quinta-feira, 22 de março de 2012

Natal do Senhor Ano C



Ano C
Natal do Senhor

O tema desta eucaristia pode girar à volta da expressão "a Palavra fez-se pessoa e veio habitar no meio de nós".
A primeira leitura anuncia a chegada de Deus ao meio do seu Povo. Ele é o rei que traz a paz e a salvação, proporcionando ao Povo de Deus uma era de felicidade sem fim. O profeta convida, pois, a substituir a tristeza pela alegria e pelos gritos de vitória.
A segunda leitura apresenta, em traços largos, o plano salvador de Deus. Insiste, sobretudo, que esse projeto alcança o seu ponto mais alto com o envio de Jesus, a "Palavra" de Deus que os homens devem escutar e acolher.
O Evangelho desenvolve o tema esboçado na segunda leitura e apresenta a "Palavra" viva de Deus, tornada pessoa em Jesus. Sugere que a missão do Filho/"Palavra" é completar a criação primeira, eliminando tudo aquilo que se opõe à vida e criando condições para que nasça o homem novo, o homem da vida em plenitude, o homem que vive uma relação filial com Deus.
LEITURA I - Is 52,7-10
Leitura do Livro de Isaías
Como são belos sobre os montes
os pés do mensageiro que anuncia a paz,
que traz a boa nova, que proclama a salvação
e diz a Sião: "o teu Deus é Rei".
Eis o grito das tuas sentinelas que levantam a voz.
Todas juntas soltam brados de alegria,
porque vêem com os próprios olhos
o Senhor que volta para Sião.
Rompei todas em brados de alegria, ruínas de Jerusalém,
porque o Senhor consola o seu povo,
resgata Jerusalém.
O Senhor descobre o seu santo braço à vista de todas as nações
e todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus.
AMBIENTE
O Deutero-Isaías, autor deste texto, é um profeta que exerce a sua missão entre os exilados da Babilônia, procurando consolar e manter acesa a esperança no meio de um povo desiludido e decepcionado, porque a libertação tarda. Os capítulos que recolhem a sua mensagem (Is 40-55) chamam-se, por isso, "Livro da Consolação".
Este texto está integrado na segunda parte do "Livro da Consolação" (Is 49-55). Aí, o profeta (que na primeira parte - Is 40-48 - havia, sobretudo, anunciado a libertação do cativeiro e um "novo êxodo" do Povo de Deus, rumo à Terra Prometida) fala da reconstrução e da restauração de Jerusalém. O profeta garante que Deus não se esqueceu da sua cidade em ruínas e vai voltar a fazer dela uma cidade bela e cheia de vida, como uma noiva em dia de casamento. É neste quadro que podemos situar a primeira leitura de hoje.
MENSAGEM
À cidade em ruínas, chega o mensageiro que traz a "boa notícia" da paz ("shalom": paz, bem-estar, harmonia, felicidade). Ele anuncia a "salvação" e proclama o reinado de Deus sobre o seu Povo e a sua cidade. Terminou, portanto, o sofrimento e a opressão. "Salvação" e "reinado de Deus" estão em paralelo: a "salvação" chega porque Deus se assume como rei. Ele não reinará à maneira dos reis que conduziram o Povo por caminhos de morte e de desgraça; mas exercerá a realeza de forma a proporcionar a "salvação", isto é, inaugurando uma era de paz, de bem-estar e de felicidade sem fim.
O poeta põe as sentinelas da cidade a olhar todas nessa direção por onde deverá chegar o Senhor. O grito das sentinelas não é de alarme, mas é de alegria contagiante: eles vêem o próprio Senhor regressar ao encontro da sua cidade. Com Deus, Jerusalém voltará a ser uma cidade bela e harmoniosa, cheia de alegria e de festa. O poeta convida as próprias pedras da cidade em ruínas a cantar em coro, porque a redenção chegou. E essa salvação será testemunhada por toda a terra, como se o mundo estivesse de olhos postos na ação vitoriosa de Deus em favor do seu Povo.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão deste texto profético poderá fazer-se a partir dos seguintes elementos:
A alegria pela libertação do cativeiro da Babilônia e pela "salvação" que Deus oferece ao seu Povo e à sua cidade, anuncia essa outra libertação, plena e total, que Deus vai oferecer ao seu Povo através de Jesus. O nascimento de Jesus - o Deus que veio ao encontro do seu Povo e da sua cidade com uma proposta de salvação - diz-nos que a opressão terminou e que o "reinado de Deus" alcançou a nossa história.
A alegria contagiante das sentinelas e os brados de contentamento das próprias pedras da cidade convidam-nos a acolhermos na alegria o Deus que veio visitar-nos: com a sua presença no meio de nós, começa a concretizar-se essa libertação plena prometida por Deus. É essa alegria que nos anima?
As sentinelas atentas que, nas montanhas em redor de Jerusalém, identificam a chegada do Deus libertador, são um modelo para nós: convidam-nos a ler, atentamente, os sinais e a anunciar ao mundo a chegada de Jesus. Somos sentinelas atentas que descobrem os sinais do Senhor nos caminhos da história e anunciam o seu "reinado"?
SALMO RESPONSORIAL - Salmo 97 (98)
Refrão: Todos os confins da terra
viram a salvação do nosso Deus.
Cantai ao Senhor um cântico novo
pelas maravilhas que Ele operou.
A sua mão e o seu santo braço
Lhe deram a vitória.
O Senhor deu a conhecer a salvação,
revelou aos olhos das nações a sua justiça.
Recordou-Se da sua bondade e fidelidade
em favor da casa de Israel.
Os confins da terra puderam ver
a salvação do nosso Deus.
Aclamai o Senhor, terra inteira,
exultai de alegria e cantai.
Cantai ao Senhor ao som da cítara,
ao som da cítara e da lira;
ao som da tuba e da trombeta,
aclamai o Senhor, nosso Rei.
LEITURA II - Hb 1,1-6
Leitura da Epístola aos Hebreus
Muitas vezes e de muitos modos
falou Deus antigamente aos nossos pais, pelos Profetas.
Nestes dias, que são os últimos,
falou-nos por seu Filho,
a quem fez herdeiro de todas as coisas
e pelo qual também criou o universo.
Sendo o Filho esplendor da sua glória
e imagem da sua substância,
tudo sustenta com a sua palavra poderosa.
Depois de ter realizado a purificação dos pecados,
sentou-Se à direita da Majestade no alto dos Céus
e ficou tanto acima dos Anjos
quanto mais sublime que o deles
é o nome que recebeu em herança.
A qual dos Anjos, com efeito, disse Deus alguma vez:
"Tu és meu Filho, Eu hoje Te gerei?"
E ainda: "Eu serei para Ele um Pai
e Ele será para Mim um Filho"?
E de novo,
quando introduziu no mundo o seu Primogênito, disse:
"Adorem-n'O todos os Anjos de Deus".
AMBIENTE
A "carta aos Hebreus" é um sermão, mais do que uma carta, onde um autor anônimo procura re-despertar a fé da comunidade crente, afetada pela falta de entusiasmo, pelas dificuldades e pelas doutrinas heréticas. Destinado a uma comunidade cristã constituída maioritariamente por cristãos vindos do judaísmo, utiliza a linguagem litúrgica judaica para apresentar Jesus: ele é, fundamentalmente, o "sumo-sacerdote" da Nova Aliança, aquele que veio ao mundo para realizar a comunhão definitiva entre Deus e os homens.
O texto que nos é proposto como primeira leitura pertence ao prólogo do sermão. Nesse prólogo, o pregador apresenta-nos uma visão global, uma orientação e as coordenadas fundamentais que vai desenvolver ao longo do sermão.
MENSAGEM
A segunda leitura resume a história da salvação. Deus é o sujeito, o primeiro protagonista de tudo. Esse Deus, que criou e deu forma a tudo o que existe, tem um projeto de salvação para o homem; por isso, falou em palavras humanas, rompeu as distâncias, aproximou-se do homem. Numa primeira fase, ele falou através dos seus porta-vozes - os profetas - apresentando aos homens a sua proposta de salvação; mas, no nosso tempo, falou-nos através do seu próprio Filho, fazendo dele a Palavra plena, definitiva, perfeita, que nos diz o caminho da salvação.
O Filho identifica-se plenamente com o Pai e, como o Pai, tem um senhorio pleno sobre toda a realidade. Ele é superior aos anjos, pois é esplendor da glória do Pai, imagem do ser do Pai, a reprodução exata e viva da substância do Pai. Os homens devem, portanto, estar atentos ao Filho/Palavra, pois ele transmite de forma perfeita a proposta salvadora que o Pai quer fazer aos homens.
