O ANTIGO TESTAMENTO
Livros Históricos
A seqüência
dos livros da Bíblia tem vários traços de uma longa parábola histórica e o
interesse pela História já estava bastante presente nos livros do Pentateuco.
Mas é costume chamar LIVROS HISTÓRICOS a um conjunto que vem depois do
Pentateuco.
Na verdade, só
se consegue fazer uma História de Israel em sentido atual a partir da
instalação do povo em Canaã.
E esse fato da atual historiografia coincide com a
classificação tradicional do referido conjunto, que inclui os livros seguintes:
Josué, que apresenta a entrada dos
hebreus na terra de Canaã, como quem vai tomar solenemente posse de uma herança
que lhe fora atribuída. É uma construção simbólica, não representando
inteiramente os acontecimentos históricos reais, como se pode ver no livro dos
Juízes.
Juízes, de fato, mostra-nos uma entrada
bastante mais dispersa das tribos em Canaã e dominando muito mais lentamente o
conjunto do território. Por outro lado, descreve-nos as vicissitudes e a
insegurança da vida levada por essas tribos, numa época ainda distante do tempo
da monarquia.
Rute é um romance histórico situado na
época dos Juízes, mas, sobretudo um livro contra a xenofobia que marcou épocas
mais tardias do judaísmo.
A mais
representativa e formal seqüência historiográfica deste período, que já
começara com Josué e Juízes, integra ainda o grande conjunto de 1° e 2° de Samuel e 1° e 2° dos Reis. A sua redação final
parece ter-se inspirado já claramente na mentalidade deuteronomista; por isso,
costuma chamar-se a "Historiografia deuteronomista". Com ela
pretendeu-se fazer o exame de consciência da História nacional após o desastre
do fim da monarquia.
Mais tarde, os
livros 1. ° e 2. ° das Crônicas retomam toda a História de Israel desde as
origens, ou por meio de genealogias e sínteses históricas, ou relembrando
alguns episódios coincidentes e outros complementares aos assuntos que tinham
aparecido narrados na História deuteronomista.
Esdras e Neemias
contam alguns episódios relativos à restauração do povo de Israel e da cidade
de Jerusalém, depois do regresso da Babilônia. No entanto, a historiografia
sobre esta época, marcada pelo domínio persa, ficou bastante aquém da sua
importância no aparecimento da Bíblia.
Tobias oferece-nos, com um quadro
familiar notável, as dificuldades de viver a piedade em condições sociais e
políticas adversas.
Ester descreve um drama de colorido algo
semelhante, mas alargado à experiência de todo o povo, que se vê ameaçado de
destruição e consegue, no fim, cantar vitória.
Judite é um romance histórico; simboliza
a capacidade de resistência aos inimigos, na época da luta contra os Selêucidas
(séc. II a.C.).
O 1° e 2° Livro dos Macabeus espelham, por
meio de uma historiografia muito ao gosto da época helenista, a luta dos judeus
para conseguirem libertar-se da política opressora dos Selêucidas. São o último
bloco historiográfico dentro da Bíblia.
SUMÁRIOS DA HISTÓRIA
DA SALVAÇÃO
Ao começar a
ler a Bíblia pela primeira vez, alguém pode sentir-se um pouco perdido neste
emaranhado de livros, personagens e acontecimentos diferentes, como quem chega
pela primeira vez a uma grande cidade. E assim como é útil, para se orientar
nas grandes cidades, ter a referência dos monumentos mais altos e das
principais ruas e avenidas, também é bom um leitor da Bíblia começar a reter e
relacionar entre si os principais fatos e protagonistas da História da
Salvação.
Por isso,
apresentamos aqui alguns sumários. Convém ler devagar estes textos, sublinhar
com cores diferentes os fatos, os nomes das pessoas e os nomes dos lugares.
A pouco e
pouco, veremos que vários deles se repetem e se vão tornando cada vez mais
familiares.
Deuteronômio 26,1-10: inclui o pequeno
"Credo Histórico" dos hebreus, nos v.5-9, com a síntese dos passos
principais até a sua entrada em Canaã.
Josué 24,2-15: esta confissão de fé
começa com Taré, pai de Abraão, e conclui na conquista da Terra Prometida, com
uma forte admonição de Josué, para que o povo seja fiel à Aliança jurada no
deserto do Sinai (Ex 19-20; 24,1-8; 34,10-17). Abrangem, por isso, todos os
Patriarcas, a epopéia do Êxodo e da travessia do deserto, comandada por Moisés,
e a conquista da Terra, comandada por Josué.
Neemias 9,6-37: longa oração dos levitas,
evocando as intervenções mais decisivas de Deus em favor do povo de Israel e
apelando à sua misericórdia para a situação naquele momento após o regresso do
Exílio.
Judite 5,6-24: narrativa histórica - não
é, propriamente, um credo histórico - colocada na boca de Aquior, um dos chefes
do exército de Holofernes, invasor de Israel. É muito pormenorizada, no que diz
respeito ao Êxodo e travessia do deserto, e termina com o exílio da Babilônia.
Salmo 78 (77): as lições da História, em
forma de oração, para a catequese familiar entre os israelitas.
Salmos 105 (104), 106 (105) e 107 (106): Deus e a História de Israel,
também em forma de oração. Segundo estes modelos, temos também Ne 9,6-37.
Salmos 135 e 136: proclamação da presença
de Deus na História de Israel, inserida numa oração de louvor. Esta presença é
vista, sobretudo, no Êxodo e na conquista da Terra.
Eclesiástico 42,15-50,29: resumo de toda
a História de Israel, com um juízo de valor sobre as personagens mais
importantes que nela intervieram.
Atos 7,1-53: discurso de Estevão diante
do Sinédrio de Jerusalém antes de ser condenado à morte, mais para convencer os
responsáveis de Israel de que Jesus era o Messias anunciado pelos seus
profetas, do que para se defender a si próprio.
Atos 13,16-41: esta confissão de fé é um
discurso de Paulo na sinagoga de Antioquia de Pisídia. Vai dos Patriarcas, sem
referir os seus nomes, até Jesus Cristo, que ele pretende anunciar aos judeus
daquela cidade. O discurso tem, pois, uma parte referente ao Antigo Testamento
e outra ao Novo. Esta poderia chamar-se um "discurso querigmático"
(de querigma), isto é, um resumo da vida de Jesus ou das verdades fundamentais
da fé cristã. Outros discursos querigmáticos: At 2,14-36; 3,12-26; 10,34-43.
Hebreus 11: leitura teológica da História
de Israel, em que os seus atores são vistos à luz da fé e propostos como
exemplo para os crentes de todos os tempos.
Josué
Embora nem sempre
com a coerência que tanto agrada à nossa mentalidade atual, por efeito das
diferentes tradições que lhe serviram de fonte, é possível apresentar
resumidamente a figura de Josué. Inicialmente surge como um jovem ajudante de
Moisés, com o nome de Oséias; depois, é um dos exploradores do Négueb, quando
manifesta, com Caleb, a sua disponibilidade para executar o plano libertador de
Javé. Então lhe é mudado o nome de Oséias para "Yehoshua" ou Josué,
prenúncio da nova missão em
que Moisés o vai investir: será o seu sucessor.
É a esta
personalidade que a tradição atribui a autoria do livro de JOSUÉ, com as
habituais limitações que tal designação comporta quando se trata dos autores
sagrados ou hagiógrafos.
DIVISÃO E CONTEÚDO Há quem considere o
livro de JOSUÉ como um complemento do Pentateuco, constituindo a parte em que
se cumpre a promessa da doação da Terra Prometida: no Gênesis, Deus promete; em
JOSUÉ, entrega e cumpre a promessa. Nesta hipótese, JOSUÉ seria constituído a
partir da teoria clássica das quatro tradições: Javista, Eloísta,
Deuteronomista e Sacerdotal. Não é esta, porém, a hipótese aplaudida por muitos
críticos modernos, a quem agrada mais integrar o livro em plena História
Deuteronomista , sem prejuízo de considerarem nele, de fato, a
promessa do Gênesis plenamente cumprida.
É comum
distribuir o conteúdo de JOSUÉ por três partes distintas:
Conquista de Canaã (1,1-12,24): texto,
predominantemente narrativo, conta os vários episódios da conquista de Jericó;
a batalha de Guibeon; a leitura da Lei perante a multidão, que renova a sua
promessa de fidelidade à aliança (8,29-35); a derrota das várias coligações
contra Josué, com a conseqüente submissão de todo o Sul ao sucessor de Moisés.
Distribuição do território pelas tribos
(13,1-21,45). Após a atribuição dos territórios às tribos da Transjordânia e da
Cisjordânia, conclui-se com uma lista das cidades sacerdotais e de refúgio.
Apêndice e conclusão (22,1-24,33). Nesta
parte merecem especial atenção o discurso de despedida de Josué e a assembléia
magna de Siquém, no final do livro.
GÊNERO LITERÁRIO E VALOR HISTÓRICO
Em JOSUÉ, não temos História no sentido rigoroso deste conceito, uma vez que a
aglutinação das diversas tradições foi feita em época muito posterior aos
fatos. O rigor histórico das narrações é que seria, precisamente, de admirar.
Comparando JOSUÉ com Jz 1, aquilo que em JOSUÉ se nos apresenta como campanha
militar organizada, uma espécie de coligação de todo o Israel, na verdade,
parece ter sido uma iniciativa particular de cada tribo. Trata-se, pois, de
apresentações esquematizadas. Do mesmo modo, não é de excluir a hipótese de
algumas tribos terem penetrado em Canaã pelo Sul e não por Jericó (Nm 21,1-3).
Tribos houve,
como as da região central, que nem sequer terão estado no Egito, mas
permaneceram em Canaã.
Outra hipótese admitida é que teria havido vários êxodos de
natureza diferente: êxodo-expulsão e êxodo-libertação; assim no-lo deixam supor
as várias formas de texto, quando se fala da saída do Egito. Nesse caso, a
campanha de Josué, na reconquista épica de Canaã, revestiria a forma de síntese
narrativa como reelaboração posterior das diversas tradições.
Os
acontecimentos posteriores, até a época de David, mostram igualmente que a
campanha da reconquista protagonizada por Josué não acabou com a posse total do
território: muitos grupos de várias etnias não judaicas mantiveram-se autônomos
por muitos anos, só mais tarde acabando por ser integrados em Israel.
De quanto
ficou dito, pode-se legitimamente concluir que, em JOSUÉ, se encontram
misturados vários tipos de textos literários: a narração, a descrição, a lenda
popular, a epopéia, etc.. Sacrificou-se o rigor da História ao interesse da
doutrinação teológica, realçando esta última.
TEOLOGIA Como já foi dito, JOSUÉ pretende
mostrar que Javé é fiel à sua palavra: se prometeu, cumpre (Gn 12,1-3;
13,14-17; 15,7-21; 17,1-8). Como prometeu dar uma terra ao povo, tudo fará,
mesmo milagres, para os opositores de Israel serem derrotados e as suas terras
entregues ao "povo de Javé". Daí a freqüência da ação miraculosa da
intervenção direta de Deus e dos seus anjos no decorrer das várias ações
militares, bem como a idealização do herói, qual novo Moisés: tudo lhe é
atribuído, participa em todas as batalhas e sobre ele se estende
incessantemente a mão poderosa e protetora do Senhor.
Para isso
concorre enormemente a importância do fato 'Terra' na trama da aliança: Javé
faz um pacto com um povo nômade, a quem promete entregar uma terra que vai ser
o cenário dos fatos dessa aliança. Sem uma terra sua, o povo carece de raízes
para a sua subsistência real. Foi assim que todo o israelita aprendeu a
considerar a 'Terra Prometida' como um dom do Senhor.
Neste quadro,
a guerra santa e a crueldade para com o vencido são um louvor a Javé, em cujo
nome são praticadas. O enrolamento das ações, até se fazer delas milagres
assombrosos, está plenamente justificado, uma vez que interessa, acima de tudo,
exaltar Javé e engrandecer Josué, figura central da presente epopéia.
Juízes
O
Livro dos JUÍZES foi assim chamado pelo grande relevo que nele têm os chefes a
quem se deu tal nome (chofetîm). Praticamente o livro é constituído por doze
histórias correspondentes aos doze juízes que nele desfilam aos olhos do
leitor.
CONTEXTO HISTÓRICO Depois da sua chegada
a Canaã e do seu estabelecimento no território, como está descrito em Josué, as
doze tribos ficaram um pouco à mercê dos povos que ainda ocupavam a terra.
