SANTÍSSIMA TRINDADE
DEUS UNO E TRINO
CONHECER A DEUS
O nosso estudo
sobre Deus começa com uma questão preliminar: podemos conhecer a Deus, o
Inefável?
A
Sagrada Escritura não se detém em provar a existência de Deus, pois esta
existência é óbvia aos autores sagrados, já que Deus se torna evidente pelo
testemunho da natureza que Ele criou.
O Antigo Testamento
O
livro da Sabedoria, escrito no século I a.C. no Egito, apresenta bela passagem
sobre o reconhecer a Deus por meio de suas obras: Sb 13,1-9 “São insensatos por
natureza todos os que desconheceram a Deus, e, através dos bens visíveis, não
souberam conhecer Aquele que é, nem reconhecer o Artista, considerando suas
obras. Tomaram o fogo, ou o vento, ou o ar agitável, ou a esfera estrelada, ou
a água impetuosa, ou os astros dos céus, por deuses, regentes do mundo. Se
tomaram essas coisas por deuses, encantados pela sua beleza, saibam, então,
quanto seu Senhor prevalece sobre elas, porque é o criador da beleza que fez
estas coisas. Se o que os impressionou é a sua força e o seu poder, que eles
compreendam, por meio delas, que seu criador é mais forte; pois é a partir da
grandeza e da beleza das criaturas que, por analogia, se conhece o seu autor.
Contudo, estes só incorrem numa ligeira censura, porque, talvez, eles caíram no
erro procurando Deus e querendo encontrá-lo: vivendo entre suas obras, eles as
observam com cuidado, e porque eles as consideram belas, deixam-se seduzir pelo
seu aspecto. Ainda uma vez, entretanto, eles não são desculpáveis, porque, se
eles possuíram luz suficiente para poder perscrutar a ordem do mundo, como não
encontraram eles mais facilmente aquele que é seu Senhor?”
Como
se vê, o autor sagrado afirma a capacidade, da razão humana, de apreender a
Deus mediante a consideração da beleza do universo; a razão, por analogia, pode
chegar à contemplação do Criador. Ou seja, de baixo para cima podemos chegar
dos efeitos para a Causa Suprema ou do visível para o invisível.
O Novo Testamento
Em
Rm 1,18-23 há nítida ressonância do livro da Sabedoria: “A ira de Deus se
manifesta do alto do céu contra toda a impiedade e perversidade dos homens, que
pela injustiça aprisionam a verdade. Porquanto o que se pode conhecer de Deus
eles o lêem em si mesmos, pois Deus lho revelou com evidência. Desde a criação
do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade,
se tornam visíveis à inteligência, por suas obras; de modo que não se podem
escusar. Porque, conhecendo a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram
graças. Pelo contrário, extraviaram-se em seus vãos pensamentos, e se lhes
obscureceu o coração insensato. Pretendendo-se sábios, tornaram-se estultos.
Mudaram a majestade de Deus incorruptível em representações e figuras de homem
corruptível, de aves, quadrúpedes e répteis”.
Ao
ler Sb e Rm, pode-se concluir, que todo homem traz em si o anseio de Deus, pois
todos têm a aspiração inata à vida, à felicidade, ao amor, ao bem..., que, em
última análise, se encontram plenamente em Deus. Todavia nem
todos sabem identificar a Fonte e o Doador de tais valores, de modo que
confeccionam para si falsos deuses.
No
Areópago de Atenas, o Apóstolo assim se pronunciou:
“O
Deus, que fez o mundo e tudo o que nele há, é o Senhor do céu e da terra, e não
habita em templos feitos por mãos humanas. Nem é servido por mãos de homens,
como se necessitasse de alguma coisa, porque é ele quem dá a todos a vida, a
respiração e todas as coisas. Ele fez nascer de um só homem todo o gênero
humano, para que habitasse sobre toda a face da terra. Fixou aos povos os
tempos e os limites da sua habitação. Tudo isso para que procurem a Deus e se
esforcem por encontrá-lo como que às apalpadelas, pois na verdade ele não está
longe de cada um de nós. Porque é nele que temos a vida, o movimento e o ser,
como até alguns dos vossos poetas disseram: Nós somos também de sua raça” (At
17,24-28).
Embora
sejam idólatras, São Paulo reconhece que os pagãos podem chegar a Deus, pois
Ele se lhes manifesta pela boa ordem do mundo. O Apóstolo chega a reconhecer
que muitos pagãos disseram algo de verdadeiro a respeito de Deus.
Em
Rm 2,14-15 São Paulo afirma que os gentios ouvem em seu íntimo a voz de Deus
Legislador: “Os pagãos, que não têm a lei, fazendo naturalmente as coisas que
são da lei, embora não tenham a lei, a si mesmos servem de lei; eles mostram
que o objeto da lei está gravado nos seus corações, dando-lhes testemunho a sua
consciência, bem como os seus raciocínios, com os quais se acusam ou se escusam
mutuamente”.
Os
pagãos têm a lei natural inscrita em seus corações; a sua consciência lhes dá
testemunho do bem e do mal, o que equivale à voz de Deus; Ele criou o homem e
lhe incutiu a lei natural, que aos judeus fala também através da lei de Moisés.
Essa lei natural é a de Deus, que chama a criatura para voltar ao seu princípio
ou ao seu Alfa e Ômega.
Assim,
a Sagrada Escritura afirma que o homem pode reconhecer a Deus por meio do
testemunho do mundo visível como também pela voz da consciência. Este
conhecimento permite encontrar Deus como a Fonte dos valores disseminados em
torno do homem e no homem. A Revelação feita ao povo de Deus leva adiante esse
princípio de teologia natural.
O Magistério da Igreja
O
Concílio do Vaticano I (1870), realizado numa época em que a Filosofia
criticava duramente o acume da razão humana. De um lado os positivistas
propugnavam a incapacidade, da razão, de atingir a Deus. De outro lado, os
tradicionalistas julgavam que a razão só reconheceria Deus mediante uma
revelação divina. O Concílio quis rejeitar esta duas posições afirmando:
“A
Santa Igreja professa e ensina que Deus, Princípio e fim de todas as coisas,
pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão a partir das coisas criadas: ‘Desde a criação
do mundo, as suas perfeições invisíveis se tornam manifestas à inteligência
mediante as suas obras’ (Ds 3004)”.
Donde
se deduz que a razão humana, contemplando o mundo visível, depreende a
existência e algo das perfeições do Criador. O texto foi retomado pelo Concílio
do Vaticano II (Dei Verbum 6).
Frente
ao modernismo, o Papa Pio X renovou a declaração do Concílio:
“Deus
pode ser conhecido com certeza e, por isto, também demonstrado sob a luz
natural da razão a partir do que foi criado (Rm 1,20), isto é, a partir das
obras visíveis da criação como a causa é conhecida e partir dos seus efeitos”
Assim,
Deus se manifesta a todo homem, pela voz da consciência, o dever de procurá-lo;
Deus não se furta a quem sinceramente Lhe vai em demanda. Todavia
o ser humano pode sufocar a voz de Deus e fechar-se à descoberta do caminho da
Vida.
A
encíclica Fé e Razão, do Papa João
Paulo II de 1998, reafirma a capacidade, da razão humana, de conhecer a Deus e
aprofundar as verdades da fé.
O
ateísmo ou a negação de Deus não raro degenera em idolatria, pois a sede de
Absoluto e Infinito é incoercível no coração do homem, de modo que este pode
chegar a transferir do verdadeiro Deus para falsos deuses a sua homenagem e o
seu serviço; claro exemplo disto é a idolatria do homem pelo homem.
As
provas da existência de Deus concluem não somente que Deus existe, mas indicam
também aspectos na natureza ou do ser de Deus. Assim as provas ditas
“ontológicas” afirmam que Deus é Aquele que subsiste por si, sem depender de
outrem, e existe necessariamente (é a razão necessária de tudo o que existe).
O
problema, porém, consiste na limitação das faculdades de conhecimento do homem;
são limitadas, porque sempre dependentes dos sentidos e dos objetos materiais;
tudo o que conhecemos, é sempre finito, de modo que conhecer Deus, que é
infinitamente perfeito e imaterial, se torna especialmente difícil.
OS NOMES DE DEUS
No
Antigo Testamento Deus se revela através de palavras e fatos: as palavras
anunciam e interpretam os fatos; os fatos ilustram e confirmam as palavras.
Sendo assim, toda a história do povo de Israel é uma revelação de Deus. É
preciso saber ler a história e nela descobrir Deus presente e atuante.
Deus
se revela no Antigo Testamento também por nomes que refletem atributos ou
funções de Deus.
El designa, de modo geral, a divindade entre
os povos semitas, com exceção dos etíopes; em árabe tal nome toma a forma de il ou ilah (donde Allah).
São
três as principais sentenças da etimologia de tal vocábulo:
El = ser forte, vigoroso;
El = estar à frente, ter a primazia;
El = em direção de...
El aparece nos nomes teofóricos: Ismael (que Deus ouça); Yizre-el (que Deus semeie); Eli-ab (meu Deus é Pai); Eli-sua (Eliseu, meu Deus me ajudou); Eli-meleque (meu Deus é Rei).
O
nome é frequentemente acompanhado de um aposto: El-olam (Gn 21,33) é o
Deus antigo ou eterno; El-roi (Gn
16,13) é o Deus que me vê; El-Bethel
(Gn 31,13) é o Deus que se manifestou em Bethel (= casa de Deus).
Às
vezes a palavra El tem a força de um
adjetivo, que evoca grandeza, pujança: montanha de El (Sl 35,7); cedro de El
(Sl 79,11); exército de Elohim (1Cr
12,23).
El-Elyon é o Deus Altíssimo (Gn 14,
18-20).
Eloah é forma derivada de El; aparece
várias vezes no Antigo Testamento.
Elohim é a forma mais freqüente no
Antigo Testamento, onde aparece cerca de 2000.
Yhwh (Javé) – Tetragrama (quatro sinais)
Yahweh é o nome próprio do Deus de
Israel.
Ex
3,14-15 “Deus respondeu a Moisés: “EU SOU AQUELE QUE SOU”. E ajuntou: “Eis como
responderás aos israelitas: (Aquele que se chama) EU SOU envia-me junto de
vós.” Deus disse ainda a Moisés: “Assim falarás aos israelitas: É JAVÉ, o Deus
de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó, quem me
envia junto de vós. Este é o meu nome para sempre, e é assim que me chamarão de
geração em geração”.
A
tradução dos LXX considerou Yahweh,
indicando assim que Deus é o Ser Absoluto ou o Ser por excelência. Deus é por
si mesmo, à diferença das criaturas, que não existem por si mesmas.
A
interpretação mais correta do nome revelado é a que leva em conta o seu caráter
dinâmico e concreto. Deus quer revelar-se como Aquele que está com seu povo e o
acompanha na saída do Egito, assegurando êxito à tarefa de Moisés. Donde a
tradução: “Eu sou Aquele que é contigo”. O próprio Senhor disse a Moisés: “Eu
estarei contigo”.
É
de notar que, após o exílio na Babilônia (587 – 538 a .C.), se tornou proibido
aos judeus proferir o nome Yahweh; tal era “o nome que se escreve, mas não se
lia”. O nome santo só era proferido pelo Sumo Sacerdote quando entrava no Santo
dos Santos no dia da Expiação anual; ou pelos demais sacerdotes que abençoassem
o povo segundo Nm 6,23-27; mesmo nestes casos o nome sagrado era pronunciado em
voz muito baixa. Em conseqüência o tetragrama Yhwh era lido como Adonay
(= meu Senhor).
A
pronúncia “Yohoua” apareceu pela primeira vez em 1278 nos escritos de Raimundo
Martini (monge espanhol). Os protestantes no século XVI adotaram a pronúncia
“Jeová”.
Certa
vez no deserto Moisés pediu ao Senhor que o acompanhasse na árdua travessia e
lhe mostrasse a sua glória. Ao que o Senhor respondeu:
“Vou
fazer passar diante de ti todo o meu esplendor, e pronunciarei diante de ti o
nome de Javé. Dou a minha graça a quem quero, e uso de misericórdia com quem me
apraz” (Ex 33,19).
Este
texto associa entre si a revelação do Nome Santo e a da bondade de Deus.
Quando
o Senhor cumpriu o que prometera, Exclamou Moisés:
“Javé,
Javé, Deus compassivo e misericordioso, lento para a cólera, rico em bondade e
em fidelidade” (Ex 34,6).
Estes
textos significam que Deus é amor. O acúmulo de sinônimos tem o valor de
superlativo e sugere uma bondade sem igual, que ultrapassa toda formulação
comum. Assim o nome de Javé assume um segundo significado: não somente Ele é o
Absoluto, que acompanha seu povo, mas também é Amor. Aquele que é, também é
Aquele que ama.
“Caríssimos,
amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo o que ama é nascido
de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é
amor” (1Jo 4,7-8).
O
amor de Deus difere do amor das criaturas, pois Deus ama o homem não porque o
homem seja bom (como acontece entre nós), mas, ao contrário, o homem é bom
porque Deus o ama, e ama gratuitamente.
Os Antropomorfismos
Frequentemente
o Antigo Testamento apresenta Deus como um homem: atribui-lhe olhos (Am 9,4),
mãos (Am 9,2), dedos (Dt 9,10), braços (Jr 27,5), pés (Na 1,3) face e dorso (Ex
33,23), boca (Jr 9,12), lábios e língua (Is 30,27).
Deus
grita (Lv 1,1), ruge (Am 1,2), ri (Sl 2,4), assovia (Is 7,18), dorme (Sl
43,24), desperta como um embriagado que sai do sono (Sl 77,65, passeia no
jardim do Éden (Gn 3,8), é oleiro (Gn 2,7), desce para ver a torre de Babel (Gn
11,5), é guerreiro valente (Ex 15,3), devora como um leão (Os 5,14), vinga-se
(Is 1,24) arrepende-se (Gn 6,6).
Outros
textos, porém, dizem o contrário:
Os
11,9 “porque sou Deus e não um homem”
1Sm
15,29 “Aquele que é a verdade de Israel não mente, nem se arrepende, pois não é
um homem para se arrepender”.
Nm
23,19 “Deus não é homem para mentir, nem alguém para se arrepender”.
Sl
120,4 “Não, não há de dormir, nem adormecer o guarda de Israel”.
Is
40, 28 “O Senhor é um Deus eterno. Ele cria os confins da terra, sem jamais
fatigar-se nem aborrecer-se; ninguém pode sondar sua sabedoria”.
O
recurso a antropomorfismos nas Escrituras Sagradas explica-se por três motivos:
1)
O espírito humano é incapaz de conceber Deus tal como Ele é, de modo que a
linguagem humana é naturalmente propensa a utilizar expressões antropomórficas.
2)
o Deus do Antigo Testamento se torna muito concreto para Israel. É conhecido
não tanto mediante reflexões filosóficas, mas pelas suas manifestações na
história; as páginas bíblicas apresentam o Deus vivo, atuante, o que leva
naturalmente a concebê-lo como um Homem Grande, Poderoso, Dialogante.
No
Antigo Testamento Deus é um Deus que escolhe e ama seu povo; Ele o tira da
servidão do Egito para estabelecê-lo em Canaã; conclui aliança com o povo
libertado, tudo por livre iniciativa e gratuita benevolência. É o Deus bem
diferente da personificação das forças da natureza e dos “deuses mortos” (Br
6,26.70) ou “deuses impotentes”. São estes predicados de Deus que fazem que o
salmista deseje gozar da presença de Deus em seu templo.
3) Os
israelitas diziam “braço, mão, olho, etc” para significar poder; falavam do
sopro das narinas para designar impaciência ou cólera; falavam do rosto que se
vira ou se volta para significar aversão ou benevolência. Em conseqüência,
entende-se que tenham falado de Deus em linguagem semelhante.
Porém os
israelitas nunca rebaixaram Deus ao plano dos deuses da mitologia, porque
tinham consciência de que Deus é Santo e impecável.
Ainda se deve
observar que os antropomorfismos do Antigo Testamento preparavam o mistério da
Encarnação da plenitude dos tempos.
O DEUS DA ALIANÇA
Deus fez
aliança com seu povo desde que o constituiu tal; assim com Abraão; fez com
Moisés, ao tirar o povo do Egito.
Essa aliança
tem característica singular: é irrevogável e inviolável da parte de Deus. O
Senhor tem a plena iniciativa. Não é propriamente uma aliança de igual a igual;
é gratuita.
O povo contrai
obrigações, mas o não cumprimento dessas obrigações não anula a aliança. A
fidelidade de Deus não depende da fidelidade do homem.
A aliança é
iniciativa de Deus. Diz o texto sagrado que Javé concluiu aliança com o homem
(Gn 9,9). Nunca, porém, se diz que Deus
e o homem concluíram uma aliança, nem que o homem concluiu aliança com Deus.
Os israelitas
foram tomando consciência da gratuidade da aliança e da soberana iniciativa de
Deus; tomaram consciência que Deus fez um testamento em favor de seu povo e se
tornou pleno e eficaz pela morte de Cristo; na verdade, testamento é a modalidade de disposição que adquire plena vigência
pela morte do testador. Daí o novo hoje usual: Antigo Testamento (= Antiga Aliança) e Novo Testamento (= Nova Aliança).
Com o tempo, a aliança tomaria as
características de aliança nupcial, em que o amor seria a lei predominante.
Costuma-se
identificar a Antiga Aliança com a do Sinai, onde o Senhor concluiu solene
pacto com seu povo mediante Moisés. A Nova Aliança, tendo como Mediador Jesus
Cristo corresponderia a essa do Sinai.
Há, porém,
notável diferença entre uma e outra: a Aliança do Sinai é nacional, particular,
ao passo que a Aliança em Cristo é universal, aberta a todos os homens. Por
isto, mais acertado é dizer que a Antiga Aliança (que a nova restaura) é a do
paraíso, travada logo após a criação do homem: Deus então se dirige a Adão (= o
Homem) e lhe propôs um modelo de vida, que assegurava ao homem a comunhão com o
Criador; essa foi uma aliança universal, violada pelo pecado dos primeiros
pais, mas restaurada por Jesus Cristo, o segundo Adão ou o pai do novo gênero
humano.
