Ano B
11º Domingo do
Tempo Comum
A liturgia do 11º Domingo do
Tempo Comum convida-nos a olhar para a vida e para o mundo com confiança e
esperança. Deus, fiel ao seu plano de salvação, continua, hoje como sempre, a
conduzir a história humana para uma meta de vida plena e de felicidade sem fim.
Na primeira leitura, o
profeta Ezequiel assegura ao Povo de Deus, exilado na Babilônia, que Deus não
esqueceu a Aliança, nem as promessas que fez no passado. Apesar das
vicissitudes, dos desastres e das crises que as voltas da história comportam,
Israel deve continuar a confiar nesse Deus que é fiel e que não desistirá nunca
de oferecer ao seu Povo um futuro de tranquilidade, de justiça e de paz sem
fim.
O Evangelho apresenta uma
catequese sobre o Reino de Deus – essa realidade nova que Jesus veio anunciar e
propor. Trata-se de um projeto que, avaliado à luz da lógica humana, pode
parecer condenado ao fracasso; mas ele encerra em si o dinamismo de Deus e
acabará por chegar a todo o mundo e a todos os corações. Sem alarde, sem
pressa, sem publicidade, a semente lançada por Jesus fará com que esta
realidade velha que conhecemos vá, aos poucos, dando lugar ao novo céu e à nova
terra que Deus quer oferecer a todos.
A segunda leitura recorda-nos
que a vida nesta terra, marcada pela finitude e pela transitoriedade, deve ser
vivida como uma peregrinação ao encontro de Deus, da vida definitiva. O cristão
deve estar consciente de que o Reino de Deus (de que fala o Evangelho de hoje),
embora já presente na nossa atual caminhada pela história, só atingirá a sua
plena maturação no final dos tempos, quando todos os homens e mulheres se
sentarem à mesa de Deus e receberem de Deus a vida que não acaba. É para aí que
devemos tender, é essa a visão que deve animar a nossa caminhada.
LEITURA I – Ez 17,22-24
Eis o que diz o Senhor Deus:
«Do cimo do cedro frondoso, dos
seus ramos mais altos,
Eu próprio arrancarei um ramo
novo
e vou plantá-lo num monte muito
alto.
Na excelsa montanha de Israel o
plantarei
e ele lançará ramos e dará
frutos
e tornar-se-á um cedro
majestoso.
Nele farão ninho todas as aves,
toda a espécie de pássaros
habitará à sombra dos seus ramos.
E todas as árvores do campo hão de
saber
que Eu sou o Senhor;
humilho a árvore elevada e elevo
a árvore modesta,
faço secar a árvore verde e
reverdeço a árvore seca.
Eu, o Senhor, digo e faço».
AMBIENTE
No ano de 609 a . C., o faraó Necao
derrotou o rei Josias e colocou no trono de Judá Joaquim, que durante algum
tempo foi vassalo do Egito. Contudo, em 605 a .C., Nabucodonosor derrotou as tropas
assírias e egípcias em Carquemish, prosseguiu a sua campanha em direção
ao Egito e assumiu o controlo da Síria e da Palestina. Joaquim ficou a pagar
tributo aos babilônios. Quando, em 601, Nabucodonosor não conseguiu conquistar
o Egito, Joaquim julgou chegada a hora de se libertar do domínio babilônico.
Contudo, Nabucodonosor reagiu sitiando Jerusalém, em 598 a . C., e Joaquim morreu
durante o cerco, ou foi deportado para a Babilônia. Sucedeu-lhe Jeconias que,
ao fim de três meses de resistência, se rendeu aos babilônios (597 a .C.).
Nabucodonosor instalou, então, no trono de Judá um tal
Sedecias. Durante algum tempo, Judá manteve-se tranquilo, pagando pontualmente
os tributos devidos aos babilônios; mas, ao fim de algum tempo, aproveitando a
conjuntura política favorável, Sedecias aliou-se com os egípcios e deixou de
pagar o tributo. Nabucodonosor enviou imediatamente um exército que cercou
Jerusalém. Apesar do socorro de um exército egípcio, Jerusalém teve de se
render aos babilônios. Sedecias, aproveitando as sombras da noite, tentou fugir
da cidade; mas foi feito prisioneiro, viu os seus filhos serem assassinados e
ele próprio foi levado prisioneiro para a Babilônia, onde acabou os seus dias.
