ECLESIOLOGIA
Professando
“Creio em um só Deus Pai todo-poderoso”, o cristão põe em relevo a obra do Pai
na história da salvação: é Ele o “Criador do céu e da terra”. Assim o Pai é
apresentado como o Princípio, Aquele que, criando, desencadeia todo o processo
da história subseqüente.
Ao professar a
fé no Filho, o cristão afirma a obra salvífica do Filho: “Ele se fez homem,
nascendo de Maria Virgem; padeceu, morreu, ressuscitou e subiu ao céu, donde
voltará para julgar os vivos e os mortos”. Assim se apresenta o Filho como o
novo Criador, Aquele que dá origem a uma nova humanidade posta em comunhão com
a vida do próprio Deus; fomos feitos filho no FILHO.
O cristão
professa sua fé no Espírito Santo que existe e opera na Santa Igreja Católica,
ou seja, para rematar a obra de Jesus Cristo, levando à plenitude, em cada
cristão, a Redenção e configurando a Cristo os discípulos de Cristo.
Assim, a
Igreja é Santa, porque é vivificada pelo Espírito Santo, como obra prima do
Paráclito. Ela possui a garantia da indefectibilidade em assuntos de fé e de
moral, porque é animada pelo Espírito.
A Igreja é
dita “a comunhão dos Santos”. Esta expressão traduz o grego koinonia ton
hagion, que se deve entender como comunhão de todas as coisas, antes do mais.
Essas “coisas santas” são os méritos de Cristo, dos quais cada cristão é feito
participante pelo Santo Batismo; visto que todos participam desse mesmo
tesouro, todos comungam entre si, fazendo a comunhão de pessoas santas, pessoas
santas na medida em que comungam com os méritos de Cristo, que é o santo por
excelência.
A remissão ou
o perdão dos pecados é o fruto imediato da comunhão do cristão com a Igreja
vivificada pelo Espírito. O próprio Jesus associou a remissão dos pecados ao
envio do Espírito Santo, quando na noite de Páscoa soprou sobre a face dos
discípulos e lhes disse: “Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes
os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão
retidos” (Jo 20,22-23).
Tendo recebido o perdão dos pecados,
o cristão cultiva uma vida nova, “um tesouro em vaso de argila” (2Cor 4,7),
tesouro que tende a desabrochar sobre o próprio corpo humano no dia da
ressurreição da carne ou no fim dos tempos.
Daí
seguir-se-á a vida eterna ou a bem-aventurança dos justos.
É
nestes temos que se esboça o conceito central de Igreja, o conceito que o
Concílio Vaticano II mais incutiu, que é o de Igreja-Sacramento. Sim; a
Igreja é uma realidade divino-humana; através de instrumentos humanos e
elementos sensíveis, Cristo comunica a sua graça a quem participa desse
sacramento: “A Igreja é em Cristo como que o Sacramento ou o sinal e
instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano”
(Lumem Gentium).
ANTES DA
CRIAÇÃO DO MUNDO
Ef 1,4 “o Pai nos escolheu antes da criação do
mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor”.
“Antes da
criação do mundo”. Eis palavras densas, que revelam o desígnio de Deus em
relação aos homens. Este desígnio parte do Pai e volta ao Pai.
Tem por centro
Jesus Cristo e por termo final nós, os homens. Somos reunidos pelo Amor ou no
Amor, que é o Espírito Santo. Este nos enxerta em Cristo, pelo qual nos
voltamos para o Pai.
Esta reunião de todos os homens em Cristo,
vinculados pelo Amor (Espírito Santo), é o que o Novo Testamento chama de
Igreja.
Isto
quer dizer que o conceito de Igreja é parte integrante do eterno plano
salvífico de Deus.
O
eterno desígnio de Deus começou a se esboçar no tempo a partir da figura de
Abraão (séc. XIX a.C.). Deus
então escolheu um povo que seria o portador da fé e da esperança da humanidade.
Com esse povo descendente de Abraão Deus quis fazer uma aliança, renovada por
intermédio de Moisés (séc. XIII a.C.), aliança que era a preparação da Aliança
definitiva a ser celebrada na plenitude dos tempos. Em Cristo e por Cristo
revelou-se de maneira plena o plano salvífico de Deus. Este continua a se
desdobrar, dia por dia, na Igreja e pela Igreja, que é o Corpo de Cristo,
peregrino na terra até chegar à consumação na glória da Jerusalém celeste.
DA CRIAÇÃO ATÉ MOISÉS
Tendo
dito Não a Deus por soberba, os primeiros pais perderam a especial
comunhão com Deus e acarretaram sobre si e seus descentes a morte, o
sofrimento, a desordem das paixões. Mas logo depois da queda começou a série de
etapas destinadas a preparar a restauração da plena comunhão com Deus.
1)
A promessa feita aos primeiros pais. Deus prediz a Eva que da sua linhagem
sairá alguém que esmagará a cabeça da serpente ou do tentador (Gn 3,15). Já se
esboça então a linhagem daqueles que lutam contra o pecado e que têm seu
expoente máximo no Senhor Jesus. Este, embora vencedor do Maligno, seria por
ele ferido no calcanhar ou atingido em sua natureza humana pela morte de Cruz.
É
de notar que o primeiro homem, tem o papel de pai responsável pela sorte de
sues descendentes; a sua resposta negativa, dada a Deus, repercute em todo o
gênero humano.
2)
O episódio da torre de Babel. (Gn 11,1-9) não pretende explicar a origem
das línguas, mas propõe uma lição teológica de grande valor para a história da
humanidade e o conceito de Igreja. Com efeito, na terra de Senaar (Babilônia,
Mesopotâmia), os homens resolveram construir um império (simbolizado pela
torre) que desafiasse Deus. A conseqüência desse empreendimento arrogante e
ímpio é que começaram a se desentender entre si, movidos pelos interesses
pessoais, e tiveram que se dispersar (a multiplicação das línguas é mera
conseqüência da dispersão dos homens, que foram criando suas culturas
próprias); desta maneira ficou frustrada a sua tentativa de se unirem entre si
sem Deus ou contra Deus.
Este
episódio havia de ser resgatado na plenitude dos tempos pelo fato de
Pentecostes. O Espírito Santo havia de ser dado aos Apóstolos para reunir
homens de diversas línguas e culturas num só povo, em que as peculiaridades
nacionalistas seriam superadas pelo amor de Deus derramado nos corações (Rm
5,5). Esse povo novo, congregado pelo Espírito Santo, é a Igreja.
3)
A vocação de Abraão. Por volta de 1850 a C. Deus houve por bem chamar um homem de
Ur da Caldéia, de origem pagã, mas que crê no Deus único que lhe fala. Chama-o
para uma terra desconhecida; a esse homem, prometeu uma terra na qual se fixará
a sua descendência. A esse chamado é associada a promessa de bênção para todos
os povos mediante a linhagem de tal homem.
E, para assinalar bem o significado
dessa promessa, o Altíssimo troca-lhe o nome, que, em vez de Abrão, seria para
o futuro Abraão = pai de multidão de povos: “Este é o pacto que faço contigo:
serás o pai de uma multidão de povos. De agora em diante não te chamaras mais
Abrão, e sim Abraão, porque farei de ti o pai de uma multidão de povos” (Gn 17,
4-5).
Essa promessa, que interessa toda a
história da humanidade, é selada por um pacto ou uma aliança: Abrão tinha
noventa e nove anos. O Senhor apareceu-lhe e disse-lhe: “Eu sou o Deus
Todo-poderoso. Anda em minha presença e sê íntegro; quero fazer aliança contigo
e multiplicarei ao infinito a tua descendência”. Abrão prostrou-se com o rosto
por terra (Gn 17, 1-3).
À
promessa Deus só pede uma resposta: a fé. Abraão prestou fé à Palavra de Deus,
deixando sua terra de origem, em demanda da terra que Deus lhe mostraria, como
também prontificando-se a imolar o filho Isaac, que Deus lhe dera como herdeiro
da bênção. Esta fé traduzida em gestos concretos fez que Abraão se tornasse o
amigo de Deus: “Abraão acreditou em Deus, e isto lhe foi tido em conta de
justiça” (Gn 15,6).
A história de Abraão prefigura mais
uma vez o mistério da Igreja. A verdadeira descendência de Abraão são todos
aqueles que pela fé seguem o exemplo do Patriarca e se tornam herdeiros das
bênçãos prometidas a Abraão; constituem a Igreja que tem por Cabeça Jesus
Cristo, o Filho herdeiro de Abraão por excelência (na medida em que é Deus
feito homem): “nem todos os descendentes de Abraão são filhos de Abraão; mas, é
em Isaac que terás uma descendência que trará o teu nome. Isto é, não são os
filhos da carne que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa é que serão
considerados como descendentes” (Rm 9, 7-8).
4)
Moisés e a Aliança do Sinai. No século XIII a C. o povo de Abraão, cativo
no Egito, foi retirado da terra do Faraó pelo Senhor Deus mediante Moisés. Este
acontecimento tornou-se fundamental para a teologia posterior. Era o primeiro
êxodo, que prefigurava o grande êxodo a ser efetuado na plenitude dos tempos
mediante Jesus Cristo, que tiraria o povo de Deus cativo sob o jugo do pecado e
da morte para o reino de Deus, Reino de amor e vida.
O
povo libertado do Egito renovou sua Aliança com Deus ao pé do monte Sinai. Dessa
vez a Aliança era estipulada sobre termos mais precisos e concretos ou sobre as
tábuas da Lei; o cumprimento da Lei seria o sinal da fidelidade de Israel a
Deus, doravante a Sagrada Escritura fala de “um reino de sacerdotes e uma nação
santa” (Ex 19,6). Essa nação santa é também chamada o gahal de Javé;
gahal, em hebraico, designa a assembléia convocada para o culto e o
louvor do Senhor:
“E
o Senhor entregou-me as duas tábuas de pedra escritas com o dedo de Deus, nas
quais estavam gravadas todas as palavras que o Senhor vos tinha dirigido no
monte, no meio do fogo, no dia da assembléia” (Dt 9,10).