Entre a
primeira aliança, paradisíaca, violada pelo pecado das origens, e a segunda
aliança, que a restaurou, sendo ambas universais, há alianças parciais,
concluídas com indivíduos ou com o povo de Israel: Noé, Judá, o povo de Israel,
Davi...
BONDADE E MISERICÓRDIA
O bem é o ser
capaz de provocar o desejo e o amor, ou é o ser na medida em que é desejável.
Em relação a
nós Deus quis revelar-se com o Bom Deus ou o Bem ou ainda como o amor.
A Aliança de
Deus com Israel contribui para manifestar alguns atributos de Deus, entre os
quais sobressaem hesed e emet, amor (misericórdia) e verdade
(fidelidade). Tal binômio é muito freqüente no Antigo Testamento; significa que
Deus ama seu povo e é fiel a esse povo; Ele não esquece nem abandona o povo ao
qual Ele prometeu grandes coisas:
Sl 24,10
“Todos os caminhos do Senhor são graça e fidelidade, para aqueles que guardam
sua aliança e seus preceitos”.
Sl 25,3 “Tenho
sempre diante dos olhos vossa bondade, e caminho na vossa verdade”.
Sl 39,11 “Não
ocultei a vossa bondade nem a vossa fidelidade à grande assembléia”.
O Hesed de Deus
Hesed é
vocábulo freqüente no Antigo Testamento. Seu significado é muito profundo;
designa os deveres que incumbem aos que são unidos pelos laços de sangue (Gn
47,29); do parentesco (Gn 20, 13); da amizade (1Sm 20,8); da aliança (Gn
21,23).
Por conseguinte
hesed implica assistência, solidariedade, amor. Pode existir não somente entre
pares, mas também entre superior e inferior; neste caso, toma o sentido de
favor, graça:
Est 2,17 “O
rei preferiu Ester a todas as outras
mulheres; e ganhou ela as graças e o favor real mais que todas as demais
jovens”.
Esd 9,9 “mas
nosso Deus não nos abandonou em nosso cativeiro. Ele concedeu-nos a
benevolência dos reis da Pérsia”.
Aplicando-se o
conceito a Deus, deve-se dizer que o hesed divino é fundado sobre a Aliança,
que é iniciativa totalmente gratuita da parte de Deus. Deus se dignou concluir
aliança com Israel tão somente porque ama Israel. O hesed de Deus significa
absoluto predomínio da bondade a título gratuito.
Israel sabe
que pode contar com a bondade de Deus, mas não a pode exigir como um débito.
Sabe também que está obrigado a cumprir as condições da Aliança ou os preceitos
do Senhor Deus. Mas, quando o povo transgride a lei do Senhor, nem por isto
Iahweh lhe retira o seu hesed, porque é um Deus misericordioso e compassivo,
rico em bondade e fidelidade (emed); Ele guarda a sua fidelidade por mil
gerações, perdoando o pecado e a iniqüidade (Ex 34, 6-7). Hesed torna-se então
sinônimo de rahamim, que é a bondade
para com o pecador.
Rahamim significa, para os israelitas,
as entranhas, tidas como sede dos sentimentos. A respeito de José no Egito está
dito que “suas entranhas se comoveram” por ver seu irmão (Gn 43,30). Quando
Salomão quis mandar partir ao meio a criança disputada, “as entranhas da
verdadeira mãe se comoveram por causa do filho” (1Rs 2,26). Tal expressão
passou a designar a compaixão e a
piedade.
O rahamim de
Deus é principalmente a compaixão que Ele tem para com os fracos e infelizes e,
em particular, para com seu povo oprimido.
2Rs 13,23 “Mas
o Senhor compadeceu-se deles e usou de misericórdia para com eles; e deu-lhes
de novo a sua graça, por causa de sua aliança com Abraão, Isaac e Jacó”.
Os Profetas
puseram em foco o amor de Deus a Israel, dando-lhe duas características: a) a
de amor conjugal, b) a de amor paterno.
Amor Conjugal
A Aliança é
apresentada como contrato matrimonial realizado no tempo da juventude da
esposa:
Os 2, 16-17
“Por isso a atrairei, conduzi-la-ei ao deserto e falar-lhe-ei ao coração.
Dar-lhe-ei as suas vinhas e o vale de Acor, como porta de esperança. Aí ela se
tornará como no tempo de sua juventude, como nos dias em que subiu da terra do
Egito”.
O Profeta, em
nome de Deus, verifica que a fidelidade nupcial foi violada por Israel (Os
2,7). Eis porque o Senhor está prestes a repudiar sua esposa (Os 2,8), mas a
fim de a levar à conversão (os 5,15) e lhe restituir o lugar e a felicidade de
esposa.
Este amor
incompreensível, porque inquebrantável, é explicado pela santidade de Deis (Os
11,8), ou seja, por aquilo que diferencia Deus de todos os homens.
“Sou Deus e
não um homem, um Santo no meio de vós” (Os 11,9).
Jeremias
retomou a imagem das núpcias do Senhor com a Filha de Sion para designar a
aliança. Censura as infidelidades de Israel como se fossem adultério e prostituição.
O esposo ultrajado só pode repudiar a esposa infiel. Mas sofre por ver sua
vinha muito cara sendo calcada aos pés por estranhos, pois Israel, apesar de
tudo, é a bem amada, que Deus ama com amor eterno.
Ezequiel
descreve a história de Israel coma a de uma criança abandonada que Deus
recolhe, alimentou e educou até a idade núbil, quando Ele a tomou por esposa,
contraindo aliança com ela. Mas ela abusou do amor de Deus e se prostituiu com
todo s os transeuntes ou adotando o culto dos deuses vizinhos. Em conseqüência,
o Senhor permitiu que ela fosse entregue aos inimigos. Todavia Deus há de
libertar Israel para a glória do seu nome, e concluirá com esse povo uma nova
aliança pela qual serão renovados os corações.
No livro do Profeta Isaías a mesma imagem
volta frequentemente: o povo foi levado para o exílio, porque o Senhor repudiou
sua esposa infiel; Sion tornou-se uma mulher abandonada, privada de filhos e
levada para o cativeiro. Mas o Senhor a chamou de volta; uma mulher esposada na
juventude poderia ser definitivamente repudiada?
Is 54, 5-7 “pois teu esposo é o teu Criador:
chama-se o Senhor dos exércitos; teu Redentor é o Santo de Israel: chama-se o
Deus de toda a terra. Como uma mulher abandonada e aflita, eu te chamo. Pode-se
repudiar uma mulher desposada na juventude? - diz o Senhor teu Deus. Por um
momento eu te havia abandonado, mas com profunda afeição eu te recebo de novo”.
O amor de Deus
por seu povo é ilustrado também pela imagem do amor paterno.
Amor Paterno
Deus aparece
como Pai do povo de Israel mesmo nos livros mais antigos da Sagrada Escritura.
Ex 4,22 “Tu
lhe dirás: assim fala o Senhor: Israel é meu filho primogênito”.
Dt 32,6” Não é ele teu Pai, teu
Criador, que te fez e te estabeleceu?”
Os Profetas
insistem sobre a paternidade divina e o amor que ela implica:
Os 11,1-4
“Israel era ainda criança, e já eu o amava, e do Egito chamei meu filho. Mas,
quanto mais os chamei, mais se afastaram; ofereceram sacrifícios aos Baal e
queimaram ofertas aos ídolos. Eu, entretanto, ensinava Efraim a andar, tomava-o
nos meus braços, mas não compreenderam que eu cuidava deles. Segurava-os com
laços humanos, com laços de amor; fui para eles como o que tira da boca uma
rédea, e lhes dei alimento”.
Oséias
apresenta Deus como o mais terno dos pais: quando Israel era criança, Deus lhe
dedicou seu amor, ensinou-se a caminhar, tomou-o em seus braços e lhe
proporcionou topo tipo de cuidados.
Jr
31,9 “Conduzi-la-ei em meio às suas preces; levá-la-ei à beira de águas
correntes, por caminhos em que não tropeçarão, porque sou para com Israel qual
um pai, e Efraim é o meu primogênito”.
No
livro de Jeremias o povo e o primogênito (= bem amado) de Deus.
Is
49,15 “Pode uma mulher esquecer-se daquele que amamenta? Não ter ternura pelo
fruto de suas entranhas? E mesmo que ela o esquecesse, eu não te esqueceria
nunca”.
Em
Isaías, Deus aparece mesmo como terna mãe, que nunca abandona seu filho.
À
luz da Sagrada Escritura verifica-se as belas manifestações de Deus pelo seu
povo.
Há
também manifestações de amor dos homens a Deus principalmente na oração; Deus
aparece aí como o referencial muito amado dos orantes:
Sl 17,2 “Eu
vos amo, Senhor, minha força”!
Sl
114, 1-2 “Amo o Senhor, porque ele ouviu a voz de minha súplica, porque
inclinou para mim os seus ouvidos no dia em que o invoquei”.
Sl
117, 77 “Venham sobre mim as vossas misericórdias, para que eu viva, porque a
vossa lei são as minhas delícias”.
Sl
41, 2-3 ”Como a corça anseia pelas águas vivas, assim minha alma suspira por
vós, ó meu Deus. Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando irei
contemplar a face de Deus?”
A
Face do Deus que ama e é amado, se tornaria mais lúcida ainda na plenitude dos
tempos, quando no rosto de Cristo Jesus brilhou o amor do Pai. “Com efeito, de
tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que
nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16).
A VERDADE-FIDELIDADE DE DEUS
O Emet de Deus
Emet ou Emunah
derivam-se da raiz mn, que significa ser firme, estável, seguro. Donde o verbo
aman, ser sólido, digno de confiança.
Assim derivado, o vocábulo emet tem duplo
sentido:
1) Emet =
verdade, autenticidade genuinidade. É esse o sentido, para nós, óbvio da
palavra verdade.
Jr 2,21 “E eu
que te havia plantado de vides legítimas (autênticas, verdadeiras), todas de
boa cepa; como te transformaste em sarmentos bastardos (não autênticas) de uma
videira estranha?”.
2Cr 15,3
“Durante muito tempo viveu Israel sem o verdadeiro Deus, sem sacerdotes para
ensiná-lo, sem a Lei”.
Jr 10,10 “O
Senhor, ao contrário, é verdadeiramente Deus, Deus vivo, eterno rei”.
2) A palavra
emet, além do sentido ontológico que acaba de ser exposto (Iahweh é
verdadeiramente Deus), tem também sentido moral, significando fidelidade,
constância ou veracidade.
Sl 90,4 “Ele
te cobrirá com suas plumas, sob suas asas encontrarás refúgio. Sua fidelidade
te será um escudo de proteção”.
Deus é rico em
hesed e emet. Isto quer dizer que Ele possui em alto grau a bondade, o amor,
que promete suas bênçãos, e cumpre o que Ele prometeu, mostrando-se fiel à sua
palavra.
Os símbolos
dessa fidelidade são a Rocha e o Escudo: a Rocha, por sua firmeza inabalável,
sempre igual a si mesma; o Escudo, na medida em que é garantia de proteção.
2Sm 23,3 “Deus
de Israel falou, o rochedo de Israel me disse: O que governa com justiça, o
soberano temente a Deus”.
Sl 94,1
“Vinde, manifestemos nossa alegria ao Senhor, aclamemos o Rochedo de nossa
salvação”.
O Senhor não
mente nem se desdiz; Ele não se pode retratar nem contradizer:
Nm 23,19 “Deus
não é homem para mentir, nem alguém para se arrepender. Alguma vez prometeu sem
cumprir? Por acaso falou e não executou?”
1Sm 15,29
“Aquele que é a verdade de Israel não mente, nem se arrepende, pois não é um
homem para se arrepender”.
No Novo
Testamento, Jesus Cristo aparece como a perfeita manifestação da fidelidade de
Deus às suas promessas. Ele é o Sim
de Deus dito à humanidade, Sim ao
qual respondemos Amém.
2Cor 1, 18-20
“Deus é testemunha de que quando vos dirijo a palavra, não existe um sim e depois um não. O Filho de Deus, Jesus Cristo, que nós, Silvano, Timóteo e eu,
vos temos anunciado, não foi sim e
depois não, mas sempre foi sim. Porque todas as promessas de Deus
são sim em Jesus. Por isso, é por
ele que nós dizemos Amém à glória de
Deus”.
Com efeito, em
Cristo e em sua obra redentora cumpriram-se as promessas feitas aos Patriarcas
e a Davi.
At 13, 32-33
“Nós vos anunciamos: a promessa feita a nossos pais, Deus a tem cumprido diante
de nós, seus filhos, suscitando Jesus, como também está escrito no Salmo
segundo: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei”.
A epístola aos
Hebreus, em seu capítulo 11, apresenta a história dos heróis da fé, que é
também a história das promessas divinas: a Terra foi prometida; Isaac foi
depositário das promessas; graças a fé, os justos de Israel obtiveram “um bom
testemunho, mas não conseguiram a realização das promessas, por Deus previa
para nós algo de melhor, para que sem nós não chegassem à plena realização” (Hb
11,39).
O Espírito
Santo é, por excelência, a Promessa do Pai, a qual encerra em si as demais
promessas:
At 1,4-5 “E
comendo com eles, ordenou-lhes que não se afastassem de Jerusalém, mas que
esperassem o cumprimento da promessa de seu Pai, que ouvistes, disse ele, da
minha boca; porque João batizou na água, mas vós sereis batizados no Espírito
Santo daqui há poucos dias“.
At 2,38-39
“Pedro lhes respondeu: Arrependei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de
Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito
Santo. Pois a promessa é para vós, para vossos filhos e para todos os que
ouvirem de longe o apelo do Senhor, nosso Deus”.
Os pagãos se
tornam assim participantes da Promessa:
Ef 3,6 “que os
gentios são co-herdeiros conosco (que somos judeus), são membros do mesmo corpo
e participantes da promessa em
Jesus Cristo pelo Evangelho”.
O Apocalipse
conclui essas considerações, apresentando o Cristo com o Amém, o Fiel e
Verdadeiro ou a Verdade e a Fidelidade de Deus personificadas:
Ap 3, 14 “Eis
o que diz o Amém, a Testemunha fiel e verdadeira, o Princípio da criação de
Deus”.
O Novo
Testamento insiste não apenas sobre e fidelidade de Deus ao seu povo em gral,
mas refere também a Fidelidade a cada indivíduo pessoalmente:
1Jo 1,9 “Se
reconhecemos os nossos pecados, (Deus aí está) fiel e justo para nos perdoar os
pecados e para nos purificar de toda iniqüidade”.
1Cor 10, 13
“Não vos sobreveio tentação alguma que ultrapassasse as forças humanas. Deus é
fiel: não permitirá que sejais tentados além das vossas forças, mas com a
tentação ele vos dará os meios de suportá-la e sairdes dela”.
A fidelidade
de Deus não depende da fidelidade do homem; ela a transcende. O Sim de Deus é irreversível; Ele não
pode dizer não após haver dito sim precisamente porque Ele é Deus
(imutável) e não homem (mutável).
A fidelidade
de Deus suscita no homem fé e esperança: fé, que não é mera adesão intelectual,
mas entrega total e incondicional. Esperança, que não é uma atitude otimista,
subjetiva, diante de um futuro incerto, mas é a firme expectativa dos bens
futuros prometidos com firmeza e solidez pela Palavra de Deus; é de certo modo
a antecipada tomada de posse dos bens futuros.
A fidelidade é
um atributo de Deus que supõe a criação. Se Deus é fiel às promessas feitas às
criaturas, Ele é fiel a Si mesmo ou à sua Palavra. Deus não pode dever coisa
alguma – nem mesmo fidelidade – à criatura, pois isto tornaria Deus dependente.
A fidelidade
de Deus às suas promessas ou ao seu plano de salvação explica por que o Criador
não aniquilou o homem infiel no paraíso nem os anjos decaídos. A sobrevivência
do gênero humano após o pecado de Adão manifesta a fidelidade divina. Essa
fidelidade se reveste de misericórdia e paciência; só há esperança para o mundo
porque Deus é Deus, e não procede como o homem.
A Igreja,
sacramento primordial de salvação é também “o Sacramento da Fidelidade Divina”.
Essa fidelidade toma características especiais na fidelidade mútuo dos esposos,
que realizam a igreja doméstica, ele como imagem do Cristo e ela como imagem da
Igreja. Também se concretiza peculiarmente na fidelidade dos homens e das
mulheres que se consagram a Deus pelos votos religiosos. Qualquer membro da
Igreja, feito santo (= consagrado a Deus) pelo Santo Batismo, deve ser uma
expressão da fidelidade de Deus que lhe é comunidade e que ressoa aos seus
ouvidos com as palavras de São João: “Eis
a promessa que ele nos fez: a vida eterna” (1 Jo 2,25).
O DEUS SANTO
Deus é
essencialmente Santo ou três vezes Santo (Is 6,3). O que caracteriza a
Divindade é a santidade.
A santidade
pode se entendida em duplo sentido: sentido ontológico e sentido moral.
Santidade Ontológica
Em hebraico
qodesh quer dizer santidade; qadosh, santo.
Santo é
primeiramente o que pertence a Deus só. É, ao mesmo tempo, atraente (porque
próprio de Deus) e repelente (porque grande e pesado para a fragilidade
humana). Só Deus é Santo.
Nm 4,20 ”Não
entrarão para olhar as coisas santas, nem mesmo um só instante, para que não
morram”
2Sm 6, 4-7
“Oza ia junto da arca de Deus e Aquio marchava diante dela. Davi e toda a casa
de Israel dançavam com todo o entusiasmo diante do Senhor, e cantavam
acompanhados de harpas e de cítaras, de tamborins, de sistros e de címbalos.
Quando chegaram à eira de Nacon, Oza estendeu a mão para a arca do Senhor e
susteve-a, porque os bois tinham escorregado. Então a cólera do Senhor se
inflamou contra Oza; feriu-o Deus por causa de sua imprudência, e Oza morreu
ali mesmo, perto da arca de Deus”.
A santidade de
Deus suscita reverência no povo: “Quem poderá subsistir na presença de Javé, o
Deus Santo?” (1Sm 6,20).
Tratava-se de
uma lição para o povo rude.
Por este
motivo os próprios levitas, servidores do culto, não tocavam a arca, mas a
transportavam sobre varais.
A santidade
ontológica exige, nos seres humanos, santidade moral.