Cananeus e filisteus continuavam a sua luta para expulsar as tribos israelitas
que se tinham infiltrado em algumas parcelas do seu território; e a conquista
total da terra e o conseqüente predomínio dos israelitas sobre os povos locais
ficará para mais tarde, no tempo de David (séc. X a.C.).
Depois da
morte de Josué, por volta de 1200
a .C. (Js 24), as tribos ficaram sem um chefe que
aglutinasse todas as forças para se defenderem dos inimigos estrangeiros. A
única autoridade constituída era a dos anciãos de cada tribo. Além disso, estas
pequenas tribos eram muito independentes entre si, e não era fácil
congregá-las. Ficavam, assim, mais expostas aos ataques de filisteus, cananeus,
madianitas, amonitas, moabitas, todos inimigos históricos de Israel.
QUEM SÃO OS JUÍZES É nestas
circunstâncias que aparecem os Juízes. Não são chefes constituídos
oficialmente, mas homens e mulheres carismáticos, atentos ao Espírito do
Senhor, pessoas marcadas por uma forte personalidade, capazes de se imporem
moralmente perante as outras tribos. Deste modo, quando alguma tribo era
atacada, o Juiz congregava as outras para irem em socorro da tribo irmã.
Uma outra
função que lhes poderia ser atribuída era a de julgar (da raiz chaphat, que
significa "administrar a justiça", "proteger"), em casos
especiais, função que terá estado na origem do nome de "Juízes".
O tempo dos
Juízes é, pois, o tempo da consolidação das tribos no seu território, perante
os inimigos estrangeiros, e o tempo das primeiras tentativas de federação entre
as várias tribos com diferentes origens (ver Js 24).
DIVISÃO E CONTEÚDO Na falta de escrita,
as histórias e os feitos dos JUÍZES passaram pelas tradições orais locais,
sobretudo nos santuários, antes de fazerem parte da memória coletiva de Israel.
Com o aparecimento da monarquia e a conseqüente organização política, social e religiosa, todo este material de caráter histórico, mítico, poético e etiológico entrou no espólio coletivo de Israel, sendo posteriormente organizado por blocos literários mais amplos. É costume dividir o livro dos JUÍZES em dois grandes blocos literários:
Com o aparecimento da monarquia e a conseqüente organização política, social e religiosa, todo este material de caráter histórico, mítico, poético e etiológico entrou no espólio coletivo de Israel, sendo posteriormente organizado por blocos literários mais amplos. É costume dividir o livro dos JUÍZES em dois grandes blocos literários:
Tradições sobre a conquista de Canaã
(1,1-3,6).
História dos Juízes (3,7-16,31). Nestes, é costume distinguir:
“Juízes Maiores" ou
"salvadores": Oteniel (3,7-11), Eúde (3,12-30), Débora e Barac
(4,1-5,32), Gedeão (6,11-8,35), Jefté (11,1-40) e Sansão (13,1-16,31); "Juízes Menores", que
constituem um bloco literário acrescentado mais tarde: Chamegar (3,31), Tola
(10,1-2), Jair (10,3-5), Ibsan (12,8-10), Elon (12,11-12) e Abdon (12,13-15).
Deste modo se formou o "Livro dos doze Juízes de Israel" (3,7-16,31).
Apêndices: 17-18, sobre
a tribo de Dan, e 19-21, sobre a de Benjamim.
Posteriormente
foram acrescentadas duas introduções: 1,1-2,5, que apresenta a situação geral
das tribos depois da morte de Josué; e 2,6-3,6, que apresenta a História de
Israel como uma "História Sagrada": pecado do povo - castigo de Deus
- perdão de Deus. É a concepção deuteronomista da História de Israel, em cujo
contexto teológico deverá situar-se este livro.
O livro contém
igualmente dois apêndices: os capítulos 17-18, que narram a migração da tribo
de Dan do Sul para a nascente do Jordão, no Norte; e os capítulos 19-21, que
narram o crime dos habitantes de Guibeá, da tribo de Benjamim, tribo que será
destruída.
Todas estas
tradições, que andavam de boca em boca, juntamente com as de outros heróis
nacionais, entram numa coleção comum depois da queda da Samaria (722/721 a.C.).
Mas só durante ou mesmo depois do exílio da Babilônia é que o livro foi
integrado na grande História de Israel, concluída pelos redatores
deuteronomistas e composta pelos seguintes livros: Dt, Js, Jz, 1 Sm, 2 Sm, 1 Rs
e 2 Rs.
A estes
redatores se devem, certamente, as introduções gerais já mencionadas (Jz
1,1-3,6), assim como a introdução a cada um dos Juízes. Esta redação
deuteronomista conferiu uma unidade teológica a todo o livro, que passou de
amálgama de histórias locais a um livro de caráter nacional.
VALOR HISTÓRICO O livro dos JUÍZES é um
dos chamados "Livros Históricos" da Bíblia, mas é histórico segundo o
modo de escrever História no seu tempo. Nesse gênero literário cabiam não
apenas os fatos e os documentos, como acontece na historiografia moderna, mas
também o mito, discursos (veja-se o belo apólogo de Jotam: 9,7-20), etiologias,
pequenos fatos do dia a dia, etc. Este livro fornece-nos um quadro geral único
do modo de vida das tribos de Israel, depois da instalação em Canaã, no que
toca à vida política, social e religiosa. É também interessante o fato de nos
falar já do difícil relacionamento entre algumas tribos, que irá ter o seu
desenlace na separação entre o Norte e o Sul, depois de Salomão.
O tempo dos
JUÍZES corresponde a mais de dois séculos de História, o que lhe confere um
valor especial, embora a contagem dos anos fornecidos pelo texto nos dê
exatamente 410 anos. Este fato é certamente devido ao uso corrente do número
simbólico 40, que significa uma geração, isto é, a vida de uma pessoa. Esta
indicação diz-nos bem do caráter aproximativo dos dados cronológicos do livro.
A cronologia real da época dos JUÍZES nunca poderá afastar-se muito do período
entre 1200 e 1030.
TEOLOGIA Como qualquer livro da Bíblia,
também o dos JUÍZES não foi escrito para nos fornecer simplesmente a História
factual das tribos de Israel. Antes de mais, foi escrito para manifestar como
Deus acompanha o seu povo na sua história concreta, mesmo no meio dos mais
graves acontecimentos, como as guerras contra os povos inimigos.
A sua teologia
fundamental é proposta pelos redatores deuteronomistas nas Introduções
(1,1-3,6), em que aparecem fórmulas características como "os filhos de
Israel fizeram o que era mau aos olhos do Senhor" (2,11; 3,7.12; 4,1; 6,1;
10,6; 13,1). Desta infidelidade do povo ao Deus fiel da Aliança segue-se o
castigo, que aparece nas derrotas perante os povos estrangeiros; e depois, a
vitória, mediante os intermediários do Senhor, os Juízes "salvadores"
(3,31; 6,15; 10,1). A idéia teológica que ressalta deste livro é, pois, a
imagem que um povo livre tem de Deus, que o acompanha para o libertar.
Não nos devem
escandalizar os "pecados" destes Juízes, homens rudes que precisamos
de situar no seu tempo e que procedem segundo a moral de então. Caso
paradigmático é a história de Sansão. Teremos que tentar, antes, descobrir o
que há neles de positivo: a ação de Deus, que os anima com o seu espírito para
conduzir o povo de Deus (3,10; 6,34; 11,29; 13,25). Neste sentido, eles foram
uma antecipação dos reis de Israel.
A cabeleira de Sansão
A história de Sansão (Jz 13- 17) nos diz que,
enquanto Sansão tinha longa cabeleira, vencia seus inimigos; mas, desde que lhe
cortaram os cabelos, perdeu a sua força extraordinária. Esta história é, à
primeira vista, fabulosa. Todavia pode ser entendida dentro do quadro religioso
de Israel.
Os israelitas praticavam o voto do nazireato, que
significava total consagração a Javé. Esta implicava que nem os cabelos do
indivíduo poderiam ser cortados porque pertenciam ao Senhor; o nazireu não
poderia tomar vinho, nem suco de uvas nem comer uvas; não devia tocar cadáveres.
. . Cf. Nm 6,1-21.
Ora Sansão foi consagrado a Deus como nazireu; cf.
Jz 13,3-5. Enquanto ele foi fiel à sua consagração e tinha a cabeleira longa, o
Senhor lhe dava força para vencer qualquer inimigo; o seu poder lhe vinha de
Deus e não dos cabelos (estes eram apenas um sinal da fidelidade de Sansão a
Javé). Eis, porém, que Sansão foi moralmente fraco e revelou o segredo da sua
fortaleza a Dalila, mulher estrangeira, à qual se entregou indevidamente;
Dalila então lhe cortou a cabeleira, o que era sinal da infidelidade interior
de Sansão a Javé. Em consequência, o Senhor já não deu ao herói a força
necessária para o combate, de modo que Sansão foi vítima de seus inimigos
filisteus. Vê-se, pois, que a história de Sansão nada tem de mitológico ou
infantil. É verdade que ela vem descrita com um tanto de humor ou sátira:
Sansão incendeia os campos acendendo tochas presas às caudas de raposas ligadas
em pares (Jz 15,1-8); Sansão arranca e carrega sobre os ombros as portas da
cidade de Gaza (Jz 16,1 -3).
Com outras palavras: o episódio de Sansão comprova as palavras de São Paulo: “A força de Deus se manifesta plenamente na fraqueza do homem que se lhe confia” (2Cor 12,9).
Com outras palavras: o episódio de Sansão comprova as palavras de São Paulo: “A força de Deus se manifesta plenamente na fraqueza do homem que se lhe confia” (2Cor 12,9).
Rute
Na Bíblia
Hebraica, a história de RUTE vem colocada entre os Escritos (Ketuvim). A
tradição grega e latina apresentam outra ordem: recuam-na para junto do livro
dos Juízes, provavelmente pela indicação contida em 1,1, que situa os
acontecimentos deste livro naquela época.
Tal como hoje
nos aparece, este pequeno livro foi escrito provavelmente só depois do
cativeiro da Babilônia. Um autor desconhecido deixou-nos esta bela composição
literária.
DIVISÃO A narração desenvolve-se numa
harmonia notável de quatro cenas
(1,7-22; 2,1-23; 3,1-18; 4,1-12), precedidas de uma introdução (1,1-6) e seguidas de uma conclusão (4,13-17).
Mais do que no
amor, o livro de RUTE centra o seu enredo no motivo legal do levirato e do
resgate: quando um homem morre, sem deixar descendência, o irmão ou o parente
mais próximo deve receber a viúva e gerar filhos, que perpetuarão a memória do
defunto; e deve ter igual atenção em relação aos bens patrimoniais. Assim se
cumpria a lealdade familiar no quadro da legislação antiga (Dt 25,5-10). É esta
lealdade que torna exemplar, mesmo admirável, o livro de RUTE.
As suas
personagens têm nomes carregados de simbolismo: Elimélec = "o meu Deus é
rei"; Noemi = "minha doçura"; Mara = "amargurada";
Maalon = "enfermidade"; Quilion = "fragilidade"; Orpa =
"a que volta as costas"; Rute = "a amiga". Estes nomes
representam, no cenário de uma sociedade agrícola, o drama do infortúnio e do
luto, mas também a força triunfante da solidariedade e da vida.
TEOLOGIA RUTE é uma história bíblica em que Deus se faz presente,
não através de acontecimentos extraordinários, mas no cumprimento das normas
sociais mais comuns. Este Deus discreto, quase silencioso, não é, porém, menos
atuante e surpreendente na manifestação da sua fidelidade.
Em linguagem
aparentemente inofensiva, o livro parece conter um protesto muito hábil contra
o rigor exagerado da época de Esdras e Neemias, relativamente aos casamentos
mistos (Esd 9-10; Ne 13,1-3.23-27). Na história de RUTE pode ver-se como o Deus
de Israel, que permitiu a uma moabita entrar na genealogia de David (e por isso
mesmo, na do próprio Jesus Cristo: Mt 1,5-17), não podia ser tão rigoroso que
excluísse as estrangeiras do seu povo.
Samuel
Na Bíblia
Hebraica, os livros de SAMUEL fazem parte dos chamados "profetas
anteriores" (juntamente com Josué, Juízes e Reis). A sua atribuição a
SAMUEL talvez provenha de uma antiga tradição rabínica (Baba Bathra, 14b)
baseada numa incorreta interpretação de 1 Cr 29,29.
