade. Temos consciência da presença do Espírito e procuramos ouvir a sua voz e perceber as suas indicações? Temos consciência de que, pelo fato de desempenharmos esta ou aquela função, não somos as únicas vozes autorizadas a falar em nome do Espírito?

SEQUÊNCIA DO PENTECOSTES

Vinde, ó santo Espírito,
vinde, Amor ardente,
acendei na terra
vossa luz fulgente.

Vinde, Pai dos pobres:
na dor e aflições,
vinde encher de gozo
nossos corações.

Benfeitor supremo
em todo o momento,
habitando em nós
sois o nosso alento.

Descanso na luta
e na paz encanto,
no calor sois brisa,
conforto no pranto.

Luz de santidade,
que no Céu ardeis,
abrasai as almas
dos vossos fiéis.

Sem a vossa força
e favor clemente,
nada há no homem
que seja inocente.

Lavai nossas manchas,
a aridez regai,
sarai os enfermos
e a todos salvai.

Abrandai durezas
para os caminhantes,
animai os tristes,
guiai os errantes.

Vossos sete dons
concedei à alma
do que em Vós confia:

Virtude na vida,
amparo na morte,
no Céu alegria.

ALELUIA

Aleluia. Aleluia.

Vinde, Espírito Santo,
enchei os corações dos vossos fiéis
e acendei neles o fogo do vosso amor.

EVANGELHO – Jo 20,19-23

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Na tarde daquele dia, o primeiro da semana,
estando fechadas as portas da casa
onde os discípulos se encontravam,
com medo dos judeus,
veio Jesus, colocou Se no meio deles e disse lhes:
«A paz esteja convosco».
Dito isto, mostrou lhes as mãos e o lado.
Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor.
Jesus disse lhes de novo:
«A paz esteja convosco.
Assim como o Pai Me enviou,
também Eu vos envio a vós».
Dito isto, soprou sobre eles e disse lhes:
«Recebei o Espírito Santo:
àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados;
e àqueles a quem os retiverdes serão retidos».

AMBIENTE

Este texto (lido já no segundo domingo da Páscoa), situa-nos no cenáculo, no próprio dia da ressurreição. Apresenta-nos a comunidade da nova aliança, nascida da ação criadora e vivificadora do messias. No entanto, esta comunidade ainda não se encontrou com Cristo ressuscitado e ainda não tomou consciência das implicações da ressurreição. É uma comunidade fechada, insegura, com medo… Necessita de fazer a experiência do Espírito; só depois, estará preparada para assumir a sua missão no mundo e dar testemunho do projeto libertador de Jesus.
Nos “Atos”, Lucas narra a descida do Espírito sobre os discípulos no dia do Pentecostes, cinqüenta dias após a Páscoa (sem dúvida por razões teológicas e para fazer coincidir a descida do Espírito com a festa judaica do Pentecostes, a festa do dom da Lei e da constituição do Povo de Deus); mas João situa no anoitecer do dia de Páscoa a recepção do Espírito pelos discípulos.