Santidade Moral
O povo de
Israel é um povo separado de outros povos e posto ao serviço de Javé. Por isto
é santo ontologicamente. Essa sanidade ontológica exige santidade moral ou
conduta de vida santa: “Sede santos, porque Eu, Jave vosso Deus, sou Santo” (Lv
11,44).
Está claro que
Javé é Santo ou perfeito em seu comportamento; caso contrário não seria Deus. A
santidade ou a suma perfeição compete a Deus por definição.
A santidade
moral implica, para o homem, o cumprimento de todos os preceitos de Deus.
A santidade ou
a perfeição moral é a meta proposta ao homem tanto pelo Antigo como pelo Novo
Testamento; neste sentido há continuidade entre a antiga e a nova Lei. Apenas
se distinguem os meios que devem levar o homem à santidade; sob a antiga Lei
eram mais primitivos, ao passo que a nova Lei é mais profundo e exigente.
A. T. N.
T.
Deus é Santo O Pai do céu é perfeito
Por isto os homens hão de ser santos Por isto os filhos hão de ser perfeitos
Para tanto,
não comerão animais Para tanto amarão seus inimigos
impuros
O
convite-preceito é o mesmo no Antigo Testamento e no Novo Testamento. Ocorre,
porém, que no Novo Testamento Deus é dito Pai, os homens filhos, e o meio de
atingir a meta é mais perfeito, pois, em vez de não comer animais impuros (como
o porco), se trata de amar a todos os homens (bons e maus), como fez o próprio
Pai Celeste.
Deus manifesta
sua santidade, mostrando seu poder por prodígios ou pela obra da criação.
Ez 36,23
“Quero manifestar a santidade do meu augusto nome que aviltastes, profanando-o
entre as nações pagãs, a fim de que conheçam que eu sou o Senhor - oráculo do
Senhor Javé -, quando sob seus olhares eu houver manifestado a minha santidade
por meu proceder em relação a vós”.
O nome
manifesta o que Deus é: grande, poderoso e santo.
O santo nome
de Deus é profanado pelas nações, que venceram Israel infiel à Lei do Senhor.
Por isto Deus restaurará Israel para a glória do seu nome.
Vê-se assim
que o santo nome de Deus significa a santidade e a grandeza do Senhor Deus.
A glória de Deus
A santidade é
frequentemente associada à glória de Deus. A palavra hebraica kabod (= glória)
significa originariamente peso. Para exaltar a glória de Deus, os israelitas
diziam que ela é pesada e densa; é ela que impõe respeito e temor. É o que se
dá no caso de Isaías, que viu a glória:
Is 6, 3-5
“Suas vozes se revezavam e diziam: Santo, santo, santo é o Senhor Deus do
universo! A terra inteira proclama a sua glória! A este brado as portas
estremeceram em seus gonzos (dobradiças) e a casa, encheu-se de fumo. Ai de
mim, gritava eu. Estou perdido porque sou um homem de lábios impuros, e habito
com um povo (também) de lábios impuros e, entretanto, meus olhos viram o rei, o
Senhor dos exércitos!”
A
glória (kabod) de Deus é identificada com a face de Deus, de tal modo que o
homem não pode contemplar Deus face-a-face sem se sentir esmagado.
Com
Elias deu-se algo semelhante: cobriu sua face para não ver o Senhor: “O Senhor
desse-lhe: Sai e conserva-te em cima do monte na presença do Senhor: ele vai
passar. Nesse momento passou diante do Senhor um vento impetuoso e violento,
que fendia as montanhas e quebrava os rochedos; mas o Senhor não estava naquele
vento. Depois do vento, a terra tremeu; mas o Senhor não estava no tremor de
terra. Passado o tremor de terra, acendeu-se um fogo; mas o Senhor não estava
no fogo. Depois do fogo ouviu-se o murmúrio de uma brisa ligeira. Tendo Elias
ouvido isso, cobriu o rosto com o manto, saiu e pôs-se à entrada da caverna.
Uma voz disse-lhe: Que fazes aqui, Elias?” (1Rs 19, 11-13).
A
glória de Javé é o Senhor em sua pujança.
Ex
40, 34-35 “Então a nuvem cobriu a tenda de reunião e a glória do Senhor encheu
o tabernáculo. E era impossível a Moisés entrar na tenda de reunião, porque a
nuvem pairava sobre ela, e a glória do Senhor enchia o tabernáculo”.
É
à luz destas concepções que se entende a atitude de São Pedro ao verificar
a pesca milagrosa que o Senhor Jesus lhe
concedera:
Entende-se
também a alegria com que o evangelista São João pôde dizer:
Jo 1, 14 “E o
Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos
sua glória, a glória que o Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e
de verdade”.
A santa glória
de Deus, se de um lado esmaga o homem, de outro lado é garantia da salvação do
homem.
É, pois, a
santidade de Deus que garante ao homem o perdão e a salvação. Que o povo se
reconforte porque crê não num grande homem, mas em Deus, que, embora seja
transcendental, é muito próximo do coração do homem.
O DEUS JUSTO
Outro atributo
de Deus muito mencionado no Antigo Testamento é a justiça.
A palavra
hebraica sedaqah, que traduzimos por justiça, “ser conforme a uma regra”. Sedeq
, justo, aplica-se a objetos como balanças (justas), pesos (justos):
Lv 19,36
”Tereis balanças justas, pesos justos, um efá justo e um hin justo. Eu sou o
Senhor, vosso Deus que vos tirei do Egito”.
Tais objetos
são conforme as regras que determinam pesos e medidas.
Por excelência
Deus é dito justo, não porque Ele se
deva conformar a uma regra posta fora de Deus, mas porque procede sempre
segundo as normas que Ele estabelece ou conforme a Aliança que Ele quis fazer
com Israel. Ex 33,19 “Dou a minha graça a quem quero, e uso de misericórdia com
quem me apraz”.
Gn 18,25 “Não
exerceria o juiz de toda a terra a justiça?”
Vê-se assim
que justiça em Deus se aproxima do conceito de fidelidade.
A justiça de
Deus ou fidelidade às normas estabelecidas exprime-se no fato de que Deus não
tolera as faltas do seu povo, mas as castiga. As tradições de Israel mostram
como Deus puniu os primeiros pais expulsando-os do paraíso (Gn 3,23-24),
destruiu pelo dilúvio os homens culpados (Gn 6,11-12), salvou Noé, o justo (Gn
6,8).
A população de
Sodoma e Gomorra perece por sua iniqüidade, ao passo que Lot e poupado (Gn 19,
1-29). Todavia antes da perda destas duas cidades, Deus permite que Abraão
interceda por elas e promete poupá-las, caso nelas existam dez justos (Gn 18,
16-33).
Posteriormente
o Profeta Natã censurou Davi pelo duplo pecado de adultério e homicídio, sendo
que Davi reconheceu suas faltas:
2Sm 12, 13-14
“Davi disse a Natã: Pequei contra o Senhor. Natã respondeu-lhe: O Senhor perdoa
o teu pecado; não morrerás. Todavia, como desprezaste o Senhor com essa ação,
morrerá o filho que te nasceu”.
O castigo no
Antigo Testamento mostra a maldade do homem e a bondade e a misericórdia de
Deus.
Encontram-se
no Antigo Testamento certos episódios em que Deus parece induzir o homem ao pecado: Ele
endurece o coração do Faraó que não se rende aos sinais de Deus (Ex 4,21);
endurece o coração do povo para que não atenda à pregação de Isaías (Is 6,10);
leva Davi a cometer um recenseamento pecaminoso e pune o povo por causa disto
(2Sm 24,1); excita Saul contra Davi (1Sm 26,19); dá a Israel preceitos maus (Ez
20,25).
Os israelitas
(não filósofos, mas práticos), tanto exaltavam a soberania de Deus que lhe
atribuíam uma causalidade universal: Deus seria o autor não só das graças, mas
também das desgraças que afetam o homem. Não distinguiam entre querer o bem e
permitir o mal. Deus não pode cometer o mel, nem indiretamente; isto seria
ilógico, já que por definição Deus é o Sumo Bem.
Consequentemente
deve-se dizer que Deus oferece ao homem preceitos e exortações salutares; o
fato, porém, de que os homens, mal dispostos, não aceitem a palavra salvífica
de Deus, redunda em condenação para a criatura interpelada, mas rebelde. Assim
se explicam os casos acima.
O episódio que
levou Davi a fazer o recenseamento pecaminoso, é explicado pela própria
Escritura; séculos depois o autor de 1º Crônicas escreve: “Levantou-se Satã
contra Israel, e excitou Davi a fazer o recenseamento de Israel”. (1Cr 21,1).
Assim a
mentalidade mais evoluída do povo de Israel explicitou o sentido do
antropomorfismo: Deus não pode sucumbir à paixão da ira; o verdadeiro tentador
do homem é Satanás.
Tg 1,13
“Ninguém, quando for tentado, diga: É Deus quem me tenta. Deus é inacessível ao
mal e não tenta a ninguém”.
O Herém (extermínio dos inimigos)
A palavra
herém significa proibir, daí separar e, na linguagem religiosa, subtrair ao uso
profano, reservar para Deus. Em grego, o vocábulo equivalente é anátema.
Herém era o
extermínio dos inimigos vencidos por parte do povo vencedor, uma vez terminada
a batalha (para não aceitar o Deus dos vencidos). O vencedor poderia dispor das
posses e da vida dos vencidos, mesmo de mulheres e crianças; felizes poderiam
considerar-se aqueles que, derrotados na guerra, fossem apenas despojados de
seus bens e reduzidos à escravidão.
Lê-se que o
Senhor prescreveu o herém contra os cananeus (Dt 7,1-11.16) e contra certas
cidades ou tribos (Dt 2, 33-35; Js 6,2.20-21).
Tais textos
hão de ser entendidos à luz dos costumes de guerra da antiguidade (guerra
santa). Cada povo outrora julgava que, na guerra, a honra dos seus deuses
estava em jogo; uma derrota militar seria escárnio para os deuses da nação
vencida, assim como a vitória significava o triunfo da divindade. Por
conseguinte, aos deuses do vencedor julgavam que deviam ser religiosamente
imolados, por um ato de extermínio total, os homens, as famílias, as cidades,
os bens do povo vencido. Os israelitas estavam convictos de fazer a guerra
santa aos inimigos do Senhor e de ser os instrumentos do plano de Deus.
É o que
explica que tal prática fosse adotada pelo povo de Israel. Aliás, para os
hebreus, o herém se tornava particularmente necessário, pois tal povo era
propenso a adotar as crenças e os costumes religiosos dos povos pagãos com os
quais viesse a conviver (Nm 25, 1-2). Daí a insistência dos autores sagrados na
prática do herém; eles exprimiam suas convicções atribuindo a Deus a ordem de
destruir os inimigos.
Todavia a fé
no verdadeiro Deus era uma escola para os israelitas, que souberam por vezes
mostrar sentimentos humanitários aptos a surpreender os inimigos. É o que
explica os dizeres de 1Rs 20,31; os sírios reconhecem a clemência de que dão
provas os reis de Israel; com efeito, diziam os saldados a seu rei Benhadad,
vencido por Acab:
1Rs
20,31 “Seus servos disseram-lhe: Ouve: nós temos ouvido dizer que os reis de
Israel são clementes. Ponhamos sacos sobre nossos rins e cordas ao nosso
pescoço, e vamos ter com o rei de Israel; talvez ele te poupe a vida”.
A
mentalidade do povo antigo – e Israel entre eles – julgava que a justiça divina
se exercia sobre a coletividade ou o povo, sem levar em conta o indivíduo com
tal. A sanção divina atingia o povo inteiro ou a família.
Jr
31,29 “Os pais comeram uvas verdes, e prejudicados ficaram os dentes dos
filhos”.
Ez
18,2 “os pais comeram uvas verdes, mas são os dentes dos filhos que ficam
embotados”.
No
entanto, prevaleceu com o decorrer dos tempos, a noção de que o Senhor retribui
a cada um o que lhe é devido.
A prosperidade dos
maus
Nos
livros mais antigos da Escritura lê-se que o prêmio da fidelidade ao Senhor é
vida longa, sadia e rica, ao passo que doença e pobreza são a sanção devida aos
maus:
Pr
12,7 “Transtornados, os ímpios não subsistirão, mas a casa dos justos
permanecerá firme”.
Pr
2,21-22 “porque os homens retos habitarão a terra, e os homens íntegros nela
permanecerão, enquanto os maus serão arrancados da terra e os pérfidos dela
serão exterminados”.
Todavia
a experiência contradizia a essa concepção, pois frequentemente os maus
pareciam prosperar no plano material, ao passo que os justos sofriam desgraças.
Israel
só encontrou resposta quando conheceu a noção de vida póstuma. Não é nesta vida
que o homem encontra suas plenas respostas e sua realização, mas é no além que
a justiça divina reserva a recompensa definitiva e cabal.
ETERNIDADE E IMUTABILIDADE
Eternidade
O
Deus de Israel também é, de fato, eterno porque não tem começo nem fim. Isto o
distingue dos deuses da Babilônia, do Egito, da Fenícia e da Grécia; cada qual
dessas regiões tinha sua história que contava a gerações dos deuses no contexto
da respectiva mitologia.
O Deus de
Israel também não é um Deus que morre e ressuscita como acontece aos deuses
pagãos, que personificavam, por exemplo, a vegetação que morre no inverno e
ressuscita na primavera.
Eternidade não
é uma duração quilométrica, de séculos e séculos. Qualquer quantidade sucessiva
(séculos e séculos) será sempre finita ou limitada; sempre se lhe pode
acrescentar uma unidade. Por conseguinte, a eternidade de define com “a posse
inteira, simultânea e perfeita de uma vida interminável”. Isto quer dizer que a
eternidade exclui começo ou fim, progressão e regressão; na eternidade não há
sucessão.
“Tu, Senhor,
és idêntico a Ti mesmo e teus anos não desvanecem... Teus anos são um dia
único, e teu dia é o dia cotidiano (=sucessivo), mas é o hoje, porque teu hoje
não dá lugar a um amanhã e também não se segue e meu ontem. Teu hoje é a
eternidade” (Santo Agostinho).
Deus existe
desde todo o sempre e jamais morrerá:
Hab 1, 12 “Não
sois vós, Senhor, desde o princípio, o meu Deus, o meu Santo, o Imortal?”
Por isto Deus
é chamado frequentemente o Deus vivo,
o vivente eterno:
Dt 32, 39-40
“Reconhecei agora: eu só, somente eu sou Deus, e não há outro além de mim. Eu
extermino e chamo à vida, eu firo e curo, e não há quem o arranque da minha
mão. Levanto para o céu a minha mão e digo: tão certo como eu vivo
eternamente”.
De geração em
geração, por todos os tempos sem fim, Ele exerce sua proteção:
Ele criou o
céu e a terra e existia antes que o mundo existisse:
Sl 89,2.4
“Antes que se formassem as montanhas, a terra e o universo, desde toda a
eternidade vós sois Deus. Porque mil anos, diante de vós, são como o dia de
ontem que já passou, como uma só vigília da noite”.
Is 41,4 “Quem,
pois, realizou essas coisas? Aquele que desde a origem chama as gerações à
vida: eu, o Senhor, que sou o primeiro - e que estarei ainda com os últimos”.
Is 44, 6 “Eis
o que diz o Senhor, o rei de Israel, seu Redentor, o Senhor dos exércitos: Eu
sou o primeiro e o último, não há outro Deus afora eu”.
Is 43, 10-11
“Vós sois minhas testemunhas, diz o Senhor, e meus servos que eu escolhi, a fim
de que se reconheça e que me acreditem e que se compreenda que sou eu. Nenhum deus
foi formado antes de mim, e não haverá outros depois de mim. Fui eu, sou eu o
Senhor, não há outro salvador a não ser eu”.
É nestes
termos que os autores sagrados professas a eternidade de Deus. São muito
significativos se levarmos em conta o fato de que os povos vizinhos de Israel
tinham ricas mitologias, julgando que os deuses podiam ser gerados e, gerados,
geravam o mundo.
Imutabilidade
Como Deus não
tem começo nem fim, assim Ele não conhece mudança. Toda mudança é sinal de
imperfeição, porque supõe aquisição de uma perfeição não possuída ou perda de
perfeição.
A Sagrada
Escritura exalta a imutabilidade de Deus, comparando-a com as criaturas.
Sl 101, 26-28
“No começo criastes a terra, e o céu é obra de vossas mãos. Um e outro
passarão, enquanto vós ficareis. Tudo se acaba pelo uso como um traje. Como uma
veste, vós os substituís e eles hão de sumir. Mas vós permaneceis o mesmo e
vossos anos não têm fim”.
Is 40,8 “A
erva seca e a flor fenece, mas a palavra de nosso Deus permanece eternamente”.
Sb 7, 27
“Embora única, tudo pode; imutável em si mesma, renova todas as coisas”.
Imutável em
seu ser, Deus o é também em sua vontade. Ele não pode retirar o que disse:
Is 31, 2
“Entretanto, ele também é sábio, e faz vir o mal; não retira sua palavra”.
Jr 4, 28 “Pois
que eu disse, e assim decretei: não voltarei atrás e não me retratarei”.
Is 51, 6
“Levantai os olhos para o céu, volvei vosso olhar à terra: os céus vão
desvanecer-se como fumaça, como um vestido em farrapos ficará a terra, e seus
habitantes morrerão como moscas. Mas minha salvação subsistirá sempre, e minha
vitória não terá fim”.
O Arrependimento de Deus
Embora estejam
convictos de que Deus é imutável, os autores sagrados, em sua mentalidade
antropomórfica, imaginam Deus a se arrepender ou a mudar de plano por causa das
orações dos homens.
O mesmo autor,
Jeremias, afirma as duas atitudes contrárias: Javé se arrepende e não se
arrepende:
Jr 4, 28 “Pois
que eu disse, e assim decretei: não voltarei atrás e não me retratarei”.
Ex 32, 14 “E o
Senhor se arrependeu das ameaças que tinha proferido contra o seu povo”.
Am 7, 3 ”O
Senhor arrependeu-se. Isso não acontecerá, disse o Senhor”.
Tais passagens
põem em evidência o valor da oração e da intercessão dos justos. A misericórdia
de Deus parece deixar-se dobrar pela prece e perdoa aos pecadores. Convictos de
que Deus é bom e quer que os homens lhe peçam o bem, os israelitas não pensavam
em conciliar esse atributo de Deus com a sua imutabilidade, de modo que ficou
nos livros sagrados a aparente contradição.