Na realidade,
a presença de SAMUEL fica circunscrita à primeira parte do primeiro livro,
sendo Saul e David os protagonistas do resto da obra. Originariamente, os
livros de SAMUEL eram uma só obra. A divisão em duas tem origem na versão grega
dos Setenta (séc. III-II a.C.); e esta divisão terminou por impor-se, mesmo na
Bíblia Hebraica, a partir do séc. XV.
Os tradutores
gregos uniram os dois livros de SAMUEL aos dos Reis (também divididos em dois)
para formar os quatro "Livros dos Reis", correspondendo os dois
primeiros a 1 e 2 Sm. A tradução latina da Vulgata respeitou esta divisão em
quatro livros e chamou-lhes "Livros dos Reis". E assim, na Vulgata, 1
e 2 Reis equivalem aos nossos 1 e 2 SAMUEL; 3 e 4 Reis equivalem aos nossos 1 e
2 Reis.
TEXTO O texto hebraico massorético (TM)
tem fama de ser difícil e, por outro lado, apresenta notáveis diferenças a
respeito da versão dos Setenta. Propuseram-se várias hipóteses explicativas do
fato. Muito provavelmente, o texto grego (Setenta) procede de outro texto
original hebraico. As descobertas de Qumrân (IV Q) mostraram numerosos
fragmentos hebraicos dos livros de SAMUEL que podem remontar aos sécs. III-II
a.C. e apresentam um texto mais aproximado dos Setenta do que do TM. Apesar
disso, pode ser prematuro tirar daqui conclusões a respeito da autenticidade
dos textos. Podemos encontrar-nos diante de duas formas do TM - uma das quais
mais simplificada - que coexistiriam antes da era cristã.
VALOR HISTÓRICO Apesar de os livros de
SAMUEL não serem uma narração histórica "neutral", nem por isso estão
despidos de valor histórico. Esta deve ser, até, a parte de toda a História
deuteronomista menos "manipulada" teologicamente. O seu horizonte é
muito vasto: mergulha no período mais nebuloso do tempo dos Juízes, e vai
terminar numa época mais testemunhada documentalmente. Cobre a passagem do
tempo dos juízes à monarquia, sendo talvez este o momento mais inseguro nas
suas informações: coexistem cinco versões diferentes (1 Sm 8; 9; 10,16.20-24;
11,12-15).
No interior da
verossimilhança do quadro geral, sobressaem informações pontuais de grande
valor, não só histórico mas também cultural (1 Sm 13,19-22) e topográfico (1 Sm
13; 17; 31). Tudo isto faz desta obra uma das fontes mais fidedignas da
História de Israel.
CONTEÚDO E DIVISÃO O que melhor se nota,
ao determinar a estrutura dos livros de SAMUEL, é que os cap. 1-12 apresentam
claras afinidades com o livro dos Juízes e que os cap. 1-2 de 1 Rs parecem o
prolongamento lógico de 2 Sm 9-20.
A atual divisão interna corta o relato da morte de Saul
(1 Sm 31; 2 Sm 1) e, sobretudo, a unidade mais ampla da "subida de David
ao trono" (1 Sm 16; 2 Sm 5). Apesar disso, a obra apresenta-se como uma
unidade literária, histórica e teológica, ligada por três protagonistas:
Samuel, Saul e David.
O seu conteúdo
poderá ser dividido nas secções que apresentamos seguidamente:
Infância de Samuel; a Arca e os
filisteus: 1 Sm 1,1-7,17;
Realeza - Samuel e Saul:
1 Sm 8,1-15,35;
Subida de David ao trono:
1 Sm 16,1 a
2 Sm 5,25;
David e a Arca; êxitos de David:
2 Sm 6,1-8,18;
Sucessão de David: 2 Sm
9,1-20,26; ver 1 Rs 1-2;
Vários apêndices: 2 Sm
21,1-24,25.
FONTES A crítica literária detectou a
existência de fontes documentais e tradicionais diversas, as quais, unidas a
elementos redacionais de origem deuteronomista, seriam os materiais dos livros
de SAMUEL. Relativamente à sua antiguidade, há concordância quanto a
reconhecer-lhes uma aproximação aos fatos, embora no estado atual já sejam
resultado de diversos retoques sofridos na época salomônica e, inclusive,
exílica. Entre as unidades mais importantes e antigas estariam os relatos da
sucessão de David (2 Sm 9-20) e da sua ascensão ao trono (1 Sm 16,1-13; 2 Sm
5,5; 8,1-18), ainda que este apresente maiores problemas: há duas versões da
entrada de David ao serviço de Saul (1 Sm 16,14-23; 17,55-58), e dos relatos do
atentado falhado de Saul contra David (1 Sm 18,10-11; 19,9-10), da intervenção
de Jonatas a favor de David (1 Sm 19,4-7; 20,1-42), da chegada de David à terra
filisteia (1 Sm 21,11-16; 27,1-12), do perdão de David a Saul (1 Sm 24 e 26) e
das denúncias dos habitantes de Zif (1 Sm 23,19; 26,1).
Na mesma
linha, poderiam situar-se as tradições favoráveis a Saul (1 Sm 9-11; 13-14;
31), a história da Arca (1 Sm 4-6; 2 Sm 6) e o núcleo inicial da profecia de
Natã (2 Sm 7). Pode também considerar-se como fontes a documentação oficial da
corte, de que seriam reflexo as listas dos filhos de David (2 Sm 3,2-5;
5,13-16), dos oficiais de David (2 Sm 8,16-18; 20,23-26), dos heróis de David
(2 Sm 23,8-39) e dos gigantes filisteus, a quem venceram (2 Sm 21,15-22), os
resumos das campanhas de David e Saul (1 Sm 14,47-52; 2 Sm 5,17-25; 8,1-14), o
recenseamento do povo e a compra da eira de Arauna (2 Sm 24,16-23).
A estas
unidades se teriam juntado, por volta do séc. VIII, novos materiais aparecidos
em círculos proféticos. Podem colocar-se neste período as tradições sobre a
infância de Samuel (1 Sm 1-3), a rejeição de Saul (1 Sm 13,7b-15a; 15), a unção
de David (1 Sm 16,1-13), o combate entre David e Golias (1 Sm 17) e o relato da
vidente de En-Dor (1 Sm 28,3-25).
Outras
unidades menores isoladas, como dois salmos (1 Sm 2,1-10; 2 Sm 22), duas
lamentações de David (2 Sm 1,19-27; 3,33-34) e um oráculo (2 Sm 23,1-7) foram
sendo integradas na obra, ao longo do seu processo de formação.
MENSAGEM TEOLÓGICA Os livros de SAMUEL
fazem parte de um grande projeto teológico, conhecido como "História Deuteronomista".
Designa-se assim o trabalho de reflexão histórico-teológico realizado cerca do
ano 550 a .C.
por um grupo de teólogos, guiados ideologicamente pelos princípios da teologia
do Deuteronômio, a partir de fontes plurais e heterogêneas preexistentes, orais
e escritas. O seu propósito não era apresentar uma "exposição
neutral" da História, mas afirmar a sua "importância teológica"
a partir da dolorosa experiência do desterro na Babilônia (586 a .C.).
Esta história
está estruturada em quatro grandes etapas: conquista da terra (Josué),
confederação tribal (Juízes), instituição da monarquia (SAMUEL),
desenvolvimento e final dramático da monarquia (Reis). Trata-se de uma
"releitura histórica" destes acontecimentos. Os elementos
redacionais, ainda que mais perceptíveis em Juízes e Reis, não estão ausentes
nos livros de SAMUEL (1 Sm 2,22-36; 4,18; 7; 8; 10,17-27; 2 Sm 2,10-11; 5,4-5;
7). Dentro deste projeto teológico, os livros de SAMUEL sublinham três
aspectos: a origem, a natureza e as exigências da monarquia em Israel, a
importância do profeta, como intérprete e mediador de Deus, e a centralidade
política e religiosa de Jerusalém.
Origem, natureza e exigências da monarquia israelita:
a introdução da monarquia em Israel, como forma de governo, não esteve isenta
de reticências e ambigüidades: podia supor um afastamento de Javé, o único e
verdadeiro Senhor. Além disso, os modelos monárquicos existentes em redor de
Israel implicavam certa divinização do rei, e adotá-los supunha um risco
acrescentado por causa das estruturas da religião javista. O equívoco desfaz-se
porque o próprio Senhor dá a sua aprovação. No entanto, permanece claro que a
monarquia israelita não é democrática nem autocrática, mas teocrática. Tanto
Saul como David (e Salomão) são "ungidos" de Deus e
"obrigados" a manter-se submissos à sua vontade, pois Deus é o
verdadeiro rei do povo.
Importância do profeta: o profeta aparece
como contraponto do poder monárquico; é a memória constante do senhorio de
Deus. Face à tendência institucional (2 Sm 7), significa o elemento
carismático; e, perante a pretensão absolutista do poder, assegura a
consciência crítica (2 Sm 12). Samuel e Natã encarnam, de maneira especial,
essas funções. A História, em todas as suas instâncias (políticas, sociais,
religiosas), deve estar aberta ao juízo de Deus; e o profeta é o instrumento de
que Deus se serve para isso.
Centralidade de Jerusalém: convertida por
Deus em capital política e religiosa, Jerusalém passa a ser um dos sinais de
identidade mais importantes do judaísmo. Embora a sua importância política
tenha decaído, a sua estrutura religiosa adquiriu grande desenvolvimento. A
teologia de Sião, expressa nos chamados "Cantos de Sião" (Sl 46; 48;
76; 87) e em grande parte da pregação de Isaías, é uma prova disso. Os livros
de SAMUEL sublinham intencionalmente estes aspectos (2 Sm 5; 6; 24,18-25). Por
isso, Jerusalém será também o centro de todas as instituições teológicas de
Israel até ao Apocalipse (Ap 21-22).
Uma mulher estéril, chamada Ana (= graça), sofria
por não ter filhos, ou por no poder colaborar para a vinda do Messias,
prometido à linhagem de Abraão. Isto lhe parecia uma maldição de Deus. Tendo
rezado, obteve um filho: Samuel = Deus ouviu).
Na Bíblia, o filho dado a uma mulher estéril tem
sempre uma missão particular (ver lsaque, Gn 18,1-15; Sansão, Jz 13,1-25; João
Batista, Lc 1,5-17); assim também Samuel.
De fato, Deus chamou Samuel enquanto dormia e
confiou-lhe a chefia do povo em lugar de Heli, o juiz fraco que governava o
povo.
Compare a vocação de Sarnuel em 1Sm 2,1-18 com a
de Abraão em Gn 12,1-3, a
de Moisés em Ex 3,1-12, a
de lsaías em Is 6,1-13, a
de Jeremias em Jr 1,4-10, a
de Ezequiel em Ez 3,1-11, a
do Servidor de Javé em Is 49,1-9,
a de Amós em Am 7,14s.
Heli, sabendo que Deus rejeitara sua descendência,
morreu triste aos 98 anos de idade (1Sm 4.12-18). Os filisteus então infligiram
tremenda derrota a Israel, capturando a arca da Aliança er Afec (lSm 4,1-11;
5,1-12), mas resolveram devolvê-la (aSm 6,1-7,1).
Saul
Dada a insegurança das tribos em seus territórios,
os anciãos de Israel pediram a Samuel um rei; o Senhor, consultado por Samuel,
quis atender ao pedido, fazendo ver que o rei poderia extorquir os bens dos
filhos de Israel (1Sm 8,1-22). Foi escolhido, por revelação do próprio Deus, o
jovem SauI, da tribo de Benjamin, que Samuel ungiu como rei (1Sm 9,1-10,16).
Desde o começo do seu reinado, Saul teve que
enfrentar os inimigos estrangeiros: venceu os amonitas (1Sm 11,1-11). Mas foi
rejeitado por Deus, pois transgrediu preceitos do Senhor (1Sm 13,7-15;
15,1-31).
O resto da vida de Saul é descrito em 1Sm 16-31;
consta de perseguição a Davi, que Deus escolhera para lhe suceder (Saul parece
ter sofrido de doença psíquica, que lhe tirava a paz e a capacidade de
conviver; cf. 1Sm 18,1-16); batalhas (1Sm 14,52: “enquanto viveu Saul, houve
encarniçada guerra contra os filisteus”), derrota final e morte em Gelboé (1Sm
31,1-13).