ATUALIZAÇÃO
Na reflexão e atualização da Palavra, convém ter em conta os seguintes elementos:
Celebrar o nascimento de Jesus é, em primeiro lugar, contemplar o amor de um Deus que rompeu as distâncias e veio ao encontro do homem, apesar da infidelidade e das recusas do homem. No dia de Natal, nunca será demais insistir nisto: o Deus em quem acreditamos é o Deus do amor e da relação, que continua a nascer no mundo, a apostar no homem, a querer dialogar com ele, a encontrar-se com ele, e que não desiste de um projeto de felicidade para o homem que criou.
Jesus Cristo é a Palavra viva e definitiva de Deus, que revela aos homens o caminho da salvação. Celebrar o seu nascimento é acolher essa Palavra. "Escutar" essa Palavra é acolher o projeto que Jesus veio apresentar-nos e fazer dela a nossa referência, o critério fundamental que orienta as nossas opções. A Palavra viva de Deus (Jesus) é, de fato, a nossa referência e orienta as nossas opções? Os valores do Evangelho são os nossos valores? É preciso escutar essa Palavra viva e ver nela a Palavra perfeita, plena e definitiva com que Deus nos diz que caminho percorrer.
ALELUIA
Aleluia. Aleluia.
Santo é o dia que nos trouxe a luz.
Vinde adorar o Senhor.
Hoje, uma grande luz desceu sobre a terra.
EVANGELHO - Jo 1,1-18
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
No princípio era o Verbo
e o Verbo estava com Deus
e o Verbo era Deus.
No princípio, Ele estava com Deus.
Tudo se fez por meio d'Ele
e sem Ele nada foi feito.
N'Ele estava a vida
e a vida era a luz dos homens.
A luz brilha nas trevas
e as trevas não a receberam.
Apareceu um homem enviado por Deus, chamado João.
Veio como testemunha,
para dar testemunho da luz.
O Verbo era a luz verdadeira,
que, vindo ao mundo, ilumina todo o homem.
Estava no mundo
e o mundo, que foi feito por Ele, não O conheceu.
Veio para o que era seu
e os seus não O receberam.
Mas, àqueles que O receberam e acreditaram no seu nome,
deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus.
Estes não nasceram do sangue,
nem da vontade da carne, nem da vontade do homem,
mas de Deus.
E o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós.
Nós vimos a sua glória,
glória que Lhe vem do Pai como Filho Unigênito,
cheio de graça e de verdade.
João dá testemunho d'Ele, exclamando:
"Era deste que eu dizia:
'O que vem depois de mim passou à minha frente,
porque existia antes de mim'".
Na verdade, foi da sua plenitude que todos nós recebemos
graça sobre graça.
Porque, se a Lei foi dada por meio de Moisés,
a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo.
A Deus, nunca ninguém O viu.
O Filho Unigênito, que está no seio do Pai,
é que O deu a conhecer.
AMBIENTE
A Igreja primitiva recorreu, frequentemente, a hinos para celebrar, expressar e anunciar a sua fé. O prólogo ao Evangelho de João que hoje nos é proposto é um bom exemplo disso mesmo. Não é certo se este hino foi composto por João, ou se o autor do Quarto Evangelho usou um primitivo hino cristão conhecido da comunidade joânica, adaptando-o de forma a que ele servisse de prólogo a esse texto tão peculiar que é o Evangelho segundo João. O que é certo é que o hino cristológico que chegou até nós expressa, em forma de confissão, a fé da comunidade joânica em Cristo enquanto Palavra, a sua origem eterna, a sua procedência divina, a sua influência no mundo e na história, possibilitando a quantos o aceitam ser "filhos de Deus". Essas grandes linhas aqui enunciadas vão ser desenvolvidas depois pelo evangelista ao longo da sua obra.
MENSAGEM
Ao usar a expressão "no princípio", João enlaça o seu evangelho com o relato da criação (cfr. Gn 1,1), oferecendo-nos assim, desde logo, uma chave de interpretação para o seu escrito. Aquilo que ele vai narrar sobre Jesus, está em relação com a obra criadora de Deus: em Jesus vai acontecer a definitiva intervenção criadora de Deus no sentido de dar vida ao homem e ao mundo... A atividade de Jesus, enviado do Pai, consiste em fazer nascer um homem novo; a sua ação coroa a obra criadora iniciada por Deus "no princípio".
João começa por apresentar a "Palavra" ("Lógos"). A "Palavra" é - de acordo com o autor do Quarto Evangelho - uma realidade anterior ao céu e à terra, implicada já na primeira criação. Esta "Palavra" apresenta-se, assim, com as características que o Livro dos Provérbios atribuía à "sabedoria": pré-existência (cfr. Prov 8,22-24) e colaboração com Deus na obra da criação (cfr. Prov 8,24-30). No entanto, essa "Palavra" não só estava junto de Deus e colaborava com Deus, mas "era Deus". Identifica-se totalmente com Deus, com o ser de Deus, com a obra criadora de Deus. É como que o projeto íntimo de Deus, que se expressa e se comunica como "Palavra". Deus faz-se inteligível através da "Palavra". Essa "Palavra" é geradora de vida para o homem e para o mundo, concretizando o projeto de Deus.
A "Palavra" veio ao encontro dos homens, fez-se "carne" (pessoa). João identifica claramente a "Palavra" com Jesus, o "Filho único, cheio de amor e de verdade", que veio ao encontro do homem. Nessa pessoa (Jesus), "cheio de amor e de verdade", podemos contemplar o projeto ideal de homem, o homem que nos é proposto como modelo por Deus, a meta final da criação de Deus.
Essa "Palavra" "montou a sua tenda no meio de nós". O verbo "skênéô" ("montar a tenda"), aqui utilizado, alude à "tenda do encontro" que, na caminhada pelo deserto, os israelitas montavam no meio ou ao lado do acampamento e que era o local onde Deus residia no meio do seu Povo (cfr. Ex 27,21; 28,43; 29,4...). Agora, a "tenda de Deus", o lugar onde ele habita no meio dos homens, é o homem/Jesus. Quem quiser encontrar Deus e receber dele vida em plenitude (salvação), é para Jesus que se tem de voltar.
A função dessa "Palavra" está ligada ao binômio vida/luz: comunicar ao homem vida em plenitude; ou, por outras palavras, trata-se de acender a luz que ilumina o caminho do homem, possibilitando-lhe encontrar a vida verdadeira, a vida plena, livre, total.
Jesus Cristo vai, no entanto, deparar-se com a oposição à vida/luz que ele traz. Ao longo do Evangelho, João irá contando essa história do confronto da vida/luz com o sistema injusto e opressor que pretende manter os homens prisioneiros do egoísmo e do pecado (e que João identifica com a Lei. Os dirigentes judeus que enfrentam Jesus são o rosto visível dessa Lei). Recusar a vida/luz, significa preferir continuar a caminhar nas trevas (na mentira, na escravidão), independentemente de Deus; significa recusar chegar a ser homem pleno, criação acabada.
Mas o acolhimento da "Palavra" implica a participação na vida de Deus. João diz mesmo que acolher a "Palavra" significa tornar-se "filho de Deus". Começa, para quem acolhe a "Palavra"/Jesus, uma nova relação entre o homem e Deus, aqui expressa em termos de filiação: Deus dá vida em plenitude ao homem, oferecendo-lhe, assim, uma qualidade de vida que potencia o seu ser e lhe permite crescer até à dimensão do homem novo, do homem acabado e perfeito. Isto é uma "nova criação", um novo nascimento, que não provém da carne e do sangue, mas de Deus.
A encarnação de Jesus significa, portanto, a oferta que Deus faz à humanidade da vida em plenitude. Sempre existiu no homem o anseio da vida plena, conforme o projeto original de Deus; mas, na realidade, esse anseio fica muitas vezes frustrado pelo domínio que o egoísmo, a injustiça, a mentira e a opressão (o pecado) exercem sobre o homem. Toda a obra de Jesus consistirá em capacitar o homem para a vida nova, a vida plena, a fim de que ele possa realizar em si mesmo o projeto de Deus - a semelhança com o Pai.