Na verdade, a
própria oração não muda os desígnios de Deus, mas foi desde todo o sempre
incluída por Deus em seus desígnios de beneficiar o homem; Ele quer dar
mediante a oração do homem, que deve sempre terminar como a de Jesus: “faça-se,
porém, a tua vontade e não a minha” (Mc 14,36). A oração não pode pretender
dobrar Deus à vontade do homem, mas é o meio necessário para que o homem
colabore com Deus, pedindo-lhe o que lhe parece corresponder à sua salvação.
Há quem também
quem fale de “oração forte” e “oração toda poderosa ou milagrosa”. Tais
concepções são humanas e falsas, pois Deus não e um grande senhor, que possa
ser dobrado pelas artimanhas dos homens.
Evo
O evo é a
duração que tem começo, mas não tem fim; é a imortalidade que toca aos anjos e
à alma humana em virtude de sua espiritualidade. Exclui qualquer mudança
essencial ou substancial, mas comporta mudanças acidentais; assim, por exemplo,
a alma humana jamais deixará de existir, mas pode existir segundo modalidades
diferentes: santa ou pecadora, feliz ou infeliz (acidental).
Tempo
O tempo é a
duração que teve começo e terá fim. As criaturas corpóreas são todas temporais.
Comportam o antes e o depois ou a sucessão; tendem a recair nada donde foram
tiradas.
O tempo, para
o cristão, está cheio de eternidade; depois que o Filho de Deus o consagrou
vivendo na terra como homem, o tempo se tornou kairós, tempo oportuno, tempo de salvação; é o tempo no qual o
cristão semeia para colher no além ou prepara, momento por momento, a sua vida
infinita na Casa do Pai. Daí a expressão clássica: “ano da graça de Nosso
Senhor Jesus Cristo...”.
ONIPOTÊNCIA, ONIPRESENÇA E ONISCIÊNCIA
Deus tudo
pode, tudo acompanha, tudo sabe.
Onipotência
O poder de
Deus é talvez o atributo que mais terá impressionado os israelitas. É o que
atestam os nomes mais antigos que designam o Senhor:
- O Poderoso
de Jacó
Gn 49,24 “Mas,
(do José) seu arco permanece firme, seus braços e mãos desembaraçados pelas
mãos do Poderoso de Jacó, pelo nome do Pastor, que é a pedra de Israel”.
Gn 17,1 “Abrão
tinha noventa e nove anos. O Senhor apareceu-lhe e disse-lhe: “Eu sou o Deus
Todo-poderoso”
O poder
absoluto de Deus se manifesta na criação do mundo; Deus diz e as criaturas
aparecem.
É o Senhor
Deus quem põe as estrelas em marcha e as chama por seu nome:
Is 40, 26
“Levantai os olhos para o céu e olhai. Quem criou todos esses astros? Aquele
que faz marchar o exército completo, e a todos chama pelo nome, o qual é tão
rico de força e dotado de poder, que ninguém falta ao seu chamado”.
A poderosa
palavra de Deus não retorna a Ele sem ter produzido o seu efeito:
Is 55. 11
“assim acontece à palavra que minha boca profere: não volta sem ter produzido
seu efeito, sem ter executado minha vontade e cumprido sua missão”.
Sl 103, 26
“Nele navegam as naus e o Leviatã que criastes para brincar nas ondas”.
Is 27,1
“Naquele dia o Senhor ferirá, com sua espada pesada, grande e forte, Leviatã, o
dragão fugaz, Leviatã, o dragão tortuoso; e matará o monstro que está no mar”.
O poder de
Deus se evidencia também na defesa do seu povo. Deus é antropomorficamente
concebido como o Deus guerreiro, vencedor dos inimigos de Israel:
Ex 15,1-3
“Cantarei ao Senhor, porque ele manifestou sua glória. Precipitou no mar
cavalos e cavaleiros. O Senhor é a minha força e o objeto do meu cântico; foi
ele quem me salvou. Ele é o meu Deus – eu o celebrarei; o Deus de meu pai – eu
o exaltarei. O Senhor é o herói dos combates, seu nome é Javé”.
Quando o
Senhor vem em socorro do seu povo, a natureza se abala:
Jz 5,4-5
“Senhor, quando saístes de Seir, quando surgistes dos campos de Edom, a terra
tremeu, os céus se entornaram, as nuvens desfizeram-se em água. abalaram-se as
montanhas diante do Senhor, nada menos que o Sinai, diante do Senhor, Deus de
Israel!”.
É com essa
linguagem humana e poética, mas muito viva e correta, que os autores sagrados
professam a onipotência de Deus.
Onipresença
A onipresença
de Deus é atributo coerente com a onipotência: se Deus tudo pode, Ele está
presente e age em toda parte. Todavia a mentalidade dos israelitas dificilmente
se emancipava de concepções concretas, de modo que os textos mais antigos da
Bíblia conservaram a opinião popular de que Javé tem seus lugares de residência
ou seus habitats. Só aos poucos aflorou no povo a consciência da ubiqüidade de
Deus.
Em especial,
Deus habita as montanhas sagradas, como o Sinai, o Sion, ou os santuários
antigos como Betel, Bersabéia e o Templo de Jerusalém.
Gn 28,16-17
“Jacó, despertando de seu sono, exclamou: “Em verdade, o Senhor está neste
lugar, e eu não o sabia!” E, cheio de pavor, ajuntou: “Quão terrível é este
lugar! É nada menos que a casa de Deus; é aqui, a porta do céu”.
Acreditavam os
israelitas que Javé que se senta sobre os querubins (2Sm 6,2), só estava
presente onde se achava a sua arca (1Sm 4, 6-7).
Porém, outros textos acentuam a multilocação,
verificando a ubiqüidade de Deus.
Deus aparece a
Abraão em Ur na Caldéia, em Harrã na Mesopotâmia e o leva para a terra de Canaã
(Gn 11,31); Deus protege Abraão no Egito (Gn 12,10-20); no territória de Gerara
(Gn 20, 1-18); acompanha o servo de Abraão até Aram Naaraim; Ele coage o Faraó
a deixar partir as tribos de Israel cativas no Egito (Ex 6,1-11) e derrota o
exército do Faraó no Mar Vermelho (Ex 15, 1-2). É o Senhor Deus quem guia o
povo através do deserto e finalmente o introduz na Terra Prometida.
Desta maneira
torna-se claro que Javé não é um Deus local; se era venerado especialmente em
alguns lugares ou santuários, isto se explica pelo fato de ter-se Ele revelado
aos Patriarcas.
Desses santuários (lugares especiais,
privilegiados), o mais eminente era, sem dúvida, o Templo de Jerusalém. Quem
peregrinava ao Templo ia “ver a face do Senhor”, isto é, ai experimentar a
benevolência do Senhor (Sl 16, 15), ou ia pedir socorro ao Senhor (Sl 26, 8).
Sl 41,3 “Minha
alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando irei contemplar a face de Deus?”.
Em suma, a
transcendência do Altíssimo, que afinal de contas não pode ser enquadrado em algum
espaço limitado, é expressa no livro do Profeta Isaías:
Is 66,1 “Eis o
que diz o Senhor: o céu é meu trono, e a terra meu escabelo. Que casa poderíeis
construir-me, que lugar poderíeis indicar-me para moradia?”.
A oração de
Salomão professa nitidamente a onipresença de Deus:
1Rs 8, 27
“Mas, será verdade que Deus habite sobre a terra? Se o céu e os céus dos céus
não vos podem conter quanto menos esta casa (= este Templo) que edifiquei”!
Jó 11, 9 “Deus
é mais vasto que a terra, e mais extenso que o mar”.
Onisciência
A onisciência
de Deus está ligada à sua onipresença. Mas foi reconhecida com mais facilidade
do que a ubiqüidade de Deus.
Os israelitas
tinham consciência de que Deus sabe o que os homens não sabem principalmente os
acontecimentos futuros. Por isto consultavam a Deus sobre o que deviam ou não
deviam fazer:
Gn 25, 22
“Como as crianças lutassem no seu ventre, ela disse: “Se assim é, por que me
acontece isso? E ela foi consultar o Senhor”.
Jz 1,1 “Depois
da morte de Josué, os israelitas consultaram o Senhor: Quem dentre nós será o
primeiro a combater os cananeus?”
Pr 15,3 “Em
todo o lugar estão os olhos do Senhor, observando os maus e os bons”.
Deus conhece o
futuro dos povos e o anuncia aos seus Profetas:
Am 3,7 “O
Senhor Javé nada faz sem revelar seu segredo aos profetas, seus servos”.
Is 42, 9
“Realizaram-se os primeiros acontecimentos anunciados, eu predigo outros; antes
que aconteçam, eu vo-los faço conhecer”.
A Sabedoria de Deus
A onisciência
de Deus prende-se à Sabedoria de Deus. Esta consiste na compreensão perspicaz e
profunda das coisas, das situações, das finalidades a atingir e na arte de
escolher os meios que levam aos fins almejados.
Deus possui a
sabedoria por excelência. Este atributo era tão exaltado pelos judeus que
chegaram a personificá-la como se fosse uma assistente de Deus na obra da
criação e na regência deste mundo.
Pr 8, 22-31 “O
Senhor me criou, como primícia de suas obras, desde o princípio, antes do
começo da terra. Desde a eternidade fui formada, antes de suas obras dos tempos
antigos. Ainda não havia abismo quando fui concebida, e ainda as fontes das
águas não tinham brotado. Antes que assentados fossem os montes, antes dos
outeiros, fui dada à luz; antes que fossem feitos a terra e os campos e os primeiros
elementos da poeira do mundo. Quando ele preparava os céus, ali estava eu;
quando traçou o horizonte na superfície do abismo, quando firmou as nuvens no
alto, quando dominou as fontes do abismo, quando impôs regras ao mar, para que
suas águas não transpusessem os limites, quando assentou os fundamentos da
terra, junto a ele estava eu como artífice, brincando todo o tempo diante dele,
brincando sobre o globo de sua terra, achando as minhas delícias junto aos
filhos dos homens”.
Semelhante
personificação poética encontra-se em Eclo 24, 1-34, com a diferença de que no
Eclo a Sabedoria é identificada com a Lei de Moisés. Os autores das cartas do
Novo Testamento viram nessa personificação da Sabedoria a insinuação da segunda
Pessoa da SS Trindade; (Hb 1,3; Cl 1, 15; 1Cor 1,30). A aplicação de tais
textos a Maria Santíssima, não resulta da exegese dos mesmos, mas faz-se por
transposição indireta legítima; Maria é a Sede da Sabedoria e a obra-prima da
mesma.
A Sabedoria de
Deus é insondável aos homens:
Sl 138 17-18
“Ó Deus, como são insondáveis para mim vossos desígnios! E quão imenso é o
número deles! Como contá-los? São mais numerosos que a areia do mar; se pudesse
chegar ao fim, seria ainda com vossa ajuda”.
Is 55, 8-9
“Pois meus pensamentos não são os vossos, e vosso modo de agir não é o meu, diz
o Senhor; mas tanto quanto o céu domina a terra, tanto é superior à vossa a
minha conduta e meus pensamentos ultrapassam os vossos”.
Deus comunica
sua sabedoria aos homens; trata-se de um dom especial concedido, por exemplo:
- Aos reis
Davi (2Sm 14,20) e Salomão (1Rs 3,11.28);
- Ao Messias
(Is 11, 2-3).
Nos livros
sapiências mais recentes os sábios mesmos sabem ter recebido de Deus a sua
sabedoria:
Eclo 1,1 “Toda
a sabedoria vem do Senhor Deus, ela sempre esteve com ele. Ela existe antes de
todos os séculos”.
Sb 7,7 “Assim
implorei e a inteligência me foi dada, supliquei e o espírito da sabedoria veio
a mim”.
Em suma, a
estima da Sabedoria divina foi crescendo em Israel a ponto de ser ela
personificada poeticamente, dando assim ocasião a que os Padre da Igreja vissem
nesse artifício uma discreta revelação do Logos de Deus.
DEUS O SER ABSOLUTO E SUPREMO
O que
distingue Deus de qualquer criatura e caracteriza Deus como Deus, é o Ser
subsistente ou Ser por si. Para as criaturas, a existência é um predicado
contingente (não existíamos e passamos a existir). Deus é o Ser que não podia e
não pode deixar de existir.
Ao dizer que
Deus é o Ser Subsistente (existe por si mesmo), a Teologia afirma que é a
plenitude do ser; em Deus o ser se realiza plenamente. Nada falta a Deus, Deus
é perfeição. Isto significa também que Deus não evolui; é imutável. Deus não
raciocinar, Ele conhece tudo.
Deus o Ser
Subsistente é também o Ser Absoluto, tendo em vista que Deus é livre de
qualquer dependência ou condicionamento. Ele não precisou de outrem para
existir porque Ele existe em si.
Só Deus não
está sujeito a coisa alguma nem no plano material nem no espiritual.
A revelação
bíblica veio dizer ao homem que o Deus Absoluto e Supremo tem a iniciativa de
amá-lo, e amá-lo gratuita e irreversivelmente, prometendo-lhe proteção e
salvação tanto na Sarça ardente (Ex 3, 2-15) como pela Cruz de Cristo no
Calvário.
A PROVIDÊNCIA DIVINA
O intelecto
divino, além de ter conhecimento e sabedoria, exerce sua providência em relação
às criaturas. A Providência é o plano segundo o qual Deus leva as criaturas ao
devido fim (a Ele mesmo); Deus dispõe os caminhos das criaturas de modo que
todas preencham a sua finalidade.
As páginas bíblicas transmitem a certeza de
que todas as criaturas estão sujeitas à vontade daquele que as fez; essa
vontade do Criador segue um plano de sabedoria infinita, sem deixar coisa
alguma ao acaso, como também sem dar lugar a destino cego. Deus cuida tanto dos
indivíduos como das coletividades e até do mundo irracional.
Basta ler os
livros históricos e proféticos do Antigo Testamento para colher a impressão de
que Deus acompanha o povo de Israel como também os povos vizinhos; o rei Ciro
da Pérsia é chamado por Deus para colaborar no plano de resgate do povo
messiânico.
Esse
acompanhamento divino culmina no mistério da Encarnação, que esclarece de
maneira singular a Providência Divina; Deus quer que todos os homens sejam
salvos.
Alguns textos
mostram o zelo de Deus pelas criaturas irracionais:
“Eis o que diz
o Senhor, que mandou o sol iluminar o dia, ordenou à lua e às estrelas
clarearem a noite” (Jr 31,35);
“O Senhor
dispõe as chuvas da primavera e do outono” (Jr 5, 24);
“O Senhor
define a hora do parto das criaturas” (Jó 39,1).
Não resta
dúvida de que, o mundo e os homens são acompanhados pela sábia Providência
Divina.
Nenhum
pormenor do universo escapa à ação providencial de Deus; para ela não há acaso;
nada se realiza fora do plano concebido para o universo inteiro e para cada um
dos seus componentes.
De modo
especial, porém, a Providência Divina se exerce em relação ao ser humano. Ela
dirige os homens não só por meio da lei natural (não matar, não roubar, não
falsificar a verdade...), mas também de acordo com a finalidade projetada para
cada pessoa; cada qual tem uma vocação ou um chamado próprio, que lhe compete
levar a termo no conjunto da humanidade e do mundo.
Deus pode
servir-se das criaturas, confiando a algumas o cuidado das outras. Em linguagem
humana, diz-se que um governo é tanto mais perfeito quanto mais faz os súditos
colaborar para o progresso final; ora Deus é esse governante perfeito, que faz
que cada criatura seja aplicada não somente à conservação do seu próprio fim,
mas também ajude as outras a conseguirem sua grande meta. Deus o faz não porque
precise de auxiliares, mas para que as criaturas tenham, por assim dizer, um
acréscimo de perfeição decorrente da colaboração mútua. Deus sabe utilizar até
mesmo as falhas ou a resistência das criaturas para melhor realizar o seu
plano.
O problema do mal
Para muitas
pessoas, o grande obstáculo à fé na Providência Divina é o fato do mal (mal
físico e mal moral) no mundo. Não conseguem perceber a sábia conduta da
Providência Divina num mundo sujeito a tantos crimes, desastres desgraças, que
afetam inocentes e crianças.
Um Deus que
causasse ou quisesse o mal, não seria Deus, pois, Deus é santo e perfeito;
portanto o mal não vem de Deus.
O homem,
dotado de livre arbítrio, tem o poder de se desviar ou desviar outros do
caminho prescrito por Deus, o homem o faz porque respeita a liberdade criada e,
na medida em que Deus
a respeita, Deus não pode querer que o homem livre não seja livre, mas também
não pode querer a falta; Deus não quer retirar a liberdade do homem nem
teleguiar as criaturas; Ele permite à livre opção do homem cometer suas faltas;
mas nem por isto o pecado escapa à Providência Divina; Deus que é soberanamente
bom e santo assume a tarefa de fazer reverter as faltas das criaturas em bem
maior.
Isto não é
perceptível em cada caso de desgraça, mas será um dia visível quando, no final
dos tempos, a humanidade puder contemplar sua história num olhar retrospectivo.
A PACIÊNCIA DE DEUS
A palavra
paciência significa padecer. Etimologicamente entendido, tal vocábulo significa
a capacidade de padecer com serenidade injúrias e contratempos. Todavia tal
conceito não se aplica a Deus, pois Este não pode padecer, não pode mudar, não
experimentas paixões.
A Paciência de
Deus é:
A Paciência de
Deus é a sua vontade de tolerar, em virtude de sua misericórdia, os pecados dos
homens, concedendo-lhes o tempo que a sua sabedoria julgue conveniente, para os
levarem, mediante a penitência, à visão beatífica, sem os destruir quando
pecam.
O Deus eterno
e todo-poderoso não se pode comportar com mesquinhez; por isto Ele é paciente
para com o homem.
Deus concede
aos homens tempo de conversão e penitência. Ele está acima do tempo e abarca
todos os tempos.
Jesus
manifestou sua paciência (expressão visível da Paciência de Deus), para com uma
geração incrédula e discípulos tardos para crer:
Mc 9,19 “Ó
geração incrédula! Até quando estarei convosco? Até quando vos suportarei?”