Ezequiel, o “profeta da esperança”, exerceu o seu
ministério na Babilônia no meio dos exilados judeus. O profeta fez parte de uma
primeira “leva” de exilados que, em 597 a .C., chegou à Babilônia, após a derrota de
Jeconias.
A primeira fase do ministério de Ezequiel decorreu
entre 593 a .C.
(data do seu chamamento à vocação profética) e 586 a .C. (data em que Jerusalém foi
conquistada uma segunda vez pelos exércitos de Nabucodonosor e um novo grupo de
exilados foi encaminhado para a Babilônia). Nesta fase, o profeta preocupou-se
em destruir as falsas esperanças dos exilados (convencidos de que o exílio
terminaria em breve e que iam poder regressar rapidamente à sua terra) e em
denunciar a multiplicação das infidelidades a Jahwéh por parte desses membros
do Povo judeu que escaparam ao primeiro exílio e que ficaram em Jerusalém.
É precisamente neste contexto que Ezequiel propõe “um
enigma”, “uma parábola”, que nos é apresentada ao longo do capítulo 17 do seu
livro. Fala de uma “águia” (provavelmente o rei Nabucodonosor), que “veio do
Líbano comer a ponta do cedro. Apanhou o ramo mais elevado” (provavelmente o
rei Jeconias) e levou-o para o país dos comerciantes (isto é, a Babilônia). Em
seu lugar, plantou outra árvore (provavelmente Sedecias). Esta árvore, uma
“videira”, não irá, contudo, prosperar, apesar das tentativas de aliança com o
Egito. Mais, será levado prisioneiro para a Babilônia e lá morrerá (Ez 17,10).
A mensagem deste “enigma” é óbvia: os exilados não devem
alimentar ilusões ao ver as jogadas políticas de Sedecias, aliado com os egípcios.
A política de Sedecias, em Jerusalém, não significará a liberdade dos exilados,
mas, pelo contrário, conduzirá a uma nova catástrofe.
Estará então tudo terminado? Já não há esperança? Deus
abandonou definitivamente o seu Povo e esqueceu as suas promessas de salvação?
É precisamente aqui que se encaixa o oráculo de salvação
que a primeira leitura deste domingo nos apresenta: não, apesar das dramáticas
circunstâncias do tempo presente, Deus não abandonou o seu Povo, mas irá
construir com ele uma história nova, de salvação e de graça.
MENSAGEM
Deus não esqueceu a promessa feita, por intermédio do
profeta Natã (cf. 2 Sm 7), e na qual assegurou a David a continuidade do seu
trono. É verdade que a dinastia de David (o “ramo mais elevado” do “cedro” – Ez
17,3-4) foi arrancada; mas Deus não abandonou o seu Povo: Ele próprio vai tomar
um “ramo novo”, plantá-lo na montanha de Israel, fazê-lo dar frutos e torná-lo
uma árvore resistente e de grande porte (Ez 17,22-23) – ou seja, irá
restabelecer a dinastia davídica em Jerusalém, assegurando ao seu Povo um
futuro pleno de vida, de felicidade e de paz sem fim. O texto sublinha, antes
de mais, a presença onipotente de Deus na história da humanidade. Ele preside à
história humana, tem um projeto de salvação e conduz sempre a caminhada dos
homens de acordo com o seu plano. O poder orgulhoso dos impérios humanos nada
pode contra esse Deus que é o Senhor da história e que, com paciência e amor,
vai concretizando o seu projeto.
Além disso, Ezequiel assegura aos exilados a “fidelidade”
de Deus às suas promessas. Deus não falha, não esquece os seus compromissos,
não abandona esse Povo com quem se comprometeu. Mesmo afogado na angústia e no
sofrimento, mesmo mergulhado num horizonte de desespero, Israel tem de aprender
a confiar nesse Deus que é sempre fiel às suas promessas e aos compromissos que
assumiu com o seu Povo no âmbito da Aliança. Tudo pode cair, tudo pode falhar;
só Deus não falha.
O nosso texto contém ainda uma indicação sobre a forma de
atuar de Deus, sobre a “estranha” lógica de Deus: Ele toma aquilo que é pequeno
aos olhos dos homens (“um ramo novo” – Ez 17,22) e, através dele, vence o
orgulho e a prepotência, confunde os poderosos e exalta os humildes. Deus
prefere os pequenos, os débeis, os pobres (aqueles que na sua humildade e
simplicidade estão sempre disponíveis para acolher os desafios e os dons de
Deus); e é através deles que concretiza os seus projetos de salvação e de
graça.