ATUALIZAÇÃO
Perspectivas para a reflexão e atualização do texto:
A transformação da "Palavra" em "carne" (em menino do presépio de Belém) é a espantosa aventura de um Deus que ama e que, por amor, aceita revestir-se da nossa fragilidade para nos dar vida em plenitude. Neste dia, somos convidados a contemplar, numa atitude de serena adoração, esse incrível passo de Deus, expressão extrema de um amor sem limites.
Acolher a "Palavra" é deixar que Jesus nos transforme, nos dê a vida plena, a fim de nos tornarmos verdadeiramente "filhos de Deus". O presépio que hoje contemplamos é, apenas, um quadro bonito e terno, ou uma interpelação a acolher a "Palavra", de forma a crescermos até à dimensão do homem novo?
Hoje, como ontem, a "Palavra" continua a confrontar-se com os sistemas geradores de morte e a procurar eliminar na origem tudo o que rouba a vida plena e a felicidade do homem. Sensíveis à "Palavra", embarcados na mesma aventura de Jesus - a "Palavra" viva de Deus - como nos situamos diante de tudo aquilo que rouba a vida ao homem? Podemos pactuar com a mentira, o oportunismo, a corrupção, a violência, a exploração dos pobres, a miséria, as limitações aos direitos do homem, a destruição da dignidade dos mais fracos?

Solenidade da Epifânia do Senhor

A liturgia deste Domingo leva-nos à manifestação de Jesus como "a luz" que atrai a si todos os povos da terra. Essa "luz" encarnou na nossa história, a fim de iluminar os caminhos dos homens com uma proposta de salvação/libertação.
A primeira leitura, anuncia a chegada da luz salvadora de Jahwéh, que alegrará Jerusalém e que atrairá à cidade de Deus povos de todo o mundo.
No Evangelho, vemos a concretização dessa promessa: ao encontro de Jesus vêm os "magos", atentos aos sinais da chegada do messias, que o aceitam como "salvação de Deus" e o adoram. A salvação, rejeitada pelos habitantes de Jerusalém, torna-se agora uma oferta universal.
A segunda leitura apresenta o projeto salvador de Deus como uma realidade que vai atingir toda a humanidade, juntando judeus e pagãos numa mesma comunidade de irmãos - a comunidade de Jesus.
LEITURA I - Is 60,1-6
Leitura do Livro de Isaías
Levanta-te e resplandece, Jerusalém,
porque chegou a tua luz
e brilha sobre ti a glória do Senhor.
Vê como a noite cobre a terra
e a escuridão os povos.
Mas sobre ti levanta-Se o Senhor
e a sua glória te ilumina.
As nações caminharão à tua luz
e os reis ao esplendor da tua aurora.
Olha ao redor e vê:
todos se reúnem e vêm ao teu encontro;
os teus filhos vão chegar de longe
e as tuas filhas são trazidas nos braços.
Quando o vires ficarás radiante,
palpitará e dilatar-se-á o teu coração,
pois a ti afluirão os tesouros do mar,
a ti virão ter as riquezas das nações.
Invadir-te-á uma multidão de camelos,
de dromedários de Madiã e Efá.
Virão todos os de Sabá,
trazendo ouro e incenso
e proclamando as glórias do Senhor.
AMBIENTE
A primeira leitura de hoje integra um bloco a que se convencionou chamar "Trito-Isaías" (cap. 56-66 do Livro de Isaías). Para alguns, são textos de um profeta anônimo, pós-exílico, que exerceu o seu ministério em Jerusalém, entre os retornados da Babilônia, nos anos 537/520 a.C.; para a maioria, trata-se de textos que provêm de uma pluralidade de autores e que foram redigidos ao longo de um arco de tempo relativamente longo (provavelmente, entre os séc. VI e V a.C.). Seja como for, estamos na época a seguir ao regresso do exílio da Babilônia e numa Jerusalém ainda bem marcada pelo sofrimento passado e pela pobreza presente.
O texto que nos é proposto é uma glorificação de Jerusalém, a cidade da luz (pela sua situação geográfica, a cidade é iluminada desde o nascer do dia até ao pôr do sol). Ainda há pouco tempo a cidade estava vazia e em ruínas, num quadro de noite e escuridão; agora, já terminou a humilhação, mas a cidade espera, ainda, a restauração do Templo, uma população mais numerosa e uma tranquilidade maior.
MENSAGEM
Inspirado, sem dúvida, pelo sol nascente que ilumina as belas pedras brancas das construções de Jerusalém e faz a cidade transfigurar-se pela manhã, o profeta anuncia a chegada da luz salvadora de Deus, que dará à cidade um novo rosto. Essa luz nova, que a presença salvadora de Deus trará à sua cidade, vai concentrar nela os olhares de todos os que esperam a salvação. Como consequência, Jerusalém será abundantemente repovoada (com o regresso de muitos "filhos" e "filhas") e os povos convergirão para Jerusalém, inundando-a de riquezas (nomeadamente, incenso para o serviço do Templo) e cantando os louvores de Deus.
ATUALIZAÇÃO
No reflexão, ter em conta os seguintes desenvolvimentos:
Outra vez se manifesta na caminhada do Povo de Deus a presença salvadora e libertadora de Deus, que não abandona o seu Povo. Esta "fidelidade" de Deus aos seus compromissos aquece-nos o coração e dá-nos a garantia de um Deus que não desiste, nunca, de nos proporcionar a salvação, a vida plena.
É preciso, sem dúvida, ligar a chegada da "luz" salvadora de Deus a Jerusalém com o nascimento de Jesus. O projeto de libertação que Jesus vem apresentar aos homens será a luz que vence as trevas e que dará um novo rosto ao mundo. Mais uma vez é preciso perguntar: essa luz libertadora chega, de fato, aos homens através do nosso testemunho?
Na catequese cristã dos primeiros tempos, esta Jerusalém nova, que já "não necessita de sol nem de lua para a iluminar, porque é iluminada pela glória de Deus", é a Igreja - a comunidade dos que aderiram a Jesus e acolheram a luz salvadora que Ele veio trazer (cfr. Ap 21,10-14.23-25). Será que nas nossas comunidades brilha a luz libertadora de Jesus? As nossas desavenças e conflitos, a nossa falta de amor, os ciúmes e rivalidades, não contribuirão para empanar o brilho dessa luz de Deus que devíamos refletir?
Será que na nossa Igreja há espaço para todos aqueles que buscam a luz libertadora de Deus? As diferenças, próprias da diversidade de culturas, são vistas como uma riqueza que importa preservar, ou como uma ameaça à uniformidade?
SALMO RESPONSORIAL - Salmo 71 (72)
Refrão: Virão adorar-Vos, Senhor,
todos os povos da terra.
Ó Deus, concedei ao rei o poder de julgar
e a vossa justiça ao filho do rei.
Ele governará o vosso povo com justiça
e os vossos pobres com equidade.
Florescerá a justiça nos seus dias
e uma grande paz até ao fim dos tempos.
Ele dominará de um ao outro mar,
do grande rio até aos confins da terra.
Os reis de Társis e das ilhas virão com presentes,
os reis da Arábia e de Sabá trarão suas ofertas.
Prostrar-se-ão diante dele todos os reis,
todos os povos o hão de servir.
Socorrerá o pobre que pede auxílio
e o miserável que não tem amparo.
Terá compaixão dos fracos e dos pobres
e defenderá a vida dos oprimidos.
LEITURA II - Ef 3,2-3a.5-6
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios
Irmãos:
Certamente já ouvistes falar
da graça que Deus me confiou a vosso favor:
por uma revelação,
foi-me dado a conhecer o mistério de Cristo.
Nas gerações passadas,
ele não foi dado a conhecer aos filhos dos homens
como agora foi revelado pelo Espírito Santo
aos seus santos apóstolos e profetas:
os gentios recebem a mesma herança que os judeus,
pertencem ao mesmo corpo
e participam da mesma promessa,
em Cristo Jesus, por meio do Evangelho.
AMBIENTE
Quando Paulo escreve a Carta aos Efésios, está preso - não sabemos se em Cesareia, em Roma, ou em qualquer outro lugar. É um Paulo de uma reflexão e de uma catequese já bem amadurecidas que escreve este texto. A carta (talvez uma "carta circular", enviada a várias comunidades cristãs da Ásia Menor) parece apresentar uma espécie de síntese do pensamento paulino...
O tema central da Carta aos Efésios é aquilo a que Paulo chama "o mistério": o desígnio (ou projeto) salvador de Deus, definido desde toda a eternidade, escondido durante séculos, revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos, desfraldado e dado a conhecer ao mundo na Igreja.