Na parábola do
joio e do trigo, os servidores do patrão se impacientaram ao verem o joio
crescer ao lado do trigo. Todavia o Senhor responde exortando à paciência; ele
quer tolerar a era má até o dia da colheita.
A paciência de
Deus é identificada com a não-violência de Jesus; o Todo-Poderoso não
constrange as suas criaturas livres, mas, ao mesmo tempo lhes dá a ver as suas
obrigações.
PREDESTINAÇÃO
A
predestinação é um aspecto da Providência Divina. É a Providência que dirige os
homens ao seu fim sobrenatural.
O tema seria
isento de dificuldades se todos os homens se salvassem. O fato, porém, é que o
Evangelho mesmo fala da perdição de alguns: “Mais numerosos são os chamamos do
que os escolhidos” (Mt 20,16). Deus a ninguém impõe a vida eterna: “Aquele que
te criou sem ti, não te salva sem ti” (Santo Agostinho).
Rm 8, 28-30
“Aliás, sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a
Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os seus desígnios. Os que ele
distinguiu de antemão, também os predestinou para serem conformes à imagem de
seu Filho, a fim de que este seja o primogênito entre uma multidão de irmãos. E
aos que predestinou, também os chamou; e aos que chamou, também os justificou;
e aos que justificou, também os glorificou”.
Ef 1, 3-5
“Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que do alto do céu nos
abençoou com toda a bênção espiritual em Cristo, e nos escolheu nele antes da
criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis, diante de seus olhos.
No seu amor nos predestinou para sermos adotados como filhos seus por Jesus
Cristo, segundo o beneplácito de sua livre vontade”.
Em Deus existe
um desígnio eterno, gratuito, de salvar os homens que Ele quer salvar. Deus vê
desde todo o sempre os homens que Ele quer configurar a seu Filho feito homem;
Ele os vê com amor. No tempo oportuno, Deus dá existência real a essas
criaturas; chama-as à fé. Confere-lhes a graça do Batismo ou da justificação,
que é penhor da glorificação definitiva.
Deus nos faz
filhos adotivos em Cristo, levando-nos à consumação do amor. Essa consumação,
porém, nada tem de mágico ou mecânico; ela supõe a colaboração do homem, pois
são por Deus beneficiados aqueles que O amam. Entra, pois, em ação a liberdade
da criatura, que pode amar e não amar.
1Tm
2,4 “Deus nosso salvador deseja que todos os homens se salvem e cheguem ao
conhecimento da verdade.
1Ts 5,9
“Porquanto não nos destinou Deus para a ira, mas para alcançar a salvação por
nosso Senhor Jesus Cristo”.
2Ts 2, 13-14
“porque desde o princípio vos escolheu Deus para vos dar a salvação, pela
santificação do Espírito e pela fé na verdade. E pelo anúncio do nosso
Evangelho vos chamou para tomardes parte na glória de nosso Senhor Jesus Cristo”.
Ninguém se
salva senão por efeito de um livre desígnio de Deus, que tem por objetivo
configurar-nos a Cristo. Deus quer que todos sejam salvos. A salvação, porém,
não é outorgada magicamente, mas supõe a livre colaboração do homem na fé e no
amor.
Assim, é
excluída a tese de que alguns homens tenham sido predestinados para a
condenação ou criados para a ruína definitiva.
A
predestinação é a iniciativa divina de levar os homens à salvação e
oferecer-lhes os meios necessários para consegui-la.
Deus quer
salvar todos os homens (1Tm 2,4). Jesus Cristo morrer pra salvar a todos.
Existe uma só predestinação: a dos justos para a glória. Porém, gozamos de
livre arbítrio, pois aquilo que o pecado feriu, foi sanado pela graça de
Cristo. Os que se perdem, são de antemão conhecidos por Deus, mas não por Ele
induzidos à perdição.
A BELEZA DE DEUS
Deus é beleza,
pois Ele é esplêndida harmonia.
Sl 103, 1-2
“Bendize, ó minha alma, o Senhor! Senhor, meu Deus, vós sois imensamente
grande! De majestade e esplendor vos revestis, envolvido de luz como de um
manto. Vós estendestes o céu qual pavilhão”.
A beleza das
criaturas proclama a Beleza do Criador, de tal maneira que os humanos podem
conhecer a Deus pelo espelho de suas belas obras.
A admiração da
beleza das criaturas é considerado como ponto de partida para se contemplar a
beleza de Deus.
“Tarde te
amei, Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Tu estavas dentro de mim e
eu te buscava fora de mim” (Santo Agostinho).
Sl 44,3 “Sois
belo, o mais belo dos filhos dos homens. Expande-se a graça em vossos lábios,
pelo que Deus vos cumulou de bênçãos eternas”.
A Beleza
Divina não é senão a harmonia das múltiplas perfeições de Deus, que são
idênticas à simplicidade da essência divina. Nessa Beleza Divina estão as
idéias exemplares de todas as realidades criadas. Nestas a beleza é algo de
acidental; em Deus a beleza é essencial; ela encerra em si, de maneira
eminente, todas as esparsas em tudo o que é belo. Não há criatura alguma que,
criado como vestígio da Divindade, não seja bela e não represente uma idéia da
Beleza Divina.
A esplêndida
Beleza de Deus Criador se manifesta, de maneira culminante, não no mundo
físico, nem mesmo nos anjos, mas em Maria Santíssima , Mãe de Deus feito homem, e, por
excelência, na santíssima humanidade de Cristo.
A SANTÍSSIMA TRINDADE
O Deus que se
revelou no Antigo Testamento, é o Deus que no Novo Testamento aparece como Pai
e Filho e Espírito Santo.
O Antigo
Testamento, relido à luz do Novo Testamento, sugere, num ou noutro caso, o
mistério da Santíssima Trindade.
As formas de plural
Há textos em que Deus fala de si no
plural.
Sb 7, 22-23
“Há nela (Sabedoria), com efeito, um espírito inteligente, santo, único, múltiplo,
sutil, móvel, penetrante, puro, claro, inofensivo, inclinado ao bem, agudo,
livre, benéfico, benévolo, estável, seguro, livre de inquietação, que pode
tudo, que cuida de tudo, que penetra em todos os espíritos, os inteligentes, os
puros, os mais sutis”.
Is 55, 10-11
“Tal como a chuva e a neve caem do céu e para lá não volvem sem ter regado a
terra, sem a ter fecundado, e feito germinar as plantas, sem dar o grão a
semear e o pão a comer, assim acontece à palavra que minha boca profere: não
volta sem ter produzido seu efeito, sem ter executado minha vontade e cumprido
sua missão”.
O Espírito do
Senhor é a forte pela qual Deus intervém na vida dos homens.
Deve-se dizer
que o Antigo Testamento não conheceu a Santíssima Trindade. Em seus textos,
porém, encontram-se prenúncios do mistério, preparando a manifestação plena da
vida de Deus no Novo Testamento.
No Novo
Testamento, Deus significa o Pai ou
a primeira pessoa da Santíssima Trindade. É lhe atribuído o amor, embora o
Filho e o Espírito Santo também sejam amor.
O texto se
refere a cada uma das três Pessoas Divinas, e atribui a cada qual uma
modalidade de intervenção na história da salvação: Deus, o Pai, é o princípio
de realizações, pois é quem desencadeia a história na qualidade de Criador;
Deus Filho é o princípio de ministérios ou funções na Igreja, pois ele se fez
ministro do Pai para a salvação humana; o Espírito Santo é o autor dos dons ou
dos carismas, pois Ele mesmo é o dom, por excelência.
Tt 3,4-6 “Mas
um dia apareceu a bondade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com os
homens. E, não por causa de obras de justiça que tivéssemos praticado, mas
unicamente em virtude de sua misericórdia, ele nos salvou mediante o batismo da
regeneração e renovação, pelo Espírito Santo, que nos foi concedido em
profusão, por meio de Cristo, nosso Salvador”.
Como se vê, o
Pai é tido como o Amor que toma a iniciativa de nos salvar; o Filho é o
Mediador ou o Pontífice que traz a salvação; esta é aplicada a nós pelo
Espírito Santo.
Mt 28, 18-19 ” Mas Jesus,
aproximando-se, lhes disse: Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide,
pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo”
Jo 14,16 “E eu
rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Paráclito, para que fique eternamente
convosco”
Jo 15,26
“Quando vier o Paráclito, que vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da
Verdade, que procede do Pai, ele dará testemunho de mim”
At 2,32-33 “A
este Jesus, Deus o ressuscitou: do que todos nós somos testemunhas. Exaltado
pela direita de Deus, havendo recebido do Pai o Espírito Santo prometido,
derramou-o como vós vedes e ouvis”
Estes são
alguns dos textos que se pode deduzir do Novo Testamento sobre o mistério da
Santíssima Trindade.
PERICORESE
Pericorese
significa intimidade da vida divina.
O Símbolo do
Concílio de Florença (1438-1445) reza o seguinte:
“Em virtude
desta unidade, o Pai está todo no Filho e todo no Espírito Santo; o Filho está
todo no Pai e todo no Espírito Santo, e o Espírito Santo está todo no Pai e no
Filho. Nenhuma dessas Pessoas procede outra na eternidade ou a supera em
grandeza ou a ultrapassa em poder”.
As três
Pessoas Divinas coexistem e co-habitam mutuamente entre si.
Pai e Filho
Jo 14,11
“Crede-me: estou no Pai, e o Pai em mim”
Note-se que em
Jesus (Deus feito homem) havia uma só Pessoa (um só Eu, um só sujeito), e essa
Pessoa era divina; Jesus, consequentemente, fala da imanência no Pai e do Pai
no Filho.
Jo 10,30 “Eu e
o Pai somos um”
Não
uma só Pessoa, mas uma só substância, a tal ponto que a mesma substância está
toda no Pai e toda no Filho.
Jo
17, 21-23 “Para que todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em mim e eu em
ti, para que também eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste.
Dei-lhes a glória que me deste, para que sejam um, como nós somos um: eu neles
e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade e o mundo reconheça que me
enviaste e os amaste, como amaste a mim”
Neste
texto a união de Cristo com o Pai é protótipo da união dos cristãos entre si e
com Cristo (tronco da videira verdadeira e Cabeça do Corpo Místico); uma só
seiva, uma só vida garante a união em ambos os casos.
Pai e Filho e Espírito Santo
1Cor 2, 10-11
“Espírito penetra tudo, mesmo as profundezas de Deus. Pois quem conhece as
coisas que há no homem, senão o espírito do homem que nele reside? Assim também
as coisas de Deus ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus"
O Espírito
Santo é apresentado como aquele que penetra os íntimos desígnios de Deus e
conhece a Deus como o espírito do homem conhece a intimidade do homem. Isto
significa a imanência do Espírito Santo na essência divina e, por conseguinte,
nas outras Pessoas Divinas. Em Deus tudo é comum.
Há plena
igualdade entre as três Pessoas Divinas sob todos os aspectos. Nenhuma é menor
do que as outras em dignidade, poder, sabedoria, bondade, majestade, glória...
Nenhuma é anterior às outras.
A fé católica
consiste em adorar um só Deus na Trindade e a Trindade na unidade, sem
confundir as Pessoas nem dividir.
Pois uma é a
Pessoa do Pai, outra a do Filho e outra a do Espírito Santo. Mas o Pai, o Filho
e o Espírito Santo são uma só Divindade, têm a mesma glória e coeterna
majestade.
Pai
Filho Espírito
Santo
Cada
Pessoa está em cada Pessoa
e todas em cada uma e cada uma em todas e todas em todas. E todas são um só
Deus.
AS PESSOAS - O PAI
Podemos
atribuir às Pessoas Divinas nomes próprios e nomes apropriados. Nomes próprios
são aqueles que convêm a uma Pessoa apenas, ao passo que apropriados são os
nomes que se referem à essência divina e são comuns às três Pessoas, mas, por
terem afinidade com algum nome próprio, são atribuídos à respectiva Pessoa.
O Pai é
designado por três nomes... nomes que estão associados à primeira processão:
Pai, Inascível, Princípio sem Princípio.
Examinemos o
nome “Pai”.
Já no Antigo
Testamento, quando os judeus não conheciam a SSma. Trindade, Deus (Javé) era
chamado Pai, porque era tido como o Doador da Vida e o Amigo dos homens:
Is 63,15-16 “Olhai
do alto do céu e vede de vossa santa e gloriosa morada: Que foi feito de vosso
amor ciumento e de vosso poder, e da emoção de vosso coração? Dai livre
expansão à vossa ternura, porque sois nosso pai. Abraão, de fato, nos ignora, e
Israel não nos conhece; sois vós, Senhor, o nosso pai, nosso Redentor desde os
tempos passados”
Dt 32,6 “E
assim que agradeceis ao Senhor, povo frívolo e insensato? Não é ele teu Pai,
teu Criador, que te fez e te estabeleceu?
Ex 4,22 “Tu
lhe dirás: assim fala o Senhor: Israel é meu filho primogênito”
No Antigo
Testamento o nome “Pai” exprime a relação de Deus com as criaturas ou o que se
chama “relação ad extra, relação para fora”. No Novo Testamento, “Pai” tanto
pode significar a relação de Deus com o mundo, relação comum às três Pessoas
Divinas, pois as três criam e conservam as criaturas, como pode significar uma
relação ad intra (para dentro) ou a relação do Pai ao Filho. No primeiro caso
“Pai” é um nome da essência divina ou da Divindade (sem distinção de pessoas).
No segundo caso, é um nome pessoal, próprio da primeira Pessoa, como se
depreende dos seguinte textos:
Mt 11,25-27
“Disse Jesus: Eu te louvo, ó Pai, o Senhor do céu e da terra, porque ocultaste
estas coisas aos sábios e doutos, e as revelaste aos pequeninos...Tudo me foi
entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho senão o Pai e ninguém conhece o
Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar”.
Mt 16,17
“Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne e o
sangue que te revelaram isso, mas meu Pai que está nos céus”.
Lc 23,46
“Jesus soltou um grande grito: Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito!”
Mt 28,19 “Ide,
e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai,
do Filho e do Espírito Santo”.
At 2,33:
“Exaltado pela direita de Deus, Ele recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e
o derramou”.
Rm 15,6: “De
um só coração e de uma só voz glorifiquem o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo”.
Ap 1,6: “Ele
fez de nós uma Realeza e Sacerdotes para Deus seu Pai”. Cf. 1 Cor 1,3; Gl 1,1; Ef 4,6; Cl 2,2; Tg 1,27;
1Pd 1,13; 2 Pd 1,17; Jd 1; Jo 1,2...
Ademais, a
Liturgia da Igreja, os símbolos de Fé e os documentos conciliares em geral dão à
primeira Pessoa o nome de Pai como
sendo o apelativo que melhor a caracteriza.
Em suma,
deve-se dizer que em Deus a paternidade constitui a primeira Pessoa como tal,
ao passo que, entre os homens, a paternidade é algo que sobrevém à humanidade
já formada.
No Novo
Testamento, o nome “Pai” é atribuído a Deus como tal ou à essência divina no
seu relacionamento com as criaturas. Assim, por exemplo, em:
Jo 20,17:
“Subo a meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”.
Mt 5,48: “Sede
perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito”
Mt 6,9: “Pai
nosso, que estais nos céus”. Cf. Rm 8,29.
Já que toda
relação de Deus ad extra ou para fora é comum Às três Pessoas, segue-se que
Deus como Deus ou por sua essência é Pai das criaturas. Todavia a piedade
cristã acostumou-se a apropriar o nome de “Pai” à primeira Pessoa da SSma.
Trindade, visto que essa pessoa é Pai ad intra ou no seio mesmo da SSma.
Trindade.
A paternidade
divina ad extra ou comum às três Pessoas comporta diversos graus:
- Deus é Pai em relação a todas
as criaturas, pois cada qual traz um vestígio do Criador;
- Deus é mais propriamente Pai em relação às criaturas feitas à imagem e
semelhança do Criador (Gn 1,26-28);
- passando para a ordem
sobrenatural, podemos dizer que a paternidade divina se torna mais densa ainda
pela inserção do cristão em Cristo mediante o Batismo: “Recebeste o Espírito de
filhos adotivos pelo qual clamamos Abba, Pai!” (Rm 8,15; cf. Gl 4,4-7)
- a plenitude da graça na pátria
definitiva dará o pleno sentido à paternidade divina.
Passemos a
outro nome do Pai.
O Ingênito ou Inascível
Estes dois
títulos significam que o Pai não nasceu (como o Filho) nem procedeu (como o
Espírito Santo). É o Princípio sem Princípio
O conceito de não gerado ou não nascido necessita de ser bem determinado, pois pode ter três
sentidos; significa:
-
Incriado ou não nascido. Em tal caso aplica-se as três Pessoas Divinas;
-
Pode significar também não procedente por geração ou não gerado. Então
aplica-se também ao Espírito Santo;
- Pode significar não procedente
de outrem ou simplesmente não procedente. Somente nesta acepção é designativo
próprio do Pai. Este é ingênito no sentido de não procedente.
Esta variedade
de sentidos deu ocasião a calorosos debates entre os Padres gregos. Diziam, por
exemplo, os arianos: se Deus é ingênito e o Filho é gerado, o Filho não é Deus.
Em resposta, deve-se dizer: Deus como Deus ou a essência não é gerada, mas em
Deus mesmo há uma procedência por via de geração, que é a do Filho. Este é Deus
de Deus, Luz da Luz, gerado...
Notemos ainda
que outro aspecto dessa temática provocou dúvidas e questionamentos na teologia
grega antiga: dois vocábulos muito semelhantes entre si:
- gennetós (nascidos) e génetos
(criado) geraram sérias discussões nos primeiros séculos; gennetós significava
a fé ortodoxa, ao passo que génetos (sem um n) implicava a heresia, pois
equivalia a dizer que Deus (Filho) foi criado.
Daí
a formulação do Credo niceno em 325: “gerado, não criado, consubstancial ao
Pai”.
O Princípio sem Princípio
O termo
“Princípio” pode ser aplicado a Deus em seu relacionamento com as criaturas. O
ato de criar é comum a três Pessoas (não implica oposição relativa entre elas),
de modo que Deus como Deus é o Criador ou o Princípio de tudo o que existe fora
de Deus. O Concilio de Florença, em 1442, o declarou:
“O Pai, o
Filho e o Espírito Santo não são três princípios das criaturas, mas um só
Princípio” (Ds n.º 1331).