Estes poucos versículos contêm um imenso capital de
esperança, que deve alimentar e animar, hoje como ontem, a caminhada do Povo de
Deus pela história.
ATUALIZAÇÃO
♦ Essencialmente, o
texto de Ezequiel que a liturgia deste domingo nos propõe garante que Deus
conduz sempre a história humana de acordo com o seu projeto de salvação e
mantém-se fiel às promessas feitas ao seu Povo. Esta “lição” não pode ser
esquecida e essa certeza deve levar-nos a encarar os dramas e desafios do tempo
atual com confiança e esperança. Não estamos abandonados à nossa sorte; Deus
não desistiu desta humanidade que Ele ama e continua a querer salvar. É verdade
que a hora atual que a humanidade atravessa está marcada por sombras e graves
inquietações; mas também é verdade que Deus continua a acompanhar cada passo
que damos e a apontar-nos caminhos de vida. A última palavra – uma palavra que
não pode deixar de ser de salvação e de graça – será sempre de Deus. Ancorados
nessa certeza, temos de vencer o medo e o pessimismo que, por vezes, nos
paralisam e dar aos homens nossos irmãos um testemunho de esperança, de serena
confiança.
♦ A referência – mil
vezes repetida ao longo da Bíblia – à tal “estranha lógica” de Deus, que se
serve do que é débil e frágil para concretizar os seus projetos de salvação,
convida-nos a mudar os nossos critérios de avaliação e a nossa atitude face ao
mundo e face aos que nos rodeiam. Por um lado, ensina-nos a valorizar aquilo e
aquelas pessoas que o mundo, por vezes, marginaliza ou despreza; ensina-nos,
por outro lado, que as grandes realizações de Deus não estão dependentes das
grandes capacidades dos homens, mas antes da vontade amorosa de Deus;
ensina-nos ainda que o fundamental, para sermos agentes de Deus, não é possuir
brilhantes qualidades humanas, mas uma atitude de disponibilidade humilde que
nos leve a acolher os apelos e desafios de Deus.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 91 (92)
Refrão: É bom louvar-Vos, Senhor.
É bom louvar o Senhor
e cantar salmos ao vosso nome, ó Altíssimo,
proclamar pela manhã a vossa bondade
e durante a noite a vossa fidelidade.
O justo florescerá como a palmeira,
crescerá como o cedro do Líbano;
plantado na casa do Senhor,
florescerá nos átrios do nosso Deus.
Mesmo na velhice dará o seu fruto,
cheio de seiva e de vigor,
para proclamar que o Senhor é justo:
nele, que é o meu refúgio, não há iniquidade.
LEITURA II – 2 Cor 5,6-10
Irmãos:
Nós estamos sempre cheios de confiança,
sabendo que, enquanto habitarmos neste corpo,
vivemos como exilados, longe do Senhor,
pois caminhamos à luz da fé e não da visão clara.
E com esta confiança, preferíamos exilar-nos do corpo,
para irmos habitar junto do Senhor.
Por isso nos empenhamos em ser-Lhe agradáveis,
quer continuemos a habitar no corpo,
quer tenhamos de sair dele.
Todos nós devemos comparecer perante o tribunal de Cristo,
para que receba cada qual o que tiver merecido,
enquanto esteve no corpo,
quer o bem, quer o mal.
AMBIENTE
Por volta de 56/57, chegam a Corinto missionários
itinerantes que se apresentam como apóstolos e criticam Paulo, lançando a
confusão na comunidade. Provavelmente, trata-se desses “judaizantes” que
queriam impor aos pagãos convertidos as práticas da Lei de Moisés (embora
também possam ser cristãos que condenam a severidade de Paulo e que apóiam o
laxismo da vida dos coríntios). De qualquer forma, Paulo é informado de que a
validade do seu ministério está a ser desafiada e dirige-se a toda a pressa
para Corinto, disposto a enfrentar o problema. O confronto é violento e Paulo é
gravemente injuriado por um membro da comunidade (cf. 2 Cor 2,5-11; 7,11). Na
sequência, Paulo abandona Corinto e parte para Éfeso. Passado algum tempo,
Paulo envia Tito a Corinto, a fim de tentar a reconciliação. Quando Tito
regressa, traz notícias animadoras: o diferendo foi ultrapassado e os coríntios
estão, outra vez, em comunhão com Paulo. É nessa altura que Paulo, aliviado e
com o coração em paz, escreve esta carta aos coríntios, fazendo uma tranquila
apologia do seu apostolado.