MENSAGEM
A Paulo, apóstolo como os Doze, também foi revelado "o mistério". É esse "mistério" que aqui Paulo desvela aos crentes da Ásia Menor.
Em que consiste o mistério desvelado por Paulo? Consiste na constatação de que, em Jesus Cristo, chegou a salvação definitiva para os homens; e essa salvação não é exclusivamente para os judeus, mas destina-se a todos os povos da terra, sem exceção. Percebemos, assim, porque é que Paulo se fez o arauto da boa nova de Jesus entre os pagãos...
Agora, judeus e gentios são membros de um mesmo e único "corpo" (o "corpo de Cristo" ou "Igreja"), partilham o mesmo projeto salvador que os faz, em igualdade de circunstâncias, "filhos de Deus" e todos participam da promessa feita por Deus a Abraão (cfr. Gn 12,3) - promessa cuja realização Cristo levou a cabo.
ATUALIZAÇÃO
Na reflexão, considerar as seguintes questões:
A presença salvadora de Deus no meio do seu Povo, já enunciada na primeira leitura, tem, aqui, novos desenvolvimentos. A primeira novidade é que Cristo é a revelação e a realização plena desse projeto. A segunda novidade é que esse projeto não se destina apenas "a Jerusalém" (ao mundo judaico), mas é para todos os povos, sem exceção.
A Igreja é o "corpo de Cristo", isto é, a comunidade daqueles que acolheram "o mistério". Nela, judeus e pagãos - beneficiários todos do projeto salvador de Deus - têm lugar, em igualdade de circunstâncias. Temos, verdadeiramente, consciência de que é nesta comunidade de crentes que se revela hoje ao mundo o projeto salvador de Deus? E as nossas comunidades são verdadeiras comunidades fraternas, onde todos se amam sem distinção de raça, cor ou estatuto social? As diferenças legítimas são um complemento da nossa riqueza comum, ou razões para manifestarmos indiferença e afastamento face aos irmãos?
Esta igualdade fundamental de todos os homens implica sentirmo-nos responsáveis por todos aqueles que partilham conosco o mundo (ou, quem sabe, o cosmos). Sentimo-nos responsáveis pela sorte dos nossos irmãos, mesmo por aqueles que estão separados de nós pela geografia, pela diversidade de culturas e de raças?
ALELUIA - Mt 2,2
Aleluia. Aleluia.
Vimos a sua estrela no Oriente
e viemos adorar o Senhor.
EVANGELHO - Mt 2,1-12
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Tinha Jesus nascido em Belém da Judeia,
nos dias do rei Herodes,
quando chegaram a Jerusalém uns Magos vindos do Oriente.
"Onde está - perguntaram eles -
o rei dos judeus que acaba de nascer?
Nós vimos a sua estrela no Oriente
e viemos adorá-lo".
Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes ficou perturbado
e, com ele, toda a cidade de Jerusalém.
Reuniu todos os príncipes dos sacerdotes e escribas do povo
e perguntou-lhes onde devia nascer o Messias.
Eles responderam: "Em Belém da Judeia,
porque assim está escrito pelo profeta:
'Tu, Belém, terra de Judá,
não és de modo nenhum a menor
entre as principais cidades de Judá,
pois de ti sairá um chefe,
que será o Pastor de Israel, meu povo'".
Então Herodes mandou chamar secretamente os Magos
e pediu-lhes informações precisas
sobre o tempo em que lhes tinha aparecido a estrela.
Depois enviou-os a Belém e disse-lhes:
"Ide informar-vos cuidadosamente acerca do Menino;
e, quando O encontrardes, avisai-me,
para que também eu vá adorá-lo".
Ouvido o rei, puseram-se a caminho.
E eis que a estrela que tinham visto no Oriente
seguia à sua frente
e parou sobre o lugar onde estava o Menino.
Ao ver a estrela, sentiram grande alegria.
Entraram na casa,
viram o Menino com Maria, sua Mãe,
e, prostrando-se diante d'Ele, adoraram-no.
Depois, abrindo os seus tesouros, ofereceram-Lhe presentes:
ouro, incenso e mirra.
E, avisados em sonhos
para não voltarem à presença de Herodes,
regressaram à sua terra por outro caminho.
AMBIENTE
Na Festa da Epifania, a liturgia apresenta-nos a visita dos magos ao menino de Belém. Trata-se de um episódio que, ao longo dos séculos, tem provocado um impacto considerável nos sonhos e nas fantasias dos cristãos... No entanto não estamos diante de uma reportagem jornalística que faz a cobertura da visita oficial de três chefes de Estado a outro país; estamos diante de uma catequese sobre Jesus, destinada a apresentar Jesus como o salvador/libertador de todos os homens.
MENSAGEM
Os numerosos detalhes do relato demonstram, claramente, que o propósito de Mateus não é de tipo histórico, mas catequético.
Notemos, em primeiro lugar, a insistência de Mateus no fato de Jesus ter nascido em Belém de Judá (cfr. Mt 2,1.5.6.7). Para entender esta insistência temos de recordar que Belém era a terra natal do rei David. Afirmar que Jesus nasceu em Belém, é ligá-lo a esses anúncios proféticos que falavam do messias como o descendente de David que havia de nascer em Belém (cfr. Mq 5,1.3; 2Sam 5,2) e restaurar o reino ideal de seu pai. Com esta nota, Mateus quer aquietar aqueles que pensavam que Jesus tinha nascido em Nazaré e que viam nisso um obstáculo para o reconhecerem como messias.
Notemos, em segundo lugar, a referência a uma estrela "especial" que apareceu no céu por esta altura e que conduziu os "magos" para Belém. A interpretação desta referência como indicação histórica levou alguém a cálculos astronômicos complicados para concluir que, no ano 6 a.C., uma conjunção de planetas explicaria o fenômeno luminoso da estrela refulgente mencionada por Mateus; outros andaram à procura do cometa que, por esta época, devia ter sulcados os céus do Médio Oriente... Na realidade, não podemos entender esta referência como histórica, mas antes como catequese sobre Jesus. Segundo a crença popular, o nascimento de uma personagem importante era acompanhado da aparição de uma nova estrela. Também a tradição judaica anunciava o messias como a estrela que surge de Jacob (cfr. Nm 24,17). É com estes elementos que a imaginação de Mateus, posta ao serviço da catequese, vai inventar a "estrela". Mateus está, sobretudo, interessado em fornecer aos cristãos da sua comunidade argumentos seguros para rebater aqueles que negavam que Jesus era o messias esperado.
Temos, ainda, as figuras dos "magos". A palavra grega "mágos", usada por Mateus, abarca um vasto leque de significados e é aplicada a personagens muito diversas: mágicos, feiticeiros, charlatães, sacerdotes persas, propagandistas religiosos... Aqui, poderia designar astrólogos mesopotâmios, entrados em contacto com o messianismo judaico. Seja como for, esses "magos" representam, na catequese de Mateus, esses povos estrangeiros de que falava a primeira leitura (cfr. Is 60,1-6), que se põem a caminho de Jerusalém com as suas riquezas (ouro e incenso) para encontrar a luz salvadora de Deus que brilha sobre a cidade. Jesus é, na opinião de Mateus e da catequese da Igreja primitiva, essa luz.
Além de uma catequese sobre Jesus, este relato recolhe, de forma paradigmática, duas atitudes que se vão repetir ao longo de todo o Evangelho: o povo de Israel rejeita Jesus, enquanto que os "magos" do oriente (que são pagãos) O adoram; Herodes e Jerusalém "ficam perturbados" diante da notícia do nascimento de Jesus e planeiam a sua morte, enquanto que os pagãos sentem uma grande alegria e reconhecem-n'O como o seu Senhor.
Mateus anuncia, aqui, que Jesus vai ser rejeitado pelo seu povo; mas vai ser acolhido pelos pagãos, que entrarão a formar parte do novo Povo de Deus. O itinerário seguido pelos "magos" reflete o processo que os pagãos seguiram para encontrar Jesus: estão atentos aos sinais (estrela), percebem que Jesus traz a salvação, põem-se decididamente a caminho para O encontrar, perguntam aos judeus - que conhecem as Escrituras - o que fazer, encontram Jesus e adoram-n'O. É muito possível que um grande número de pagão-cristãos da comunidade de Mateus descobrisse neste relato as etapas do seu próprio caminho em direção a Jesus.