Todavia Princípio
pode ter significado na vida íntima do próprio Deus. Aplica-se ao Pai como
sendo Aquele do qual procedem (sem ser causados) o Filho e o Espírito Santo.
Por este designativo o Pai se distingue do Filho e do Espírito Santo, que dele
procedem.
Não há dúvida
de que em relação ao Espírito Santo o Filho Também é Principio, pois o Espírito
procede do Pai e do Filho. O Concílio geral de Lião (1274) o declarou:
“Desde toda a
eternidade, o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, que lhe são um só
Princípio” (Ds n.º 850).
Contudo
deve-se observar que o Filho só é Princípio porque Ele o recebe do Pai. O Concílio
de Florença ensina:
“Tudo o que o
Filho é ou tem, Ele o recebe do Pai, de modo que Ele é Princípio derivado de
Princípio” (Ds 1331).
Por
conseguinte, em relação ao Espírito Santo o Filho é um só Princípio juntamente
com o Pai. O Concílio de Lião II afirma que o Espírito Santo procede do Pai e
do Filho não com se fossem dois Princípios, mas como sendo eles um só
Princípio. Estas afirmações dissipam a suspeita de heresia que os cristãos
ortodoxos orientais lançam sobre o Filioque
dos latinos: estes não colocam o Filho no mesmo plano que o Pai quando se trata
das origens. Os latinos subscrevem tranquilamente a sentença de São Gregório de
Nissa (+ 394)
“Ser sem
Princípio de origem é próprio unicamente do Pai”
O Pai é, pois,
o Princípio. Na antiga literatura cristã, encontra-se mesmo a expressão
equivalente: o Pai é a fonte e a origem de toda Divindade. É o Concílio XI de
Toledo quem o diz em 675:
“O Pai não tem
origem em quem quer que seja. O Filho por Ele é gerado e o Espírito Santo
procede dele. Por conseguinte, o Pai é fonte e origem de toda Divindade” (Ds
525).
É freqüente na
literatura patrística a imagem do Pai como Fonte e como Raiz. Eis alguns
testemunhos:
Tertuliano: (+
220): “Não receio chamar o Filho caule da raiz, córrego da fonte, raio do sol.
Pois toda origem é uma modalidade de Pai, e tudo que procede de uma origem é
uma espécie de prole. Isto é verídico principalmente quando se trata da Palavra
de Deus, que tem o nome próprio de Filho”.
Dionísio
Areopagita (séc.V): “A Divindade como Fonte é o Pai. Jesus e o Espírito Santo
são, por assim dizer, os rebentos divinos e como que os riachos dessa Divindade
divinamente fecunda”.
São Basílio de
Cesaréia (+ 379): “O Pai possui o ser perfeito e completo. Portanto, Ele
é a raiz e a fonte do Filho e do
Espírito Santo”.
São João
Damasceno (+ 749): “Quando considero as relações recíprocas das Pessoas
Divinas, reconheço que o Pai é o Sol essencial, a fonte da bondade, o abismo da
substância, do Logos, da Sabedoria, da Divindade: fonte, por geração e por
processão, do bem oculto nesta mesma fonte”.
Neste último
texto, chama-nos atenção a nova imagem “abismo...” O Pai é abismo porque é
riqueza insondável de vida e perfeição. Como ninguém vê o fundo de um grande
abismo, assim ninguém conhece a grandeza de vida e santidade do Pai. Essa
perfeição insondável se manifesta no Logos, na Palavra, que dela procede. Por
isso o Filho é dito “a imagem do Pai” (CL 1,15). Pode mesmo motivo
(profundidade insondável) o Pai também é dito o silêncio, do qual procede a
Palavra.
Santo Inácio
de Antioquia (+ 107): “ Há um só Deus a manifestar-se por Jesus Cristo, Seu
Filho, Sua Palavra saída do silêncio, que em tudo agradou Àquele que o enviou”.
Assim Abismo e
Silêncio são dois nomes metafóricos que exprimem o que a de próprio na primeira
Pessoa as SSma. Trindade.
Não é
supérfluo notar que o termo “Princípio” em Deus não significa prioridade no
tempo, nem maior dignidade ou perfeição. Quando Jesus diz: “O Pai é maior do
que eu” (Jo 14,28), fala como homem; verdade é que alguns antigos teólogos
julgam que Jesus se refere à filiação eterna da segunda Pessoa, excluindo,
porém, qualquer inferioridade do Filho em relação ao Pai.
Os gregos
empregam a palavra aitía, além de arché (princípio), para designar a
função de Princípio ou Fonte própria do Pai. Tal palavra em latim é traduzida
por causa, conceito que não tem propósito em Deus. Os gregos, porém,
dão a aitía o significado mais amplo de “ponto de partido, ponto de origem ou
emanação”. Como quer que seja, tal vocábulo grego suscitou dificuldades no
diálogo entre latinos e gregos dada a ambigüidade do seu significado.
O predicado
“Princípio (principiado)” pode ser atribuído ao Filho na medida em que:
- o Filho é, juntamente com o Pai,
princípio do Espírito Santo, Princípio principiado, ao passo que o Pai é
Princípio não principiado;
- o Filho é, com o Pai e o Espírito
Santo, Criador ou Princípio do mundo, no sentido (agora) de causa do mundo;
- o Filho é a Causa Exemplar ou
Modelo em vista do qual o Pai cria todas as coisas;
- o Filho é o Princípio da
re-criação do mundo após o pecado, fazendo-se homem e ressuscitando após a
morte.
O Espírito
Santo é Princípio (principiado) a dois títulos:
-
é Criador com o Pai e o Filho;
-
é Princípio de santificação das criaturas .
DEUS PAI
O nome “Deus”
é comum às três Pessoas, mas é apropriado ao Pai pelos próprios escritores do
Novo testamento. Com efeito, observa-se que nos escritos paulino o apelativo Deus designa o Pai , ao passo que
o Filho é chamado “Senhor”. Assim, por exemplo:
1 Cor 1,3:
“Graça e paz a vós da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo!”
2 Cor 1,3:
“Bendito seja o Deus e Pai do nosso Senhor Jesus Cristo!”
Ef 1,3:
“Bendito seja o Deus e Pai do nosso Senhor Jesus Cristo...!”
Ef 1,17: “O
Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da Glória”.
Na linguagem
comum de nossos dias, quando se fala de Deus, tem-se em vista a Divindade como
tal e não a primeira Pessoa da SS. Trindade. A concepção de que Deus é Pai que
nos salva pelo Filho e nos santifica pelo Espírito Santo, ainda é relativamente
rara. Todavia a piedade cristã vai ao Pai pelo Filho no Espírito Santo.
AS PESSOAS - O FILHO
O vocábulo
Filho é aplicado pela própria Escritura à Segunda Pessoa. Basta lembrar:
Trata-se de
nome correlativo ao do Pai. Indica a processão por via de geração ou, segundo a
teoria agostianiano-tomista, por via do intelecto. É certo que tal apelativo
não implica prioridade para o Pai nem inferioridade para o Filho. Por isto já
os antigos escritores da Igreja enfatizavam a índole transcendental e
misteriosa da processão do Filho.
São Gregório
de Nazianzo (+ 390), por exemplo, escrevia a Eunômio e à sua escola, que
pretendiam penetrar nos arcanos da Divindade:
“Como foi Ele
gerado?, perguntas. – Por certo, nada de muito grande haveria nessa geração, se
o pudesses saber, tu que nada sabes da tua própria geração ou, ao menos, tu que
conheces pouca coisa, de que tens pudor de falar. E tens a pretensão de tudo
conhecer? Vamos, põe-te a estudar, pesquisa e descobre as razões da agregação embrionária,
da conformação anatômica, da ligação entre o corpo e a alma...
Explica-me
isso tudo ou, caso contrário, não raciocines a respeito da geração de Deus.
Como foi Ele gerado? Eu o repito com indignação que tal pergunta merece: a
geração de Deus é honrada pelo silêncio. Para ti, já é muito saber que Ele é
gerado. Quanto a entender o como, não o concedemos aos anjos, menos ainda a
ti”.
Tertuliano (+
220) recorre a certas imagens que ilustram o mistério, ainda que
imperfeitamente:
“Deus proferiu
a Palavra, como o Paráclito ensina, à semelhança da raiz que produz o caule, da
fonte que produz o rio, e do sol que produz o raio... E não receio chamar o
Filho caule da raiz, rio da fonte, raio do sol. Toda origem se abre para fora,
e tudo o que procede da sua origem é um rebento. Isto é muito mais verídico
ainda quando se trata da Palavra de Deus, cujo nome próprio é Filho. Não
obstante, o caule não se separa da raiz, nem o rio se separa da fonte, nem o
raio se separa do sol, como a Palavra não se separa de Deus. De acordo com
essas imagens professo que o Pai e sua Palavra ou o Pai e o Filho são dois.
Pois a raiz e o caule são duas coisas, mas conjugadas. A fonte e o rio são duas
realidades, mas inseparáveis. O sol e o raio são duas modalidades, mas unidas
entre si”.
São Hilário de
Poitiers (+ 366) corrige o que haja de imperfeito nessas comparações:
“Frequentemente
chamamos a atenção: em nosso discurso sobre a unidade de Deus Pai e do Filho,
não devemos introduzir o vício das opiniões humanas, nem supor extensão,
sucessão, derramamento, como se verifica no riacho que sai da fonte, no ramo
sustentado pela raiz ou no calor que o fogo espalha pelo espaço. Essas coisas
são prolongamentos inseparáveis dos seus suportes e não subsistem em si mesmas.
O calor esta no fogo, o ramo na árvore, o riacho na fonte... Há, pois, aí uma
só e mesma coisa e não duas substâncias, das quais uma se deriva da outra. A
árvore não é outra coisa senão o ramo, o fogo não é outra coisa senão o calor e
a fonte não pode ser outra coisa senão o riacho. Ao contrário o Deus Filho
único é, por uma indescritível naturalidade, Deus subsistente, verdadeiro Filho
de Deus ingênito, descendente incorpóreo de uma natureza incorpórea. Deus
verdadeiro e vivo, Deus inseparável de Deus que o gerou. Assim a natividade que
o faz subsistir, não faz que seja outra natureza”.
Como se vê, São
Hilário, procurando esclarecer os dizeres de Tertuliano, também escreve
sentenças difíceis, que ao menos têm a vantagem de evidenciar que de Deus só
podemos falar afirmando e negando: afirmando perfeições que se encontram nas
criaturas e têm sua fonte no Criador, mas negando a maneira limitada e precária
como tais perfeições se realizam nas criaturas.
Citemos ainda
Santo Atanásio (+ 373), que procurava explicar aos arianos a diferença entre
geração humana e geração divina:
“Diferem entre si a geração dos homens e
a processão do Filho a partir do Pai. Com efeito, a prole dos homens consta de
partes de seus genitores, pois a natureza dos corpos não é simples, mas fluente
e composta de partes. Os genitores perdem algo de sua substância, e o alimento
lhes proporciona um dom reparador: eis por que os homens se tornam
sucessivamente pais de muitos filhos. Mas Deus, sendo indivisível, é,
indivisivelmente e sem mudança, Pai do Filho. Num ser incorpóreo, não pode
haver nem fluxo que saia nem fluxo que entre, como entre os homens o há. Deus,
sendo simples por natureza, é o Pai de um só e único Filho... é o Logos do Pai,
no qual é possível conceber a impassibilidade e indivisibilidade do Pai. Pois,
se a palavra dos homens é gerada sem paixão nem divisão, quanto mais a de Deus
o será!”
A filiação, como é entendida em Deus,
explica a consubstancialidade, a eternidade e a Divindade da segunda Pessoa da
SSma. Trindade.
A filiação eterna do Filho é penhor da
filiação adotiva dos homens. Na verdade, o Filho de Deus se fez Filho do Homem
e novo Adão. Enxertados pelo Batismo no Corpo prolongado ou místico do novo
Adão, os homens participam da filiação divina. Esta se estende através dos
tempos mediante a humanidade de cristo. Com razão, pois, se diz que fomos
feitos filhos no Filho, ilustrando as palavras de São Paulo:
“Não recebestes um espírito de escravos,
para recair no temor, mas recebestes um espírito de filhos adotivos, pelo qual
clamamos: Abba, Pai” (Rm. 8,15; Gl. 4,6).
IMAGEM
O nome Imagem é atribuído por S. Paulo a
Jesus Cristo (Deus feito homem): “Ele é a Imagem do Deus invisível” (CL 1,15;
2Cor 4,4). A teologia, porém, julga que o título compete ao Filho também no
íntimo da vida trinitária, ou antes, mesmo da Encarnação. Isto, porque todo
filho é, de algum modo, imagem de seu Pai. Há, pois, um nexo estrito entre
Filho e Imagem.
Os antigos Padres da Igreja valiam-se do
conceito de Imagem para refutar os hereges sabelianos ou modalistas (não
haveria distinção de Pessoas em Deus) e arianos (o Filho seria distinto do Pai,
mas criatura). Com efeito, o conceito de Imagem supõe um original, portanto
dualidade de pessoas; ademais a imagem perfeita de Deus só pode se divina,
portanto implica unidade de natureza.
Todavia um problema sutil se colocava
para a teologia antiga e medieval, a saber: a semelhança que deve haver entre o
exemplar e sua imagem, pode ser entendida de diversas maneiras: assim a estátua
é a imagem de um herói porque ela imita os traços visíveis desse herói; um
discípulo é imagem de seu mestre, porque reproduz as aulas e os ensinamentos
deste; um filho pode ser a imagem de seu pai por seus traços pessoais ou seu
temperamento. Transpondo a questão para o plano da SS. Trindade, pergunta-se:
de que maneira o Filho como imagem é semelhante ao Pai? Será porque,
consubstancial ao Pai possui a natureza mesma do Pai ou possui a Divindade, que
é comum às três Pessoas? Ou será porque reproduz os traços pessoais ou a
paternidade do Pai?
Não nos deteremos sobre a discussão de
tão difícil questão, mas apresentamos a resposta de São Roberto Belarmino (+
1621), que afirma:
A imagem reproduz a perfeição do
exemplar do qual ela procede. Ora o exemplar do Filho ou o termo do qual o
Filho procede, é o Pai não como Deus, mas como Pai.
Por conseguinte, o Filho é a imagem do
Pai como Pai.
O texto de Cl 1,15 tem seu paralelo em
Hb 1,3, onde se lê:
“(O Filho) é o resplendor as sua glória
e a expressão do seu ser (charaktér tes hypostáseos autou)”.
Estes dizeres significam que o Filho é a
expressão ou efígie (charaktér) da substância de Deus. Ele é como a marca
deixada por um carimbo, reproduzindo exatamente os traços do selo ou do
carimbo.
Isto nos leva a afirmar que, se em Deus
o Filho é a eterna Imagem do Pai, no tempo feito homem, Ele se tornou, para os
homens, a Imagem do Deus invisível (Cl 1,15). Assim, quando o Apóstolo Filipe
pediu a Jesus que lhe mostrasse o Pai, o Senhor respondeu: “Há tanto tempo
estou convosco e não me conheces Filipe? Quem me viu, viu o Pai. – Não crês que
estou no Pai e o Pai está em mim?” (Jo 14,9-10). Na qualidade de Imagem do Pai
feita carne, o Filho nos revelou o Pai:
“A Deus jamais alguém viu; o Filho
único, que está voltado para o seio do Pai, Ele o deu a conhecer” (Jo 1,18).
Os Padres da Igreja estenderam essa
função manifestativa do Filho – Imagem – ás teofanias (ou aparições de Deus) do
Antigo Testamento. Já que o Pai é o Deus Invisível, quem se revela aos
patriarcas, era a segunda Pessoa da SS. Trindade; antecipada assim o mistério
da Encarnação, mostrando-se a Abraão, Isaque, Jacó...
Verdade é que o Espírito Santo é tido
por alguns Padres da Igreja como imagem do Filho. É o que, por exemplo, São João
Damasceno afirma:
“O Espírito Santo é a imagem do Filho.
Pois ninguém pode dizer Jesus é o Senhor a não ser pelo Espírito Santo” (1 Cor
12,3). Por conseguinte, é pelo Espírito Santo que conhecemos a Cristo, Filho de
Deus e Deus, e é no Filho que vemos o Pai... Palavra mensageira, sopro
manifestador da Palavra. Assim o Espírito Santo é a semelhança e completa
imagem do Filho, com diferença apenas na processão. Pois o Filho é gerado e não
procede como o Espírito Santo”
O conceito de imagem, próprio do Filho,
é apropriado ao Espírito Santo, na medida em que este revela o Filho; cf. Jo
16,14-15. A
processão por via de geração e no plano intelectual é que faz do Filho a
perfeita imagem do Pai. O Espírito Santo procede por via do amor; ora o amor
não proteja imagem, mas atrai o objeto amado e é atraído por este.
O
Logos
São João, e ele só, atribui como
próprio a segunda Pessoa o nome Logos; ver Jo 1,1.914; 1Jo 1,1-2; Ap 19.13.
O vocábulo em grego tem três
significados; designa: 1) o intelecto ou a razão; 2) o conceito formulado pelo
intelecto; 3) a palavra que manifesta o intelecto e o conceito.
De imediato, uma observação lingüística
nos faz perceber a afinidade entre Logos e Filho: em português utilizamos o
mesmo verbo conceber para exprimir o produto da intelecção – o conceito – e o
produto da geração – o concepto; assim o filho e o conceito (a noção, a
palavra) estão em paralelo entre si. È o que ilustra o fato de que a segunda
Pessoa da SSma. Trindade seja chamada Filho e Logos.
O vocábulo Logos tem afinidade também
com o termo Imagem, pois ambos são reveladores, manifestam algo de oculto.
Assim a trilogia “Filho, Imagem, Logos” é homogênea.
Pergunta-se: donde terá São João tirado
a palavra Logos para caracterizar Deus Filho?
Em resposta, apontam-se fontes
veterotestamentárias:
- A
Sabedoria era personificada em textos posteriores ao exílio,... personificada
poeticamente, pois os judeus nunca admitiriam uma Pessoa divina ao lado de
Javé. Tenham-se em vista os textos de Jó 28,1-28; Br 3,4-4,4; PR 8, 12-36; Eclo
24,5-32; Sb 7, 22-26.