Davi
Tendo rejeitado Saul, Deus mandou que Samuel
procurasse o seu sucessor: seria Davi, o mais novo dos filhos de Isaí ou Jessé,
que Samuel ungiu rei (1Sm 16,1-13): “O Espírito do Senhor se derramou sobre
Davi” (16,13).
Tocador de harpa, Davi foi chamado por Saul para
suavizar o seu mau humor, passando assim para a corte real (1Sm 16,14-23). Os
filisteus desafiavam Israel, representados pelo gigante Golias; Davi se
apresentou então para enfrentar e combater Golias, obtendo, por graça de Deus,
maravilhosa vitória (1Sm 17,1-58), esta aumentou muito o prestígio de Davi. O
jovem guerreiro tornou-se grande amigo de Jônatas, filho de SauL, que passou a enciumar-se
do seu rival e procurou ferir mortalmente Davi (lSm 18,1-19,17); Davi teve que
fugir, mas antes celebrou uma aliança com Jônatas (20.1-21,1).
Começou então a via dolorosa de Davi, que vivia em
cavernas (1Sm 22.1-23) e no deserto (1Sm 23.1-24,23). Apesar da malvadez de
Saul, Davi soube ser generoso para com o rei, que ele podia ter assassinado (1Sm
26,1 -25).
26,1 -25).
O segundo livro de Samuel é inteiramente
consagrado a Davi, visto que a princípio constituia uma só e mesma obra com o
precedente. Notemos que 2Sm tem seu paralelo em 1Cr 11-29; é interessante ler
este outro livro depois de 2Sm para se perceberem as diferenças de enfoque: o
2Cr omite as faltas de Davi, procurando pôr em relevo a figura do rei “segundo o
coração de Deus”.
Em 2Sm merecem atenção o cap. 7, com a sua
profecia messiânica (7,5-17), os cap. 11 e 12, que falam do pecado e do
arrependimento de Davi (o rei procedeu como um homem sensual e cruel, mas soube
reconhecer Natã o enviado de Deus), o cap. 24, que narra outro pecado de Davi,
do qual o rei se arrependeu. Diz S. Ambrósio que pecar é comum a todos os
homens, mas arrepender-se é próprio dos santos.
Quem lê os livros de Samuel com atenção, verifica
que não foram escritos de uma vez nem pelo mesmo autor, mas que são obras de
compilação. Com efeito aí se encontram numerosas repetições:
Em 1Sm 16,14-23; 17.1-11.32-39, Davi é introduzido
na corte como músico que acalma o espírito atormentado do rei. Mas em 1Sm
17,12-31.40-58v 18,1-5 Davi aparece como jovem pastor que casualmente entra no
acampamento dos israelitas e é admitido à corte de Saul depois de ter derrotado
Golias (1Sm 17,12-31,40-58; 18,1-5).
Há dois atentados contra a vida de Davi: 1Sm
18,lOs e 19,9s. Há duas niarrações da instituição da monarquia: uma favorável à
monarquia (9,1-10,16, 11,1-11,15), outra desfavorável (8,1-22; 10,17-25;
12,1-25).
Duas vezes são narrados o sucesso e a popularidade de Davi, lSm 18.12-16 e
25-30.
Duas vezes ocorre a promessa de dar como mulher a Davi uma filha de Saul:
lSm 18,17-19e20-27.
Duas vezes Jônatas intervém em favor de Davi: lSm 19,1-7 e 20,1-10.18-39.
Duas vezes é narrada a fuga de Davi: 1 Sm 19,10-17 e 20,1 -21,1.
Duas vezes Davi poupa a vida de Saul: 1 Sm 24 e 26.
Duas vezes é relatada a morte de Saul: lSm 31,1-6; 2Sm 1,1-16.
Por conseguinte, Samuel não é o autor de 1 e 2 Sm,
mas uma das suas principais figuras. Estamos diante de uma obra que tem vários
autores desconhecidos, que elaboraram paulatinamente a narração na base de
documentos e fontes (cf. 2Sm 1,18: o Livro do Justo é citado). Deram-lhe a
forma final possivelmente no séc. VIII a.C.
A fidelidade histórica de 1 e 2 Sm se deduz das
seguintes considerações:
— as fontes usadas pelos redatores são assaz
antigas, como reconhecem os pesquisadores. Em parte, trata-se de narrações
confeccionadas na corte mesma do rei Davi, que tinha seus escribas ou
cronistas. Os acontecimentos relativos a Saul foram consignados por escrito
pouco depois de ocorridos (ver especialmente 1Sm 9,1-10,16). O chamado “ciclo
da arca” (1Sm 4.6; 2Sm 6) deve derivar-se do colegio de sacerdotes do tempo de
Davi e Salomão.
— os livros de 1 e 2 Sm descrevem com
imparcialidade as fraquezas e desgraças pessoais e familiares não só dos
personagens menos importantes como Deli e seus filhos (1Sm 2.12-17.27-36;
3,11-18; 4,12-18), mas também de Samuel (1Sm 8,1-14), de Saul (1Sm 13;15) e
Davi (2Sm 1 1,1-12,23).
Essa maneira objetiva de apresentar personagens
históricos é pouco habitual nas crônicas da antigüidade oriental, que se
caracterizavam por histórias fabulosas (no Egito) ou por secos anais (Assíria e
Babilônia). Somente os historiadores gregos possuiam tal senso de objetividade.
Aliás, somente em Israel e na Grécia a história foi, na época pré-cristã,
cultivada com seriedade. Em Israel, o fato se explica pelo conceito que os
israelitas tinham de história, consideravam-na revelação de Deus, discurso do
Senhor que se dava a conhecer através de fatos históricos e de palavras
protéticas; as palavras explicavam e interpretavam os fatos, estes confirmavam
e ilustravam as palavras. Na verdade, o judaísmo e o cristianismo são religiões
baseadas na história, que é altamente estimada pelas duas tradições.
Do ponto de vista religioso, 1 e 2 Sm têm especial
importância por apresentarem a figura de Davi, “o homem conforme o coração de
Deus” (1Sm 16,14). Sem dúvida, Davi foi homem sensual, violento, fraco em relação
aos filhos, mas também foi penitente e piedoso. Tinha confiança no auxílio de
Deus (1Sm 17,45-47), zelava pelo culto de Deus (2Sm 6,1-22; 7,ls); ouvia
reverente as palavras do Senhor (1Sm 30.8s; 2Sm 2.ls; 12,13); sabia ser grato
pelos benefícios da Providência (2Sm 7,18-29; 22,1-51); orava e adorava a Deus
com fervor (2Sm 12,20; 15,25s).
Recebeu do
profeta Natã a promessa de um trono perpétuo, sobre o qual se sentaria seu
Filho por excelência, o Messias Jesus (2Sm 7,1-17, especialmente 12-16), por
isto, a partir de Davi a esperança messiânica em Israel e nas Escrituras está
associada a Davi. Os profetas, ao anunciarem o Messias, propõem-no como Filho
de Davi, cf. Jr 23,5s; Ez 34,23s; Is 9,1-6; 11,1-9; Am 9,11; Os 3,5. Mesmo
depois que em Judá a monarquia caiu, persistiu a fé nas promessas de Deus em
favor de Davi, cf. SI 68(89), 20-52; Jr 33, 14-26; Is 55,3s.
Por isto também os Evangelhos apresentam Jesus
como Filho de Davi: Mt 1,1;2,5s; Jo 7,42; Mc 10,47s; 11.1. O reino, porém, do
Messias não é simplesmente a continuação do reino terrestre de Davi, mas não é
reino deste mundo (Jo 18,36).
Reis
Segundo o
texto original e a antiga tradição hebraica, estes dois livros constituiriam
uma só obra, que descreve a história da monarquia hebraica desde a subida de
Salomão ao trono até à conquista e destruição de Jerusalém por Nabucodonosor,
em 586 a .C.
É à antiga tradução grega dos Setenta que se fica a dever esta divisão em dois
livros, a qual acabou por ser transposta igualmente para a divisão e numeração
do próprio texto original hebraico.
Aliás, a
consciência da unidade dos conteúdos levou os Setenta a ligarem estes dois
LIVROS DOS REIS com outros dois que em hebraico se chamam os Livros de Samuel e
que também tratam dos inícios da monarquia.
E assim, tanto
nos Setenta como nas traduções latinas e modernas, inspiradas em certos
aspectos por aquelas antigas traduções, o 1.° e 2.° Livros de Samuel eram
designados 1.° e 2.° livros dos Reis. Por isso, os livros 1.° e 2.° dos REIS do
original hebraico ficavam a chamar-se 3.° e 4.° dos Reis. Atualmente voltou a
estar mais em uso a denominação que vem da tradição hebraica. A leitura do Antigo
Testamento aproximou-se geralmente do texto oferecido pelo original hebraico.
Mas a opção dos Setenta implica uma leitura perfeitamente plausível.
HISTORICIDADE A atual redação dos LIVROS
DOS REIS não pretende apresentar uma simples e despretensiosa historiografia da
monarquia hebraica. Apesar disso, os dados históricos referidos e os seus
contextos concordam bem, no geral, com a imagem quer dos dados da Arqueologia
quer das numerosas fontes extra-bíblicas que hoje se podem aproveitar e
comparar. O quadro internacional em que se desenvolve esta História, à sombra
da sucessiva hegemonia do Egito, da Assíria e da Babilônia como impérios
dominantes e condicionantes, corresponde fielmente à imagem real que a História
do Próximo Oriente Antigo nos oferece. No entanto, mantêm-se em aberto alguns
complexos problemas de cronologia relativamente aos dois reinos.
HISTÓRIA LITERÁRIA Os LIVROS DOS REIS são
parte nuclear de uma das unidades literárias mais influentes na Bíblia, além do
Pentateuco: a História Deuteronomista, empreendimento de grande vulto e enorme
repercussão em Israel. Por
isso, a questão histórica da sua redação fica envolvida na complexidade das
hipóteses levantadas e muito discutidas sobre autores, lugares e datas daquela
História.
Entre as muitas
hipóteses propostas, é consensual considerar-se que os principais momentos de
redação dos LIVROS DOS REIS se devem situar entre a parte final da monarquia,
sobretudo depois do reinado de Josias, e algumas dezenas de anos depois de
terminado o Exílio. Em suma, o choque do Exílio e os tempos de cativeiro na
Babilônia foram muito marcantes no processo da redação destes livros.
Para essa
redação foram utilizadas fontes escritas relativas à História dos reis das
monarquias hebraicas, nomeadamente a História de Salomão (1 Rs 11,41), a
Crônica da Sucessão de David (1 Rs 1-2), o livro dos Anais dos Reis de Israel e
de Judá, freqüentemente citados no texto atual, além de outras fontes
documentais neles referidas, mas hoje desconhecidas (1 Rs 5,7-8). Outras narrativas,
como as de Elias e Eliseu, provavelmente, já existiam também antes de serem
integradas na redação deuteronomista.
CONTEÚDO E DIVISÃO Versando sobre a
história dinástica de Israel, o conteúdo dos LIVROS DOS REIS divide-se em três
fases principais:
Em 1Rs 1-11 descreve-se o reinado de Salomão: com alguma pompa e
pormenor, narram-se as vicissitudes e os jogos de corte, por ocasião da sua
designação para a sucessão, na dinastia de David, a grandeza do seu reinado, a
sua sabedoria e riquezas.
No final, e
quase em ar de transição, como quem abandona um recinto de festa, são-lhe
feitas algumas críticas, apresentadas como causas do desmoronamento da realeza
única, levando à separação dos dois reinos antes unificados.
De 1Rs 12-2 Rs 17 decorre a parte mais
longa deste conjunto, que apresenta a História
paralela dos dois reinos separados: o do Norte, também chamado
de Israel ou da Samaria, e o do Sul, também referido como de Judá ou de
Jerusalém. O fio condutor desta História é a exposição paralela das duas séries
de reis que personificavam, a cada momento, as dinastias dos Hebreus. O esquema
de apresentação é uniforme para quase todos, traduzindo o essencial da sua
biografia política e, muito particularmente, a qualificação de bom ou mau rei,
segundo os critérios religiosos de valor sistematicamente aplicados.
Algumas das
mais significativas interrupções deste esquema rígido acontecem com o
aparecimento de personagens especiais, sobretudo Elias e Eliseu (1 Rs 17-2 Rs
13). As suas histórias tratam não apenas dos dois profetas mais prestigiados
desta primeira parte da monarquia, mas de duas personagens cuja atividade
profética influenciou as opções tomadas por alguns reis, condicionando o
destino da própria monarquia hebraica.