MENSAGEM

João começa por pôr em relevo a situação da comunidade. O “anoitecer”, as “portas fechadas”, o “medo” (vers. 19 a), são o quadro que reproduz a situação de uma comunidade desamparada no meio de um ambiente hostil e, portanto, desorientada e insegura. É uma comunidade que perdeu as suas referências e a sua identidade e que não sabe, agora, a que se agarrar.
Entretanto, Jesus aparece “no meio deles” (vers. 19b). João indica desta forma que os discípulos, fazendo a experiência do encontro com Jesus ressuscitado, redescobriram o seu centro, o seu ponto de referência, a coordenada fundamental à volta do qual a comunidade se constrói e toma consciência da sua identidade. A comunidade cristã só existe de forma consistente se está centrada em Jesus ressuscitado.
Jesus começa por saudá-los, desejando-lhes “a paz” (“shalom”, em hebraico). A “paz” é um dom messiânico; mas, neste contexto, significa sobretudo a transmissão da serenidade, da tranqüilidade, da confiança que permitirão aos discípulos superar o medo e a insegurança: a partir de agora, nem o sofrimento, nem a morte, nem a hostilidade do mundo poderão derrotar os discípulos, porque Jesus ressuscitado está “no meio deles”.
Em seguida, Jesus “mostrou-lhes as mãos e o lado”. São os “sinais” que evocam a entrega de Jesus, o amor total expresso na cruz. É nesses “sinais” (na entrega da vida, no amor oferecido até à última gota de sangue) que os discípulos reconhecem Jesus. O fato de esses “sinais” permanecerem no ressuscitado, indica que Jesus será, de forma permanente, o messias cujo amor se derramará sobre os discípulos e cuja entrega alimentará a comunidade.
Vem, depois, a comunicação do Espírito. O gesto de Jesus de soprar sobre os discípulos reproduz o gesto de Deus ao comunicar a vida ao homem de argila (João utiliza, aqui, precisamente o mesmo verbo do texto grego de Gn 2,7). Com o “sopro” de Deus de Gn 2,7, o homem tornou-se um “ser vivente”; com este “sopro”, Jesus transmite aos discípulos a vida nova e faz nascer o Homem Novo. Agora, os discípulos possuem a vida em plenitude e estão capacitados – como Jesus – para fazerem da sua vida um dom de amor aos homens. Animados pelo Espírito, eles formam a comunidade da nova aliança e são chamados a testemunhar – com gestos e com palavras – o amor de Jesus.
Finalmente, Jesus explicita qual a missão dos discípulos (ver. 23): a eliminação do pecado. As palavras de Jesus não significam que os discípulos possam ou não – conforme os seus interesses ou a sua disposição – perdoar os pecados. Significam, apenas, que os discípulos são chamados a testemunhar no mundo essa vida que o Pai quer oferecer a todos os homens. Quem aceitar essa proposta será integrado na comunidade de Jesus; quem não a aceitar, continuará a percorrer caminhos de egoísmo e de morte (isto é, de pecado). A comunidade, animada pelo Espírito, será a mediadora desta oferta de salvação.

ATUALIZAÇÃO

Para a reflexão, considerar as seguintes coordenadas:

• A comunidade cristã só existe de forma consistente, se está centrada em Jesus. Jesus é a sua identidade e a sua razão de ser. É nele que superamos os nossos medos, as nossas incertezas, as nossas limitações, para partirmos à aventura de testemunhar a vida nova do Homem Novo. As nossas comunidades são, antes de mais, comunidades que se organizam e estruturam à volta de Jesus? Jesus é o nosso modelo de referência? É com Ele que nos identificamos, ou é num qualquer ídolo de pés de barro que procuramos a nossa identidade? Se Ele é o centro, a referência fundamental, têm algum sentido as discussões acerca de coisas não essenciais, que às vezes dividem os crentes?

• Identificar-se como cristão significa dar testemunho diante do mundo dos “sinais” que definem Jesus: a vida dada, o amor partilhado. É esse o testemunho que damos? Os homens do nosso tempo, olhando para cada cristão ou para cada comunidade cristã, podem dizer que encontram e reconhecem os “sinais” do amor de Jesus?

• As comunidades construídas à volta de Jesus são animadas pelo Espírito. O Espírito é esse sopro de vida que transforma o barro inerte numa imagem de Deus, que transforma o egoísmo em amor partilhado, que transforma o orgulho em serviço simples e humilde… É Ele que nos faz vencer os medos, superar as cobardias e fracassos, derrotar o cepticismo e a desilusão, reencontrar a orientação, readquirir a audácia profética, testemunhar o amor, sonhar com um mundo novo. É preciso ter consciência da presença contínua do Espírito em nós e nas nossas comunidades e estar atentos aos seus apelos, às suas indicações, aos seus questionamentos.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DE PENTECOSTES

1. A liturgia meditada ao longo da semana.
Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo de Pentecostes, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

2. Pôr em evidência os carismas.
O Pentecostes é a festa do nascimento da Igreja. Seria, pois, importante fazer uma liturgia em que aos variados carismas apareceriam. Seria necessário pensar em fazer-se apelo aos talentos de leitores, de salmista, de músico, de diretor do canto, de decorador, etc… Importa que a assembléia apareça como una e diversa.

3. Não omitir a seqüência.
Não omitir a seqüência de Pentecostes depois da segunda leitura e antes da aclamação ao Evangelho. Pode ser lida por duas pessoas (com um fundo musical) ou, melhor ainda, cantada.

4. Oração na lectio divina.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:
Bendito sejas, Deus de luz e de vida, sopro criador e fogo de amor. Nós Te louvamos pelo dom do teu Espírito, que chama todos os povos da terra a proclamar, cada um na sua língua, as maravilhas da tua bondade.
Nós Te pedimos por todos os membros do teu Povo: torna-nos receptivos às múltiplas linguagens dos nossos irmãos e confiantes no teu espírito de unidade.