“O rei voltou-se, em seguida, para a
assembléia, que estava de pé e a abençoou. Bendito seja, disse ele, o
Senhor, Deus de Israel, que, pela sua própria boca falou a Davi, meu pai, e
que, pela sua mão, realizou suas promessas” (Cr 6,3).
Com
o tempo, gahal veio a designar a comunidade santa de Israel.
Ora
a palavra gahal foi traduzida, no texto grego dos LXX, por ekklesía
= convocação, palavra grega que em português deu Igreja. No Novo Testamento, ekklesía
é o novo povo de Deus, a Igreja de Cristo (Mt 16,18; Mt 18,17), a assembléia
daqueles que Deus chama ao seu Reino e à sua glória (1Ts 2,12).
O REINO DE ISRAEL - JERUSALÉM E O TEMPLO
Tendo
entrado na Terra Prometida, por obra de Josué, sucessor de Moisés, o povo de
Israel ficou algum tempo sob o regime dos juízes. Ao que se sucedeu a
monarquia, cujos principais reis foram Davi (1010-970) e Salomão (970-931).
Davi fez da fortaleza pagã dos
jebuseus a sua capital com o nome de Jerusalém. O reino de Israel era diferente
dos outros reinos, pois o seu povo era um povo escolhido por Deus para uma
missão especial. Daí dizer o rei Davi: “Dentre todos os meus filhos - pois o
Senhor me deu muitos - ele escolheu meu filho Salomão, para fazê-lo assentar
sobre o trono do reinado do Senhor em Israel” (1 Cr 28,5).
O
Senhor Deus era tido como o Rei de Israel, que tinha um represente no monarca
humano “ungido”. Por isto também a capital desse reino era Cidade Santa, a morado
do Senhor (Sl 75,3) e de seu Ungido.
Jerusalém veio a personificar o povo de Deus.
Salomão construiu o Templo do Senhor
em Jerusalém, que acolheu a arca da Aliança, símbolo da presença do Senhor em
meio ao seu povo e lugar de sua glória: “Quando os sacerdotes saíram do lugar
santo, a nuvem encheu o templo do Senhor, de modo tal que os sacerdotes não
puderam ali ficar para exercer as funções de seu ministério; porque a glória do
Senhor enchia o templo do Senhor. Então disse Salomão: O Senhor declarou que
habitaria na obscuridade. Por isso, edifiquei uma casa para vossa residência,
um lugar onde habitareis para sempre” (1Rs 8, 10-13).
Na
mente dos judeus, Jerusalém foi sendo mais e mais considerada o futuro centro
do mundo. As promessas messiânicas beneficiariam primeiramente Jerusalém.
A CAMINHO DA NOVA E DEFINITIVA ALIANÇA
No
século VI a C. dá início a um período da história de Israel que é decisivo na
preparação da vinda do Messias, mas caracterizado por duas notas: sofrimento e
esperança. Sofrimento, porque de 587
a 538 o povo de Judá é sujeito ao exílio na Babilônia e
nunca mais recuperará a plena autonomia política. Esperança, porque o povo teve
de viver das promessas feitas aos antepassados; foi preciso avivar em Israel a
consciência de que Deus permanece fiel, mesmo quando o povo cede à
infidelidade. Dos escritos dos Profetas depreendem-se os seguintes traços:
-
Israel sobreviverá ao golpe do exílio mediante “um
Resto”;
-
Esse Resto terá características mais espirituais e
profundas do que o povo anterior ao exílio;
-
A esse Resto toca uma missão universal ou voltada para
a salvação de todos os homens.
O “Resto” de Israel
Para
entender tal locução, é preciso ter em conta que. No dia em que Ciro rei da Pérsia
concedeu aos judeus deportados a permissão para voltarem à terra de Judá, nem
todos os exilados a aceitaram: os que se haviam social e economicamente
promovido no estrangeiro, não tiveram a coragem de deixar tudo mais uma vez a
fim de reconstruírem Jerusalém arrasada pelos invasores; por conseguinte, quem
voltou para Judá, foram os pobres ou o “Resto” de Israel. Com esses Deus quis
continuar a história da salvação; pobres de bens materiais, haviam conservado a
fé e a esperança nas promessas divinas:
“O que restar de Sião, os
sobreviventes de Jerusalém, serão chamados santos, e todos os que estiverem
computados entre os vivos em Jerusalém” (Is 4,3).
O
povo que voltou do exílio, era um povo purificado, mais voltado para os valores
espirituais, mais preparado para dar ao mundo o Messias e, com este, a Boa Nova
da salvação para todos os povos. Essa renovação profunda é expressa por uma
imagem freqüente nos escritos proféticos do exílio e do pós-exílio: Israel é a
Esposa do Senhor, Esposa por vezes infiel, mas jamais abandonada pelo Divino
Esposo: “não mais serás chamada a desamparada, nem tua terra, a abandonada;
serás chamada: minha preferida, e tua terra: a desposada, porque o Senhor terá
prazer em ti e tua terra terá um esposo; assim como um jovem desposa uma jovem,
aquele que te tiver construído te desposará; e como a recém-casada faz a
alegria de seu marido, tu farás a alegria de teu Deus” (Is 62, 4-5).
Universalismo
Desde as suas origens, Israel foi escolhido para
desempenhar uma missão aberta a todos os povos. Todavia, para realizar sua
vocação de guardar e transmitir a verdadeira fé a todos os homens, Israel foi
um povo separado dos demais: ”Sereis para mim santos, porque eu, o Senhor, sou
santo; e vos separei dos outros povos para que sejais meus” (Lv 20,26).
O
exílio (587-538 a
C.) e a dominação estrangeira que se lhe seguiu, contribuíram para alimentar em
Israel a consciência de sua singularidade, que gerava aversão aos povos pagãos.
Com
o tempo, porém, os autores sagrados avivaram no judaísmo a noção de que se
devia abrir às demais nações e fazê-las participar da bênção messiânica:
“Dir-se-á de Sião: Um por um, todos esses homens nela nasceram; foi o próprio
Altíssimo quem a fundou. O Senhor inscreverá então no registro dos povos:
Aquele também nasceu em
Sião. Todas as minhas fontes se acham em ti” (Sl 86 5-7).
“E
virei para reunir os homens de todas as nações e de todas as línguas; todos
virão e verão minha glória” (Is 66,18).
O
universalismo encontrou forte resistência no povo posterior ao exílio até a
época de Cristo. As tentativas, dos estrangeiros, de impor aos judeus costumes
pagãos provocaram aversão aos inimigos, aversão que somente poucos dentre os
israelitas do tempo de Jesus souberam superar.
Seria
preciso que Cristo viesse para sobrepujar definitivamente o nacionalismo judeu;
em Jesus morreu o Israel segundo a carne e ressuscitou o Israel segundo o
Espírito. Nessa ocasião nasceu a Igreja, e nasceu do lado aberto de Cristo.
Um Povo salvo por Deus
A Sagrada
Escritura caracteriza Israel como o Povo de Deus ou o Povo que Deus salvou para
realizar, mediante ele, seu desígnio salvífico.
“Serás
bendito mais que todos os povos” (Dt 7,14).
“Que o teu
coração não se eleve, e não te esqueças do Senhor, teu Deus, que te tirou do
Egito, da casa da servidão” (Dt 8,14).
Estes
textos põem em relevo a gratuidade do chamado e do dom de Deus. Ele nada deve a
ninguém; dá a quem Ele quer. Esta lei perpassa toda a história do
relacionamento de Deus com os homens.
“Tu és um povo consagrado ao Senhor,
teu Deus, o qual te escolheu para ser um povo que lhe pertença de um modo
exclusivo entre todas as outras nações da terra” (Dt 14,2).
A
resposta do homem a esse amor de Deus é, amor a Deus e o amor ao próximo.
Era
preciso que Israel retribuísse com amor o amor recebido de Deus. Daí a
prescrição solene:
“Ouve,
ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, de
todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças. Os
mandamentos que hoje te dou serão gravados no teu coração” (Dt 6, 4-6).
O
amor a Deus consiste em observar os seus preceitos com fidelidade:
“Se
observardes fielmente todos os mandamentos que vos prescrevo, amando o Senhor,
vosso Deus, andando em seus caminhos e apegando-vos a Ele” (Dt 11,22)
Com
a mesma ênfase, a Sagrada Escritura recomenda o amor ao próximo como
decorrência do amor de/a Deus. Este amor devia traduzir-se em praticas
concretas.
Todo
amor recomendado a Israel devia tornar santo (no sentido ético) esse povo
consagrado a Deus.
Um
povo Santo
A palavra Santo (qadosh em hebraico)
significa “o que é separado para Deus” ou “consagrado a Deus”. o povo de Israel
era santo nesse sentido objetivo ou pelo fato de haver sido escolhido e
segregado por Deus.
A
essa santidade objetiva devia corresponder uma santidade subjetiva ou pessoal
ética. Sim, os israelitas eram os filho de Deus: “Sois filhos do Senhor vosso
Deus” (Dt 14,1). Por conseguinte, deviam levar uma vida coerente com essa
dignidade ou uma vida santa.
Essa
santidade devia comprovar-se na observância de vários preceitos que, para o
homem moderno, parecem infantis, mas se revestiam de grande importância para os
antigos, vindo a ser a pedra de toque da fidelidade de Israel ao seu Senhor.
A meta proposta ao povo é a mais
elevada e nobre possível: ser santos, imitando o próprio Deus. Todavia o meio
para atingir esse sublime termo é adaptado à compreensão do povo rude:
distinguir animais puros e impuros – o que era de importância capital para os
antigos israelitas. A divina pedagogia, muito sábia, propôs ao povo da Nova
Aliança a mesma meta: “sede perfeitos como vosso Pai Celeste é perfeito” (Mt
5,48). Desta vez, porém, o caminho para chegar a tão elevado terno é o de uma
ética mais adulta e amadurecida: “amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos
odeiam, orai pelos que vos maltratam e perseguem. Deste modo sereis os filhos
de vosso Pai do céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre
os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos” (Mt 5, 44-45).