A parte final (2 Rs 18-25) constitui
quase um epílogo sobre a ameaçada sobrevivência da dinastia davídica de
Jerusalém e a sua dramática destruição. É intensa e dramática, tanto pelos
efeitos imediatos do cataclismo da Samaria, como pelas necessidades de reforma
que constituíram uma reação a médio prazo às mesmas preocupações, e pelos
sinais cada vez mais claros da próxima destruição de Jerusalém, cujos sinais se
tornavam cada vez mais evidentes.
Assim,
teríamos nestes dois livros as partes seguintes:
Fim do reinado de David e reino de
Salomão: 1 Rs 1,1-11,43;
Divisão do Reino. Reis de Israel:
1 Rs 12,1-22,54;
Fim da História Sincrônica de Israel e
Judá: 2 Rs 1,1-17,41;
Fim do reino de Judá: 2
Rs 18,1-25,30.
TEOLOGIA Com esta redação deuteronomista
dos LIVROS DOS REIS parece ter-se pretendido fazer uma espécie de exame de
consciência sobre o comportamento dos reis de Israel e de Judá, pois nele se
espelhava o destino de todo o povo. Procurava-se uma explicação das desgraças
que, nos últimos tempos, se tinham abatido sobre o povo de Israel e a sua
imagem de identidade - a monarquia, o templo e a capital. É que a maior parte
dos seus reis fez "o que era mal aos olhos do SENHOR". Podendo
representar práticas variadas, este pecado, na linguagem do Deuteronomista,
parece referir-se sobretudo à tolerância e aceitação dos cultos prestados a
deuses estrangeiros (1 Rs 11,1-10.33; 14,22-24); mas também caracteriza os atos
de culto a Javé, realizados em santuários fora de Jerusalém (1 Rs 12,26-33). É
sobretudo este o pecado de Jeroboão, freqüentemente referido (1 Rs 13,34;
14,16; 15,30; etc.).
A História
Deuteronomista é adepta da centralização do culto em Jerusalém. Por
isso, além de David, como "fundador" do templo de Jerusalém, e de
Salomão, como seu construtor, somente Ezequias e Josias, reformadores do culto
no sentido pretendido pelo deuteronomista, são objeto de elogios. E assim, os
LIVROS DOS REIS, que, pelo seu tema histórico, poderiam parecer de pouca
importância para o pensamento religioso de Israel, acabam por se encontrar no
centro de uma das mais marcantes Teologias da História que dão conteúdo à
Bíblia.
As suas idéia
s são, por isso, muito semelhantes às do Deuteronômio: o templo de Jerusalém
deve ser o centro geográfico e cultual da religião hebraica. Esta
especificidade religiosa dos LIVROS DOS REIS explica o fato de, na tradição
hebraica, serem integrados no âmbito dos "Profetas anteriores". A
importância que os profetas como Elias, Eliseu e até Isaías têm ao longo destes
livros simboliza bem o seu alcance religioso.
Na História
Deuteronomista, estes livros assumem a realeza como uma grande instituição da
religião de Israel, apesar do dramatismo com que apresentam as infidelidades da
maior parte dos reis para com o javismo. Ao assumirem a realeza como
instituição que interfere profundamente no domínio religioso, oferecem a
referência histórica essencial para a idéia do messianismo.
Crônicas
Normalmente as
traduções da Bíblia apresentam apenas uma introdução para os dois livros das
CRÔNICAS, porque na Bíblia hebraica eles constituíam um todo, num único livro
chamado "Dibrê hayyamîm" (Anais).
A Bíblia grega
dos Setenta chamou-lhes "Paralipômenos", isto é, coisas transmitidas
paralelamente, porque boa parte do seu conteúdo constava já dos livros de
Samuel e Reis.
CONTEXTO HISTÓRICO Deve tratar-se de uma
obra da segunda metade do séc. IV, entre 350-250 a .C.; no entanto, reflete
a restauração religiosa do reino de Judá, depois do exílio da Babilônia, nos
fins do séc. VI a.C..
Nesta História
têm lugar de relevo a tribo de Judá (que é a tribo de David), a tribo de Levi
(por causa de Aarão, o protagonista do sacerdócio e do culto divino) e a tribo
de Benjamim (à qual pertence a família de Saul, e em cujo território está
implantado o templo).
Isto explica o
silêncio acerca do reino do Norte, ou Israel, e a omissão de muitas coisas -
sobretudo as negativas referentes a David - que se encontram noutros livros
históricos, especialmente nos de Samuel. David e Jerusalém, com o seu templo,
estão no centro das CRÔNICAS, tal como Moisés e o Sinai estão no centro do
Pentateuco e da História Deuteronomista.
DIVISÃO E CONTEÚDO As CRÔNICAS visam
apresentar a grande História do povo de Israel. Por isso, no seguimento do
Pentateuco, estão na linha dos livros de Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2
Reis (História Deuteronomista) e de Esdras e Neemias. Constituem, com Esdras e
Neemias, um conjunto chamado "Obra do Cronista". Além de terem o
mesmo estilo e pensamento, os últimos versículos de 2 Cr (36,22-23) repetem-se
no início de Esdras (Esd 1,1-3).
Como dissemos,
no centro destes livros está David e o seu reinado, para o qual converge toda a
História precedente, e radicam, não só a organização do povo como, sobretudo,
as estruturas cultuais do templo. O seu conteúdo pode resumir-se deste modo:
História do povo desde Adão até David (1
Cr 1,1-10,14). É como que a pré-história de David, com início em Adão,
constituída quase totalmente por listas genealógicas, algumas das quais vão até
ao pós-exílio (cap. 1-9). Termina com a morte de Saul (cap. 10). A genealogia,
ou sucessão de gerações, era um gênero literário freqüente na Bíblia e
nas culturas antigas, como forma de exprimir a fé na presença da divindade nos
meandros da História dos homens. Mas não se lhe exija o rigor da árvore
genealógica dos tempos modernos: os nomes que a integram podem exprimir apenas
vagas relações de parentesco ou de simples vizinhança, afinidades de ordem
política e econômica; por vezes, nomes de povos e de regiões passam a ser nomes
de pessoas.
Para os
hebreus, era através da genealogia que alguém podia tornar-se participante das
bênçãos prometidas por Deus a Abraão. As listas das CRÔNICAS veiculam a
promessa messiânica, de que David é sinal privilegiado. Estas genealogias
afirmam, ainda, a importância do princípio da continuidade do povo de Deus
através de um período de ruptura nacional, causada pelo exílio na Babilônia, e
fundamentam a esperança da restauração.
História de David (1 Cr 11,1-29,30).
Faz-se a História do reinado de David desde a sagração e a entronização até à
sua morte, dando especial relevo à atuação do rei nos preparativos para a
construção do templo e a organização do culto litúrgico.
História de Salomão (2 Cr 1,1-9,31).
Destaca-se a sua sabedoria, a construção e dedicação do templo de Jerusalém e
outros acontecimentos já narrados em 1 Rs. Termina com a morte de Salomão.
História dos reis de Judá (2 Cr
10,1-36,23). Começa com a divisão do reino davídico, depois da morte de
Salomão, e termina com o édito de Ciro, após um relato resumido da atividade
dos reis de Judá.
FONTES LITERÁRIAS E OBJECTIVO Aonde foi o
Cronista buscar todo este material? As genealogias (sobretudo 1 Cr 1-9) estavam
nos livros do Gênesis, Êxodo, Números, Josué e Rute; Samuel e Reis - por vezes
transcritos textualmente - forneceram-lhe grande parte do restante material
histórico.
Mas o autor
tem ainda as suas próprias fontes literárias, às quais acrescenta a reflexão
pessoal, colocando-a, por vezes, na boca de grandes personagens sob forma de
discursos. É o caso da organização davídica do culto em Jerusalém (1 Cr 22-26)
e das reformas religiosas dos reis Asa e Joás (2 Cr 15 e 24). Quanto aos
discursos, ver, por exemplo: 1 Cr 28,2-10; 29,1-5.10-19; 2 Cr 12,5-8; 13,4-12;
15,2-7; 21,12-15; 30,6-9.
Tudo foi
utilizado nesta perspectiva: pôr em relevo Judá , sobretudo o rei David e a cidade de
Jerusalém. Para isso, o Cronista engrandece os aspectos positivos e elimina os
negativos; retoca e adapta este e outro material, a fim de fazer sobressair as
preocupações teológicas.
TEOLOGIA O lugar central da dinastia
davídica na História de Israel é a idéia teológica mais importante do
Cronista. As genealogias de 1 Cr 1-9 preparam-na; o resto do 1.° livro (11-29)
está inteiramente consagrado a David e à sua atividade, tanto profana como
litúrgica; o 2.° livro é a História dos descendentes de David, que devem ver
nele o rei modelo e o ponto de referência da fidelidade a Deus e ao povo. Seu
filho Salomão é idealizado por ter construído o templo de Jerusalém e ter
cumprido, assim, o testamento de David seu pai.
O relevo dado
ao culto e ao templo é complementar daquela idéia teológica. Por isso, o
Cronista dá maior atenção aos reis que se preocuparam com o culto do templo ou
o reformaram: além de David e Salomão, os reis Asa (2 Cr 14-16), Josafat (2 Cr
17-20) e, sobretudo, Ezequias (2 Cr 29-32) e Josias (2 Cr 34-35). Esta mesma
atenção é dada pelos livros de Esdras e Neemias aos ministros do culto: Aarão e
os sacerdotes e levitas (1 Cr 9; 15-16; 23-26; 2 Cr 29-31; 35; Ne 12); mas só o
Cronista atribui aos levitas o título e a função de profetas (1 Cr 25,1-8).
Por isso,
poderá pensar-se num levita ou num grupo de levitas como autores desta obra.
O fato de o
Cronista se cingir ao reino do Sul, aos seus reis e ao seu culto, poderá
indiciar uma certa atitude polêmica em relação ao Norte: a Samaria, que há
muito se havia afastado do culto ao Deus verdadeiro. Mais um sinal de que a
fidelidade a Deus, manifestada no cumprimento da Lei e no ritual do culto de
Jerusalém, constitui o propósito fundamental desta obra.
Esdras e Neemias
Os livros de
ESDRAS e de NEEMIAS formavam um só "Livro de Esdras", na Bíblia
Hebraica e na versão grega dos Setenta. Como esta versão recolhia também o
livro apócrifo grego de Esdras e lhe dava o primeiro lugar (1 Esdras), o livro
de ESDRAS-NEEMIAS era denominado 2 ESDRAS. Na época cristã foi dividido em dois. A Vulgata
latina adotou essa divisão em 1 Esdras (=ESDRAS) e 2 Esdras (=NEEMIAS),
reservando ao apócrifo grego a designação de 3 Esdras. A designação dos dois
livros a partir das respectivas personagens principais, Esdras e Neemias, é
mais recente, mas foi assimilada mesmo nas edições impressas da Bíblia
massorética.
AUTORIA E DATAÇÃO Não é dada qualquer
indicação sobre o autor destes livros, mas admite-se ser um só: o mesmo chamado
Cronista, que redigiu e compôs a vasta síntese histórica dos dois livros das
Crônicas, seguidos de ESDRAS E NEEMIAS. Um dos indícios mais significativos é a
identidade entre os últimos versículos de 2 Crônicas (36,22-23) e os primeiros
versículos de ESDRAS (1,1-3), o que sugere a continuidade da narrativa. Pode,
assim, situar-se esta obra nos finais do séc. IV ou início do séc. III a.C..
QUESTÃO CRONOLÓGICA Discute-se qual dos
dois deverá ser colocado em primeiro lugar. Muitos preferem a sucessão NEEMIAS-ESDRAS;
mas ainda não se encontrou uma solução satisfatória para estabelecer a
cronologia dos acontecimentos em
questão. O texto fala da chegada de Esdras a Jerusalém, no
sétimo ano do rei Artaxerxes (Esd 7,7) e indica a sua atividade reformadora
(Esd 8-10); depois, vem Neemias, no vigésimo ano de Artaxerxes (Ne 2,1) e a sua
preocupação pela reconstrução das muralhas (Ne 1-7); surge outra vez Esdras,
para a leitura solene da Lei (Ne 8-9); e, finalmente, Neemias, por ocasião de
uma segunda estadia em Jerusalém, no ano 32.° de Artaxerxes (Ne 13,6-7).