A Sabedoria “sai da boca do Altíssimo,
e, como a neblina cobre a terra... reina sobre todos os povos e nações” (Eclo
24,3-6). Só Deus sabe onde ela habita; Só Deus conhece o caminho que leva a ela
(cf. Jó 28,23). Desde a eternidade, ela foi estabelecida; antes das montanhas e
dos mares, foi gerada; assistia a Deus, como mestre-de-obra, na criação do
mundo todo o tempo ela brincava na presença de Deus e se alegrava com os homens
(cf. Pr 8,22-31). Ela apareceu sobre a terra e no meio dos homens conviveu (cf.
Br 3,38). “É um espírito inteligente, santo, imaculado, amigo do bem,
todo-poderoso... É um reflexo da luz eterna, um espelho nítido da atividade de
Deus, uma imagem da sua bondade” (Sb 7,22-26).
- Também a Palavra foi personificada na
literatura poética do Antigo Testamento. Com efeito; a palavra (dabar), para os
semitas, tinha mais importância do que para nós. Atribuíam-lhe eficácia
própria, que durava para além do momento em que era proferida.
Assim a palavra de Deus é criadora:
Gn 1,3.6.9.11.14-15.20.24: “Deus
disse...e assim se fez”.
Sl 33,6: “O céu foi feito pela Palavra
do Senhor”.
Sb 9,1: “Deus dos Pais, ... que tudo
criaste com tua palavra”.
Sl 147,4: “O Senhor envia suas ordens à
terra e sua palavra corre velozmente”.
A eficácia atribuída à palavra de Deus
explica tenha sido ela concebida como pessoa ao lado do próprio Deus; assim,
por exemplo, nos seguintes textos:
Is 55,10-11: “Como a chuva e a neve
descem do céu e para lá não voltam sem ter regado a terra,... tal ocorre com a
palavra de minha boca; ela não torna a mim sem fruto; antes, ela cumpre a minha
vontade e assegura o êxito da missão para a qual a enviei”.
Sb 18,14s: “Quando um silêncio profundo
envolvia todas as coisas e a noite meditava o seu rápido percurso, tua palavra
onipotente precipitou-se do trono real dos céus”.
Sb 16,12: “Não os curou nem erva nem
ungüento, mas a tua palavra,Senhor,que a tudo cura”
- Também se aponta como fonte joanina o
Logos como era entendido pelo filósofo judeu Filon de Alexandria (+ 44 d. C.);
tal autor atribuía ao Logos a função de intermediário entre Deus e as
criaturas: seria a Sabedoria Divina, Filho, anjo, grão-sacerdote de Deus,
imagem de Deus, modelo do mundo sensível, instrumento da criação.
Ora é possível que o evangelista,
escrevendo na Ásia Menor ou em ambiente helenista, tenha desejado recorrer a um
vocábulo caro aos gregos e aos judeus da diáspora para designar a segundo Pessoa
da SS. Trindade. Combinava bem com os conceitos de Filho e Imagem.
A Tradição patrística desenvolveu as
várias acepções de Logos:
Intelecto – Escreve S. Máximo de Turim
(+ 423):
“Falando do Deus Logos, Dionísio explica
por que é chamado Logos, e indica uma só causa: Ele contém em si os exemplares
de todas as criaturas. Os exemplares de tudo que foi criado estão nele como
causa de todas as criaturas. Sim; por Ele existem todas as cousa”
Deus é como o artesão que tem em sua
mente (logos) os exemplares de todos os seus artefatos.
Palavra – São Gregório de Nissa escreve:
“A palavra de Deus não deve a sua
subsistência transitória ao impulso de uma linguagem articulada. À nossa caduca
natureza corresponde uma palavra caduca; à única natureza eterna e sempre
existente corresponde uma palavra eterna e subsistente”.
Já que o Filho manifesta o Pai, Ele é
dito “a definição do Pai” São palavras de São Gregório de Nazianzo:
“Podemos sustentar também que o Filho é
chamado Logos porque Ele se relaciona com o Pai como a definição se relaciona
com o sujeito definido. Pois Logos significa também definição, de modo que
aquele que concebe o Filho concebe também o Pai. Por conseguinte o Filho é uma
declaração, concisa e fácil de se perceber, da natureza do Pai. Pois todo filho
é uma silenciosa definição de seu pai”.
Está claro que, no caso da SS. Trindade,
definição não tem sentido etimológico de delimitação. Significa apenas
expressão exata e fiel.
Segundo a mesma concepção, o grande
defensor da fé e mártir São Máximo Confesor (+ 662), escrevia
“O Nome de Deus Pai, Nome substancial e
subsistente, é o Filho único”.
O percurso dos títulos atribuídos à
segunda Pessoa da SS. Trindade evidencia o significado que ela tem na vida
íntima de Deus e na economia ou dispensação da salvação.
Resta agora considerar as apropriações
feitas à segunda Pessoa.
As
Apropriações
O Filho procede do Pai por via
intelectual, segundo a teoria agostiniano-tomista. À luz deste princípio, a
teologia latina explicou os textos do Novo Testamento que apropriam À segunda
Pessoa algum título além dos três próprios (Filho, Imagem, Logos):
Sabedoria:
Em 1 Cor 1,24.30 lê-se: “Cristo é Sabedoria de Deus... tornou-se para nós
sabedoria proveniente de Deus”. Isto se compreende pelo fato de que o Logos é a
Mente do Pai portadora das idéias exemplares das diversas criaturas.
Verdade:
Em Jo 14,6, lê-se: “Eu sou... a verdade”. A verdade é a própria Sabedoria.
Luz:
“Eu sou a luz do mundo” (Jo 8,12). A Sabedoria e a Verdade iluminam.
Vida:
“Eu sou...a Vida” (Jo 14,6) O Filho é vida porque nos libertou do pecado.
Redenção:
“Cristo Jesus... se tornou para nós... redenção” (Cor 1,30). Pelo mesmo motivo.
Poder
de Deus: “Cristo é poder de Deus “ (1Cor 1,24), porque realizou a obra
poderosa da re-criação do homem dominado pelo pecado.
Qualquer outro atributo, como Caminho,
Justiça, Santificação..., há de ser entendido como derivado das notas próprias
do Filho.
Tal é a rica
explanação que a Teologia tece em torno da segunda Pessoa da SS. Trindade.
AS PESSOAS - O ESPÍRITO SANTO
Três são os
nomes próprios da terceira Pessoa da SSma. Trindade: Espírito Santo, Amor, Dom.
ESPÍRITO SANTO
A rigor, a
designação Espírito Santo é comum às três Pessoas, pois são todas Espírito e
santas. Acontece, porém, que a Escritura atribui tal título, como próprio, à
terceira Pessoa: “Batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt
2819).
A
teologia justifica tal emprego, lembrando que santidade significa consumação,
plenitude; ora a terceira Pessoa é a plenitude da SSma. Trindade entendida como
comunicação de vida (sem antes, nem depois).
Santo
Agostinho (+430) explica, a seu modo a apelativo: tanto o Pai quanto o Filho são
Espírito e são santos; ora já que a terceira Pessoa procede de ambos, é
convenientemente designada pelos nomes comuns de ambos
“O Espírito
Santo é uma inefável comunhão existente entre o Pai e o Filho; talvez seja
assim chamado porque os mesmos nomes convêm ao Pai e ao Filho, pois o Pai é
Espírito e o Filho é Espírito, o Pai é santo e o Filho e santo”
A expressão
“Espírito Santo” há de ser entendida como se fosse uma palavra só ou um
apelativo que não se pode decompor dizendo: “o Espírito que é Santo”.
São Gregório
de Nazianzo (+390) considera o termo santo e a santidade como próprios da
terceira Pessoa porque, afinal, é a Escritura que assim apresenta a terceira
Pessoa:
“Realmente Pai
é o Pai, e muito mais realmente do que os homens são pais. Realmente Filho é o
Filho. Realmente Santo é o Espírito Santo; não há outro santo tal como Ele;
pois Ele não adquiriu a santificação, mas é a santidade mesma”.
Já que o
Espírito Santo é a própria Santidade, atribui-se-lhe a santificação dos homens.
Na dispensação da graça ou na economia da salvação, Ele é o santificador. Ele á
a última expressão da vida trinitária e a primeira que atinge os homens, como
aliás se deu em Maria SSma., que concebeu
do Espírito Santo.
O AMOR
O Espírito
Santo é o fruto do amor com que o Deus ama a si ou com que o Pai ama o Filho.
“O amor de
Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm
5,5).
Sendo o Amor
em Deus, o Espírito Santo também é o Ósculo. Segundo São Bernardo (+1153), o
Pai é o Osculante, o Filho o Esculado, o Espírito Santo o Ósculo. Esta imagem
indica bem a unidade substancial expressa pelo radical oscul – e as diferenças
relativas expressas pelos sufixos ante, ado e o.
O DOM
O amor está
naturalmente associado ao dom ou à doação. Quem ama, se dá ao ser amado e lhe
dá o que tem para o enriquecer.
Em Deus o Amor
está ligado à doação do Pai ao Filho e do Filho ao Pai, sem que haja
inferioridade ou superioridade de um para com o outro. Muito mais claramente se
entende o Espírito Santo como Dom de Deus às criaturas. Ele é o fruto da
vitória de Cristo sobre o pecado e a morte, enviado aos homens pelo Senhor
glorificado (Jo 7,37-39).
São Hilário de
Poitiers (+367) propõe a sinonímia de Espírito Santo e Dom no texto seguinte:
“O Batismo é
conferido em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, isto é, mediante a
confissão do Autor (Criador), do Filho e do Dom. Há um só Autor (Criador) de
todas as coisas, pois há um só Deus Pai, ex
quo omnia (a partir do qual), e um só Filho único Nosso Senhor Jesus
Cristo, per quem omnia (pelo qual),
e um só Espírito Dom in quo (no
qual)”.
Este texto é
importante porque, além da sinonímia apontada, refere três proposições latinas
que caracterizam a vida trinitária e sua comunicação às criaturas:
O Pai é Aquele
ex quo omnia, do qual tudo procede.
O Filho é
Aquele per quem omnia, pelo qual tudo procede.
O Espírito
Santo é in omnibus, está em todos os seres humanos como Mestre e Guia ou também
Aquele no qual caminhamos pelo Filho ao Pai.
Os latinos consideram
diretamente a unidade e, em função desta, a trindade, de acordo com a seguinte
figura:
As Apropriações
Água viva
Os antigos
Padre viram na água e sua modalidades uma imagem as SSma. Trindade.
“Considerai o
Pai como a fonte da vida, o Filho como o rio que daí nasce, e o Espírito Santo
como o mar, pois a fonte, o rio e o mar têm a mesma natureza” (São João
Damasceno).
Havia também
quem propusesse: lençol d’água, olho d’água e córrego d’água. O lençol
d’água subterrâneo significaria a
imensidade do Pai; o olho d’água seria a manifestação do grande lençol d’água
oculto, significando o Filho como Palavra ou Imagem; o córrego d’água
simbolizaria a ação vivificante e fecundante do Espírito Santo. A água
representa a essência divina, que é sempre a mesma; as modalidades da água, as
Pessoas Divinas.
Embora a água
viva seja um símbolo comum à três Pessoas, foi apropriada ao Espírito Santo na
base de textos bíblicos como Jo 7, 37-39, onde se lê que, ao falar da água,
Jesus falava do Espírito Santo que deviam receber os que nele cressem.
“O Pai sendo a
fonte, o Filho é chamado o rio; a Escritura diz que bebemos o Espírito, pois
está escrito: ’Todos bebemos do mesmo Espírito’. Mas , quando bebemos o
Espírito, bebemos o Cristo: ‘Bebiam de uma rocha espiritual que os acompanhava,
e essa rocha era Cristo’” (1Cor 10,4).
Neste texto, o
Espírito Santo é simbolizado pela água... água que no deserto jorrou da rocha
(Nr 20,8) e identificada por São Paulo com Cristo; assim quem bebe do Espírito
Santo, bebe de Cristo, que nos enviou o Espírito.
Ungüento ou Bálsamo e Perfume
A palavra
grega Christós (Cristo) significa “Ungido”. Pergunta-se então: Jesus o Cristo
como foi ungido? Foi ungido com o ungüento ou o balsamo que é o Espírito Santo.
É o que os Padres da Igreja deduziam dos textos bíblicos:
Lc 4,18 “O
Espírito do Senhor está sobre mim, porque lê me ungiu para evangelizar os
pobres”. São palavras de Is 61,1 que Jesus leu na sinagoga de Nazaré e aplicou
a si.
At 10,38 “...
Jesus de Nazaré, que Deus ungiu com o Espírito Santo”.
Isto quer
dizer que a humanidade que Deus filho assumiu no seio de Maria Virgem fou
cumulada ou enriquecida pelo Espírito Santo e seus dons.
Por extensão,
o Espírito Santo é chamado “Unção”, como se depreende de:
1Jo 2,20 “Não
necessitais de que alguém vos ensine, mas a unção deve vos ensina a respeito de
tudo”.
“No nome de
Cristo, subentende-se Aquele que unge, Aquele que é ungido e o ungüento mesmo
com que é ungido. É o Pai quem unge, e o Filho é ungido no Espírito que é o
ungüento” (Santo Irineu).
“O próprio
apelativo do Cristo é uma profissão de toda a Trindade, pois aponta Deus que
unge, o Filho que é ungido, e o Espírito Santo que é o Cisma ou o ungüento”
(São Basílio).
Se o Espírito
Santo é bálsamo ou ungüento, Ele exala um bom odor ou perfume. Em conseqüência,
a teologia patrística considera o Espírito Santo também como o odor ou o
perfume da divindade.
Roseira Rosa Perfume da Rosa
Raiz Caule Flor ou Fruto
Pai Filho Espírito Santo
“Concebe o Pai
como a raiz o Filho como o ramo, o Espírito Santo como o fruto. Nos três há uma
só substância” (São João Damasceno).
A flor ou o
fruto são o termo ou o ponto final do desenvolvimento vital do arbusto.
Procedem da raiz e do caule por efeito da seiva, que tem sua origem na raiz.
Flor e fruto insinuam repouso e consumação; ora o Espírito Santo é, por assim
dizer, a consumação da vida trinitária segundo os esquemas. Quando se diz que o
Espírito Santo é o perfume, explicita-se a ação difusiva, penetrante e
vivificante do Espírito Santo.
O Cristão, ungido pelo Espírito Santo no
Batismo e no Sacramento do Crisma, pode dizer como São Paulo: “Somos o bom odor
de Cristo”. (2Cor 2,15).
Paráclito
O apelativo
grego Parácletos toca a Jesus Cristo em 1Jo 2,1, mas é por excelência
apropriado ao Espírito Santo em Jo 14,16-26. Este é dito “o outro Paráclito”.
Tal vocábulo
tem duplo sentido: 1) Advogado, Defensor (é o que ocorre em 1Jo 2,1) e
Consolador. Pode-se dizer que são dois significados que se complementam
mutuamente.
O Paráclito é
Advogado e Defensor frente aos adversários dos cristãos, entre os quais está
Satanás, “o acusador dos nossos irmãos diante do nosso Deus dia e noite” (Ap
12,10). Mas é também Consolador.
A idéia de que
Deus consola seu povo, vem do Antigo Testamento, onde se lê: “Eu sou o teu
Paráclito” (Is 51,12), aquele que “consola como a mãe consola seu filho” (IS
66,13). O “Deus de consolação” (Rm 15,5) se encarna em Jesus Cristo , que é
primeiro consolador, cuja obra é continuada pelo outro Consolador, que é o
Espírito Santo. É ele quem consola a Igreja perseguida e a fortalece: “A Igreja
andava no temor do Senhor, repleta da Consolação do Espírito Santo” (At 9,31).
“A consolação
do Espírito Santo é verdadeira, perfeita e proporcional. É verdadeira, porque
Ele usa a consolação onde se deve aplicar, isto é, na alma, não na carne, como
faz, no entanto, o mundo, que consola a carne e aflige a alma, assemelhando-se
nisto a um mau hospedeiro que cuida do cavalo e trata mal o cavaleiro; é
perfeita, porque consola em toda tribulação, não como faz o mundo que, dando
uma consolação, proporciona o dobra de tribulação, como alguém que remenda um
velho agasalho tapando um buraco e abrindo dois; é proporcional, porque onde há
maior tribulação Ele traz maior consolação, não como faz o mundo que, na
prosperidade, consola e lisonjeia, mas na adversidade fica rindo e condena”
(São Boaventura).
Analisando as
funções que Jesus atribui al Paráclito em seu discurso de despedida,
verificamos que são todas elas relativas à verdade apregoada por Jesus; Ele
deve “ensinar, recordar, dar testemunho, convencer, levar a toda a verdade,
anunciar”; por isto é chamado “o Espírito da Verdade” (Jo 14,17). É Ele quem
assiste à Igreja garantindo-lhe fidelidade ao Evangelho ou ao patrimônio da fé
e levando-a a descobrir e explicitar o que tenha ficado implícito na pregação
de Jesus:
“O Paráclito,
o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos
recordará tudo o que eu vos disse” (Jo 14,26).
É Ele também o
Mestre interior, que fala no íntimo dos corações possibilitando-lhes a
compreensão da Palavra de Deus.
O Espírito
Santo nos ensina a responder à Palavra de Deus pela oração: “Intercede por nós
com gemidos inefáveis” (Rm 8,26). É Ele quem comunica aos fiéis o sabor da
Palavra de Deus; é Ele quem, com indizível suavidade, nos faz caminhar para o
Pai a passos firmes e acelerados.
O Dedo de Deus
O Espírito
Santo também é chamado “o Dedo de Deus” em virtude de dois textos do Evangelho
comparados ente si:
Lc 11,20; “Se
é pelo Dedo de Deus que eu expulso os demônios...”
Mt 12,28: “Se
é pelo Espírito de Deus que eu expulso os demônios...”
O Espírito
Santo é tido como o Dedo de Deus porque o dedo é, para nós, o instrumento vivo
e sensível com o qual realizamos obras delicadas. O Espírito Santo burila e
cinzela nossas almas, configurando-as a Cristo.