Um povo Guiado pelo Espírito
A grande novidade da era messiânica
é devida, segundo os Profetas, à efusão do Espírito de Deus sobre o Messias,
sobre Israel e todos os povos: “Até que sobre nós se derrame o Espírito do
alto, então o deserto se mudará em vergel, e o vergel tomará o aspecto de uma
floresta; no deserto reinará o direito,
e a justiça residir no vergel. A justiça
produzirá a paz e o direito assegurará a tranqüilidade” (Is 32, 15-17).
O Espírito, no entender dos Profetas
(os israelitas ignoravam o mistério da SS Trindade), era uma peculiar ação de
Deus, causador de efeitos especiais e extraordinários.
Assim
na história dos Juízes o Espírito é a força de Deus que os leva a grandes
façanhas militares; também os artífices do sagrado são revestidos pelo
Espírito; os carismas dos Profetas são dons do Espírito.
Todavia
a manifestação plena do Espírito do Senhor (que no Novo Testamento é
reconhecido como Pessoa Divina) dar-se-ia nos tempos do Messias, como dom
especial trazido pelo Messias aos homens.
O Profeta Joel é, por excelência, o arauto do
dom do Espírito trazido pelo Messias:
“Depois disso, acontecerá que
derramarei o meu Espírito sobre todo ser vivo: vossos filhos e vossas filhas
profetizarão; vossos anciãos terão sonhos, e vossos jovens terão visões.
Naqueles dias, derramarei também o meu Espírito sobre os escravos e as
escravas” (Jl 3, 1-2).
O
Espírito derramado nos corações dos homens fará que estes se sintam
espontaneamente movidos a observar a Lei do Senhor, dispensando a Lei escrita
em tábuas de pedra.
O
povo messiânico terá um Rei ideal..., Rei e Sacerdote. O Salmo 109 canta em
poucas palavras a realeza e o sacerdócio do Messias (= Ungido); também falam
desse Rei ideal os Salmos 2 e 19. Tal Rei e Sacerdote será igualmente Profeta,
ou seja, arauto da Palavra, novo Moisés.
“Eu
lhes suscitarei um profeta como tu (Moisés) dentre seus irmãos: por-lhe-ei
minhas palavras na boca, e ele lhes fará conhecer as minhas ordens” (Dt 18,18).
“O Espírito do Senhor repousa sobre
mim, porque o Senhor consagrou-me pela unção; enviou-me a levar a boa nova aos
humildes, curar os corações doloridos, anunciar aos cativos a redenção, e aos
prisioneiros a liberdade; proclamar um ano de graças da parte do Senhor, e um
dia de vingança de nosso Deus; consolar todos os aflitos” (Is 61, 1-2).
Esse
Messias é também chamado “o Servo de Javé”, aquele que assume os pecados do
povo e se sacrifica em lugar dos pecadores numa atitude de expiação, que é
redenção.
O REINO DE DEUS
O conceito de Reino de Deus é fundamental na
Eclesiologia do Novo Testamento: a Igreja é o princípio ou, como se dirá, o
Sacramento do Reino de Deus. Tal conceito é apresentado pelos Evangelhos com
ênfase especial. Jesus assim inicia sua pregação: “O tempo se completou e o
Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15).
A
noção de Reino de Deus já estava presente no Antigo Testamento; o trono régio
de Israel era o trono do Senhor. Todavia, o reinado de Deus devia estender-se a
todo os povos mediante o Messias, também chamado “Filho do Homem”.
São
João Batista anunciou a vinda do Reino de Deus, na qualidade de precursor e
Jesus começou a fundá-lo percorrendo três etapas: 1) Vida pública do Senhor,
com sua pregação e seus milagres; 2) O sacrifício que selou a nova e definitiva
Aliança: 3) A vinda do Espírito Santo em Pentecostes, que inaugurou o
sacramento do Reino de Deus, que é a Igreja.
VIDA PÚBLICA DE
JESUS
Jesus diz explicitamente que Ele
veio para anunciar o Reino: “É necessário que eu anuncie a boa nova do Reino de
Deus também às outras cidades, pois essa é a minha missão” (Lc 4,43). “A lei e
os profetas duraram até João. Desde então é anunciado o Reino de Deus, e cada
um faz violência para aí entrar” (Lc 16,16).
Não
somente é anunciado o Reino; ele é feito presente, porque a pessoa e a obra de
Cristo são o início desse Reino, que expulsa o Maligno, propulsor do pecado e
espírito dominador do homem.
Jesus
não apenas falou, Ele realizou sinais da presença do Reino de Deus. Com efeito,
Jesus apresentou seus milagres a João com sendo sinais de que Ele era o Messias
e inaugurava a restauração, em sua integridade, da humanidade ferida pelo
pecado e suas conseqüências.
“Tendo João, em sua prisão, ouvido
falar das obras de Cristo, mandou-lhe dizer pelos seus discípulos: Sois vós
aquele que deve vir, ou devemos esperar por outro? Respondeu-lhes Jesus: Ide e contai a João o
que ouvistes e o que vistes: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são
limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, o Evangelho é anunciado aos
pobres...” (Mt 11, 2-5.
Se, de um
lado, o Reino de Deus apregoado e implantado por Jesus é o eco do Reino
esboçado no Antigo Testamento, de outro lado difere deste, no sentido de que
nada tem de político, como podiam esperar os israelitas.
É o que
depreende claramente no colóquio dos discípulos de Emaús com o Senhor: “Nós
esperávamos que fosse Ele (Jesus) quem redimira Israel, mas faz três dias que
todas essas coisas aconteceram”.
Aliás, o
próprio Jesus disse “Meu reino não é desde mundo”.
Entrar no
Reino de Deus é simplesmente seguir o Cristo e entregar a vida para lhe ser
incondicionalmente fiel, ao passo que recusar seguir Jesus é perder a própria
vida e excluir-se do Reino.
“Em
seguida, convocando a multidão juntamente com os seus discípulos, disse-lhes:
Se alguém me quer seguir, renuncie-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.
Porque o que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas o que perder a sua vida
por amor de mim e do Evangelho, salvá-la-á” (Mc 8, 34-35).
Por isto, no
fim da vida terrestre, cada qual será julgado na base da atitude tomada frente
a Jesus presente nos pobres, doentes, famintos, nus e encarcerados (Mt 25,
31-46).
É de notar que
Jesus tenciona organizar seu Reino escolhendo doze Apóstolos, que Ele forma
para continuarem sua obra e que, por seu número doze, estão na
continuidade das doze tribos de Israel ou do povo de Deus no Antigo Testamento.
"Nós da ICAB, acreditamos que toda igreja é preciso ter cara e as cores de uma nação Dom Carlos", assim somos com o nosso jeito e ser de evangelizar.
Nosso sicero respeito a ICAR.
O MISTÉRIO DA PÁSCOA
Depois
de pregar e realizar sinais, Jesus, por seu sangue, selou a nova e definitiva
Aliança entre Deus e os homens. Preencheu o papel do Servo de Javé, que morre
em expiação dos pecados alheios e reúne os homens em torno de si.
A morte de
Cristo se situa na época de Páscoa. Na véspera de morrer, celebra com seus
discípulos a ceia de Páscoa, na qual entrega seu corpo para o perdão dos pecados
e o seu sangue, ... “o sangue da Aliança derramado em favor de muitos
(=todos)”; o corpo e o sangue de Jesus foram imolados como os de uma vítima não
só para expiar pecados, mas também para selar a nova e definitiva Aliança; na
verdade, os dizeres de Jesus sobre o seu sangue fazem alusão a Ex 24,8 “Eis,
disse ele, o sangue da aliança que o Senhor fez convosco”.
Na
mesma ocasião, Jesus instituiu os meios que põem essa nova Aliança ao alcance
de todas as gerações: a Eucaristia, que faz a Igreja, e o sacramento da Ordem
que faz a Eucaristia. A Igreja, que tem a sua vida nos sacramentos, se torna
ela mesma um sacramento; isto quer dizer que, através da realidade humana da
Igreja, regida por leis e institucionalizada, passa a graça de Deus ou uma
dádiva transcendental destinada a santificar os homens.
A
Paixão de Cristo, que culminou com a morte de Cruz, não se entenderia sem a sua
ressurreição ou vitória sobre a morte. Ele a venceu em nosso favor.
A
aplicação desta vitória é feita pela Igreja, que, como dito, é o sacramento
pelo qual o Senhor Jesus nos comunica a vida do Pai.
A
Igreja nasceu quando o lado de Cristo foi perfurado na Cruz, deixando jorrar
água e sangue símbolos dos sacramentos do Batismo e da Eucaristia.
A fundação da
Igreja, iniciada por Cristo, foi consumada pelo dom do Espírito Santo em
Pentecostes.
PENTECOSTES E A IGREJA NASCENTE
É
no livro dos Atos dos Apóstolos que se podem colher os elementos respectivos.
Jesus prometeu o Espírito Santo como “o outro Paráclito”. Aquele que continuaria
a obra da salvação realizada na primeira Páscoa cristã. Por conseguinte, tendo
deixado os discípulos o Senhor enviou-lhes o Dom prometido. Trata-se de um
fenômeno de multiplicação de línguas, que resgata o episódio de Babel, e neúne
numa só família homens de diversas culturas, vinculados entre si pelo amor
sobrenatural derramado em seus corações.
O
evento de Pentecostes está em paralelo com a criação do primeiro homem,
conforme Gn 1,7; o texto sagrado narra que Deus modelou um boneco de barro,
soprou-lhe na face “um hálito de vida”, donde se originou um homem novo. Ora
antes de Pentecostes havia estruturas, que o Espírito Santo passou a animar.
Assim
Pentecostes é o ato final da fundação da Igreja; quando o Espírito Santo desceu
do céu e encheu os cento e vinte discípulos reunidos no mesmo lugar.