Teriam estado
estes dois homens ao mesmo tempo em Jerusalém, a trabalhar independentemente? A
resposta mais aceitável é a seguinte: a atividade de Neemias seria toda ela
anterior a Esdras (Ne 1-7 e 10-13, onde aparece como construtor e reformador);
mais tarde, talvez no ano 7.° de Artaxerxes II (e não Artaxerxes I), por volta
de 398-397 a .C.,
veio Esdras a Jerusalém: empreendeu reformas (Esd 7-10), restaurou o culto e
fez a solene leitura pública da Lei (Ne 8-9). Ao aplicar a sua perspectiva
teológica a este emaranhado de dados, o redator final é que terá desorganizado
a cronologia real dos acontecimentos.
No entanto,
não se pode negar ou diminuir o valor histórico das informações veiculadas por
estes livros. Concordam perfeitamente com os dados das fontes bíblicas e
profanas, como, por exemplo, os papiros das ilhas Elefantinas (Egito).
DOCUMENTAÇÃO UTILIZADA Na composição
destes dois livros, o Cronista utilizou como fontes diversos documentos antigos
(entre eles, as memórias pessoais das duas personagens em questão), que ele
reproduziu e organizou, relacionando-os uns com os outros, segundo a sua visão
teológica, de forma a obter um conjunto harmonioso. Assim, podem encontrar-se:
a) documentos
oficiais em hebraico (listas, estatísticas, como as de Esd 2 e Ne 7,6-68;
10,3-30; 11,3-36; 12,1-26) e em aramaico (correspondência diplomática, decretos
oficiais: Esd 4,6-6,18; 7,12-26;
b) memórias de
Esdras (Esd 7-10), com partes redigidas na primeira pessoa (Esd 7,27-9,15) e
outras na terceira: Esd 7,1-10; 10; Ne 8-9;
c) memórias de
Neemias: Ne 1-7; 10; 12,27-13,31.
DIVISÕES E CONTEÚDO
O livro de ESDRAS divide-se em duas
grandes partes:
Regresso do Exílio e reconstrução do
templo: 1,1-6,22;
Organização da comunidade:
7,1-10,44.
O livro de NEEMIAS consta também de duas
partes:
Reconstrução das muralhas de Jerusalém:
1,1-7,72;
Proclamação da Lei e Reformas:
8,1-13,31.
Estas duas
partes andam à volta de certos temas dominantes, que se apresentam por esta
ordem:
Neemias passa
da corte persa para governador de Jerusalém: 1-2;
Construção das
muralhas, apesar de inúmeras dificuldades: 3-6;
Recenseamento
do povo, celebração da Lei e renovação da aliança: 7-10;
Repovoamento
de Jerusalém e das terras da Judéia: 11;
Medidas para
garantir o culto e a pureza dos costumes: 12-13.
PERSPECTIVA TEOLÓGICA ESDRAS e NEEMIAS
narram acontecimentos ocorridos logo após o édito de Ciro (538 a .C.), que permitia o
regresso do cativeiro da Babilônia. Mostrando a situação difícil dos repatriados,
fazem sobressair o esforço pela restauração do povo, no aspecto material e
religioso.
Contêm uma
admirável mensagem doutrinal, centrada em três preocupações fundamentais: o
templo, a cidade de Jerusalém e a comunidade do povo de Deus.
Após as provas
do Exílio, com as suas más conseqüências no aspecto religioso, o povo
organiza-se numa grande unidade nacional e religiosa.
Meditando na
Lei, compreende como o castigo lhe foi mandado por Deus, devido à sua
infidelidade, e como, apesar de tudo, a misericórdia divina se mantém para com
o resto de Israel, detentor das grandes promessas em relação ao Messias. A
Palavra de Deus é, assim, a base da reconstrução do povo que volta do Exílio.
Tobias
Escrito sob a
forma de um romance de raiz sapiencial, este livro narra-nos a história de
Tobite, de Sara, mulher de seu filho Tobias, e das respectivas famílias.
Apresentados
como israelitas piedosos, que sempre permaneceram fiéis ao Senhor seu Deus,
mesmo no meio das piores tribulações, constituem, por isso mesmo, um paradigma
de comportamento nas circunstâncias normais da vida.
Dentro desta
perspectiva, toda a trama se desenrola em torno de questões práticas que vão
sendo resolvidas sempre com uma fé inabalável em Deus e dentro da fidelidade
absoluta à sua vontade.
Atribuindo-lhe
uma linguagem dos nossos dias, poderíamos dizer que se trata de um tema de
amor. Amor de dois jovens esposos; amor das diversas personagens dentro do
quadro das respectivas famílias; amor dos fiéis pelo seu Deus que, através dos
séculos e do suceder-se aparentemente inocente dos acontecimentos, guia o seu
povo em direção ao cumprimento do seu destino de realização plena.
O TEXTO A história da sua transmissão é
algo atribulada e só com alguma dificuldade entrou no conjunto dos livros
canônicos. Com efeito, é considerado apócrifo pelas Igrejas Evangélicas, não
faz parte do cânone hebraico e só o Concílio de Hipona, em 393, o admitiu como
inspirado. O livro foi redigido em aramaico, língua esta que, sendo próxima do
hebraico, rapidamente se tornou também veículo de comunicação em toda a zona do
Crescente Fértil e das suas zonas circundantes. Não chegou até nós nenhuma
versão do texto nesta língua. Assim, o conhecimento que temos desta obra, é
através das suas traduções em grego e latim. Para a tradução que se segue,
usamos quase exclusivamente o chamado texto longo da versão dos LXX.
AMBIENTE E CRONOLOGIA Não há unanimidade
acerca da data de composição do livro. Para uns, teria sido escrito
provavelmente entre os anos 200 e 180
a .C. e para outros numa data muito posterior. Como quer
que seja, todo o texto deixa perceber um ambiente ligado à diáspora, em torno à
época do exílio persa. Contudo, e independentemente das considerações
cronológicas, é um texto com uma intencionalidade didática e edificante
evidente, visível não só a partir da sua forma narrativa, em jeito de saga, mas
também a partir da constatação do pouco cuidado que o autor colocou nas
referências cronológicas, históricas e geográficas, que resultam, na sua
maioria, incoerentes.
CONTEÚDO O esquema geral da obra é a
seqüência da sua história: Origens de Tobite e a sua piedade (cap. 1). Tobite
no cativeiro (2,1-9). A sua resignação nas provas (2,10-3,6). Sara, no meio da
sua aflição, ora ao Senhor (3,7-17). Discurso de Tobite a seu filho (cap. 4). O
filho de Tobite empreende a viagem, acompanhado por um anjo (5,1-6,9). Bodas do
filho de Tobite com Sara (6,10-8,9). Gabael assiste às bodas (cap. 9). Regresso
de Tobias para junto de seus pais (10-11). Revelação do anjo (cap. 12). Cântico
de Tobite (cap. 13). Mortes de Tobite e de Tobias (cap. 14).
DIVISÃO E CONTEÚDO O livro pode
dividir-se nas seguintes secções:
História de Tobite:
1,1-3,6;
História de Sara:
3,7-4,21;
Preparação da viagem:
5,1-23;
Viagem à Média: 6,1-19;
Casamento de Tobias e Sara:
7,1-14,15.
MENSAGEM TEOLÓGICA Depois do Exílio,
enquanto uma parte do povo judeu se reuniu à volta de Jerusalém, um grande
número permaneceu na Babilônia e nos outros territórios em redor de Israel: no
Egito, na Assíria e nos territórios que atualmente constituem a zona norte do
Irão. Muito provavelmente, o livro de TOBITE nasce dentro deste ambiente
lingüístico e geográfico. Ao ser um texto narrativo de caráter
"romanceado", a atenção do leitor é levada a centrar-se nas personagens,
nas suas genealogias escrupulosamente israelitas e na forma fiel e piedosa
segundo a qual orientam as suas vidas. Estas características, típicas dos
intervenientes, são ainda postas em relevo graças ao recurso sistemático a
comparações, quer com os outros membros do povo de Israel, quer com as
personagens reais com as quais cada um deles se vai relacionando.
Assim, o texto
avança claramente em dois níveis paralelos e concêntricos de desenvolvimento:
por um lado, o nível da fidelidade e piedade de Tobite e dos seus familiares
diretos; por outro, a infidelidade do povo e a impiedade dos governantes. Todo
o enredo, na sua forma simplista, está impregnado de um inconfundível sabor
sapiencial e de referências indisfarçáveis, por exemplo, à História de José e à
personagem de Jó.
Nesta
simplicidade linear, o texto não é capaz de criar qualquer tensão dramática.
Desde o início, o leitor tem a sensação de já saber o que vem a seguir.
Seguindo as regras típicas deste gênero, o texto avança num crescendo de
complicação com sucessivos momentos de resolução, atingindo o climax ou ponto
de viragem quando ficam resolvidas as duas dificuldades principais ligadas à
questão da herança: o aspecto financeiro e a descendência, que se supõe venha a
seguir-se à conclusão feliz do casamento de Sara e Tobias.
Apesar disto,
e na sua ingenuidade, o livro de TOBITE respira um ambiente de fé incondicional
em Deus. Para
além das tribulações e dificuldades sofridas, as personagens centrais vivem com
a certeza inabalável da presença de Deus, como condutor da História, e da
recompensa que hão de ter pela sua fidelidade.
O próprio nome
de Tobite (abreviatura hebraica de "Tôbiyyâh", que quer dizer
"Deus é bom", ou "o meu bem está em Deus") confirma a ação
da divina Providência, que vela por aqueles cuja fé é inabalável e os ajuda a
vencer as provações, acabando por lhes dar uma recompensa muito acima de toda a
expectativa, como no caso do próprio Tobite.
Judite
Este livro,
cujo nome é o da sua figura principal, mostra-nos como Israel domina todas as
dificuldades quando obedece ao Senhor.
As pessoas e
os lugares nele descritos fazem crer que o autor pretendeu dar-lhes nomes
fictícios, embora não se saiba exatamente porquê.
O significado
de alguns deles quadra bem com o próprio conteúdo do livro. O nome da heroína,
Judite, que lhe serve de título, simboliza "a judia", expressão
frágil e desamparada do próprio Israel, sob a ameaça dos inimigos.
O importante,
contudo, é a lição que nos é dada pelo seu cântico: só os que temem o Senhor
podem ser grandes em todas as coisas.
TEXTO Aquele que terá sido o texto
original hebraico ou aramaico do Livro de JUDITE há muito que desapareceu. O
testemunho escrito que chegou até nós era constituído por três recensões
gregas, uma versão siríaca, a antiga versão latina e a tradução latina feita
por São Jerônimo. As poucas recensões hebraicas que se conhecem são
consideradas pouco fidedignas para nos darem a conhecer o texto original, uma
vez que se apresentam como elaborações livres feitas sobre o mesmo texto.
Segundo
Orígenes e São Jerônimo, este livro não era considerado canônico pelos judeus
da Palestina. Entretanto, foi traduzido pelo Targum, e o Talmude atribuiu-lhe
um grau inferior de inspiração. Contudo, no séc. I d.C. o livro fazia parte do
cânone dos judeus de Alexandria. Tudo isto contribuiu para o fato de alguns
Padres da Igreja terem posto em causa, e mesmo negado, a sua inspiração.
O texto desta
Bíblia foi traduzido a partir da edição crítica dos Setenta de A. Rahlfs,
Septuaginta, elaborada com os textos gregos recolhidos dos códices Vaticano,
Sinaítico e Alexandrino.
CONTEXTO HISTÓRICO Estamos, muito
provavelmente, diante de um texto didático, composto a partir de um núcleo
original. Com efeito, o texto que chegou até nós apresenta dados históricos e
geográficos que põem muitos problemas, quer de situação, quer de identificação.
Por exemplo: Nabucodonosor é posto a lutar contra um Medo, de nome Arfaxad, que
não se sabe exatamente quem é. Diz-se, igualmente, que conquistou Ecbátana,
quando se sabe que ele nunca conquistou esta cidade nem combateu os Medos. A
cidade de Betúlia, o Sumo Sacerdote Joaquim e a própria Judite, excetuando a
filha de Jacob e Lia, não aparecem referidos em nenhum outro texto do Antigo
Testamento.
DIVISÃO E CONTEÚDO O livro de JUDITE
divide-se em duas partes:
Antecedentes do cerco a Betúlia
(1,1-6,21): o poder de Nabucodonosor (1); expedição de Holofernes (2);
procedimento das nações gentias (3); os Judeus preparam-se para a guerra (4);
discurso de Aquior a Holofernes (5); resposta de Holofernes (6).