No final da segunda leitura:
Nós Te bendizemos, Pai, pelo novo corpo do teu Filho, que é a Igreja, e nós Te damos graças por nos teres permitido ser os seus membros, cada um na sua parte e na diversidade das funções confiadas.
Nós Te pedimos, Espírito Santo, Tu que ages em nós para o bem de todos: nós acolhemos o teu sopro; manifesta em nós a tua presença.

No final do Evangelho:
Nós Te damos graças, Pai, pela maravilha realizada por Jesus ressuscitado, porque Ele deu nova força aos seus apóstolos, tirando-os do medo e da paralisia, comunicando-lhes o Sopro da sua ressurreição.
Nós Te suplicamos: que a tua Paz esteja conosco, por Jesus, vencedor de todas as formas de morte, e pelo teu Espírito, que é perdão e santificação.

5. Oração Eucarística.
Pode-se escolher a Oração Eucarística III, que contém uma oração própria para o Pentecostes e que evoca o Espírito…

6. Palavra para o caminho.
Tempestade! Fogo! Portas arrombadas!
O Pentecostes é a irrupção do Espírito Santo na vida dos discípulos que vão deixar-se transformar em todas as dimensões do seu ser.
O Pentecostes continua! Mas não estamos muitas vezes, face a este Espírito Santo, como diante de uma ameaça nuclear?
Ousamos, enfim, deixar-nos irradiar por Ele sem qualquer proteção?

 SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE

A Festa que hoje celebramos não é um convite a decifrar o mistério que se esconde por detrás de “um Deus em três pessoas”; mas é um convite a contemplar o Deus que é amor, que é família, que é comunidade e que criou os homens para os fazer comungar nesse mistério de amor.
Na primeira leitura, o Deus da comunhão e da aliança, apostado em estabelecer laços familiares com o homem, auto apresenta-se: ele é clemente e compassivo, lento para a ira e rico de misericórdia.
Na segunda leitura, Paulo expressa – através da fórmula litúrgica “a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco” – a realidade de um Deus que é comunhão, que é família e que pretende atrair os homens para essa dinâmica de amor.
No Evangelho, João convida-nos a contemplar um Deus cujo amor pelos homens é tão grande, a ponto de enviar ao mundo o seu Filho único; e Jesus, o Filho, cumprindo o plano do Pai, fez da sua vida um dom total, até à morte na cruz, a fim de oferecer aos homens a vida definitiva. Nesta fantástica história de amor (que vai até ao dom da vida do Filho único e amado), plasma-se a grandeza do coração de Deus.

LEITURA I – Ex 34,4b-6.8-9

Leitura do Livro do Êxodo

Naqueles dias,
Moisés levantou-se muito cedo e subiu ao monte Sinai,
como o Senhor lhe ordenara,
levando nas mãos as tábuas de pedra.
O Senhor desceu na nuvem, ficou junto de Moisés,
que invocou o nome do Senhor.
O Senhor passou diante de Moisés e proclamou:
«O Senhor, o Senhor é um Deus clemente e compassivo,
sem pressa para Se indignar
e cheio de misericórdia e fidelidade».
Moisés caiu de joelhos e prostrou-se em adoração.
Depois disse:
«Se encontrei, Senhor, aceitação a vossos olhos,
digne-Se o Senhor caminhar no meio de nós.
É certo que se trata de um povo de dura cerviz,
mas Vós perdoareis os nossos pecados e iniqüidades
e fareis de nós a vossa herança».

AMBIENTE

O nosso texto faz parte das “tradições sobre a aliança do Sinai” – um conjunto de tradições de origem diversa, cujo denominador comum é a reflexão sobre um compromisso (“berit” – “aliança”) que Israel teria assumido com Jahwéh.
O texto situa-nos no deserto do Sinai, “em frente do monte” (cf. Ex 19,1). No texto bíblico, não temos indicações geográficas suficientes para identificar o “monte da aliança”. Em si, o nome “Sinai” não designa um monte, mas uma enorme península de forma triangular, com mais ou menos 420 quilômetros de extensão norte/sul, estendendo-se entre o mar Mediterrâneo e o mar Vermelho (no sentido norte/sul) e o golfo do Suez e o golfo da Áqaba (no sentido oeste/este). A península é um deserto árido, de terreno acidentado e com várias montanhas que chegam a atingir 2400 metros de altura.
Segundo alguns autores, este texto pode ter sido a primitiva versão jahwista da aliança do Sinai (séc. X a.C.); mas, na versão final do Pentateuco (sécs. V-IV a.C.), foi utilizado para descrever a renovação da primeira aliança, entretanto rompida pelo pecado do Povo. No estado atual do Pentateuco, o esquema é o seguinte: Israel comprometeu-se com Jahwéh (cf. Ex 19); mas, durante a ausência de Moisés, no cimo do monte, o Povo construiu um bezerro de ouro para representar Jahwéh – o que lhe estava interdito pelos mandamentos da aliança (cf. Ex 32,1-29); então, Moisés intercedeu pelo Povo e Deus renovou a aliança com Israel (cf. Ex 34,1-10).