ATUALIZAÇÃO
Considerar as seguintes questões:
Em primeiro lugar, meditemos nas atitudes das várias personagens que Mateus nos apresenta em confronto com Jesus: os "magos", Herodes, os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo... Diante de Jesus, eles assumem atitudes diversas que vão desde a adoração (os "magos") até à rejeição total (Herodes), passando pela indiferença (os sacerdotes e os escribas: nenhum deles se preocupou em ir ao encontro desse messias que eles conheciam bem das Escrituras). Identificamo-nos com algum destes grupos? Não é fácil "conhecer as Escrituras", como profissionais da religião e, depois, deixar que as propostas e os valores de Jesus nos passem ao lado?
Os "magos" são apresentados como os "homens dos sinais", que sabem ver na "estrela" o sinal da chegada da libertação. Somos pessoas atentas aos "sinais" - isto é, somos capazes de ler os acontecimentos da nossa vida e da história do mundo à luz de Deus? Procuramos perceber nos "sinais" a vontade de Deus?
Impressiona também, no relato de Mateus, a "desinstalação" dos "magos": viram a "estrela", deixaram tudo, arriscaram tudo e vieram procurar Jesus. Somos capazes da mesma atitude de desinstalação, ou estamos demasiado agarrados ao nosso sofá, ao nosso colchão, à nossa televisão, à nossa aparelhagem? Somos capazes de deixar tudo para responder aos apelos que Jesus faz através dos irmãos?
Os "magos" representam os homens de todo o mundo que vão ao encontro de Cristo e que se prostram diante dele. É a imagem da Igreja, essa família de irmãos, constituída por gente de muitas cores e raças, que aderem a Jesus e que o reconhecem como "o Senhor".

Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus

Neste dia, a liturgia coloca-nos diante de evocações diversas, ainda que todas importantes.
Celebra-se, em primeiro lugar, a solenidade da Mãe de Deus: somos convidados a olhar a figura de Maria, aquela que, com o seu sim ao projeto de Deus, nos ofereceu a figura de Jesus, o nosso libertador.
Celebra-se, em segundo lugar, o Dia Mundial da Paz: em 1968, o papa Paulo VI quis que, neste dia, os cristãos rezassem pela paz.
Celebra-se, finalmente, o primeiro dia do ano civil: é o início de uma caminhada percorrida de mãos dadas com esse Deus que nunca nos deixa, mas que em cada dia nos cumula da sua bênção e nos oferece a vida em plenitude.
As leituras de hoje exploram, portanto, diversas coordenadas. Elas têm a ver com esta multiplicidade de evocações.
Na primeira leitura, sublinha-se a dimensão da presença contínua de Deus na nossa caminhada, como bênção que nos proporciona a vida em plenitude.
Na segunda leitura, a liturgia evoca outra vez o amor de Deus, que enviou o seu "Filho" ao nosso encontro, a fim de nos libertar da escravidão da Lei e nos tornar seus "filhos". É nessa situação privilegiada de "filhos" livres e amados que podemos dirigir-nos a Deus e chamar-lhe "papá".
O Evangelho mostra como a chegada do projeto libertador de Deus (que veio ao nosso encontro em Jesus) provoca alegria e contentamento por parte daqueles que não têm outra possibilidade de acesso à salvação: os pobres e os débeis. Convida-nos, também, a louvar a Deus pelo seu cuidado e amor e a testemunhar a libertação de Deus aos homens.
Maria, a mulher que proporcionou o nosso encontro com Jesus, é o modelo do crente que é sensível ao projeto de Deus, que sabe ler os seus sinais na história, que aceita acolher a proposta de Deus no coração e que colabora com Deus na concretização do projeto divino de salvação para o mundo.
LEITURA I - Nm 6,22-27
Leitura do Livro dos Números
O Senhor disse a Moisés:
"Fala a Aarão e aos seus filhos e diz-lhes:
Assim abençoareis os filhos de Israel, dizendo:
'O Senhor te abençoe e te proteja.
O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face
e te seja favorável.
O Senhor volte para ti os seus olhos
e te conceda a paz'.
Assim invocarão o meu nome sobre os filhos de Israel
e Eu os abençoarei".
AMBIENTE
O texto da leitura que nos é proposta é retirado da primeira parte do Livro dos Números. No contexto das últimas instruções de Jahwéh a Moisés antes de os filhos de Israel deixarem o Sinai, apresenta-se uma "bênção" que os "filhos de Aarão" (sacerdotes) deviam pronunciar sobre a comunidade do Povo de Deus. Provavelmente, trata-se de uma fórmula litúrgica utilizada no Templo de Jerusalém para abençoar a comunidade, no final das funções litúrgicas e que aqui é apresentada como um dom de Deus no Sinai.
A "bênção" ("beraka") é concebida como uma comunicação de vida, real e eficaz, que atinge o "abençoado" e que lhe traz vigor, força, êxito, felicidade. É um dom que, uma vez pronunciado, não pode ser retirado nem anulado. Aqui, essa comunicação de vida, fruto da generosidade de Deus, derrama-se sobre os membros da comunidade por intermédio dos sacerdotes - no Antigo Testamento, os intermediários entre o mundo de Jahwéh e a comunidade israelita.
MENSAGEM
Esta "bênção" apresenta-se numa tríplice fórmula, sempre em crescendo de versículo para versículo (no texto hebraico, a primeira fórmula tem três palavras; a segunda, cinco; a terceira, sete). Em cada uma das fórmulas, é pronunciado o nome de Jahwéh... Ora, pronunciar três vezes o nome do Deus da aliança é dar uma nova atualidade à aliança, às suas promessas e às suas exigências; é lembrar aos israelitas que é do Deus da aliança que recebem a vida, nas suas múltiplas manifestações e que tudo é um dom de Deus.
A cada uma das invocações correspondem dois pedidos de bênção: que Jahwéh te abençoe (isto é, que te comunique a sua vida) e te proteja; que Jahwéh faça brilhar sobre ti a sua face (hebraísmo que se pode traduzir como "que te mostre um rosto sorridente") e te conceda a sua graça; que Jahwéh dirija para ti o seu olhar (hebraísmo que significa "olhar-te com benevolência", "acolher-te") e te conceda a paz ("shalom", no sentido de plenitude da felicidade).
Este texto lembra ao israelita que tudo é dom do amor de Jahwéh e que o Deus da aliança está ao lado do seu Povo em cada dia do ano, oferecendo-lhe a vida plena e a felicidade em abundância.
ATUALIZAÇÃO
Na reflexão, ter em conta os seguintes elementos:
A primeira linha de reflexão pode ir para a constatação da generosidade do nosso Deus, que não nos abandona nunca, mas continua a criar-nos continuamente, derramando sobre nós a plenitude da vida e da felicidade.
É de Deus que tudo recebemos: vida, força e aquelas mil e uma pequeninas coisas que enchem a nossa vida e que nos dão instantes plenos. Tendo consciência dessa presença contínua de Deus ao nosso lado, somos gratos por isso? No nosso diálogo com Ele, sentimos a necessidade de O louvar e de Lhe agradecer por tudo o que Ele coloca na nossa existência? Agradecemos todos os seus dons no ano que acaba de terminar?
É preciso ter consciência de que a "bênção" de Deus não cai do céu como uma chuva mágica que nos molha, quer queiramos, quer não (magia e Deus não combinam); mas a vida de Deus, derramada sobre nós continuamente, tem de ser acolhida no coração com amor e gratidão e, depois, transformada em gestos concretos de amor e de paz. É com o nosso "sim" que a vida de Deus nos atinge.
SALMO RESPONSORIAL - Salmo 66 (67)
Refrão: Deus Se compadeça de nós
e nos dê a sua bênção.
Deus Se compadeça de nós e nos dê a sua bênção,
resplandeça sobre nós a luz do seu rosto.
Na terra se conhecerão os seus caminhos
e entre os povos a sua salvação.
Alegrem-se e exultem as nações,
porque julgais os povos com justiça
e governais as nações sobre a terra.
Os povos Vos louvem, ó Deus,
todos os povos Vos louvem.
Deus nos dê a sua bênção
e chegue o seu temor aos confins da terra.
LEITURA II - Gl 4,4-7
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Gálatas
Irmãos:
Quando chegou a plenitude dos tempos,
Deus enviou o seu Filho,
nascido de uma mulher e sujeito à Lei,
para resgatar os que estavam sujeitos à Lei
e nos tornar seus filhos adotivos.
E porque sois filhos,
Deus enviou aos nossos corações
o Espírito de seu Filho, que clama:
"Abbá! Pai!".
Assim, já não és escravo, mas filho.