O texto que nos é proposto está incluído na primeira parte
da carta (2 Cor 1,3-7,16), onde Paulo reflete e escreve sobre a grandeza e as
dificuldades, os riscos e as compensações do ministério apostólico.
Na perícopa que vai de 4,16 a 5,10, Paulo defende a
idéia de que, apesar de tudo, vale a pena acolher os desafios de Deus: no final
do caminho percorrido nesta terra, espera-nos uma vida nova, uma vida plena e
eterna. Para pintar o contraste entre a vida nesta terra e a vida futura, Paulo
utiliza (cf. 2 Cor 5,1-4) a imagem da tenda que se monta e desmonta (que
representa a vida transitória e corruptível desta terra) e da casa solidamente
construída (que representa a vida plena e eterna).
MENSAGEM
A vida terrena, passageira e mortal é, para Paulo, um
exílio “longe do Senhor” (vers. 6). Esse tempo de exílio neste mundo
caracteriza-se por um conhecimento de Deus parcial: é o tempo da fé. Paulo –
como todos os verdadeiros crentes – anseia pelo tempo “da visão” – isto é, pelo
tempo do encontro face a face com Deus. Então, a vida caduca e transitória dará
lugar a uma vida gloriosa e indestrutível.
Uma leitura simplista destes versículos poderia transmitir
a idéia de que Paulo negligencia a vida terrena; contudo, essa idéia não é
exata… Para Paulo, a perspectiva dessa outra vida nova, plena e eterna, não
significa um alhear-se das responsabilidades que temos, como crentes, enquanto
caminhamos neste mundo finito e transitório. Aos crentes compete, enquanto “habitam
este corpo” mortal, viver de acordo com as exigências de Deus, caminhar à luz
da fé, assumir as suas responsabilidades enquanto discípulos comprometidos com
Cristo e com o seu Reino. A perspectiva dessa vida plena que nos espera para
além desta terra deve estar permanentemente no horizonte do crente que caminha
pela história, fundamentar e iluminar o seu compromisso e a sua fidelidade a
Jesus Cristo e ao Evangelho.
De resto, a preocupação de Paulo não é apresentar uma
doutrina escatológica perfeitamente definida; mas é, sobretudo, lembrar aos
cristãos a sua condição de peregrinos, que “não têm morada permanente” nesta
terra: o destino final de cada homem ou mulher é o encontro com o Senhor, a
vida plena e definitiva.
ATUALIZAÇÃO
♦ A cultura atual é uma
cultura do provisório, que dá prioridade ao que é efêmero sobre as realidades
perenes com a marca da eternidade: propõe que se viva ao sabor do imediato e do
momento, e subalterniza as opções definitivas e os valores duradouros. É também
uma cultura do bem-estar material: ao seduzir os homens com o brilho dos bens
perecíveis, ao potenciar o reinado do “ter” sobre o “ser”, escraviza o homem e
relativiza a sua busca de eternidade. É ainda uma cultura da facilidade, que
ensina a evitar tudo o que exige esforço, sofrimento e luta: produz pessoas
incapazes de lutar por objetivos exigentes e por realizar projetos que exijam
esforço, fidelidade, compromisso, sacrifício. Neste contexto, a palavra de
Paulo aos cristãos de Corinto soa a desafio profético: é necessário que
tenhamos sempre diante dos olhos a nossa condição de “peregrinos” nesta terra e
que aprendamos a dar valor àquilo que tem a marca da eternidade. É nos valores
duradouros – e não nos valores efêmeros e passageiros – que encontramos a vida
plena. O fim último da nossa existência não está nesta terra; o nosso horizonte
e as nossas apostas devem apontar sempre para o mais além, para a vida plena e
definitiva.
♦ Contudo, o fato de
vivermos a olhar para o mais além não pode levar-nos a ignorar as realidades
terrenas e os compromissos com a construção da cidade dos homens. O Reino de
Deus – que atingirá a sua plena maturação quando tivermos ultrapassado o transitório
e o efêmero da vida presente – começa a ser construído nesta terra e exige o
nosso compromisso pleno com a construção de um mundo mais justo, mais fraterno,
mais verdadeiro. Não há comunhão com Cristo se nos demitimos das nossas
responsabilidades em testemunhar os gestos e os valores de Cristo.
ALELUIA
Aleluia. Aleluia.
A semente é a palavra de Deus e o semeador é Cristo:
quem O encontrar permanecerá para sempre.