MENSAGEM

Depois de ter obtido o perdão de Deus para o Povo, Moisés subiu sozinho à presença de Jahwéh. Consigo, levava as duas novas tábuas de pedra que havia talhado e sobre as quais seriam gravados os mandamentos da aliança.
Precisamente aqui, o autor insere a teofania (“manifestação de Deus”). Deus aproxima-se de Moisés “na nuvem”: a nuvem, que paira a meio caminho do céu e da terra, é, no Antigo Testamento, um símbolo privilegiado para exprimir a presença do Deus que vem ao encontro do homem; ao mesmo tempo a nuvem, simultaneamente, esconde e manifesta: sugere o mistério de Deus, escondido e presente, cujo rosto o homem não pode ver, mas cuja presença adivinha.
A teofania continua, depois, com uma auto-apresentação do próprio Jahwéh. Como é, então, que o próprio Deus se define? Que é que Ele diz de si próprio?
Nesta apresentação, Deus não menciona a sua grandeza e onipotência, o seu poder e majestade; mas menciona as “qualidades” que fazem Dele o parceiro ideal na “aliança”: Jahwéh é o “Deus clemente e compassivo, sem pressa para se indignar e cheio de misericórdia e fidelidade” (vers. 6). Num desenvolvimento que aparece no texto bíblico, mas que a nossa leitura de hoje não conservou (vers. 7), Jahwéh fala ainda da sua misericórdia (“até à milésima geração”), que é ilimitada e desproporcional quando comparada com a sua ira (“até à terceira e à quarta geração”). Aqui, os números não significam nada e não devem ser tomados à letra: são apenas uma forma de representar a desproporcional misericórdia de um Deus, infinitamente mais inclinado para o perdão do que para o castigo. De resto, Israel é convidado a descobrir e a comprometer-se com esse Deus que é sempre fiel aos seus compromissos e solidário com todos aqueles que Dele necessitam.
A questão essencial é esta: Deus ama o seu Povo e cuida dele com bondade e ternura. A sua misericórdia é ilimitada e, aconteça o que acontecer, irá sempre triunfar. Israel, o Povo da aliança, pode estar tranqüilo e confiante, pois Jahwéh, o Deus do amor e da misericórdia, garante a sua eterna fidelidade a esses atributos que caracterizam o seu ser.
Moisés responde a esta apresentação com as petições habituais: que Jahwéh continue a acompanhar o seu Povo em caminhada da terra da escravidão para a terra da liberdade; que Jahwéh entenda a dureza do coração do Povo e que perdoe os seus pecados; que Jahwéh renove a eleição (vers. 9).
E Deus, confirmando a sua auto-apresentação (Deus de amor e de bondade, lento para a ira e rico de misericórdia), não só perdoa o Povo, como até lhe propõe a renovação da aliança (vers. 10).

ATUALIZAÇÃO

Na reflexão, ter em conta as seguintes linhas:

• Deus é sempre, para o homem, o mistério que a “nuvem” esconde e revela: detectamos a sua presença, mas sem O ver; percebemos a sua proximidade, sem conseguirmos definir os contornos do seu rosto. A ânsia do homem em penetrar o mistério de Deus leva-o, com freqüência, a inventar rostos de Deus; mas, muitas vezes, esses rostos são apenas a projeção dos sonhos, dos anseios, das necessidades e até dos defeitos dos homens e têm pouco a ver com a realidade de Deus. Para entrarmos no mistério de Deus, é preciso estabelecermos com Ele uma relação de proximidade, de comunhão, de intimidade que nos leve ao encontro da sua voz, dos seus valores, dos seus desafios (“subir ao monte”). Procuro, dia a dia, “subir ao monte” da “aliança” e estabelecer comunhão com Deus através do diálogo com Ele (oração) e da escuta da sua Palavra?