Vitória dos Judeus (7,1-16,25): a
situação torna-se difícil em Betúlia (7); Judite diante dos chefes do povo (8);
a oração de Judite (9); a caminho do acampamento assírio (10); na presença de
Holofernes (11); Judite na ceia de Holofernes (12); regresso triunfante à
cidade (13); ataque contra os assírios (14); vitória completa dos Judeus (15);
cântico de Judite (16,1-17); conclusão da história de Judite (16,18-25).
TEOLOGIA Quando Holofernes e os assírios
sitiaram Betúlia, esgotou-se a água na cidade, e os seus habitantes estavam na
iminência de perecer. Foi então que uma viúva, chamada Judite, traçou e pôs em
prática um plano, que levou os sitiantes à debandada e deu a vitória final aos
israelitas.
Como quer que
seja, e para além dos pormenores históricos e geográficos, a doutrina do livro
merece a nossa atenção. Estamos diante da afirmação de verdades que em nada
põem em causa o conjunto da teologia do AT: proclama-se a providência de Deus
para com o seu povo; a onipotência, realeza e sabedoria universal de Deus; a
idéia da dor e do sofrimento como prova; a centralidade, reverência e
valor do templo; o valor do jejum, da oração e dos atos de penitência.
Este livro
manifesta, sobretudo o amor de Deus pelos pequenos, servindo-se de todos os
meios para os defender. No nosso caso, de uma mulher, que nunca tinha
participado numa guerra.
Ester
O livro de
ESTER é uma apaixonada descrição das experiências dramáticas por que passou a
comunidade hebraica de Susa, quando esta cidade era capital do império persa.
O texto sugere
que esses acontecimentos afetariam a vida de todos os judeus residentes dentro
das fronteiras daquele imenso império, que se estendia desde a Índia até à
Etiópia. Quer dizer que os episódios narrados atingiam todos os judeus do mundo
e as conseqüências diziam respeito à sua sobrevivência.
As figuras
centrais são um judeu de nome babilônico Mardoqueu e uma sua parente e
protegida, chamada Ester, nome de ressonâncias simultaneamente babilônicas e
persas. Mardoqueu surge como chefe da comunidade judaica; Ester é a personagem
decisiva no desenrolar dos acontecimentos.
O livro
descreve uma ameaça de morte que se transformou numa afirmação de triunfo.
Semelhante sucesso merece ser celebrado e recordado. E, de fato, o livro de
ESTER culmina numa festa anual, ainda hoje celebrada entre os judeus: a festa
de "Purim", ou das "sortes" lançadas e transformadas.
Esta
multiplicidade de experiências tem a sua expressão no próprio estado do texto
chegado até nós, com dois estratos bem distintos: algumas secções, que
constituem a parte mais longa e mais antiga estão em hebraico e parecem
representar o fio condutor da história; outras encontram-se só em grego e são
suplementos, ampliações e reformulações do mesmo assunto, mas com um espírito e
um horizonte algo diferentes, tentando recriar e reformular novas perspectivas.
Estas novidades do texto grego vão sendo inseridas ao longo de toda a história
descrita.
São Jerônimo,
ao preparar a edição da Bíblia em latim, chamada Vulgata, para que estas
interrupções não cortassem a seqüência do texto hebraico, decidiu colocar em
primeiro lugar a tradução contínua do hebraico e acrescenta-lhe os suplementos
em grego, numerados nos capítulos 11
a 16. E assim se apresentava o livro de ESTER, nas
traduções que dependiam diretamente da Vulgata.
No entanto,
esta solução tornava mais difícil a leitura dos suplementos, que não
representavam uma seqüência completa. Por isso, é hoje mais habitual manter as
interpolações do texto grego no seu lugar correspondente na narrativa,
distinguindo-as do texto hebraico por um tipo de letra e por uma numeração
diferentes.
HISTORICIDADE Literariamente, esta
narrativa apresenta-se como descrição histórica. Aliás, em 9,32 e 10,2 existem
alusões explícitas ao fato de ter sido escrito aquilo que acontecera com Ester
e com Mardoqueu. Esta fisionomia literária condiz bem com o caráter mais ou
menos histórico do seu conteúdo. A descrição dos ambientes e dos costumes tem
alguma exatidão.
No entanto,
numerosos indícios levam-nos a pensar que os muitos elementos de figuras e
experiências históricas podem ter sido elaborados nesta obra, que é construída
segundo o modelo literário de um romance histórico. Os nomes de Mardoqueu e de
Ester dão aos seus heróis certa verossimilhança histórica. O nome de Assuero,
dado ao rei, é a versão bíblica normal para o bem conhecido nome de Xerxes. E
isto constitui mais uma razão de verossimilhança histórica. A vida da corte,
aqui descrita, corresponde igualmente bem à imagem histórica; pelo contrário, o
fato de Mardoqueu ter sido exilado de Jerusalém no tempo de Nabucodonosor e
estar ainda, mais de cem anos depois, a dirigir estes acontecimentos levanta
fortes dúvidas. Além disso, os conflitos religiosos e culturais descritos, e
mesmo os nomes da rainha rejeitada e da nova rainha escolhida por Assuero, ou
Xerxes, são inteiramente desconhecidos na corte persa.
É possível,
por conseguinte, que tenham sido acumuladas aqui, numa única história, muitas
experiências dramáticas de comunidades judaicas em contextos sociais adversos;
e também muitas esperanças que, entretanto, as foram reanimando,
garantindo-lhes a sobrevivência. De tudo isso poderá ter resultado este livro,
como memória exultante e como razão de esperança.
De fato, em
ESTER condensam-se experiências de rejeição e de ameaça, que punham em causa a
sobrevivência do judaísmo e, por antítese, descreve-se a forma como todos os
perigos se transformaram em retumbante afirmação dos seus ideais. Tão
entusiasta quiseram os judeus tornar a sua vitória, que não conseguiram evitar
excessos: da pura autodefesa, passaram a gestos exagerados de vingança.
ORIGEM, ACEITAÇÃO E DIVISÃO Os problemas
quanto ao seu conteúdo vão desembocar na data de composição deste livro. A
opinião mais aceite é a de que o texto hebraico teria sido escrito durante o
séc. III ou II a.C.. Nessa altura, o império persa já tinha terminado.
Significaria isto que as situações descritas se referiam ao tempo dos persas,
mas os problemas e as preocupações reais que, naquele momento, levavam a
escrever este livro, podiam ser confrontações com outros inimigos. De fato, no
séc. III a.C. ou depois, os conflitos do judaísmo eram sobretudo com o
helenismo. E, se assim foi, o livro de Daniel e o de Judite dão testemunho de
um recurso literário muito semelhante: servir-se de uma história referente a
épocas do passado para enfrentar e combater dramas próprios do momento
presente.
O Novo
Testamento não deu muita importância a este livro, pois não se refere a ele. O
judaísmo, pelo contrário, sempre o valorizou bastante. A festa de Purim, aqui
iniciada, também não consta no calendário de Qumrân, nem o livro é referido na
biblioteca da seita. Mas, para o judaísmo, ESTER foi sempre um dos mais
importantes dos cinco "rolos" ou "livros" cuja leitura
ocorria regularmente em certas festas. O Cânon hebraico ou judeo-palestinense
inclui só o texto hebraico de ESTER, classificando-o na categoria dos
"Escritos" ou "Literatura". O Cânon grego ou
judeo-alexandrino inclui também os suplementos gregos, considerando-os
igualmente canônicos, aparecendo ESTER entre os livros históricos.
O esquema
geral do livro é aquele que se nos apresenta através da narrativa em hebraico:
Ester torna-se rainha: A,1-2,23;
Conspiração contra os judeus: 3,1-5,14;
Haman é condenado à morte: 6,1-7,10;
Os hebreus vingam-se dos inimigos:
8,1-F,11.
TEOLOGIA É, sobretudo, na teologia que se
nota a diferença mais sensível entre o texto hebraico e os textos em grego. No texto hebraico não existe sequer
referência ao nome de Deus. Seja qual for a razão que levou a uma narrativa de
aspecto aparentemente laico, pressupõe-se que, por detrás das vicissitudes da
experiência histórica, existe uma outra instância da qual poderá vir a resposta
para os problemas, se os humanos não forem capazes de os resolver (ver 1,14). É
uma evidente referência a Deus, implícita mas forte. Além disso, toda a
narrativa se desenvolve num ambiente e com uma ressonância sapiencial clara.
Ora toda a sabedoria oriental, mesmo quando expressa numa linguagem aparentemente
profana, está imbuída de um profundo humanismo religioso.
Uma das
evidentes novidades do texto grego
é a maneira como sublinha os vários aspectos teológicos, em concreto a
intervenção de Deus como providente condutor dos acontecimentos históricos. À
primeira vista, pareceria que foi esta a razão que levou aos acrescentos
gregos. Mas, fosse ou não essa a intenção principal, o fato é que o texto grego
enquadra toda a história no contexto de um sonho, que é contado no princípio e
explicado no fim. Tudo o que acontecera já tinha sido revelado a Mardoqueu por
meio daquele sonho: estava previsto e cumpriu-se tal qual.
Isto é a
expressão de uma concepção de História conduzida providencialmente, que vê os
acontecimentos como um plano de Deus. Precisamente no final do capítulo 4, ao
aproximar-se o momento decisivo, é que o texto grego insere os suplementos da
letra C, com uma oração de Mardoqueu e outra de Ester, cheias de ressonâncias
bíblicas.
Aliás,
conflitos como os apresentados neste livro costumam empurrar as partes em
litígio para comportamentos, que só quando excessivos dão a sensação de
vitória. De fato, na Bíblia, o castigo dos maus, mesmo quando é atribuído a
Deus, tem freqüentemente aspectos excessivos.
É também
importante, do ponto de vista religioso, o fato de o livro de ESTER servir como
texto justificativo da festa religiosa de "Purim", que se tornou uma
das mais pitorescas do calendário religioso dos judeus, semelhante ao nosso
Carnaval.
Os livros dos Macabeus
Os livros de Esdras e Neemias relatam a
restauração do povo judeu na sua terra após o exílio (587-538 a .C.). Cobrem um período
de tempo que vai possivelmente até 398 a .C. Após esta data, a história de Israel não
nos é documentada pela Bíblia até a época dos Macabeus, que começa em 175. A partir de fontes no bíblicas, podemos assim
reconstituir os principais acontecimentos:
O domínio persa, sob o qual os judeus voltaram à
Terra Santa, não ocasionou dificuldades religiosas para Israel. Os persas foram
vencidos por Alexandre Magno na batalha de Arbelas (331 a .C.). Já antes, em 338 a .C., Alexandre havia
invadido a Palestina. Morto o imperador em 323, os seus territórios foram
repartidos entre os generais: Ptolomeu I Lago ficou com o Egito e, a partir de
295, com a terra de Judá; o domínio da família dos Ptolomeus se estendeu até
198 sem incômodo religioso para os judeus (exceto sob o reinado de Ptolomeu IV,
221-203).
Em 198, Antíoco III, que reinava na Síria, venceu
Ptolomeu V na batalha de Panion, e passou a dominar a Palestina; foi favorável
aos judeus e ao Templo de Jerusalém. O seu sucessor, Seleuco IV (187-175),
deixou os judeus em paz, até o último ano do seu reinado, quando tentou
depredar o Templo de Jerusalém (cf. 2Mc 3,1-40). O rei seguinte, Artíoco IV
(175-163), ocupou Jerusalém , e quis impor aos judeus costumes pagãos ou a
helenização, com anfiteatros, estádios esportivos, consumo de carne de
porco. Muitos judeus resistentes foram
mortos; outros, reduzidos à escravidão; outros, porém, cederam à pressão,
desertando da fé. O Templo de Jerusalém foi profanado, pois nele introduziram
uma estátua de Júpiter.
Levantou-se então o sacerdote Matatias, como chefe
de guerrilha e guerra contra os sírios, acompanhado por seus filhos Jogo,
Simão, Judas, Eleazar e Jônatas (1Mc 2,1-14). O mais valente de todos esses
guerreiros foi Judas, chamado “Macabeu” (martelo, provavelmente). — Aliás, o
nome “Macabeu” passou a designar todos os que resistiam aos dominadores pagãos
(em 2Mc 7, sete irmãos mártires são chamados “macabeus”). A família de Matatias
também foi dita “dos hasmoneus”; uma vez bem sucedida na luta, teve a chefia em
Judá durante uns 130 anos, mas aos poucos foi perdendo a sua têmpera ardorosa e
cedeu aos costumes pagos, de modo que o nome “hasmoneu” soa mal aos ouvidos dos
judeus até hoje.