IGREJA – SACRAMENTO DA COMUNHÃO
A
Igreja não é uma comunidade puramente espiritual, destituída de notas sensíveis
características. Ao contrário, ela tem sua estrutura visível, que é portadora e
transmissora da vida do próprio Deus. Daí ser a Igreja Sacramento, sacramento
que continua o da humanidade de Cristo.
A hierarquia da Igreja
O Novo Testamento apresenta dois
textos importantes para se conceber a hierarquia da Igreja:
Mt
18,18: os Apóstolos recebem o poder de ligar e desligar;
Mt
16,19: Pedro, a sós, recebe o mesmo poder.
Em
Jo 21, 15-17, Jesus confia a Pedro a função de apascentar o rebanho de Cristo,
não o rebanho de Pedro. Cristo fica sendo de modo invisível o Pastor Supremo
das ovelhas; Pedro não é o sucessor de Jesus, mas apenas o Representante ou
aquele que faz as vezes do Pastor Supremo.
Na
noite de Páscoa Jesus soprou-lhes na face e diz “Recebei o Espírito Santo.
Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os
retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 22-23).
Com
estas palavras, Jesus envia seus discípulos a pregar, em continuação com o
envio ou a missão que Jesus recebeu do Pai. Esta continuidade é reforçada pelo
dom do Espírito Santo, que proporcionará
aos Apóstolos fazer o que só Deus faz, para a santificação do povo de Deus;
perdoar os pecados.
Assim
Jesus constitui a hierarquia da Igreja, confiada aos Apóstolos, chefiados por
Pedro, e a seus sucessores.
Estrutura comunitária; o amor fraterno
Jo 13, 34-35 “Dou-vos um novo
mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós
deveis amar-vos uns aos outros. Nisto todos conhecerão que sois meus
discípulos, se vos amardes uns aos outros”.
Como
se vê, o amor não é apenas um fruto espontâneo da vida cristã em nós, mas é
também um preceito. Esse preceito é inerente à estrutura visível da Igreja; ele
suscita o testemunho que a Igreja deve dar ao mundo; o amor fraterno é o sinal
de que alguém é discípulo de Cristo; sem esse amor, a face visível da Igreja se
apaga. O mandamento é dito “novo”, não porque não esteja presente no Antigo
Testamento, mas porque o modelo do amor é o do próprio Cristo, modelo
totalmente inédito
Comunhão na história – combate e vitória
A história da Igreja continua a
história de Cristo perseguido, morto e ressuscitado. É marcada pelo sinal da
morte e ressurreição.
A própria Paixão de Cristo é
assinalada pela luta do Maligno contra Jesus.
Jo 14, 30 “Já não falarei muito
convosco, porque vem o príncipe deste mundo; mas ele não tem nada em mim”.
Atualmente Satanás, não podendo mais
atacar a Cristo Cabeça, ele ataca os membros do Corpo de Cristo:
Jo 15, 18-20 “Se o mundo vos odeia,
sabei que me odiou a mim antes que a vós. Se fósseis do mundo, o mundo vos
amaria como sendo seus. Como, porém, não sois do mundo, mas do mundo vos
escolhi, por isso o mundo vos odeia. Lembrai-vos da palavra que vos disse: O
servo não é maior do que o seu senhor. Se me perseguiram, também vos hão de
perseguir”.
Destas
palavras se segue que entre a Igreja e o reino de Satanás e do pecado, a
oposição é inevitável. Uma Igreja não perseguida não seria a Igreja do
Crucificado. Poderia dar a impressão de haver triunfado; mas, na verdade,
estaria vencida
A Igreja da vitória
O
Apocalipse é precisamente o livro da esperança cristã, não por predizer aos
leitores dias melhores e afagados pelo fato de serem fiéis a Deus, mas por
assegurar-lhes que toda a história da Igreja e da humanidade é regida pelo
Cordeiro. Este, chagado, mas glorioso, traz em suas mãos o livro que contém as
peripécias de todos os tempos, de modo que nada acontece que não esteja
englobado no sábio plano de Deus (Ap 5).
A
palavra decisiva da luta da Igreja e de seus adversários já foi proferida.
Jo 16, 33
“Referi-vos essas coisas para que tenhais a paz em mim. No mundo haveis de
ter aflições. Coragem! Eu venci o mundo”.
Satanás
quer aproveitar as últimas oportunidades que lhe restam, para arrastar consigo
os membros da Igreja frágeis; daí a sua sanha: “Este, então, se irritou contra
a Mulher e foi fazer guerra ao resto de sua descendência, aos que guardam os
mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus” (Ap 12, 17). Todavia será
vencido definitivamente. Os grandes vitoriosos serão os que tiverem sustentado
com fé corajosa o combate contra o mal:
1Jo 5,4 “Porque todo o que nasceu de
Deus vence o mundo. E esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé”.
A
Igreja é, pois, a assembléia dos que foram chamados para vencer. Todavia essa
vitória deve ser conquistada arduamente; o cristão não é um privilegiado. É,
paradoxalmente, alguém que deve chegar a uma vitória que já lhe foi assegurada.
Um Povo Sacerdotal
Assim
como o povo do Antigo Testamento era chamado “uma nação santa”, também a Igreja
é tida como constituída por santos (no sentido de consagrados a Deus pelo
Batismo), o Apóstolo fala dos “santos de Jerusalém que estão na pobreza”; fala
da “coleta em favor dos santos”. Esse povo santo oferece um culto espiritual,
ou seja, por toda a sua vida fiel a Deus se oferece em oblação vivificada pelo
Espírito Santo.
Rm
12,1 “Eu vos exorto, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, a oferecerdes
vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus: é este o vosso culto
espiritual”.
São Paulo
afirma que os cristãos são templo de Deus:
1Cor 3,
16-17 “Não sabeis que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em
vós? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo de
Deus é sagrado - e isto sois vós”.
A expressão “povo de Deus... santo e sacerdotal” faz eco vivo à temática do Antigo Testamento. Eis, porém, que esse povo tem sua face tipicamente cristã; algo de novo foi nele instaurado: “Todo aquele que está em Cristo é uma nova criatura. Passou o que era velho; eis que tudo se fez novo!” (2Cor 5, 17).
A expressão “povo de Deus... santo e sacerdotal” faz eco vivo à temática do Antigo Testamento. Eis, porém, que esse povo tem sua face tipicamente cristã; algo de novo foi nele instaurado: “Todo aquele que está em Cristo é uma nova criatura. Passou o que era velho; eis que tudo se fez novo!” (2Cor 5, 17).
O Corpo de Cristo que é a Igreja
O Batismo é a porta de entrada no
novo povo. É também incorporação numa comunidade em que as diferenças meramente
humanas desaparecem, pois todos se tornam um só corpo em Cristo.
A imediata conseqüência deste fato é
que o cristão vive em Cristo.
Significa que, pelo Batismo, o
cristão é feito participante da vida do próprio Cristo Ressuscitado mediante a
ação do Espírito Santo, Espírito que é o grande artesão de nossa configuração a
Cristo e inserção em Cristo.
Rm 6, 5.8 “Se fomos feitos o mesmo
ser com ele por uma morte semelhante à sua, sê-lo-emos igualmente por uma comum
ressurreição. Ora, se morremos com Cristo, cremos que viveremos também com
ele”;
1Cor
3,23 “Somos de Cristo”;
Gl 3, 29 “Pertencemos a Cristo”
Gl 3, 27 “Revestimos de Cristo”
Gl 2,20 “Cristo é nossa vida”
A inserção em Cristo e a vida
com Cristo levam o cristão a participar da vida da SS Trindade.
É o Espírito Santo quem propicia a
nossa filiação divina: “Sede solícitos em conservar a unidade do Espírito no
vínculo da paz. Sede um só corpo e um só Espírito, assim como fostes chamados
pela vossa vocação a uma só esperança” (Ef 4, 3-4).
Igreja a Esposa de Cristo
Principalmente
na literatura profética ocorre a figura da Esposa para designar Israel, a Filha
de Sion ou de Jerusalém:
Is 62,5 “Assim
como um jovem desposa uma jovem, aquele que te tiver construído te desposará; e
como a recém-casada faz a alegria de seu marido, tu farás a alegria de teu
Deus”.
Ef 5,25-32
“Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, para santificá-la, purificando-a
pela água do batismo com a palavra, para apresentá-la a si mesmo toda gloriosa,
sem mácula, sem ruga, sem qualquer outro defeito semelhante, mas santa e
irrepreensível. Assim os maridos devem amar as suas mulheres, como a seu
próprio corpo. Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo. Certamente, ninguém
jamais aborreceu a sua própria carne; ao contrário, cada qual a alimenta e a
trata, como Cristo faz à sua Igreja, porque somos membros de seu corpo. Por
isso, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois constituirão
uma só carne (Gn 2,24). Este mistério é grande, quero dizer, com referência a
Cristo e à Igreja”.
Neste
texto é posto em relevo:
-
a distinção (não separação) entre Cristo e a Igreja.
-
a fecundidade da Igreja. A esposa é Mãe.
-
a escolha gratuita que Cristo faz em favor de sua Esposa. Apesar das crises do
amor nupcial do povo escolhido, Cristo ama sua Esposa; lavou-a com o seu
sangue, tornado-a sem mancha nem ruga e continua a purificar os filhos dessa
Santa Mãe através da água do Santo Batismo.
A
Igreja é uma comunidade congregada mediante um chamamento universal, pois Deus
quer que todos os homens se salvem; a convocação é gratuita. Ela se deve ao
amor misericordioso de Deus, que enviou seu Filho ao mundo para se entregar por
todos.
A
resposta à vocação divina é a fé em Deus. Este nos purificou pelo Santo Batismo e nos
enviou o Espírito Santo, fazendo de nós o seu povo, que espera a manifestação
gloriosa do Senhor Jesus.
A
Igreja é chamada “casa de Deus e Coluna e Sustentáculo da verdade” (1Tm 3,15).
É algo de firme e estável; a ela foi confiado o tesouro da Revelação Divina,
que, juntamente com os Sacramentos, deve ser transmitido aos homens.
Igreja de Santos e pecadores.