• No nosso texto, Deus apresenta-se. Fundamentalmente, Ele define-se como o Deus da relação e da comunhão. Deixa claro que é um Deus “com coração” – e com um coração cheio de amor, de bondade, de ternura, de misericórdia, de fidelidade. Apesar de o seu Povo ter violado os compromissos que assumiu, Deus não só perdoa o pecado do Povo, mas propõe o refazer da “aliança”: é que, acima de tudo, este Deus do amor preza a comunhão com o homem: o seu objetivo é integrar os homens na família de Deus. É este Deus em que eu acredito? É deste Deus que eu dou testemunho?

• Deus, da sua parte, faz tudo para viver em comunhão com o homem. No entanto, respeita, de forma absoluta, a liberdade do homem. Eu sou livre de aceitar, ou não, a proposta de “aliança” que Deus me faz. Como é que eu respondo ao Deus da “aliança”? Eu aceito esta vontade que Ele manifesta de viver em relação de comunhão comigo? O que é que eu faço para responder a este desafio?

SALMO RESPONSORIAL – Dn 3,52-256

Refrão 1: Digno é o Senhor
de louvor e de glória para sempre.

Refrão 2: Louvor e glória ao Senhor para sempre.

Bendito sejais, Senhor, Deus dos nossos pais:
digno de louvor e de glória para sempre.
Bendito o vosso nome glorioso e santo:
digno de louvor e de glória para sempre.

Bendito sejais no templo santo da vossa glória:
digno de louvor e de glória para sempre.
Bendito sejais no trono da vossa realeza:
digno de louvor e de glória para sempre.

Bendito sejais, Vós que sondais os abismos
e estais sentados sobre os Querubins:
digno de louvor e de glória para sempre.
Bendito sejais no firmamento dos céus:
digno de louvor e de glória para sempre.

LEITURA II – 2 Cor 13,11-13

Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

Irmãos:
Sede alegres, trabalhai pela vossa perfeição,
animai-vos uns aos outros,
tende os mesmos sentimentos,
vivei em paz.
E o Deus do amor e da paz estará convosco.
Saudai-vos uns aos outros com o ósculo santo.
Todos os santos vos saúdam.
A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus
e a comunhão do Espírito Santo
estejam convosco.

AMBIENTE

A Primeira Carta aos Coríntios (que criticava alguns membros da comunidade por atitudes pouco condizentes com os valores cristãos) provocou uma reação extremada e uma campanha organizada no sentido de desacreditar Paulo. Este, informado de tudo, dirigiu-se apressadamente para Corinto e teve um violento confronto com os seus inimigos. Depois, retirou-se para Éfeso. Tito, amigo de Paulo, fino negociador e hábil diplomata, partiu para Corinto, a fim de tentar a reconciliação.
Paulo, entretanto, partiu para Tróade. Foi aí que reencontrou Tito, regressado de Corinto. As notícias trazidas por Tito eram animadoras: o conflito fora ultrapassado e os coríntios estavam, outra vez, em comunhão com Paulo.
Reconfortado, Paulo escreveu uma tranqüila apologia do seu apostolado, à qual juntou um apelo em favor de uma coleta para os pobres da Igreja de Jerusalém. Esse texto é a nossa Segunda Carta de Paulo aos coríntios. Estamos nos anos 56/57.
O texto que nos é proposto é, precisamente, a conclusão da Segunda Carta de Paulo aos Coríntios. Se compararmos esta despedida com a da Primeira Carta aos Coríntios (cf. 1 Cor 16,19-24), ela surpreende-nos pela brevidade, frieza e impessoalidade. Não parece a despedida de uma “carta de reconciliação”, mas antes uma despedida entre partes que conservam uma certa tensão na sua relação.