AS MISSÕES DIVINAS
A Escritura que nos fala de procedência ou
processão do Espírito (cf. Jo 15,26), fala também do envio ou da missão do
Filho e do Espírito Santo. Eis por que passamos a estudar as missões divinas.
Não se lê que o Pai seja enviado. Ele vem:
Jo 14,23:
"Se alguém me ama, guardará a minha palavra. e meu Pai o amará, e a ele
viremos, e nele estabeleceremos nossa morada".
O Filho é enviado pelo Pai, como se
lê repetidamente:
Jo 3,17: "Deus enviou seu Filho ao mundo não para julgar o mundo,
mas para que o mundo seja salvo por ele".
Jo 5,23: "Quem não honra o Filho,
não honra o Pai que o enviou" Jo 8,16: "Comigo está o Pai, que me enviou"
Jo 12,44: " Quem crê em mim, não é em mim que crê, mas naquele que me enviou".
:
Jo 17,3: "Conheçam a Ti ...
e aquele que enviaste: Jesus Cristo":, Jo 20,21: "Como o Pai me enviou, também eu vos envio"
Gl4,4:
"Enviou Deus seu Filho,formado de uma mulher".
O Espírito Santo também é enviado •... enviado
pelo Pai e pelo Filho:
Jo 14,16: "Rogarei ao Pai, e
Ele vos dará outro Paráclito para que convosco permaneça para sempre"
Jo 15,26: "Quando vier o Paráclito,
que vos enviarei de junto do Pai ... "
Jo 16,7: "É de vosso interesse que eu parta, pois, se eu não for, o Paráclito não virá a vós. Mas, se eu for, enviá-Io-ei a vós".
Em conclusão deve-se dizer:
- o Pai vem. mas por ninguém é
enviado;
- o Filho vem,enviado pelo Pai;
- o Espírito Santo vem, enviado pelo
Pai em nome do Filho ou pelo Filho de junto do Pai.
Aprofundamento Teológico
A consideração dos textos
bíblicos evidencia que as missões estão em correlação com as processões
divinas: o Pai, que não procede, não é enviado, mas vem ou se dá. O Filho, que
na vida trinitária procede do Pai, é enviado pelo Pai ao mundo. O Espírito
Santo, que na Trindade eterna, procede do Pai e do Filho, é enviado ao mundo
pelo Pai e pelo Filho.
Assim as processões são de
ordem interna. As missões exteriorizam essa ordem, fazendo os homens participar
da vida trinitária. Uma Pessoa divina só pode ser enviada por outra da qual
proceda. Por isto o Filho nunca poderia ser enviado pelo Espírito Santo.
Por conseguinte:
Na eternidade:
Pai
Filho
Espírito
Santo
No
tempo:
Pai
Filho
Espírito
Santo
É de notar, como se tem feito repetidamente, que
em Deus não há prioridade nem posteridade, não há maior nem menor, de modo que
o ser enviado não implica diminuição para o Filho e o Espírito Santo.
O Filho é enviado em missão visível:
mistério de Encarnação.
É enviado em missão invisível,
habitando nos corações: "Cristo habite pela fé em vossos
corações" (Ef 3,17).
Também o Espírito Santo é
enviado em_missão visível: Pentecostes é enviado em missão
invisível nos sacramentos em gerai, especialmente no Batismo e na
Crisma. Ele habita nos corações retos como se depreende dos textos seguintes:
1Cor 3,16: "Não sabeis que
sois um templo de Deus e que o Espírito de Deus
habita em vós?"
1Cor 6, 19: "Não sabeis que o
vosso corpo é templo do Espírito Santo, que está em vós e que recebestes de
Deus"?
Rm 5,5: "O amor de Deus foi
derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado".
Falamos de missão do Filho e
do Espírito Santo por apropriação ou apropriando a determinada pessoa uma ação
que é comum às três'. Somente a Encarnação é própria do Filho, e não
apropriada, pois a Encarnação consistem dar subsistência (hipóstase
pessoa) à natureza humana assumida no seio de Maria Virgem; somente a Pessoa do
o fez, pois em Jesus não havia duas ou três Pessoas. Está claro, porém,
que em Jesus estavam presentes o Pai e o Espírito Santo por concomitância ,
pois a natureza divina não é retalhável; há entre as Pessoas divinas o que se
chama "a circumincessão"
"Porque sois filhos, enviou Deus em nossos corações o Espírito do seu
Filho, que clama: 'Abba, Pai!' De modo que já não és escravo, mas filho. E,se
és filho, és também herdeiro, graças a Deus" (GI 4, 6s; cf. Rm 8,15).
A piedade cristã há de saber orientar-se diante
desta verdade. Especialmente a sua oração há de se mover dentro do esquema: Ao
Pai pelo Filho no Espírito Santo.
As doxologias (fórmulas de glorificação)
antigamente rezavam "Glória ao Pai pelo Filho no Espírito Santo", No
século IV, porém, surgiu a heresia ariana, que subordinava o Filho ao Pai,
prevalecendo-se, entre outras coisas, de tal fórmula. Em conseqüência, os
autores católicos enfatizaram outra redação: "Glória ao Pai, ao Filho e ao
Espírito Santo", frase em que são postas exatamente no mesmo plano as
três Pessoas divinas. Esta outra maneira de rezar tem seu fundamento teológico
e acabou prevalecendo sobre a anterior. Todavia não nos deveria levar a
esquecer o papel que toca a cada Pessoa trinitária na santificação do cristão.
Templos da SSma.Trindade
A presença de Deus nos corações retos chama-se dom
incriado (não criado).
A tradição grega antiga acentuou fortemente a
presença de Deus nos justos; a
teologia trinitária e a da graça foram estudadas pelos gregos em estrita
correlação; falavam freqüentemente da divinização do homem pelo contato com
Deus, que se lhe dá (sem cair no panteísmo ou na identificação da criatura com
o Criador).
No Ocidente os teólogos acentuaram mais o agir do
que o ser do cristão. Isto se deve ao surto de heresias como o pelagianismo e o
semipelagianismo (séc. IVIVI), que afirmavam a capacidade natural do homem para
fazer o bem, a ponto de reduzir a obra de Cristo à de mero modelo que aponta o
caminho ao homem. Contra tais hereges S. Agostinho (t 430) e sua escola
enfatizaram a corrupção da natureza humana devida ao pecado de Adão e a
necessidade da graça divina para que o homem possa praticar o bem; em
conseqüência, a graça foi
concebida principalmente como auxílio para que o homem não peque, mas cultive a
virtude.
As encíclicas
"Divinum illud munus" de Leão XIII (1897) e "Mystici Corporis
Christi" de Pio XII (1943) puseram em novo relevo a habitação de Deus
no cristã'?, como elemento principal da graça.
Para entender
devidamente o assunto, devemos distinguir dois modos de presença de Deus às
suas criaturas:
1) Presença
de imensidade. Deduz-se do fato de que Deus, tendo criado, sustenta toda e
qualquer criatura para que não recaia no nada. Assim Deus está presente à
pedra, à flor, ao animal, ao homem ... pelo fato mesmo de que eles existem; só
podem existir porque Deus mantém com eles o seu contato de Criador. Alguns
textos bíblicos falam dessa presença de imensidade: SI 138 (139); Eclo
42,15-43,33.
S. Agostinho,
recordando sua vida pré-cristã, salienta a presença de Deus em sua alma não batizada:
"Tarde eu Te amei, Ó beleza tão antiga e tão nova, tarde eu
Te amei. Mas como?
Tu estavas dentro de mim, e eu
estava fora de mim mesmo ... Tu estavas comigo, e eu não estava contigo.
Retinham-me longe de Ti as criaturas que não existiriam se não existissem por
Ti. ..
Tu me chamaste, e teu clamor
venceu a minha surdez. Tu exalaste o Teu perfume; eu respirei, e eis que
para Ti suspiro. Provei-te e tenho fome de Ti. Tu me tocaste, e eu ardo de amor
por causa da paz que Tu me deste" (Confissões X 27).
A presença de
imensidade é algo de natural ou decorrente da própria natureza de cada
criatura.
2) Presença
sobrenatural. Deriva-se do fato de que Deus - e, propriamente, cada uma das
três Pessoas Divinas, a seu modo - se abre para a criatura humana e assume-a em
sua vida, fazendo-a conhecer como Deus conhece e amar como Deus ama. Tal modo
de presença divina confere à criatura, de maneira imperfeita, o que se verifica
na visão beatífica de maneira consumada. Existe, sim, continuidade entre a vida
da graça e a vida da glória.
Esta forma de
habitação de Deus nas almas justas é dita "sobrenatural", porque
ultrapassa as exigências de toda e qualquer criatura. Deve-se admitir no ser
humano a capacidade de ser elevado a tão sublime união com Deus, nunca, porém,
a exigência. "Sobrenatural", portanto, em Teologia, não tem que ver
com milagres e portentos, mas é um tesouro depositado no íntimo do cristão sem
que necessariamente transpareça.
S. Leão Magno
(t 461) realça a grandeza de tal dom:
"Ó cristão, reconhece a
tua dignidade. Participas da natureza divina; não voltes ao teu estado inferior
de outrora por uma vida indigna da tua genuína condição. Lembra-te sempre da
Cabeça a que pertences, e do Corpo do qual és membro. Lembra-te
de que foste arrancado do poder das trevas e transplantado para a luz e
o reino de Deus" (serm. 21,c.3).
Notemos que
cada uma das três Pessoas Divinas se dá, de modo próprio, ao cristão: vamos ao
Pai pelo Filho no Espírito Santo. Essa presença é, pois, dinâmica e não
estática; Deus se dá continuamente ao homem em novas situações e o homem deve
responder-lhe proporcionalmente.
Os Santos sempre desfrutaram o
dom que o próprio Deus faz de si a quem O procura. A bem-aventurada Elisabeth
da Trindade, Religiosa carmelita (t 1906), cultivou generosamente a consciência
da habitação de Deus no cristão, deixando, entre outras,
as seguintes poesias:
"Era
uma noite tranqüila, alto o silêncio; Meu pequeno navio cortava o mar.
De repente levantaram-se as
ondas
E o frágil navio
naufragou:
Era a Trindade que me
absorvia. Refúgio encontrei naquele abismo, Mergulhada para sempre no infinito.
Aqui minhalma respira e adormece,
Vivendo com os seus
'três' no tempo eterno".
"ó meu Deus, Trindade que
adoro,
Ajudai-me a esquecer-me
a fim de estabelecer-me em vós, Como se a minha alma, imóvel e
tranqüila,
Já estivesse na vida
eterna!"
O Dom Criado
Que é a nova
vida concedida ao cristão feito filho de Deus? Seria o próprio Espírito Santo?
Ou seria uma realidade criada, distinta do Espírito e inerente à alma justa?
Em resposta;
afirmam os teólogos que todo cristão recebe dois dons inseparáveis um do outro:
- o Espírito
Santo e, com ele, toda a SSma. Trindade, como "hóspede da alma";
- uma graça
criada, que progressivamente transforma a alma e a torna capaz dos atos da vida
nova. O Concílio de Trento declarou que "os homens não são justificados
porque os méritos de Cristo lhes são atribuídos juridicamente, nem apenas
porque os pecados lhes são perdoados, sem infusão da graça e da caridade";
definiu outrossim que "a graça não é a mera benevolência divina" (DS
nº 1561 [821]).
Essa
transformação íntima ou divinização devida à presença da SSma. Trindade na alma
do justo pode ser ilustrada por imagens: uma barra de ferro penetrada pelo fogo
torna-se ígnea e ardente como o próprio fogo ... Uma gota d’água, um grão de
poeira revestidos pela luz do sol parecem tornar-se prata (a água) e ouro (a
poeira). De modo semelhante, quando o Espírito Santo entra numa alma por
ocasião da justificação, dissipa aí as trevas do pecado e faz que essa criatura
se torne fogo, prata ou ouro; Ele assim renova, cristifica ou diviniza o
cristão (sem que haja panteísmo ou identificação de Deus com a criatura),
Desse momento
em diante, começa a haver no cristão algo de novo, distinto do dom incriado,
que se chama "graça criada" ou também "graça habitual" ou
"graça santificante". Esta, sem destruir a alma, transforma a alma e
suas faculdades, habilitando-a a participar
da vida do próprio Deus. Assim a graça criada torna-se o segundo elemento
constitutivo da justificação ou da vida eterna que Cristo comunica aos remidos.
De quanto foi
dito, concluímos que a graça não é uma coisa, uma substância que poderíamos
isolar (como isolamos uma coroa ou um ornamento). É um elo, inseparável de Deus (que a cria) e de nós (que ela
embeleza e diviniza).
COMO APRESENTAR A
TRINDADE
O mistério da SSma. Trindade, com tudo o que ela
tem de grande e transcendental, deve ser apregoado ao mundo. Isto pode ser
feito pela palavra e pela imagem
A Linguagem
Correta
Distingamos
substantivos e adjetivos.
Os
substantivos, no caso, referem-se à natureza ou essência divina; esta é uma só.
Por isto nunca os podemos usar no plural ao falar da SSma. Trindade. Seria,
portanto, falso apregoar três eternidades, três imensidades, três sabedorias
... Como há uma só Divindade, há uma só eternidade, imensidade, sabedoria.
Os adjetivos
designam acidentes, que em Deus são relações (relações subsistentes). Por isto,
podem-se usar os adjetivos no plural, pois em Deus há relações. Daí dizermos:
três eternos, três imensos, três sábios ... Em Deus há uma Sabedoria e três
sábios, uma Onipotência e três onipotentes ...
Paralelamente
dizemos: há uma turma e muitos enturmados, uma sociedade e muitos associados,
uma congregação e muitos congregados ...
A
Iconografia
O Concílio de
Nicéia II, que, em 787, confirmou a legitimidade da confecção de imagens como
subsídios para a catequese e a piedade, mostrou-se reticente quanto à
apresentação iconográfica do próprio Deus, pois este é espírito, sem forma
corpórea. Apenas a imagem de Cristo (Deus feito homem) era favorecida, aliás
desde as catacumbas, onde se encontra a representação do Bom Pastor, entre
outras.
Diziam os
Padres do Concílio de Nicéia II:
"Crendo
em um só Deus, que louvamos na Trindade, saudamos as preciosas
imagens" (4ª e 5ª sessões do Concílio).
Imagens, no
caso, referia-se a Jesus Cristo e aos Santos.
Eis por que
Deus foi representado por símbolos: no Ocidente, o triângulo equilátero, às
vezes com um olho no centro, ou então os três lírios de um brasão de reis de
França.
Com o tempo,
especialmente a partir dos séculos XIV e XV, foi-se propagando o costume de
recorrer a figuras humanas para representar a SSma. Trindade. Assim:
- no mesmo
trono, o Pai, ancião majestoso em trajes de Imperador; à sua direita o Filho
segurando a Cruz, e, no meio de ambos, o Espírito Santo sob a forma de pomba
cujas asas tocam as faces do Pai e do Filho;
- dois jovens
idênticos um ao outro (significando a eterna juventude de Deus), com uma pomba
que sai de suas bocas voando;
- três jovens
idênticos entre si, sentados no mesmo trono.
Tais
representações nunca foram propostas pela Igreja como autênticos subsídios da
piedade. Eram tidas como obras de artistas que tentavam ilustrar o mistério e
encontravam rejeição por parte de alguns teólogos.
Vista a importância da arte sacra, que tem
finalidades catequéticas e dado o perigo de que a iconografia trinitária
levasse o povo a falsas concepções, a Igreja interveio mais de uma vez para
coibir mal-entendidos:
O Papa Bento XIV, a 1º/10/1745, promulgou as
seguintes normas:
1) As três Pessoas divinas podem ser representadas
por imagens porque se manifestaram visivelmente aos homens.
2) Sejam representadas da maneira como se
manifestaram ou como Deus quis manifestar-se.
a) O Pai pode ser representado como ancião, pois em Dn 7,10 a Tradição cristã o vê insinuado:
"Eu continuava contemplando, quando foram preparados alguns tronos e um Ancião se sentou. Suas vestes eram brancas
como a neve, e os cabelos de sua cabeça alvos como a lã".
b) O Filho pode ser representado com os traços
humanos que Ele assumiu pela Encarnação. Aceita-se também que seja simbolizado
por um Cordeiro (cf. Jo 1,29.36) e um pelicano (ave grande, caracterizada por
uma bolsa existente debaixo do bico, bolsa donde retira gotas de sangue para
alimentar os filhotes);
c) o Espírito Santo seja simbolizado por uma pomba
(cf. Mt 3,16; Mc 1,10) ou como ( línguas de fogo (cf. At 2,3), ou ainda como o
dedo de Deus em conseqüência de dois textos J paralelos encontrados no
Evangelho:
Le 11,20: "Se é pelo dedo de Deus que expulso os demônios
... " Mt 12,28: "É pelo Espírito de Deus que expulso os demônios".
Aos 14/03/1928, a Congregação dos Ritos, órgão da
Santa Sé, proibiu que se represente o Espírito Santo sob forma humana.
Faz exceção a estas regras o ícone de Rubleev (+
1430): representa três anjos sentados à mesa de Abraão (cf. Gn 18,1-8), que a
Tradição cristã viu como símbolos da SSma. Trindade. Tal imagem é aceita;
aliás, é tida como uma das melhores imagens da 88ma. Trindade, dado o caráter
místico e estilizado que o pintor lhe comunicou.
É aceita também a representação do trono da graça:
o Pai, sentado num trono, tem em mãos a cruz, da qual pende o Filho; sobre este
desce o Espírito Santo sob a forma de pomba.
O Espírito Santo não deve descer sobre o Pai.
Foi condenada a imagem de um tronco humano com três cabeças: uma anciã,
outra adulta e a terceira jovem.
Por vezes é acrescentada à imagem das três Pessoas
a de Maria . coroada nos céus.
Esta representação corre o risco de insinuar que
há quatro Pessoas em Deus.
A Igreja é cautelosa frente à criação dos
artistas, pois pode faltar a estes especialistas da arte o senso teológico
necessário para atender à finalidade catequética da iconografia.
Fontes de consulta:
Catecismo da
Igreja Católica
Lumem Gentium - Concílio Vaticano II
Gaudium et
Spes - Concílio
Vaticano II
Curso Deus Uno
e Trino -
Escola Mater Ecclesiae
Sagrada
Escritura - Editora Ave
Maria
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