A
Igreja não é uma mera assembléia de pessoas bem intencionadas, mas goza da
presença e da ação de Cristo, compreende-se que ela goza de uma santidade
permanente, que não desaparece quando desfalece a fidelidade dos homens.
A
Igreja está aberta a todos os homens, qualquer que seja seu país de origem e
sua raça. Há, portanto, uma só Igreja, esparsa por todo o mundo, todos são
chamados à conversão.
A Igreja é Virgem, Esposa de um
único varão, Cristo (São Leão Magno + 461).
AS NOTAS OU PROPRIEDADE DA IGREJA
A Igreja fundado por Cristo tem 4 notas ou
propriedades: unidade, santidade, catolicidade e apostolicidade.
Distinguimos
entre unidade e unicidade. A unidade
significa coesão, ser compacto em si mesmo. Unicidade é a qualidade de quem não tem par ou igual a si mesmo.
Ora a Igreja de Cristo é única e una.
Mt 16, 16-19
“Simão Pedro respondeu: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo! Jesus então lhe
disse: Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que
te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: tu és Pedro, e
sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não
prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que
ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será
desligado nos céus”.
Jo
17,6-11.17.21 ”Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste. Eram
teus e deste-nos e guardaram a tua palavra. Agora eles reconheceram que todas
as coisas que me deste procedem de ti. Porque eu lhes transmiti as palavras que
tu me confiaste e eles as receberam e reconheceram verdadeiramente que saí de
ti, e creram que tu me enviaste. Por eles é que eu rogo. Não rogo pelo mundo,
mas por aqueles que me deste, porque são teus. Tudo o que é meu é teu, e tudo o
que é teu é meu. Neles sou glorificado. Já não estou no mundo, mas eles estão
ainda no mundo; eu, porém, vou para junto de ti. Pai santo guarda-os em teu
nome, que me encarregaste de fazer conhecer, a fim de que sejam um como nós.
Santifica-os pela verdade. A tua palavra é a verdade. Para que todos sejam um,
assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em
nós e o mundo creia que tu me enviaste”.
Unicidade = una, única.
Não existe outra
Igreja que tem todos os elementos instituídos por Cristo.
Havia
um só povo de Deus no Antigo Testamento, que se prolonga no único povo de Deus
no Novo Testamento (que é a Igreja).
Com outras
palavras: Cristo tem um só Corpo e uma única Esposa. Cf Ef 4,4-6 “Há um só
corpo e um só Espírito, assim como é uma só a esperança da vocação com que
fostes chamados: há um só Senhor, uma só fé, um só Batismo, há um só Deus e Pai
de todos”.
Todavia, quem
considera as múltiplas comunidades eclesiais existentes hoje em dia (orientais
ortodoxas, além das protestantes), pode perguntar se a Igreja de Cristo é
realmente única e uma.
A Igreja de
Cristo compreende todas as denominações cristãs onde haja realmente elementos
eclesiais: a Bíblia, a fé, a oração, a caridade, a renúncia ao pecado, o
Batismo... Todavia a Igreja de Cristo só
subsiste de maneira pela e adequada na Igreja Católica Apostólica Romana
entregue a Pedro; somente nesta se encontram todos os elementos constitutivos
da Igreja: os sete Sacramentos com seu centro na Eucaristia, a hierarquia
instituída por Cristo e chefiada por Pedro, a Bíblia, e os sacramentais.
As
demais denominações (cristãs não católicas), pelo fato de possuírem alguns ou
vários destes elementos, pertencem à Igreja de Cristo, mas estão em comunhão
imperfeita e inacabada com a Igreja Apostólica Romana; essa comunhão imperfeita
ou parcial deve ser levada à plenitude ou à totalidade pelo movimento
ecumênico.
“Aqueles
que crêem em Cristo e foram devidamente batizados, estão constituídos numa
certa comunhão, embora não perfeita, com a Igreja Católica. Com efeito, as
discrepâncias vigentes, sob diversas formas, entre eles e a Igreja Católica –
quer em questões doutrinais, e às vezes também disciplinares, quer acerca da
estrutura da Igreja – criam não poucos obstáculos, por vezes muito graves, à
plena comunhão eclesiástica.
Ora, o
movimento ecumênico visa superar estes obstáculos. No entanto, justificados no
batismo pela fé, eles são incorporados a Cristo e, por isso, com razão,
honrados com o nome de Cristãos e merecidamente reconhecidos pelos filhos da
Igreja Católica como irmãos no Senhor.
Somente
através da Igreja Católica de Cristo, auxílio geral de salvação, pode ser
atingida toda a plenitude dos meios de salvação. O Senhor confiou todos os bens do Novo
Testamento ao único Colégio Apostólico, a cuja testa está Pedro (e seus
sucessores), a fim de constituir na terra um só Corpo de Cristo, ao qual é
necessário que se incorporem plenamente todos os que, de alguma forma,
pertencem ao povo de Deus.
Este povo,
enquanto peregrina cá na terra, cresce incessantemente em Cristo, ainda que
sujeito ao pecado em seus membros, e é conduzido suavemente por Deus, segundo
seus misteriosos desígnios, até que chegue alegre, à total plenitude da eterna
glória na Jerusalém celeste” Concílio Vaticano II.
Unidade
1Cor 1,10-16
“Rogo-vos, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que todos estejais em
pleno acordo e que não haja entre vós divisões. Vivei em boa harmonia, no mesmo
espírito e no mesmo sentimento. Pois acerca de vós, irmãos meus, fui informado
pelos que são da casa de Cloé, que há contendas entre vós. Refiro-me ao fato de
que entre vós se usa esta linguagem: Eu sou discípulo de Paulo; eu, de Apolo;
eu, de Cefas; eu, de Cristo.Então estaria Cristo dividido? É Paulo quem foi
crucificado por vós? É em nome de Paulo que fostes batizados? Graças a Deus,
não batizei nenhum de vós, à exceção de Crispo e Gaio. Assim ninguém poderá
dizer que fostes batizados em meu nome. (Aliás, batizei também a família de
Estéfanas. Além destes, não me consta ter batizado ninguém mais.)”.
A
Igreja única tem de ser una, coesa e unida. Com outras palavras: Ela deve ser
capaz de se apresentar ao mundo com uma única face e uma única voz, ainda que
compreenda em seu bojo muitos componentes.
A unidade da
Igreja é expressa também pela palavra “comunhão”. Esta traduz o grego Koinonia,
que, conforme São Paulo significa “tomar parte com outra pessoa em algo”. A comunhão significa, antes do mais, tomar
parte na vida e nos méritos de Cristo, ser rico em Cristo; conseqüentemente
significa o intercâmbio, o fluxo e o refluxo de vida dos fiéis entre si.
Esta unidade
está na comunhão dos santos. Está nos anseios de Cristo, que na última Ceia
rezava: “Todos sejam, um ... “
Já
que Deus é único e uno em si mesmo, a Igreja há de ser tal. A unidade da Igreja
está fundamentada na comunhão com Cristo, que ocorre mediante os sacramentos.
A
Igreja de Cristo tem Unidade de Fé. A mensagem de Cristo desperta o amor, a
adesão fiel a Deus e aos irmãos.
A
Igreja de Cristo tem Unidade no Culto e nos Sacramentos. A fé faz que toda a
vida do cristão tenha o valor de culto e de oferenda a Deus. Tem a mesma
liturgia no mundo inteiro (o evangelho que é proclamado aqui é proclamado na
China, no México, no Canadá ...) Os mesmos sacramentos que são ministrados
aqui, do mesmo jeito são ministrados no mundo inteiro.
A
Igreja de Cristo tem Unidade na Comunhão Fraterna. O amor a Deus que é nosso
Bem Absoluto une os cristãos entre si a todas as pessoas.
A
Igreja é una pela sua fonte. “Deste mistério, o modelo supremo e o princípio é
a unidade de um só Deus na Trindade, Pai e Filho e Espírito Santo”.
A
Igreja é una pelo seu Fundador: “Pois o próprio Filho encarnado, príncipe da
paz, por sua cruz reconciliou todos os homens com Deus, restabelecendo a união
de todos em um só Povo, em um só Corpo”.
A
Igreja é una pela sua “alma”: “O Espírito Santo que habita nos crentes, que
plenifica e rege toda a Igreja, realiza esta admirável comunhão dos fiéis e os
une tão intimamente em Cristo, que ele é o princípio da Unidade da Igreja”.
É da própria
essência da Igreja ser una
Santidade - Santa
1Pd 2,9 “Vós,
porém, sois uma raça escolhida, um sacerdócio régio, uma nação santa, um povo
adquirido para Deus, a fim de que publiqueis as virtudes daquele que das trevas
vos chamou à sua luz maravilhosa”.
A palavra
santo quer dizer originariamente o que é separado, reservado; quando se trata
de Teologia, santo é o separado ou reservado para Deus. Assim o conceito
primitivo de santo é ontológico; é o de um ser próprio de Deus. Disto se segue
a noção ética: a pessoa separada para Deus ou consagrada a Deus deve levar uma
vida moral à altura do seu ser ou uma vida moralmente santa.
Deus é Santo
por excelência; é o separado de toda impureza e o mais perfeito de todos os
seres. Por isto em Is 6,3 os Serafins proclamam: “Santo, Santo, Santo é o
Senhor Deus”
Disto
se segue que só se pode dizer santo aquilo que pertence a Deus ou é relacionado
com Deus. Este é o modo de falar da Igreja.
Jesus é o Santo de Deus, que veio a este mundo para dar origem a um novo Povo
de Deus consagrado ao Senhor; Rm 1,7 (os cristãos de Corinto são ditos santos,
porque membros de um povo consagrado a Deus).
Ef 5,25-27:
“Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, a fim de purificá-la com o banho
da água e santifica-la pela Palavra, para apresentar a si mesmo a Igreja
gloriosa, sem mancha nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e irrepreensível”.
A
Igreja é, aos olhos da fé, santa. Pois Cristo, Filho de Deus, que com o Pai e o
Espírito Santo é proclamado o único Santo, amou a Igreja como sua Esposa. Por
ela se entregou com o fim de santificá-la.