EVANGELHO – Mc 4,26-34
Naquele tempo,
disse Jesus à multidão:
«O reino de Deus é como um homem
que lançou a semente à terra.
Dorme e levanta-se, noite e dia,
enquanto a semente germina e cresce, sem ele saber como.
A terra produz por si, primeiro a planta, depois a espiga,
por fim o trigo maduro na espiga.
E quando o trigo o permite, logo mete a foice,
porque já chegou o tempo da colheita».
Jesus dizia ainda:
«A que havemos de comparar o reino de Deus?
Em que parábola o havemos de apresentar?
É como um grão de mostarda, que, ao ser semeado na terra,
é a menor de todas as sementes que há sobre a terra;
mas, depois de semeado, começa a crescer,
e torna-se a maior de todas as plantas da horta,
estendendo de tal forma os seus ramos
que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra».
Jesus pregava-lhes a palavra de Deus
com muitas parábolas como estas,
conforme eram capazes de entender.
E não lhes falava senão em parábolas;
mas, em particular, tudo explicava aos seus discípulos.
AMBIENTE
Na primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc
1,14-8,30), Jesus é apresentado como o Messias que proclama o Reino de Deus.
Marcos procura aí demonstrar como Jesus, com palavras e com gestos, anuncia um
mundo novo (o “Reino de Deus”), livre do egoísmo, da opressão, da injustiça e
de tudo o que escraviza os homens e os impede de ter acesso à vida verdadeira.
Estamos na Galileia, nos primeiros tempos do anúncio do
Reino. Uma grande multidão segue Jesus, a fim de escutar os seus ensinamentos
(cf. Mc 3,7.20.32; 4,1). Para fazer chegar a todos a sua proposta, Jesus
precisará de utilizar uma linguagem acessível, viva, questionante, concreta,
desafiadora, evocadora, pedagógica, que pudesse semear no coração dos ouvintes
a consciência dessa nova e revolucionária realidade que Ele queria propor. É
neste contexto que nos aparecem as “parábolas”.
As “parábolas” são uma linguagem habitual na literatura
dos povos do Médio Oriente: o gênio oriental gosta mais de falar e instruir
através de imagens, de comparações, de alegorias, do que através de um discurso
mais lógico, mais frio, mais racional. De resto, a linguagem parabólica tem
várias vantagens em relação a um discurso mais racional e expositivo. Que
vantagens? Em primeiro lugar, é uma excelente arma de controvérsia. A linguagem
figurada permite levar o interlocutor a admitir certos pontos que, de outro
modo, nunca mereceriam a sua concordância. A parábola é, pois, um bom
instrumento de diálogo, sobretudo em contextos polêmicos (como era, quase
sempre, o contexto em que
Jesus pregava).
Em segundo lugar, a imagem ou comparação que caracteriza a
linguagem parabólica é muito mais rica em força de comunicação e em poder de
evocação, do que a simples exposição teórica. Talvez seja uma linguagem mais
vaga e imprecisa, do ponto de vista racional; mas é mais profunda, mais
carregada de sentido, mais evocadora e, por isso, “mexe” mais com os ouvintes.
Em terceiro lugar, porque a linguagem parabólica – muito
mais do que outro tipo de linguagem – espicaça a curiosidade e incita à busca.
Na sua simplicidade, torna-se um verdadeiro método pedagógico, que leva as
pessoas a pensar por si, a medir os prós e os contras, a tirar conclusões, a
interiorizar soluções e a integrá-las na própria vida. É uma linguagem que,
mais do que injetar nas pessoas soluções feitas, as leva a refletir e a tirar
daí as devidas consequências. Trata-se, pois, de linguagem altamente
subversiva: ensina o povo a pensar, a ser crítico, a descobrir onde está a
verdade. Ora, isso é altamente incômodo para os defensores do mundo velho e da
ordem estabelecida.
Uma linguagem tão sugestiva não podia ser ignorada por
Jesus no seu anúncio do “Reino de Deus”. É neste contexto que devemos entender
as duas parábolas que o Evangelho deste domingo nos apresenta.