E, se és filho, também és herdeiro, por graça de Deus.
AMBIENTE
O contexto em que Paulo escreve a Carta aos Gálatas é o de uma profunda crise de identidade das Igrejas da Galácia. À região gálata (centro da Ásia Menor) tinham chegado pregadores que acusavam Paulo de não pregar o verdadeiro evangelho e que exigiam aos gálatas a observância fiel da Lei de Moisés, nomeadamente o rito da circuncisão. Estes "pregadores", oriundos das comunidades judeo-cristãs da Palestina, são conhecidos na história do cristianismo primitivo, como "judaizantes".
Paulo percebe o mal que estes "pregadores" estão a fazer. Eles pretendem transformar o cristianismo numa religião de ritos, num cumprimento de regras externas, numa escravatura a rituais que não tinham nada a ver com a proposta libertadora de Cristo. De forma dura, ele convida os gálatas a fazer a sua escolha: ou pela escravidão da Lei, ou pela liberdade que Cristo veio trazer.
No texto que nos é proposto, Paulo recorda aos gálatas a encarnação de Cristo e o objetivo da sua vinda ao mundo: fazer de nós "filhos de Deus" livres.
MENSAGEM
Os versículos apresentados como segunda leitura constituem um dos pontos altos da Carta aos Gálatas. Neles, Paulo pretende recordar aos habitantes da Galácia algo fundamental: Cristo veio a este mundo para libertá-los, definitivamente, do jugo da Lei... Assim, já não são escravos, mas "filhos" que partilham a vida de Deus.
A palavra-chave é a palavra "filho", aplicada tanto a Cristo como aos cristãos. Cristo, o "Filho", veio ao mundo com uma missão concreta: libertar os homens do jugo da Lei, identificá-los consigo. Ora, é em consequência da ação libertadora de Deus em Jesus, que os homens deixam de ser escravos, para se tornar "filhos".
Assim, têm o direito de chamar a Deus "abba" (papá"). Paulo utiliza esta palavra aqui, bem como na Carta aos Romanos, apesar de os judeus nunca designarem Deus desta forma. A insistência de Paulo nesta palavra deve ter a ver com o Jesus histórico: Jesus adotou esta palavra para expressar a sua confiança filial em Deus e a sua entrega total à sua causa.
Gal 4,4 é o único lugar em que Paulo faz referência à mãe de Jesus. No entanto, Paulo não parece estar interessado em falar de Nossa Senhora, mas antes em sublinhar a solidariedade de Cristo com todo o gênero humano.
ATUALIZAÇÃO
Na reflexão deste texto, podem tocar-se os seguintes pontos:
A experiência cristã é, fundamentalmente, uma experiência de encontro com um Deus que é "abba" - isto é, que é um "papá" muito próximo, com quem nos identificamos, a quem amamos e em quem confiamos plenamente. É esta proximidade libertadora e confiante que temos com o nosso Deus?
A nossa experiência cristã leva-nos a sentirmo-nos "filhos" amados, ou ao cumprimento de regras e de obrigações? Na Igreja, não se põe, às vezes, ênfase em cumprir determinados ritos externos, esquecendo o essencial - a experiência de "filhos" livres de Deus?
A importante constatação de que somos "filhos" de Deus leva-nos a uma descoberta fundamental: estamos unidos a todos os outros homens - filhos de Deus como nós - por laços fraternos. É a mesma vida de Deus que circula em todos nós... O que é que esta constatação implica, em termos concretos? O que é que isto significa, no que diz respeito à relação que nos deve ligar com os outros? Faz algum sentido marginalizar alguém por causa da sua raça ou do seu estatuto social?
ALELUIA - Hb 1,1-2
Aleluia. Aleluia.
Muitas vezes e de muitos modos
falou Deus antigamente aos nossos pais pelos Profetas.
Nestes dias, que são os últimos,
Deus falou-nos por seu Filho.
EVANGELHO - Lc 2, 16-21
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
os pastores dirigiram-se apressadamente para Belém
e encontraram Maria, José
e o Menino deitado na manjedoura.
Quando O viram,
começaram a contar o que lhes tinham anunciado
sobre aquele Menino.
E todos os que ouviam
admiravam-se do que os pastores diziam.
Maria conservava todas estas palavras,
meditando-as em seu coração.
Os pastores regressaram,
Glorificando e louvando a Deus
por tudo o que tinham ouvido e visto,
como lhes tinha sido anunciado.
Quando se completaram os oito dias
para o Menino ser circuncidado,
deram-Lhe o nome de Jesus,
indicado pelo Anjo,
antes de ter sido concebido no seio materno.
AMBIENTE
O texto do Evangelho de hoje é a continuação daquele que foi lido na noite de Natal: após o anúncio do "anjo do Senhor" (noite de Natal), os pastores dirigem-se a Belém e encontram o menino. Mais uma vez, Lucas não está interessado em fazer a reportagem do nascimento de Jesus e das "visitas" que, então, o menino de Belém recebeu, mas antes em apresentar Jesus como o libertador, que veio ao mundo com uma mensagem de salvação para todos os homens - e, especialmente, para os pobres e marginalizados, aqui representados pela classe dos pastores.
MENSAGEM
Os pastores - classe marginalizada de "pecadores", afastados da salvação de Deus - são os primeiros a quem se revela a boa notícia do nascimento de Jesus. Todo o texto gira à volta da apresentação de Jesus como o messias libertador, o autêntico libertador dos débeis e dos pobres.
Em primeiro lugar, repare-se como os pastores se dirigem "apressadamente" ao encontro do menino. A palavra "apressadamente" sublinha a ânsia com que os pobres e débeis esperam a ação de Deus em seu favor. Aqueles que vivem numa situação intolerável de sofrimento e de opressão reconhecem que, com Jesus, chegou o momento da libertação e apressam-se a ir ao seu encontro.
Em segundo lugar, repare-se na forma como os pastores reagem ao encontro com Jesus: glorificam e louvam a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido: é a alegria pela libertação que se converte em ação de graças ao Deus libertador. Também se tornam porta-vozes desse anúncio libertador, provocando a admiração de quantos tomavam contacto com o seu testemunho.
Finalmente, atentemos na atitude de Maria: ela "conservava todas estas palavras, meditando-as no seu coração". É a atitude de quem é capaz de abismar-se com as ações do Deus libertador, com o amor que ele manifesta nos seus gestos em favor dos homens. "Observar", "conservar" e "meditar" significa ter a sensibilidade para entender os sinais de Deus e ter a sabedoria da fé para saber lê-los à luz do plano de Deus. É precisamente isso que faziam os profetas.
A atitude meditativa de Maria, que interioriza e aprofunda os acontecimentos, complementa a atitude "missionária" dos pastores, que proclamam a ação salvadora de Deus manifestada no nascimento de Jesus. Estas duas atitudes dão-nos um bom retrato daquilo que deve ser a existência crente.
ATUALIZAÇÃO
Na reflexão, considerar os seguintes dados:
Mais uma vez fica claro, neste texto, o projeto que Deus tem para a humanidade, em Jesus: apresentar-nos uma proposta libertadora, que nos leve a superar a nossa fragilidade e debilidade e a encontrar a vida plena. Temos consciência de que a verdadeira libertação está na proposta que Deus nos apresentou em Jesus e não nas ideologias, ou no poder do dinheiro, ou no brilho da nossa posição social? Quando anunciamos Jesus aos nossos irmãos, é esta a proposta que nós apresentamos - sobretudo aos mais pobres e marginalizados?
Diante da boa nova da libertação, reagimos - como os pastores - com o louvor e a ação de graças? Sabemos ser gratos ao nosso Deus pelo seu empenho em nos libertar da nossa debilidade e escravidão?
Os pastores, depois de terem tomado contacto com o projeto libertador de Deus, fizeram-se testemunhas desse projeto. Sentimos, também, o imperativo do "testemunho" dessa libertação que experimentamos?
Maria "conservava todas estas palavras e meditava-as no seu coração". Quer dizer: ela era capaz de perceber os sinais do Deus libertador no acontecer da vida. Temos, como ela, a sensibilidade de estar atentos à vida e de perceber a presença - discreta, mas significativa, atuante e transformadora - de Deus, nos acontecimentos banais do nosso dia a dia?

Festa da Sagrada Família

As leituras deste Domingo complementam-se ao apresentar as duas coordenadas fundamentais a partir das quais se deve construir a família cristã: o amor a Deus e o amor aos outros, sobretudo a esses que estão mais perto de nós - os pais e demais familiares.