Em
conseqüência, os membros da Igreja devem levar uma vida moralmente santa ou
isenta de pecado: “Sede santos, porque eu sou santo” é norma do Antigo
Testamento que ressoa no Novo.
O Cristão é
chamado a ser, por todo o seu teor de vida, uma hóstia santa e agradável a
Deus; a vida do cristão é um culto, cuja lei é a pureza. “Eu vos exorto, pois,
irmãos, pelas misericórdias de Deus, a oferecerdes vossos corpos em sacrifício
vivo, santo, agradável a Deus: é este o vosso culto espiritual” Rm 12,1.
Assim
a Igreja é a comunidade dos santos, ou seja, de pessoas consagradas e
pertencentes a Deus pelo Batismo e que se esforçam por viver fielmente a sua
consagração batismal e a sua qualidade de membros do Corpo de Cristo.
A
Igreja é santa, porque está indissoluvelmente unida a Cristo, que nela habita e
por Ela age.
A Igreja de
Cristo não comete pecado. O sujeito do pecado só pode ser uma pessoa
individual. A Igreja consta de seres humanos na sua realidade histórica, que
são pecadores; são membros da Igreja, mas o pecado que eles cometem não brota
do bojo da Igreja nem é ensinado pela Igreja, que, ao contrário, o combate. Por
isto na Igreja existe o Sacramento da Penitência como remédio para o pecado.
A
Igreja tem duas realidades (visível e invisível).
Catolicidade = universalidade
A expressão católica serve para designar, em primeira
instância, a universalidade da Igreja, ou seja, ela está em toda parte, e não
somente nesta ou naquela comunidade.
É
uma Igreja autêntica, verdadeira, perfeita. Ela é portadora de todos os meios
de salvação instituídos por Cristo. Ela é integral.
Deus
é único e é o único Senhor de todas as criaturas, o seu desígnio é universal ou
voltada para todas as criaturas:
O
PAI é o princípio que dá existência ao homem e desencadeia a história da
salvação. Seu plano salvífico encontra resistência por parte do homem; donde a
paciência de Deus Pai. Esse plano inclui o papel de Cristo Redentor e a missão
do Espírito Santo, que dinamiza a Igreja.
JESUS CRISTO,
Deus feio homem, é o princípio universal de salvação veio libertar o homem do
juízo do pecado e levá-lo à consumação de suas potencialidades.
Deus pai quis na plenitude dos tempos
reconduzir sob um só chefe todas as coisas, tanto as da terra como as do céu.
A Igreja,
Corpo de Cristo, é a comunhão dos homens que, tendo aceito o Cristo como seu
Mestre pela fé, foram unidos à sua
Cabeça pelos sacramentos. Jesus Cristo é na qualidade de novo Adão, o
fundamento imediato da catolicidade da Igreja. (veio salvar todos = universal).
O ESPÍRITO
SANTO foi, por Cristo e pelo Pai, dado à Igreja como alma do Corpo Místico. É
Ele que age no íntimo de cada indivíduo, fazendo que as iniciativas de cada um
e de todos contribuam para a unidade.
Assim a Igreja
se abre e abraça todo o mundo. Ela é dinâmica, não é estática, parada.
Ela
é católica por que Cristo está presente. E onde está Cristo Jesus, está a Igreja
católica. Ela é católica porque é enviada em missão por Cristo à universalidade
do gênero humano.
2Tm 4,1-5 “Eu
te conjuro em presença de Deus e de Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e
os mortos, por sua aparição e por seu Reino: prega a palavra, insiste oportuna
e importunamente, repreende, ameaça, exorta com toda paciência e empenho de
instruir. Porque virá tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da
salvação. Levados pelas próprias paixões e pelo prurido de escutar novidades, ajustarão
mestres para si. Apartarão os ouvidos da verdade e se atirarão às fábulas. Tu,
porém, sê prudente em tudo, paciente nos sofrimentos, cumpre a missão de
pregador do Evangelho, consagra-te ao teu ministério”.
A
missão da Igreja é universal (Ide pelo mundo inteiro e pregai o Evangelho a
toda criatura), ou seja, procura incorporar ao povo de Deus (que foi
escolhido), todos os povos da terra.
O
dever missionário da Igreja decorre da consciência que o fiel católico tem, de
haver recebido de Deus o precioso tesouro da fé, tesouro que ele não tem o
direito de guardar para si só.
A Igreja
católica está presente em todos os continentes.
Apostolicidade
Lc 6,12-16
“Naqueles dias, Jesus retirou-se a uma montanha para rezar, e passou aí toda a
noite orando a Deus. Ao amanhecer, chamou os seus discípulos e escolheu doze
dentre eles que chamou de apóstolos: Simão, a quem deu o sobrenome de Pedro;
André, seu irmão; Tiago, João, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho
de Alfeu; Simão, chamado Zelador; Judas, irmão de Tiago; e Judas Iscariotes,
aquele que foi o traidor”.
A Igreja guarda, através dos séculos, a identidade
dos princípios que ela recebeu de Cristo mediante os Apóstolos.
A palavra apóstolo é grega,
significa enviar. Era o enviado, legado, embaixador, aquele que devia ser
respeitado como o rei que os enviava, pois ela falava em nome do rei.
Jesus
escolheu doze Apóstolos, para que vivessem mais estritamente a Ele e fossem
seus mensageiros. Mc 3,14 “Quem vos recebe, a Mim recebe; e quem me recebe,
recebe aquele que me enviou”.
O
número doze recorda o dos doze Patriarcas de Israel e significa que o novo povo
de Deus está fundamentado sobre Cristo mediante os doze legados do Senhor.
Os
doze Apóstolos são as doze colunas da Igreja. Cristo é a Pedra angular
(colocada nos ângulos do Templo de Jerusalém).
O
Patrimônio da fé não chega aos fiéis como algo descido do céu diretamente, mas,
sim, como algo que parte do Pai, passa por Jesus Cristo, pelos Apóstolos e,
finalmente, chega a cada indivíduo no seu respectivo tempo.
A
nossa Igreja voltando no tempo vai chegar aos Apóstolos que receberam a
mensagem de Cristo e Cristo recebeu de Deus Pai.
A
Igreja é apostólica por ser fundada sobre os apóstolos, e isto em um tríplice
sentido:
Ela foi e
continua sendo construída sobre o fundamento dos Apóstolos, testemunhas
escolhidas e enviadas em missão pelo próprio Cristo;
Ela conserva e
transmite, com a ajuda do Espírito Santo que nela habita o ensinamento, o
depósito precioso, as salutares palavras ouvidas da boca dos apóstolos;
Ela continua a
ser ensinada, santificada e dirigida pelos Apóstolos, até a volta de Cristo,
graças aos que a eles sucedem na missão pastoral: o colégio dos bispos, que são
assistidos pelos presbíteros, em união com o sucessor de Pedro, pastor supremo
da Igreja.
Esta Igreja é
una, santa, católica e apostólica na sua identidade mais profunda e última,
porque é nela que já existe e será consumado no fim dos tempos o Reino de Deus.
O PRIMADO DE PEDRO
Na
sucessão apostólica, ocupa um lugar único e privilegiado o Apóstolo Pedro.
Jesus lhe confiou encargos especiais, que estão ligados com a própria
subsistência de Igreja até o fim dos tempos.
Pedro
é sem dúvida o Apóstolo mais citado no Novo Testamento.
Pedro
é o primeiro que Jesus chama e envia Mc 1,16-20.
Na
lista dos Apóstolos, é sempre o primeiro, ao passo que Judas é o último Mt
10,2-4.
A
vocação de Pedro está associada a uma mudança de nome: Jesus lhe dá o nome de
Kephas, Rocha. Na antiguidade, o nome exprimia a realidade íntima do respectivo
sujeito. No Antigo Testamento, Deus mudou o nome de Abrão por Abraão, o de
Sarai por Sara, o de Jacó por Israel; de cada vez a mudança de nome implicou
uma promessa, promessa que dizia respeito aos fundamentos do povo de Deus. Ao
trocar o nome de Simão, Jesus quis significar que, no novo Povo de Deus, Pedro
terá o papel de fundamento sólido como a rocha.
Muito
significativo é o texto de Mt 16,13-19, cuja autenticidade literária é
reconhecida por bons exegetas protestantes.
Pedro
confessou a messianidade e a filiação divina de Jesus; em resposta, o Senhor
lhe declarou: “Tu és Rocha e sobre essa Rocha edificarei a minha Igreja e as
portas do inferno não prevalecerão contra ela”. A imagem de rocha significa a
solidez de que gozará “a minha Igreja”.
“A
minha Igreja” traduz o hebraico gahal, palavra que designava a assembléia do
povo de Deus no Antigo Testamento. Verdade é que Cristo também é Pedro (pedra)
fundamental da Igreja (Mt 21,42; Sl 117,22). Isto, porém, não impede que Pedro
seja o fundamento visível instituído por Cristo invisível; Jesus também é luz
do mundo (Jo 8,12), o que não impede que os Apóstolos sejam a luz do mundo (Mt
5,14); “só Deus é Bom” (Mc 10,18), mas os homens, também podem ser bons (Mt
5,45; Mt 12,35).
Jesus
confere a Pedro “as chaves do Reino dos Céus”. Estas significam a autoridade
para governar uma casa ou um palácio, autoridade que compete a um mordomo ou a
um Primeiro-Ministro, como se pode depreender de Is 22, 19-23 “Depor-te-ei de
teu cargo e arrancar-te-ei do teu posto. Naquele dia chamarei meu servo
Eliacim, filho de Helcias. Revesti-lo-ei com a tua túnica, cingi-lo-ei com o
teu cinto, e lhe transferirei os teus poderes; ele será um pai para os
habitantes de Jerusalém e para a casa de Judá. Porei sobre seus ombros a chave
da casa de Davi; se ele abrir, ninguém fechará, se fechar, ninguém abrirá;
fixá-lo-ei como prego em lugar firme, e ele será um trono de honra para a casa
de seu pai”.