MENSAGEM
A primeira parábola (vers. 26-29) é a do grão que germina
e cresce por si só. A parábola refere a intervenção do agricultor apenas no ato
de semear e no ato de ceifar. Cala, de propósito, qualquer menção às demais
ações do agricultor: arar a terra, regar a semente, tirar as ervas que a
impedem de crescer… Ao narrador interessa, apenas, que entre a sementeira e a
colheita, a semente vai crescendo e amadurecendo, sem que o homem intervenha
para impedir ou acelerar o processo. A questão essencial não é o que o
agricultor faz, mas o dinamismo vital da semente. O resultado final não depende
dos esforços e da habilidade do homem, mas sim do dinamismo da semente que foi
lançada à terra. Desta forma, o narrador ensina que o Reino de Deus (a semente)
é uma iniciativa divina: é Deus quem atua no silêncio da noite, no tumulto do
dia ou na turbulência da história para que o Reino aconteça; e nenhum obstáculo
poderá frustrar o seu plano. Provavelmente a parábola é dirigida contra todas
as posturas que pretendiam forçar a vinda do Reino – a dos zelotas que queriam
instaurar o Reino através da violência das armas, a dos fariseus que pretendiam
forçar o aparecimento do Reino com a obediência a uma disciplina legal, a dos
apocalípticos que faziam cálculos precisos sobre a data da irrupção do Reino.
Não adianta forçar o tempo ou os resultados: é Deus que dirige a marcha da
história e que fará com que o Reino aconteça, de acordo com o seu tempo e o seu
projeto. Desta forma, a parábola convida à serenidade e à confiança nesse Deus
que não dorme nem se demite e que não deixará de realizar, a seu tempo e de acordo
com a sua lógica, o seu plano para os homens e para o mundo.
A segunda parábola (vers. 30-32) é a do grão de mostarda.
O narrador pretende, fundamentalmente, pôr em relevo o contraste entre a
pequenez da semente (a semente da mostarda negra tem um diâmetro aproximado de 1,6 milímetros e era
a semente mais pequena, no entendimento popular palestino; a tradição judaica
celebrava com provérbios a sua pequenez) e a grandeza da árvore (nas margens do
lago da Galileia alcançava uma altura de 2 a 4 metros ). A comparação serve para dizer que a
semente do Reino lançada pelo anúncio de Jesus pode parecer uma realidade
pequena e insignificante, mas está destinada a atingir todos os cantos do
mundo, encarnando em cada pessoa, em cada povo, em cada sociedade, em cada cultura.
O Reino de Deus, ainda que tenha inícios modestos ou que se apresente com
sinais de debilidade e pequenez aos olhos do mundo, tem uma força irresistível,
pois encerra em si o dinamismo de Deus. Além disso, a parábola retoma um tema
que já havíamos encontrado na primeira leitura: Deus serve-se de algo que é
pequeno e insignificante aos olhos do mundo para concretizar os seus projetos
de salvação e de graça em favor dos homens.
A parábola é um convite à esperança, à confiança e à
paciência. Nos fatos aparentemente irrelevantes, na simplicidade e normalidade
de cada dia, na insignificância dos meios, esconde-se o dinamismo de Deus que
atua na história e que oferece aos homens caminhos de salvação e de vida plena.
ATUALIZAÇÃO
♦ Antes de mais, o Evangelho
deste domingo garante-nos que Deus tem em marcha um projeto destinado a
oferecer aos homens a vida e a salvação. Pode parecer que a nossa história
caminha entregue ao acaso ou aos caprichos dos líderes; pode parecer que a
história humana entrou em derrapagem e que, no final do caminho, nos espera o
abismo; mas é Deus que conduz a história, que lhe imprime o seu dinamismo, que
está presente em todos os passos do nosso caminho. Deus caminha conosco e,
garantidamente, leva-nos pela mão ao encontro de um final feliz. Num tempo
histórico como o nosso, marcado por “sombras”, por crises e por graves
inquietações, este é um dos testemunhos mais importantes que podemos, como
crentes, oferecer aos nossos irmãos escravizados pelo desespero e pelo medo.
♦ O projeto de salvação
que Deus tem para a humanidade revela-se no anúncio do Reino, feito por Jesus
de Nazaré. Nas suas palavras, nos seus gestos, Jesus propôs um caminho novo,
uma nova realidade; lançou a semente da transformação dos corações, das mentes
e das vontades, de forma a que a vida dos homens e das sociedades se construa
de acordo com os esquemas de Deus. Essa semente não foi lançada em vão: está
entre nós e cresce por ação de Deus. Resta-nos acolher essa semente e deixar
que Deus realize a sua ação. Resta-nos também, como discípulos de Jesus,
continuar a lançar essa semente do Reino, a fim de que ela encontre lugar no
coração de cada homem e de cada mulher.