MENSAGEM

Paulo começa por deixar algumas recomendações de caráter geral aos membros da comunidade. Pede-lhes que sejam alegres; que procurem, sem desistir, chegar à perfeição; e que, nas relações fraternas, se animem mutuamente, tenham os mesmos sentimentos e vivam em paz. São conselhos que devem ser entendidos no contexto das dificuldades e tensões vividas recentemente pela comunidade.
O mais notável desta carta é, contudo, a fórmula final de saudação: “a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco”. Esta fórmula – a mais claramente trinitária de todo o Novo Testamento – é, certamente de origem litúrgica. Provavelmente, era a fórmula que os cristãos utilizavam quando, no contexto da celebração eucarística, trocavam a saudação da paz.
Esta fórmula constitui uma impressionante confissão de fé no Deus trino. Ela manifesta a fé dos crentes nesse Deus é amor e, portanto, que é “família”, que é comunidade. Ao utilizarem esta fórmula, os crentes reconhecem-se como membros dessa “família de Deus”; e reconhecem também que ser “família de Deus” é fazerem todos parte de uma única família de irmãos. São, portanto, convocados para viverem em unidade: em comunhão com Deus e em união com todos os irmãos.

ATUALIZAÇÃO

Para a reflexão, considerar:

• A comunidade cristã é convidada a descobrir que Deus é amor. A fórmula “Pai, Filho e Espírito Santo” expressa essa realidade de Deus como amor, como família, como comunidade.

• Os membros da comunidade cristã, que pelo batismo aderiram ao projeto de salvação que Deus apresentou aos homens em Jesus e cuja caminhada é animada pelo Espírito, são convidados a integrarem esta comunidade de amor. O fim último da nossa caminhada é a pertença à família trinitária.

• Esta “vocação” deve expressar-se na nossa vida comunitária. A nossa relação com os irmãos deve refletir o amor, a ternura, a misericórdia, a bondade, o perdão, o serviço, que são as conseqüências práticas do nosso compromisso com a comunidade trinitária. É isso que acontece? As nossas relações comunitárias refletem esse amor que é a marca da “família de Deus”?

ALELUIA – cf. Ap 1,8

Aleluia. Aleluia.

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo,
ao Deus que é, que era e que há de vir.

EVANGELHO – Jo 3,16-18

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Naquele tempo,
disse Jesus a Nicodemos:
«Deus amou tanto o mundo
que entregou o seu Filho Unigênito,
para que todo o homem que acredita nele
não pereça, mas tenha a vida eterna.
Porque Deus não enviou o seu Filho ao mundo
para condenar o mundo,
mas para que o mundo seja salvo por Ele.
Quem acredita nele não é condenado,
mas quem não acredita nele já está condenado,
porque não acreditou no nome do Filho Unigênito de Deus».

AMBIENTE

O nosso texto pertence à secção introdutória do Quarto Evangelho (Jo 1,19-3,36). Nessa secção, o autor apresenta Jesus e procura – através da contribuição dos diversos personagens que vão sucessivamente ocupando o centro do palco e declamando o seu texto – dizer quem é Jesus.
Mais concretamente, o trecho que nos é proposto faz parte da conversa entre Jesus e um “chefe dos judeus” chamado Nicodemos (cf. Jo 3,1). Nicodemos foi visitar Jesus “de noite” (Jo 3,2), o que parece indicar que não se queria comprometer e arriscar a posição destacada de que gozava na estrutura religiosa judaica. Membro do Sinédrio, Nicodemos aparecerá, mais tarde, a defender Jesus, perante os chefes dos fariseus (Jo 7,48-52); também estará presente na altura em que Jesus foi descido da cruz e colocado no túmulo (Jo 19,39).
A conversa entre Jesus e Nicodemos apresenta três etapas, ou fases.
Na primeira (Jo 3,1-3), Nicodemos reconhece a autoridade de Jesus, graças às suas obras; mas Jesus acrescenta que isso não é suficiente: o essencial é reconhecer Jesus como o enviado do Pai.
Na segunda (Jo 3,4-8), Jesus anuncia a Nicodemos que, para entender a sua proposta, é preciso “nascer de Deus” e explica-lhe que esse novo nascimento é o nascimento “da água e do Espírito”.
Na terceira (Jo 3,9-21), Jesus descreve a Nicodemos o projeto de salvação de Deus: é uma iniciativa do Pai, tornada presente no mundo e na vida dos homens através do Filho e que se concretizará pela cruz/exaltação de Jesus. O nosso texto pertence a esta terceira parte.