O evangelho sublinha, sobretudo, a dimensão do amor a Deus: o projeto de Deus tem de ser a prioridade de qualquer cristão, a exigência fundamental, a que todas as outras se devem submeter. A família cristã constrói-se no respeito absoluto pelo projeto que Deus tem para cada pessoa.
A segunda leitura sublinha a dimensão do amor que deve brotar dos gestos de todos os que vivem "em Cristo" e aceitaram ser Homem Novo. Esse amor deve atingir, de forma mais especial, todos os que conosco partilham o espaço familiar e deve traduzir-se em determinadas atitudes de compreensão, de bondade, de respeito, de partilha, de serviço.
A primeira leitura apresenta, de forma muito prática, algumas atitudes que os filhos devem ter para com os pais. É uma forma de concretizar esse amor de que fala a segunda leitura.
LEITURA I - Sir 3,3-7.14-17a (gr. 2-6.12-14)
Leitura do Livro de Ben-Sirá
Deus quis honrar os pais nos filhos
e firmou sobre eles a autoridade da mãe.
Quem honra seu pai obtém o perdão dos pecados
e acumula um tesouro quem honra sua mãe.
Quem honra o pai encontrará alegria nos seus filhos
e será atendido na sua oração.
Quem honra seu pai terá longa vida,
e quem lhe obedece será o conforto de sua mãe.
Filho, ampara a velhice do teu pai
e não o desgostes durante a sua vida.
Se a sua mente enfraquece, sê indulgente para com ele
e não o desprezes, tu que estás no vigor da vida,
porque a tua caridade para com teu pai nunca será esquecida
e converter-se-á em desconto dos teus pecados.
AMBIENTE
O livro de Ben Sira (também chamado "Eclesiástico"), de onde foi extraída a primeira leitura deste domingo, é um livro sapiencial e que, como todos os livros sapienciais, pretende apresentar uma reflexão de caráter prático sobre a arte de bem viver e de ser feliz. Estamos no início do séc. II a.C., numa época em que o helenismo tinha começado o seu trabalho pernicioso, no sentido de minar a cultura e os valores tradicionais de Israel. Jesus Ben Sira, o autor deste livro, avisa os israelitas para não deixarem perder a identidade cultural e religiosa do seu Povo. Procura, então, apresentar uma síntese da religião tradicional e da sabedoria de Israel, sublinhando a grandeza dos valores judaicos e demonstrando que a cultura judaica não fica a dever nada à brilhante cultura grega.
MENSAGEM
O texto apresenta uma série de indicações práticas que os filhos devem ter em conta nas relações com os pais.
Uma palavra sobressai: o verbo "honrar". Ele leva-nos ao decálogo do Sinai (cfr. Ex 20,12), onde aparece no sentido de "dar glória". "Dar glória" a uma pessoa é dar-lhe toda a sua importância; "dar glória aos pais" é, assim, reconhecer a sua importância como instrumentos de Deus, fonte de vida.
Ora, reconhecer que os pais são a fonte, através da qual Deus nos dá a vida, deve conduzir à gratidão; e essa gratidão tem consequências a nível prático. Implica ampará-los na sua velhice e não os desprezar nem abandonar; implica assisti-los materialmente - sem inventar qualquer desculpa - quando já não podem trabalhar (cfr. Mc 7,10-11); implica não fazer nada que os desgoste; implica escutá-los, ter em conta as suas orientações e conselhos; implica ser indulgente para com as limitações que a idade traz.
Dado o contexto da época em que Ben Sira escreve, é natural que, por detrás destas indicações aos filhos, esteja também a preocupação com o manter bem vivos os valores tradicionais, esses valores que os mais antigos preservam e que passam aos jovens.
Como recompensa desta atitude de "honrar" os pais, Jesus Ben Sira promete o perdão dos pecados, a alegria, a vida longa e a atenção de Deus.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão e atualização do texto podem fazer-se à volta dos seguintes dados:
Sentimo-nos gratos aos nossos pais porque eles aceitaram ser, em nosso favor, instrumentos de Deus criador? Lembramo-nos de lhes demonstrar essa gratidão?
Apesar da preocupação moderna com os direitos humanos e o respeito pela dignidade das pessoas, a nossa civilização cria, com frequência, situações de abandono e de marginalização, cujas vítimas são, muitas vezes, aqueles que já não têm uma vida considerada produtiva, ou aqueles a quem a idade ou a doença trouxeram limitações. Que motivos justificam o desprezo e abandono daqueles a quem devemos "honrar"?
É verdade que a vida de hoje é muito exigente a nível profissional e que nem sempre é possível a um filho estar presente ao lado de um pai que precisa de cuidados ou de acompanhamento especializado. No entanto, a situação é muito menos compreensível se o afastamento de um pai do convívio familiar resulta do egoísmo do filho, que não está para "aturar o velho"...
O capital de maturidade e de sabedoria de vida que os mais idosos possuem é considerado por nós uma riqueza ou um estorvo à nossa modernidade?
Face à invasão contínua de valores estranhos que, tantas vezes, põem em causa a nossa identidade cultural e religiosa, o que significam os valores que recebemos dos nossos "pais"? Avaliamos com maturidade a perenidade desses valores?
SALMO RESPONSORIAL - Salmo 127 (128)
Refrão 1: Felizes os que esperam no Senhor,
E seguem os seus caminhos.
Refrão 2: Ditosos os que temem o Senhor,
Ditosos os que seguem os seus caminhos.
Feliz de ti, que temes o Senhor
e andas nos seus caminhos.
Comerás do trabalho das tuas mãos,
serás feliz e tudo te correrá bem.
Tua esposa será como videira fecunda
no íntimo do teu lar;
teus filhos serão como ramos de oliveira
ao redor da tua mesa.
Assim será abençoado o homem que teme o Senhor.
De Sião te abençoe o Senhor:
vejas a prosperidade de Jerusalém
todos os dias da tua vida.
LEITURA II - Cl 3,12-21
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Colossenses
Irmãos:
Como eleitos de Deus, santos e prediletos,
revesti-vos de sentimentos de misericórdia,
de bondade, humildade, mansidão e paciência.
Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente,
se algum tiver razão de queixa contra outro.
Tal como o Senhor vos perdoou,
assim deveis fazer vós também.
Acima de tudo, revesti-vos da caridade,
que é o vínculo da perfeição.
Reine em vossos corações a paz de Cristo,
à qual fostes chamados para formar um só corpo.
E vivei em ação de graças.
Habite em vós com abundância a palavra de Cristo,
para vos instruirdes e aconselhardes uns aos outros
com toda a sabedoria;
e com salmos, hinos e cânticos inspirados,
cantai de todo o coração a Deus a vossa gratidão.
E tudo o que fizerdes, por palavras ou por obras,
seja tudo em nome do Senhor Jesus,
dando graças, por Ele, a Deus Pai.
Esposas, sede submissas aos vossos maridos,
como convém no Senhor.
Maridos, amai as vossas esposas
e não as trateis com aspereza.
Filhos, obedece em tudo a vossos pais,
porque isto agrada ao Senhor.
Pais, não exaspereis os vossos filhos,
para que não caiam em desânimo.
AMBIENTE
Paulo estava na prisão (possivelmente em Roma, anos 61/63) quando escreveu aos colossenses. Algum tempo antes, Paulo havia recebido notícias pouco animadoras sobre a comunidade de Colossos. Essas notícias falavam da perigosa tendência de alguns doutores locais, que ensinavam doutrinas errôneas e afastavam os colossenses da verdade do Evangelho. Essas doutrinas misturavam práticas legalistas, práticas ascéticas, especulações sobre os anjos e achavam que toda esta mistura confusa de elementos devia completar a fé em Cristo e comunicar aos crentes um conhecimento superior dos mistérios cristãos e uma vida religiosa mais autêntica.
Sem refutar essas doutrinas de modo direto, Paulo afirma a absoluta suficiência de Cristo e assinala o seu lugar proeminente na criação e na redenção dos homens.
O texto da segunda leitura pertence à segunda parte da carta. Depois de constatar a supremacia de Cristo na criação e na redenção (1ª parte), Paulo avisa os colossenses de que a união com Cristo traz consequências a nível de vivência prática (2ª parte): implica a renúncia ao "homem velho" do egoísmo e do pecado, e o "revestir-se do homem novo".