♦ Os que, continuando a
missão de Jesus, anunciam a Palavra (que lançam a semente), não devem
preocupar-se com a forma como ela cresce e se desenvolve. Devem, apenas,
confiar na eficácia da Palavra anunciada, conformar-se com o tempo e o ritmo de
Deus, confiar na ação de Deus e no dinamismo intrínseco da Palavra semeada.
Isso equivale a respeitar o crescimento de cada pessoa, o seu processo de
maturação, a sua busca de caminhos de vida e de plenitude. Não nos compete
exigir que os outros caminhem ao nosso ritmo, que pensem como nós, que passem
pelas mesmas experiências e exigências que para nós são válidas. Há que
respeitar a consciência e o ritmo de caminhada de cada homem ou mulher – como
Deus sempre faz.
♦ A referência à
pequenez da semente (segunda parábola) convida-nos – como já o havia feito a
primeira leitura deste domingo – a rever os nossos critérios de atuação e a
nossa forma de olhar o mundo e os nossos irmãos. Por vezes, é naquilo que é
pequeno, débil e aparentemente insignificante que Deus se revela. Deus está nos
pequenos, nos humildes, nos pobres, nos que renunciaram a esquemas de
triunfalismo e de ostentação; e é deles que Deus se serve para transformar o
mundo. Atitudes de arrogância, de ambição desmedida, de poder a qualquer custo,
não são sinais do Reino. Sempre que nos deixamos levar por tentações de
grandeza, de orgulho, de prepotência, de vaidade, estamos a frustrar o projeto
de Deus, a impedir que o Reino de Deus se torne realidade no mundo e nas nossas
vidas.
12º Domingo do
Tempo Comum
Deus preocupa-se com os dramas
dos homens? Onde está Ele nos momentos de sofrimento e de dificuldade que
enfrentamos ao longo da nossa vida? A liturgia do 12º Domingo do Tempo Comum
diz-nos que, ao longo da sua caminhada pela terra, o homem não está perdido,
sozinho, abandonado à sua sorte; mas Deus caminha ao seu lado, cuidando dele
com amor de pai e oferecendo-lhe a cada passo a vida e a salvação.
A primeira leitura fala-nos
de um Deus majestoso e onipotente, que domina a natureza e que tem um plano
perfeito e estável para o mundo. O homem, na sua pequenez e finitude, nem
sempre consegue entender a lógica dos planos de Deus; resta-lhe, no entanto,
entregar-se nas mãos de Deus com humildade e com total confiança.
No Evangelho, Marcos
propõe-nos uma catequese sobre a caminhada dos discípulos em missão no mundo…
Marcos garante-nos que os discípulos nunca estão sozinhos a enfrentar as
tempestades que todos os dias se levantam no mar da vida… Os discípulos nada
têm a temer, porque Cristo vai com eles, ajudando-os a vencer a oposição das
forças que se opõe à vida e à salvação dos homens.
A segunda leitura garante-nos
que o nosso Deus não é um Deus indiferente, que deixa os homens abandonados à
sua sorte. A vinda de Jesus ao mundo para nos libertar do egoísmo que escraviza
e para nos propor a liberdade do amor mostra que o nosso Deus é um Deus
interveniente, que nos ama e que quer ensinar-nos o caminho da vida.
LEITURA I – Jó 38,1.8-11
O Senhor respondeu a Jó do meio
da tempestade, dizendo:
«Quem encerrou o mar entre dois
batentes,
quando ele irrompeu do seio do
abismo,
quando Eu o revesti de neblina
e o envolvi com uma nuvem
sombria,
quando lhe fixei limites e lhe
tranquei portas e ferrolhos?
E disse-lhe:
‘Chegarás até aqui e não irás
mais além,
aqui se quebrará a altivez das
tuas vagas’».
AMBIENTE
O Livro de Jó é um clássico da
literatura universal, não só pela sua extraordinária beleza literária, mas
também pelas questões que aborda e que tocam o âmago da existência humana. A
história serve de pretexto para refletir sobre certos temas fundamentais sobre
as quais o homem sempre se interroga, como são a questão do sofrimento do justo
inocente, a situação do homem diante de Deus e a atitude de Deus face ao homem.