MENSAGEM

Depois de explicar a Nicodemos que o Messias tem de “ser levantado ao alto”, como “Moisés levantou a serpente” no deserto (a referência evoca o episódio da caminhada pelo deserto em que os hebreus, mordidos pelas serpentes, olhavam uma serpente de bronze levantada num estandarte por Moisés e se curavam – cf. Nm 21,8-9), a fim de que “todo aquele que nele acredita tenha vida definitiva” (Jo 3,14-15), Jesus explica como é que a cruz se insere no projeto de Deus. A explicação vem em três passos…
O primeiro (vers. 16) refere-se ao significado último da cruz. Esse Homem que vai ser levantado na cruz veio ao mundo, encarnou na nossa história humana, correu o risco de assumir a nossa fragilidade, partilhou a nossa humanidade; e, como conseqüência de uma vida gasta a lutar contra as forças das trevas e da morte que escravizavam os homens, foi preso, torturado e morto numa cruz. A cruz é o último ato de uma vida vivida no amor, na doação, na entrega.
Ora, esse Homem é o “Filho único” de Deus. A expressão evoca, provavelmente, o “sacrifício de Isaac” (Gn 22,16): Deus comporta-se como Abraão, que foi capaz de desprender-se do próprio filho por amor (no caso de Abraão, amor a Deus; no caso de Deus, amor aos homens)… A cruz é, portanto, a expressão suprema do amor de Deus pelos homens. O quadro dá-nos a dimensão do incomensurável amor de Deus por essa humanidade a quem ele quer oferecer a salvação.
Qual é o objetivo de Deus ao enviar o seu Filho único ao encontro dos homens? É libertá-los do egoísmo, da escravidão, da alienação, da morte, e dar-lhes a vida eterna. Com Jesus – o Filho único que morreu na cruz – os homens aprendem que a vida definitiva está na obediência aos planos do Pai e no dom da vida aos homens, por amor.
O segundo (vers. 17) deixa claro que a intenção de Deus, ao enviar ao mundo o seu Filho único, não era uma intenção negativa. Jesus veio ao mundo porque o Pai ama os homens e quer salvá-los. O Messias não veio com uma missão judicial, nem veio excluir ninguém da salvação. Pelo contrário, Ele veio oferecer aos homens – a todos os homens – a vida definitiva, ensinando-os a amar sem medida e dando-lhes o Espírito que os transforma em Homens Novos.
Reparemo
s neste fato notável: Deus não enviou o seu Filho único ao encontro de homens perfeitos e santos; mas enviou o seu Filho único ao encontro de homens pecadores, egoístas, auto-suficientes, a fim de lhes apresentar uma nova proposta de vida… E foi o amor de Jesus – bem como o Espírito que Jesus deixou – que transformou esses homens egoístas, orgulhosos, auto-suficientes e os inseriu numa dinâmica de vida nova e plena.
O terceiro (vers. 18) descreve as duas atitudes que o homem pode tomar, diante da oferta de salvação que Jesus faz: quem aceita a proposta de Jesus, adere a Ele, recebe o Espírito, vive no amor e na doação, escolhe a vida definitiva; mas quem prefere continuar escravo de esquemas de egoísmo e de auto-suficiência, auto-exclui-se da salvação. A salvação ou a condenação não são, nesta perspectiva, um prêmio ou um castigo que Deus dá ao homem pelo seu bom ou mau comportamento; mas são o resultado da escolha livre do homem, face à oferta incondicional de salvação que Deus lhe faz. A responsabilidade pela vida definitiva ou pela morte eterna não recai assim sobre Deus, mas sobre o homem.
De acordo com a perspectiva de João, também não existe um julgamento futuro, no final dos tempos, no qual Deus pesa na sua balança os pecados dos homens, para ver se os há de salvar ou condenar: o juízo realiza-se aqui e agora e depende da atitude que o homem assume diante da proposta de Jesus.
Em resumo: porque amava a humanidade, Deus enviou o seu Filho único ao mundo com uma proposta de salvação. Essa oferta nunca foi retirada; continua aberta e à espera de resposta. Diante da oferta de Deus, o homem pode escolher a vida eterna, ou pode excluir-se da salvação.

ATUALIZAÇÃO

Na reflexão, considerar os seguintes pontos:

• João é o evangelista abismado na contemplação do amor de um Deus que não hesitou em enviar ao mundo o seu Filho, o seu único Filho, para apresentar aos homens uma proposta de felicidade plena, de vida definitiva; e Jesus, o Filho, cumprindo o mandato do Pai, fez da sua vida um dom, até à morte na cruz, para mostrar aos homens o “caminho” da vida eterna… No dia em que celebramos a Festa da Santíssima Trindade, somos convidados a contemplar, com João, esta incrível história de amor e a espantar-nos com o peso que nós – seres limitados e finitos, pequenos grãos de pó na imensidão das galáxias – adquirimos nos esquemas, nos projetos e no coração de Deus.