Os livros dos Macabeus narram as façanhas da
resistência judaica; o primeiro vai do começo do reinado de Antíoco IV (175 a .C.) até a morte de
Simão Macabeu (134 a .C.),
o que equivale a quarenta anos; o segundo não continua o primeiro, mas vai de 175 a 160 a .C.
Abordemos cada qual dos dois
livros.
O primeíro livro dos Macabeus
O 1Mac, após breve relato da difícil situação (1,1
-2,70), narra os feitos de Judas Macabeu (166-160) em 3,1-9,22; os de Jônatas
(160-142) em 9,23-12,53, os de Simão (142-134) em 13,1-16,22. Judas conseguiu
vencer os sírios e recuperar o Templo que ele mandou purificar e dedicar de
novo em 164 (3,1-4,61); morreu no campo de batalha (9,17s). Jônatas foi ainda
mais feliz em suas campanhas militares e diplomáticas, mas começou a se afastar
do ideal do seu pai, aliando-se a pagos e colocando os interesses políticos
acima dos religiosos; aceitou ser nomeado Sumo Sacerdote pelo rei sírio
Alexandre Balas; morreu vítima de emboscada em 142. Sucedeu-lhe seu irmão Simo,
cujo prestígio ainda foi maior; cultivando amizade com os estrangeiros (sírios,
espartanos, romanos), obteve a autonomia política para seu povo; usava os
títulos de “Sumo Sacerdote” e “Etnarca” (chefe da nação) dos judeus; cf. 15,1.
Morreu tragicariente colhido em cilada, e teve por sucessor seu filho João
Hircano (134); cf. 16,11-24.
O 1Mac é o livro bíblico que mais se aproxima do
modo científico de narrar a história; expõe os fatos — geralmente façanhas
militares — com clareza e objetividade; não deixa, porém, de ceder ao gosto dos
historiadores semitas antigos, quando, por exemplo, exagera os números dos
soldados postos em guerra (4,28,34; 5,30.45; 6,30; 7,41.. .) ou as dimensões da
derrota do inimigo (5,50s; 7,46. . .). O autor se compraz em referir longos discursos
e oraçães (2,49-68; 3,18-22.50-60; 4.8-1 1. . .) e em transmitir ao leitor
fragmentos da poesia popular (1,27-29.38-42; 2,8-13; 2,1-9.
Algumas passagens do livro parecem ser o
depoimento de uma testemunha ocular, que acompanhou de perto os acontecimentos
(6,39; 7,33; 8,19; 9,43-49). Outros trechos nos apresentam o próprio texto de
documentos oficiais, que o autor deve ter conhecido nos arquivos e nos anais do
Templo de Jerusalém; ver 5,10-13 e 8,23-32 (cartas a Galaad e aos romanos);
12,6-18 (carta de Jônatas aos espartanos); 15,16-21 (carta de Lúcio, cônsul
romano, a Ptolomeu), 14,27-45 (inscrição em honra de Simão).
A leitura de 1Mac talvez pareça um tanto árida,
porque o autor se detém longamente nos acontecimentos de guerra e nas
intrigas políticas. É preciso, porém, perceber através dessas narrativas a fé
ardente do judeu que as escreve; ele é um adversário enérgico da helenização
ou. paganização da sua gente e quer exprimir a sua admiração pelos heróis que
combateram em prol da Lei e do Templo e que reconquistaram para o povo a
liberdade religiosa. As diversas façanhas do livro são precisamente a
demonstração do zelo religioso: por causa da Lei Santa a batalha começa (2,21s.
27.42-48) e só termina quando a Lei é devidamente restaurada na vida do povo
(3,20s; 14,14). Observemos que o nome de Deus é sempre substituído por outra
expressão como “o Céu” (3,18s.50.60; 4,10.24; 12,15), “Ele (4,24).
O autor deve ter escrito nos últimos anos de João
Hircano (134-140 a .C.)
ou pouco depois da morte dele, em hebraico, na Palestina. O livro não foi
recebido pelos judeus da Palestina em seu catálogo bíblico, pois estes julgavam
encerrado o cânon antes da época dos hasmoneus, que não lhes era de grata
recordação. Os israelitas, porém, estimavam os livros dos Macabeus, como se
depreende do uso que deles fazem os escritores Flávio José (37-95 d.C.) e Filon
de Alexandria (44 d.C.).
O segundo livro dos Macabeus
O 2Mac repassa a história dos Macabeus desde a
tentetiva, feita por Heliodoro (ministro de Seleuco IV), de depredar o Templo
de Jerusalm até a morte de Nicanor, General do rei Demétrio li da Síria, ou
seja, desde 175 até 160 a .C.
Após uma introdução, que apresenta duas cartas e o
prólogo (1,1-2,32), o livro se divide em duas partes:
a) a perseguição movida pelos reis Seleuco IV e
Antíoco IV (3,1-7,42);
b) a guerra de Judas Macabeu contra os sírios
(8,1-15,37).
Donde se vê que 2Mc corresponde apenas à primeira
das três partes de 1Mac (1Mac 3,1-9,22).
Espartanos são os habitantes de Esparta, antiga
cidade da Grécia, que vivia sob rígida disciplina militar.
O 2Mac é o resumo de uma obra que constava de
cinco volumes, escrita por Jasão de Cirene. O próprio autor do resumo dos diz
no prefácio (cf. 2,20-33) que a longa obra de Jasão constava
de dados prolixos e copiosos (cf. 2,24), que provavelmente foram
retirados dos arquivos do Templo e dos depoimentos de testemunhas oculares. O
estilo, porém, do autor de 2Mac muito difere do estilo de 1Mac: parece um
pregador mais do que historiador; compraz-se em descrições trágicas, na menção
de intervenções extraordinárias de Deus e dos anjos nos acontecimentos
narrados; serve-se de construções retóricas e apresenta números exagerados (cf.
3,11; 10,23); propõe suas reflexões piedosas sobre os acontecimentos (5,17-20; 6,12-17,
6,31. . .). Aliás, tal modo de escrever não era raro na época entre os autores
de língua grega. Pode-se dizer que entre 1 e 2 Mac existe a diferença que há
entre 1 e 2 Rs e 1 e 2 Cr; estes são livros cujo fio condutor é estritamente
teológico, procurando enfatizar a ação do Senhor na história mais do que Rs.
A finalidade do autor era confirmar a fé dos
leitores na Providência de Deus para com seu povo. Quase toda a história
narrada versa sobre o Templo de Jerusalém; os pagos reconhecem a santidade
deste (2,22; 3,2; 5,15; 15,18); o próprio Céu a afirma solenemente (3,24-29,
13,6-8, 14,32-35; 15,28-35), a profanação do Templo é apresentada como algo
permitido por Deus (5,17-20); de resto, também as duas cartas transcritas no
início do livro (1,1-l0a; l,l0b-2,19) tratam da celebração da festa da
dedicaç5o (hanukká) do Templo.
Note-se que a família dos hasmoneus é, de certo
modo, posta na penumbra; somente no cap. 8 começa a menção de Judas, tido como
o herói que reconquista o Templo. As figuras de Eleázaro (6,18-31) e dos sete
irmãos “macabeus” (7,1-42), que no ocorrem em lMc, so descritas por 2Mc como
mártires defensores da Lei de Deus, desprezada pelos ímpios.
Muito digno de nota é que em 1 e 2 Mac se acham
três relatos da morte do rei Antíaco IV; 1Mac 6,1-16; 2Mac 1,11-17 e 2Mac 9,1-29.
Ora observemos que o primeiro e o terceiro concordam entre si em suas linhas
principais; o segundo, porém, diverge; deve ser o eco das tradições populares,
que imaginaram o trágico desfecho do rei perseguidor; o autor sagrado apenas
transcreve a carta que contém tais tradições populares, sem pretender garantir
a veracidade das mesmas; ele é fiador apenas do que ele afirma como autor
sagrado (1Mac 6,1-16 e 2Mac 9,1-29).
As numerosas aparições de anjos e figuras maravilhosas
em 2Mac não são algo de impossível; cf. 3,25s; 5,2-4; 11,6-8; 15,23 - Visto,
porém, o estilo geral do livro, pode-se crer que o autor sagrado, ao
mencioná-las, tenha intencionado apenas salientar a interverço de Deus que no
abandona o seu povo; tais cenas seriam a concretização literária daquilo que o 1Mac
chama simplesmente “o auxílio proveniente do céu” (1Mac 16,3; cf. 3,19; 4,10;
9,46; 12,15).
Jasão de Cirene, autor dos cinco livros
subjacentes a 2Mac, foi um judeu de diáspora Cirene ficava no norte da África.
Era homem
de zelo e piedade. Quanto aquele que é o resumo 2Mac, é nos desconhecido;
preocupava-se com a arte de traduzir, na qual e afadigou (leia o prefácio:
2,19-32; o autor diz que muito labutou para fazer seu compêndio — o que bem mostra
que a inspiração bíblica não é revelação, mas é iluminação da mente para que o
escritor produza obra isenta de erros). Merece atenção também o epílogo
(15,37-39).
Jasão terá escrito sua longa obra em meados do séc. II; em 2,21 alude ao fim do reinado de Antioco V. O resumo ( = 2Mc) terá sido confeccionado no último decênio do século lI a.C. Os judeus não aceitaram tal obra, dada a sua origem tardia; por isto é deuterocanônica. Todavia a epístola aos Hebreus, em 11,35, alude ao martírio de Eleázaro (6,1831) e dos sete irmos “macabeus” (7,1-42).
Jasão terá escrito sua longa obra em meados do séc. II; em 2,21 alude ao fim do reinado de Antioco V. O resumo ( = 2Mc) terá sido confeccionado no último decênio do século lI a.C. Os judeus não aceitaram tal obra, dada a sua origem tardia; por isto é deuterocanônica. Todavia a epístola aos Hebreus, em 11,35, alude ao martírio de Eleázaro (6,1831) e dos sete irmos “macabeus” (7,1-42).
A importância doutririária de 2
Mc
O valor teológico de 2Mac é enorme; atesta a
evolução do pensamento religioso judaico e algumas de suas proposições no
limiar da era cristã. Enumeremos os seguintes pontos:
Diáspora quer dizer disperso, em grego. Significa
o povo judeu espalhado fora da Palestina.
Toda a história narrada é a da Providência Divina.
Deus “tudo fez a partir do nada” (7,28), e é o grande Regente dos
acontecimentos humanos: 5,17s;7,1619.33-35.
A ressurreição dos corpos, no sentido próprio da
expressão, é professada pelos mártires antes de serem entregues à morte: cf.
7,9.11.14.23. Os ímpios também terão sua ressurreição, embora “não para a vida”
(7,14). A cada qual será atribuida a sorte correspondente após o percurso desta
vida: Deus levará a juízo e a sanção todo e qualquer homem: 6,26;
7,14.19.23.29.36; 12,43-46; 14,46.
Esta posição doutrinária é de grande significado.
Punha fim à concepção de cheol, lugar subterrâneo no qual os bons e os maus,
após a morte, se encontrariam adormecidos ou inconscientes, incapazes de
receber alguma sanção. Os livros de Jó e do Eclesiastes, ao abordarem o
problema da retribuição, não puderam formular a resposta cabal porque lhes
faltava a noção de uma existência póstuma consciente.
A doutrina do purgatório póstumo e do sufrágio
pelos defuntos se acha esboçada em 2Mac 12,38-46; alguns soldados judeus,
caídos na guerra em defesa das suas tradições religiosas, traziam em suas
vestes amuletos pagãos — o que era incoerente ou pecaminoso; Judas Macabeu
então mandou fazer uma coleta, cujo produto foi enviado a Jerusalém “a fim de
que se oferecesse um sacrifício pelo pecado” (12,43). “Ele mandou oferecer esse
sacrifício expiatório pelos que haviam morrido, a fim de que fossem absolvidos
do seu pecado” (12,46).
A intercessão dos Santos na glória pelos seus
irmãos peregrinos na terra é atestada em 15,11 -16; Onias e Jeremias, já
falecidos, aparecem a Judas Macabeu como intercessores em favor dos irmãos militantes.
Esta concepção de que a morte não interrompe a
comunhão entre os membros do povo de Deus e não impede a oração de uns pelos
outros havia de se desenvolver adequadamente na teologia do cristianismo.
Por estes títulos o 2Mac foi muito caro à tradição
cristã, especialmente à liturgia.
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