A
expressão “ligar e desligar” era usual entre os rabinos e significava:
-
declarar lícito ou ilícito (desligando ou ligando)
-
condenar ou absolver, excluir da comunidade ou reintegrar na comunidade.
Assim
Pedro recebeu faculdades para decidir e legislar ou para administrar a Igreja
de modo geral. Verdade é que Jesus disse semelhantes palavras aos doze
reunidos: “Em verdade vos digo: tudo o que ligardes sobre a terra será ligado
no céu, e tudo o que desligardes sobre a terra será também desligado no céu”
(Mt 18,18). Esta declaração quer dizer que o colegiado dos Apóstolos com Pedro
terá as mesmas faculdades que Pedro a sós.
Em
Lc 22,31-32 lê-se “Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar
como o trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua confiança não desfaleça; e
tu, por tua vez, confirma os teus irmãos”. Jesus prevê um assalto de Satanás
contra os justos – o que é bem conhecido dos escritores sagrados - “O Senhor mostrou-me o sumo sacerdote
Josué, de pé diante do anjo do Senhor; Satã estava à sua direita como acusador.
O (anjo do) Senhor disse a Satã: O Senhor te confunda, Satã! Confunda-te o
Senhor que escolheu Jerusalém. (Josué) não é porventura um tição escapado ao
incêndio?” (Zc 3,1-2); “Levantou-se Satã contra Israel, e excitou Davi a fazer
o recenseamento de Israel” 1Cr 21,1); “É por inveja do demônio que a morte
entrou no mundo, e os que pertencem ao demônio prová-la-ão” (Sb 2,24).
Jesus
faz alusão a tal assalto diabólico e ora pela fé de Pedro, que foi constituído
fundamento de uma comunidade contra a qual as potências malignas não poderão
prevalecer. Pedro deverá exercer a função de fortalecer a fé dos irmãos. Pedro,
porém, fraquejou e negou o Senhor; mas arrependeu-se e chorou amargamente. Isto
bem mostra que é a assistência do Senhor Jesus, que garante aos cristãos a
incolumidade da fé.
Jo
21, 15-17 “Tendo eles comido, Jesus perguntou a Simão Pedro: Simão, filho de
João, amas-me mais do que estes? Respondeu ele: Sim, Senhor, tu sabes que te
amo. Disse-lhe Jesus: Apascenta os meus cordeiros. Perguntou-lhe outra vez:
Simão, filho de João, amas-me? Respondeu-lhe: Sim, Senhor, tu sabes que te amo.
Disse-lhe Jesus: Apascenta os meus cordeiros. Perguntou-lhe pela terceira vez:
Simão, filho de João, amas-me? Pedro entristeceu-se porque lhe perguntou pela
terceira vez: Amas-me?, e respondeu-lhe: Senhor, sabes tudo, tu sabes que te
amo. Disse-lhe Jesus: Apascenta as minhas ovelhas”
É
a entrega do mandato que foi prometido a Pedro; Jesus pede a Pedro uma tríplice
afirmação de amor e fidelidade para apagar a tríplice negação de Pedro. Jesus
constituiu Pedro pastor do seu rebanho. Não há dúvida, os demais Apóstolos
foram também chamados ao pastoreio do rebanho de Cristo; como quer que seja,
Pedro recebeu de modo pessoal, singular, e em termos ilimitados, a faculdade
que seria conferia aos outros Apóstolos. Mais uma vez se verifica que Pedro
possui pessoalmente, por concessão do próprio Cristo, aquilo que os demais
Apóstolos receberam colegialmente.
Deve-se
notar ainda o papel desempenhado por Pedro tanto no decorrer da vida pública de
Jesus quanto após a Ascensão:
Pedro
responde pelos Apóstolos: Lc 5,4-11;
Pedro
fala em nome do colegiado: Jo 6,68-69; Mt 16,16; Mt 15,15; Mt 19,27; Mt 18,21;
Lc 12,41.
“Pedro
e os que estavam com Pedro” é expressão que põe em relevo o nome de Pedro,
fazendo eco a sentenças bíblicas em que o nome posto em realce é o do chefe.
Mc
16,7 “Ide, dizei a seus discípulos e a Pedro...”
At
2,14 “Pedro então, pondo-se de pé em companhia dos Onze...
At
5,29 “Pedro e os apóstolos replicaram...”
1Cor
9,5 “...a exemplo dos outros apóstolos, os irmãos do Senhor e Pedro...”
Pedro,
após a Ascensão, preside, levanta-se e fala... At 1,15;
Pedro
é o primeiro a abrir as portas da Igreja aos pagãos sem lhes impor a
circuncisão, à revelia do que desejava a facção judaizante da comunidade nascente.
(At 10,9-43).
Destas
citações pode-se concluir que o colegiado dos doze é estruturado; tem uma
chefia na pessoa do Apóstolo Pedro. Isto significa que os sucessores dos
Apóstolos constituem um colégio no qual permanece a função primacial petrina, porque
a Igreja é concebida por Cristo como uma instituição que deverá durar até o fim
dos tempos (Mt 28,20).
OS MIGRANTES E A Igreja do
Caminho
Em recente artigo veiculado pela
Internet – Aos desolados pela Igreja
– Leonardo Boff confrontava as instituições atuais da Igreja Católica com o
início do cristianismo, a chamada religião do Caminho. Trazia à tona, na verdade, um tema já abordado por ele no
livro Igreja, Carisma e poder, que
lhe rendeu alguns dissabores com o então Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento
XVI. Vale aproveitar o embalo para tecer algumas considerações sobre o binômio
templo/caminho como uma tensão histórica que se configura com a imagem de um
pêndulo entre um extremo e outro, com as devidas graduações intermediárias. Não
será difícil dar-se conta da importância que tem a Pastoral dos Migrantes para
o fortalecimento da “fé a caminho”.
O Caminho
De fato, antes de ser Igreja (ou
Igrejas no plural) o movimento de Jesus era caminho. Prova-o, primeiramente, os
relatos ligados ao nascimento e à infância de Jesus, especialmente no Evangelho
de Lucas. Desde o ventre materno, deve deixar sua terra, aventurar-se até Belém
“onde não havia lugar para eles” (Lc 2,7). Logo seus pais são forçados a
escapar da fúria assassina de Herodes, refugiando-se no Egito e de lá
retornando. Históricos ou não, tais relatos revelam que o mistério da
encarnação ocorre num contexto acidentado, como o foi o êxodo do Egito e a
travessia do Povo de Israel pelo deserto, entes de chegar à Terra Prometida.
Prova-o, em seguida, o próprio
itinerário do Jesus histórico que, no dizer do evangelista, “percorria todas as
aldeias e cidades (...) e, ao encontrar as multidões cansadas e abatidas, tinha
compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor” (Mt 9,35-38). Os estudiosos do
Novo Testamento são unânimes em classificar a ação de Jesus como de um profeta
itinerante, que “passou pela vinda fazendo o bem”, não a partir do templo, mas
a partir da periferia e daqueles que a habitavam: pobres, indefesos, doentes,
discriminados, excluídos (At 10,38).
Prova-o, em terceiro lugar, o
episódio do Pentecostes e seus desdobramentos, quando os discípulos de Jesus,
hermeticamente fechados pelo medo, diante do fim trágico na cruz, foram
sacudidos pelo vento forte, pelo barulho e pelo fogo do Espírito (At, capítulo
2). Tornam-se imediatamente apóstolos missionários incansáveis, alargando cada
vez mais o campo de irradiação da Boa Nova de Jesus Cristo. Proliferaram então
as primeiras comunidades cristãs, cujos retratos apontam para uma nova forma de
integrar fé e vida, religião e compromisso social (At 2, 42-47; At 4,32-37).
Nos termos do Documento de Aparecida, o Pentecostes pode ser considerado como
uma espécie de encruzilhada entre o “ser discípulo” e o “ser missionário”. O
episódio dos discípulos de Emaús (Lc 24,13-35) ilustra bem isso: o caminho da
ida, do fracasso, da impotência e da fuga, se converte no caminho da volta:
entusiasmo que “arde o coração”. Através do encontro com o Ressuscitado, dois
discípulos medrosos tornam-se dois missionários ardorosos.
Prova-o, por fim, as grandes
viagens do apóstolo Paulo, o qual, tendo-se convertido ao cristianismo, põe-se
a transitar pelas rotas do comércio antigo, fundando pequenos núcleos de
cristãos nas cidades mais importantes da época: Corínto, Tessalônica, Galácia,
Éfeso, Filipos, Antioquia, Roma. Não só os funda, mas passa a alimentá-los
através de suas cartas e de suas visitas. Não é sem razão, aliás, que a
conversão de Saulo de Tarso em Paulo tenha ocorrido a caminho de Damasco (At, capítulo 9). Numa palavra, diferentemente
dos outros povos e culturas, a tradição judaico cristã, para além do templo,
desenvolve uma espiritualidade inextricavelmente vinculada ao êxodo, exílio e
deserto, como também ao caminho e à travessia.
O templo
O caminho se contrapõe ao templo
de Jerusalém, ponto de referência para um tríplice poder: religioso, político e
econômico. Por ali passavam os impostos, as decisões do Sinédrio e os
sacrifícios litúrgicos. Já no Antigo Testamento, o templo de Salomão substitui
a tenda da arca. A provisoriedade da travessia dá lugar à magnificência da
fortaleza. O Deus poderoso e onipotente do templo, símbolo da ordem
estabelecida, toma o lugar da espiritualidade do Deus a caminho, que “viu a
miséria, ouviu o clamor, conhece o sofrimento e desce para libertar”, conforme
o chamado “credo histórico” de Israel (Ex 3,7-10; Dt 26,5-10). Alguns profetas,
Miquéias entre eles (capítulo 3), se insurgem veementemente contra os
sacerdotes do templo. Profecia e sacerdócio régio professavam, de um lado e de
outro, um antagonismo irreconciliável. Nos séculos que antecederam e se
seguiram à vida de Jesus, o templo representava o coração socioeconômico e
político do país, tendo sido destruído pelas forças do Império Romano no ano 70
d.C. Jesus inverte o movimento do pêndulo, deslocando-se do templo para o
caminho, ou para os caminhos.