• O amor de Deus traduz-se na oferta ao homem de vida plena e definitiva. É uma oferta gratuita, incondicional, absoluta, válida para sempre; mas Deus respeita absolutamente a nossa liberdade e aceita que recusemos a sua oferta de vida. No entanto, rejeitar a oferta de Deus e preferir o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência, é um caminho de infelicidade, que gera sofrimento, morte, “inferno”. Quais são as manifestações desta recusa da vida plena que eu observo, na vida das pessoas, nos acontecimentos do mundo, e até na vida da Igreja?

• Nós, crentes, devíamos ser as testemunhas desse Deus que é amor; e as nossas comunidades cristãs ou religiosas deviam ser a expressão viva do amor trinitário. É isso que acontece? Que contribuição posso eu dar para que a minha comunidade – cristã ou religiosa – seja sinal vivo do amor de Deus no meio dos homens?

• A celebração da Festa da Trindade não pode ser a tentativa de compreender e decifrar essa estranha charada de “um em três”. Mas deve ser, sobretudo, a contemplação de um Deus que é amor e que é, portanto, comunidade. Dizer que há três pessoas em Deus, como há três pessoas numa família – pai, mãe e filho – é afirmar três deuses e é negar a fé; inversamente, dizer que o Pai, o Filho e o Espírito são três formas diferentes de apresentar o mesmo Deus, como três fotografias do mesmo rosto, é negar a distinção das três pessoas e é, também, negar a fé. A natureza divina de um Deus amor, de um Deus família, de um Deus comunidade, expressa-se na nossa linguagem imperfeita das três pessoas. O Deus família torna-se trindade de pessoas distintas, porém unidas. Chegados aqui, temos de parar, porque a nossa linguagem finita e humana não consegue “dizer” o indizível, não consegue definir o mistério de Deus.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DA SANTÍSSIMA TRINDADE

1. A liturgia meditada ao longo da semana.
Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo da Santíssima Trindade, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

2. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo…
Procure-se valorizar o sinal da Cruz, no início da celebração. Pode-se cantar também as epicleses e a doxologia final da oração eucarística. Utilizar também uma bênção final mais solene, escolhida do Missal Romano ou do Livro de Bênçãos…

3. Valorizar a profissão de fé.
Neste Domingo da Santíssima Trindade, pode-se cantar um dos credos habituais ou o “credo batismal”.

4. Oração na lectio divina.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:
Nós Te bendizemos, Deus de nossos Pais, porque Te deste a conhecer desde todas as gerações. Manifestaste-Te a Abraão, a Moisés, a Josué, a David. Bendito sejas porque encontramos graça diante de Ti.
Deus terno e misericordioso, nós Te suplicamos: purifica-nos do mal que subsiste no teu povo e o torna cúmplice das injustiças do nosso mundo.

No final da segunda leitura:
Deus de amor e de paz, nós Te louvamos pela comunhão do Espírito Santo na qual nos uniste a Ti, pelo teu Filho Jesus.
Nós Te pedimos ainda: que a comunhão do Espírito Santo traga frutos às nossas comunidades e a cada um de nós. Que ela nos una no respeito de cada pessoa, na paz e na alegria.

No final do Evangelho:
Benditas sejas, nosso Pai, porque tanto nos amaste e nos deste o teu Filho único. Bendito sejas pela vida eterna que nele nos concedes. Bendito sejas, Pai, Tu que tanto desejas salvar o mundo.
Nós Te suplicamos: faz crescer em nós a fé em Jesus teu Filho, que Ele nos liberte de todas as formas de morte e nos oriente para a vida em Ti.

5. Oração Eucarística.
Pode-se escolher a Oração Eucarística IV, que percorre todo o plano de salvação, desde a criação até à vinda de Cristo, situando-a sob o signo da Aliança que é comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

6. Palavra para o caminho.
Um Lar incandescente!
Um “Braseiro de Amor", que tem como característica comunicar-se e nos tornar participantes do seu Amor, da sua Vida.
«Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho Unigênito”, diz-nos S. João.
Quanto a Paulo, propõe-nos alguns pontos de atenção para que os nossos diferentes lugares de vida – família, trabalho, bairro – se tornem verdadeiros “lares de amor”: sem pretensão, mas à imagem da Trindade!



Nenhum comentário:

Postar um comentário