MENSAGEM
Em termos mais concretos, viver como "homem novo" implica cultivar um conjunto de virtudes que resultam da união do cristão com Cristo: misericórdia, bondade, humildade, paciência, mansidão. Lugar especial ocupa o perdão das ofensas do próximo, a exemplo do que Cristo sempre fez. Estas virtudes são exigências e manifestações da caridade, que é o mais fundamental dos mandamentos cristãos.
Catálogos de virtudes como este apareciam também na ética dos gregos; o que é novo aqui é a fundamentação: tais exigências resultam da íntima relação do cristão com Cristo; viver "em Cristo" implica viver, como ele, no amor total, no serviço, na disponibilidade e no dom da vida.
Uma vez apresentado o ideal da vida cristã nas suas linhas gerais, Paulo aplica o que acabou de dizer à vida familiar. Às mulheres, recomenda o respeito para com os maridos; aos maridos, convida a amar as esposas, evitando o domínio tirânico sobre elas; aos filhos, recomenda a obediência aos pais; aos pais, com intuição pedagógica, pede que não sejam excessivamente severos para com os filhos, pois isso pode impedir o desenvolvimento normal das suas capacidades.
É desta forma que, no espaço familiar, se manifesta o Homem Novo, o homem que vive segundo Cristo.
ATUALIZAÇÃO
Na reflexão, ter em conta os dados seguintes:
Viver "em Cristo" implica fazer do amor a nossa referência fundamental e deixar que ele se manifeste em gestos concretos de bondade, de perdão, de compreensão, de respeito pelo outro, de partilha, de serviço... É este o quadro em que se desenvolvem as nossas relações com aqueles que nos rodeiam?
A nossa primeira responsabilidade vai para com aqueles que conosco partilham, de forma mais chegada, a vida do dia a dia (a nossa família). Esse amor, que deve revestir-nos sempre, traduz-se numa atenção contínua àquele que está ao nosso lado, às suas necessidades e preocupações, às suas alegrias e tristezas? Traduz-se em gestos sentidos e partilhados de carinho e de ternura? Traduz-se num respeito absoluto pela liberdade e pelo espaço do outro, por um deixar o outro crescer sem o sufocar? Traduz-se na vontade de servir o outro, sem nos servirmos do outro?
As mulheres não gostam de ouvir Paulo pedir-lhes a "submissão" aos maridos... No entanto, não devem ser demasiado severas com Paulo: ele é um homem do seu tempo, e não podemos exigir dele a mesma linguagem com que, nos nossos dias, falamos destas coisas. Apesar de tudo, convém lembrar que Paulo não se esquece de pedir aos maridos que amem as mulheres e não as tratem com aspereza: sugere, desta forma, que a mulher tem, em relação ao marido, igual dignidade.
ALELUIA - Cl 3,15a.16a
Aleluia. Aleluia.
Reine em vossos corações a paz de Cristo,
habite em vós a sua palavra.
EVANGELHO - Lc 2,41-52
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém,
pela festa da Páscoa.
Quando Ele fez doze anos,
subiram até lá, como era costume nessa festa.
Quando eles regressavam, passados os dias festivos,
o Menino Jesus ficou em Jerusalém,
sem que seus pais o soubessem.
Julgando que Ele vinha na caravana,
fizeram um dia de viagem
e começaram a procurá-lo entre os parentes e conhecidos.
Não O encontrando,
voltaram a Jerusalém, à sua procura.
Passados três dias,
encontraram-n'O no templo,
sentado no meio dos doutores,
a ouvi-los e a fazer-lhes perguntas.
Todos aqueles que O ouviam
estavam surpreendidos com a sua inteligência e as suas respostas.
Quando viram Jesus, seus pais ficaram admirados;
e sua Mãe disse-Lhe:
"Filho, porque procedeste assim conosco?
Teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura".
Jesus respondeu-lhes:
"Porque Me procuráveis?
Não sabíeis que Eu devia estar na casa de meu Pai?"
Mas eles não entenderam as palavras que Jesus lhes disse.
Jesus desceu então com eles para Nazaré
e era-lhes submisso.
Sua Mãe guardava todos estes acontecimentos em seu coração.
E Jesus ia crescendo em sabedoria, em estatura e em graça,
diante de Deus e dos homens.
AMBIENTE
O Evangelho que nos é proposto é o final do "evangelho da infância" de Lucas. Ora, já sabemos que a finalidade do "evangelho da infância" não é fazer uma reportagem sobre os primeiros anos da vida de Jesus, mas sim fazer catequese sobre Jesus; nessa catequese, diz-se quem é Jesus e apresentam-se algumas coordenadas teológicas que vão, depois, ser desenvolvidas no resto do Evangelho.
A "catequese" de hoje situa-nos em Jerusalém. A Lei judaica pedia que os homens de Israel fossem três vezes por ano a Jerusalém, por alturas das três grandes festas de peregrinação (Páscoa, Pentecostes e Festa das Cabanas - cfr. Ex 23,17-17). Ainda que os rabinos não considerassem obrigatória esta lei até aos treze, muitos pais levavam os filhos antes dessa idade. Jesus tem doze anos e, de acordo com o texto de Lucas, foi com Maria e José a Jerusalém celebrar a Páscoa.
É neste ambiente de Jerusalém e do Templo que Lucas situa as primeiras palavras pronunciadas por Jesus no Evangelho. Elas são, sem dúvida, o centro do nosso relato.
MENSAGEM
A chave deste episódio está, portanto, nas palavras pronunciadas por Jesus quando, finalmente, se encontra com Maria e José: "porque me procuráveis? Não sabíeis que eu devia estar na casa de meu Pai?"
O significado (a catequese) da resposta à pergunta de Maria é que Deus é o verdadeiro Pai de Jesus. Daqui deduz-se que as exigências de Deus são, para Jesus, a prioridade fundamental, que ultrapassa qualquer outra exigência. A sua missão - a missão que o Pai lhe confia - vai obrigá-lo a romper os laços com a própria família (cfr. Mc 3,31-35).
É possível que haja ainda, aqui, uma referência à paixão/morte/ressurreição de Jesus: tanto o episódio de hoje, como os fatos relativos à morte/ressurreição, são situados num contexto pascal; em ambas as situações Jesus é abandonado - aqui por Maria e José e, mais tarde, pelos discípulos - por pessoas que não compreendem que a sua prioridade é o projeto do Pai; em ambas as situações, Jesus é procurado (cfr. Lc 24,5) e tem de explicar que a finalidade da sua vida é cumprir aquilo que o Pai tinha definido (cfr. Lc 24,7.25-27.45-46). Lucas apresenta aqui a chave para entender toda a vida de Jesus: Ele veio ao mundo por mandato de Deus Pai e com um projeto de salvação/libertação. Àqueles que se perguntam porque deve o messias percorrer determinado caminho, Lucas responde: porque é a vontade do Pai. Foi para cumprir a vontade do Pai que Jesus veio ao nosso encontro e entrou na nossa história.
Atente-se, ainda, em duas questões um tanto marginais, mas que podem servir, também para a nossa reflexão e edificação: em primeiro lugar, reparemos no entusiasmo que Jesus tem pela Palavra de Deus e pelas questões que ela levanta; em segundo lugar, a "declaração de independência" de Jesus pode ajudar-nos a compreender que a família não é o lugar fechado, onde cada pessoa cresce em horizontes limitados e fechados, mas é o lugar onde nos abrimos ao mundo e aos outros, onde nos armamos para partir à conquista do mundo que nos rodeia.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão do evangelho de hoje deve ter em conta as seguintes questões:
Para Jesus, a prioridade fundamental a que tudo se subjuga (até a família) é o projeto de Deus, o plano que Deus tem para cada pessoa. Se os planos dos pais e os planos de Deus entram em choque, quais devem prevalecer?
Anima-nos o mesmo entusiasmo de Jesus pela Palavra de Deus? Somos capazes de esquecer outros interesses legítimos para nos dedicarmos à escuta, à reflexão e à discussão da Palavra? Vemos nela um meio privilegiado de conhecer o projeto que Deus tem para nós?
Maria e José não fizeram cenas diante da resposta "irreverente" de Jesus. Aceitaram que o jovem Jesus não lhes pertencia exclusivamente: ele tinha a sua identidade e a sua missão próprias. É assim que nos situamos face àqueles com quem partilhamos a experiência familiar?
A nossa família potencia o nosso crescimento, abrindo-nos horizontes e levando-nos ao encontro do mundo, ou fecha-nos num espaço cômodo mas limitado, onde nos mantemos eternamente dependentes?


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