Historicamente, enquanto o
templo simbolizava a manutenção do status
quo, os profetas procuram atualizar a mística do êxodo para os tempos da
monarquia, do exílio e com João Batista e Jesus, para o domínio do Império
Romano. Eles questionam o deus estabelecido e rodeado de ouro, trazendo à
memória do povo a lembrança de Ihaweh, o Deus que caminha conosco na história.
A experiência amarga do exílio já havia contribuído para deslocar o foco da
espiritualidade: do templo, da riqueza e do poder para a sabedoria e a
relativização dos bens materiais. Deus não está no templo, agora em ruínas, mas
em toda parte: no coração de cada ser humano e de cada cultura, na beleza da
criação e na arte de saber viver. Êxodo, deserto e exílio depuram a fé,
colocando-a sempre a caminho.
A volta do exílio e a
reconstrução do templo, entretanto, recria a idéia do Deus forte e poderoso,
utilizando a memória de Abraão, Isaac e Jacob, ancestrais do Povo de Israel,
mas nem sempre levando em conta seu nomadismo primordial. Desenvolve-se uma
ideologia fortemente nacionalista e exclusivista, atrelada a um estrito
legalismo, onde o templo centraliza o culto e a moral. Contra isso Jesus se insurge
veementemente, de modo especial na fórmula de que “o sábado foi feito para o
homem, e não o homem para o sábado” (Mc 2,27). Se é verdade que as primeiras
comunidades cristãs seguem a trilha inaugurada por Jesus, vários setores do
judaísmo permanecem ancorados no Deus do templo, mesmo após a destruição deste.
Mas também para os cristãos,
passados os primeiros séculos de nossa era, as coisas mudam após conversão do
imperador Constantino, no século IV. O cristianismo é elevado à categoria de
religião de Estado, do Império. A espiritualidade do caminho começa um
processo, lento mas progressivo, de franca sedimentação. Entre trono e altar se
inicia, reciprocamente, uma longa aproximação, que mais tarde terminará em
namoro e casamento. Se a idéia do imperador era cimentar e salvar com um novo
espírito religioso o poderio romano, este rui e se desintegra no decorrer do
século seguinte. Daí para frente, e durante todo o período medieval, irá
prevalecer o conceito de Deus do templo, em detrimento do cristianismo do
caminho.
O poder central do império se
esfacela, mas nascem os poderes locais, ao redor dos senhores feudais.
Destronada pouco a pouco a espiritualidade itinerante, instala-se no interior
do feudalismo, e a este fortemente vinculada, a hierarquia eclesiástica,
simultaneamente reforço e reflexo do próprio sistema feudal. Daí às fogueiras
para execução de feiticeiras e hereges, à condenação de sábios e cientistas, às
campanhas militares das cruzadas e ao batismo forçado dos indígenas coloniais,
o caminho era muito curto. Trono e altar, cruz e espada, padre e soldado
constituíam duas faces da moeda. De fato, se “extra eclesia nula salus = fora
da Igreja não há salvação”, todo combate ao demônio torna-se legítimo. O
resultado não poderia ser outro, senão o fundamentalismo teocrático, cego,
intolerante e fanático, acompanhado das várias faces da “guerra santa”.
Entretanto, mesmo no interior
dessa noite escura, na base das fortalezas e castelos, palácios e catedrais
medievais, nunca a chama do Evangelho se deixou apagar por completo. Sob as
cinzas a brasa se mantinha viva. Santa Tereza D’Ávila, São João da Cruz, São
Domingos, Santo Inácio de Loyola, São Francisco de Assis, Bartolomeu de Las
Casas – entre tantos outros testemunhos – são exemplos vivos da persistência da
semente lançada por Jesus Cristo. Muitos santos e santas eram como que
estrelas, que brilhavam tanto mais fortes, quanto mais intensa a escuridão.
Todos, de uma ou outra forma, tratavam de resgatar a espiritualidade do
caminho. A Ordem dos Frades Menores, junto com outras Ordens mendicantes, não
nascem à toa. Mergulham suas raízes nos primórdios do cristianismo primitivo,
com seus ideais fundamentados na Boa Nova do Evangelho.
Novamente aqui, recrudescem a
tensão e os conflitos entre o deus estabelecido e a mística do Deus a caminho.
O pêndulo segue oscilando. Na segunda metade do século XIX, em plena “sede de
inovações e agitação febril” da Revolução Industrial, surgem os “santos
sociais”, fundadores e fundadoras de Congregações marcadamente apostólicas.
Surge igualmente o documento inaugural da Doutrina Social da Igreja, a Rerum Novarum, publicada pelo Papa Leão
XIII em 1891, e dedicada à “questão social”. Isso no pano de fundo da “onda
vermelha” que multiplicava células comunistas por todo continente europeu.
Talvez esteja aí o terreno fértil do contexto histórico onde proliferam os
precursores do Concílio Ecumênico Vaticano II, sendo este uma nova encruzilhada
na história da Igreja Católica.
De volta ao caminho
Abrindo as janelas de uma Igreja
com cheiro de mofo aos novos ares e aos desafios do mundo moderno, como
insistia o Papa João XXIII, o Concílio Vaticano II representou um impulso
inquestionável para um retorno ao caminho. Caminho aqui como metáfora das
“alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos homens de hoje, especialmente
dos que mais sofrem, que são também as alegrias e esperanças, tristezas e
angústias dos discípulos de Jesus Cristo” (Gaudium
et Spes, nº 1). Nesse mundo “em rápidas e profundas mudanças” (GS, nº 4),
engendra-se uma nova eclesiologia, onde a idéia de Povo de Deus substitui o
conceito de Igreja hierárquica. Toda a Igreja passa a ser missionária e cada
batizado realiza, nela ou fora dela, seu “sacerdócio profético e real”, a um
tempo eclesial e ministerial, como serviço ao mundo e à Igreja. O compromisso
sóciopolítico diante dos contrastes contemporâneos pressupõe essa nova
eclesiologia, não mais nos moldes piramidais da Idade Média, e sim numa visão
circular, com o Cristo ao centro, onde as tarefas são distintas mas igualmente
reconhecidas, nem melhores ou piores, nem mais importantes ou menos
importantes, apenas diferentes (Lumen
Gentium).
A Vida Religiosa Consagrada
(VRC), juntamente com as Pastorais Sociais, com as Comunidades Eclesiais de
Base (CEBs), com a Teologia da Libertação (TdL) e com numerosos entidades,
movimentos sociais e organizações não governamentais (ONGs), partilham hoje uma
tarefa comum: beber das fontes evangélicas e do carisma correspondente, para
retornar ao caminho. Visitar o berço, não para permanecer ali de forma
saudosista, mas para avançar em direção à fronteira. Não se trata de construir
museus com o fim de contemplar os feitos passados. Os museus podem ser muito
úteis, desde que se purifiquem de um narcisismo doentio e ineficaz, para voltar-se
aos novos desafios que a história apresenta. Também não se trata de imitar pura
e simplesmente os fundadores. Seguir não é imitar, e sim recriar. Imitar é uma
forma de trair o espírito e a intuição do carisma, pois a história se
transforma e levanta problemas sempre novos. Refaz-se, desse modo, a grande
tensão história entre tenda e templo, entre espiritualidade do caminho e culto
ao deus estabelecido, entre carisma e instituição (na concepção de Max Weber).
Nos tempos atuais, porém, o pêndulo parece tender mais para o lado do poder, da
pompa, da grande solenidade, do aparato exterior, da visibilidade de uma Igreja
triunfante, do liturgismo, dogmatismo e doutrina... Enfim, de um novo estilo de
cristandade.
Convém introduzir um parágrafo
sobre a Pastoral dos Migrantes, enquanto presença viva e ativa junto ao
universo na mobilidade humana. O Documento de Aparecida, a exemplo de Puebla e
Santo Domingo, dedica um subitem “aos rostos sofredores que doem em nós”,
privilegiando, entre outros, os migrantes. Estes, com efeito, podem
converter-se em protagonistas de um novo tempo. Profetas que, simultaneamente,
denunciam estruturas que negam a pátria a milhões de pessoas e anunciam a
necessidade de novas relações nacionais e internacionais, na busca de uma nova cidadania.
São, não raro, sangue novo nas veias de organismos decrépitos, oxigênio
primaveril em sociedade que se encaminham para o outono, abelhas vivas que
conduzem o pólen de valores novos para fecundar as flores de outra cultura. Se
no coração de cada ser humano e no coração de cada cultura existem sementes do
Verbo, o ato de migrar é portador de tais sementes. Conclui-se que “os
migrantes que partem de nossas comunidades podem oferecer valiosa contribuição
missionária às comunidades que os acolhem” (Doc. Ap., nº 415).
Deste modo, a tarefa hoje se
torna mais desafiadora e urgente. Voltar ao caminho é voltar aos porões da
sociedade, aos becos e ruas mais obscuras, aos grotões abandonados do campo,
aos presídios e prostíbulos, aos assentamentos e acampamentos, às “bocas” de
fumo e de crack, aos lixões e periferias... É voltar ao submundo dos pobres e
indefesos, órfãos e perdidos, marginalizados e excluídos. Somente uma presença
gratuita e silenciosa junto a esses “prediletos do Pai” pode resgatar a
espiritualidade do caminho, ou a mística de quem caminha. De fato, quem muito
caminha aprende a depurar a mala e a alma, a focalizar o olhar e os passos
naquilo que é essencial e a relativizar o que é supérfluo. Em outras palavras,
aprende a cultivar tesouros que a traça não corrói nem os ladrões roubam (Mt
6,19-21).
Fontes de consulta:
Catecismo da
Igreja Católica
Lumem Gentium - Concílio Vaticano II
Gaudium et
Spes - Concílio
Vaticano II
Curso de
Eclesiologia - Escola Mater Ecclesiae
A Fé da Igreja - Editora Vozes
O Novo Povo de
Deus - Editora Paulinas
Uma Igreja
para o Mundo - Editora Loyola
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