Apresenta-nos a história de um
homem bom e justo (Jó), repentinamente atingido por um vendaval de desgraças
que lhe rouba a riqueza, a família e a própria saúde. No corpo central do livro
(cf. Jó 3,1-37,24), Jó interroga-se acerca da origem do sofrimento que o
atingiu e do papel de Deus no seu drama pessoal. Alguns dos amigos de Jó
procuram responder às suas questões, apresentando as explicações dadas
pela teologia oficial: o sofrimento é sempre o resultado do pecado do homem;
assim, se Jó está a sofrer, é porque pecou… Com a veemência que vem de uma
consciência em paz, Jó recusa conclusões tão simplistas e demonstra a falência
da doutrina oficial para explicar o seu drama pessoal. Com um apurado sentido
crítico, Jó vai desmontando os dogmas fundamentais da fé de Israel e recusando
esse Deus “contabilista” que se limita a registrar as ações boas e más do homem
para lhe pagar em
conformidade. Deus não pode ser isso; e o caso concreto de Jó
prova-o.
Rejeitada a explicação tradicional para o drama do
sofrimento, Jó dirige-se diretamente àquele que lhe pode fornecer as respostas:
o próprio Deus. No seu discurso, muito crítico, cruzam-se a animosidade, a
violência, as queixas, o inconformismo, a dúvida, a revolta, com a esperança, a
fé e a confiança em Deus.
Quando , finalmente, Deus enfrenta Jó, recorda-lhe o seu lugar
de criatura, limitada e finita; mostra-lhe como só Ele conhece as leis que
regem o universo e a vida, mostra-lhe a sua preocupação e o seu amor com cada
ser criado; convida-o a não se pôr em bicos de pés, a ocupar o seu lugar de
criatura e a não pôr em causa os desígnios de Deus para o mundo, já que esses
desígnios ultrapassam infinitamente a capacidade de compreensão e de
entendimento de qualquer criatura. Deus tem uma lógica, um plano, um projeto que
ultrapassa infinitamente aquilo que cada homem (também Job) poderá entender.
A história termina com Jó a perceber o seu lugar, a
reconhecer a transcendência de Deus e a incompreensibilidade dos seus projetos,
a entregar-se nas mãos de Deus com humildade e confiança.
O texto que nos é proposto faz parte do discurso com que
Deus responde a Jó (cf. Jó 38,1-40,2). Nesse discurso, Deus coloca a Jó uma
série de questões sobre a terra, o mar, os grandes mistérios da natureza e da
vida; a finalidade não é obter respostas de Jó, mas levá-lo a perceber os seus
limites, a sua ignorância, a sua incapacidade para entender o mistério
insondável de Deus e os projetos que Deus tem para o mundo e para os homens.
MENSAGEM
O nosso texto começa por apresentar Jahwéh a responder a Jó
“do meio da tempestade” (vers. 1). É o quadro habitual das teofanias (cf. Ex
19,16); serve para emoldurar a manifestação aos homens do Deus todo-poderoso, o
soberano de toda a terra.
Portanto, Jahwéh manifesta-se a Jó; o objetivo dessa
manifestação é responder às questões de Jó e fazer Jó perceber a insensatez das
suas críticas. Depois de se apresentar como o grande arquiteto que
construiu a terra (cf. Jó 38,4-7), Jahwéh refere-se ao seu papel no sentido de
controlar o mar. Foi Ele quem “encerrou o mar entre dois batentes” (vers. 8) e
que lhe “fixou os limites” (vers. 10).
As antigas lendas mesopotâmicas sobre a criação
apresentavam as “águas salgadas” (representadas pela deusa Tiamat) como um
monstro criador do caos e da desordem; na sua luta para organizar o cosmos,
Marduk, o deus mesopotâmico da ordem lutou contra o mar, venceu-o e pôs-lhe
limites.
O Povo bíblico foi, naturalmente, influenciado pelos mitos
de criação mesopotâmicos; por isso, viu no mar uma realidade assustadora,
indomável, orgulhosa, desordenada, onde residiam os poderes caóticos que o
homem não conseguia controlar… No entanto, os catequistas de Israel sempre
asseguraram que a Palavra criadora de Jahwéh impôs às águas tumultuosas do mar,
de uma vez para sempre, os seus limites (“Deus disse: ‘reúnam-se as águas que
estão debaixo dos céus num único lugar, a fim de aparecer a terra seca’. E
assim aconteceu” – Gn 1,9). Jahwéh não precisou de lutar furiosamente contra o
mar, como Marduk, o deus dos mitos mesopotâmicos; mas limitou-se a organizar o
mundo impondo às águas, com o seu poder, um limite que elas não poderão nunca
atravessar sem ordem divina. O mar, controlado e encerrado dentro dos seus
limites naturais, é um testemunho do poder supremo de Deus; mostra o domínio
perfeito de Deus sobre toda a criação.
Ao recordar a Jó a sua ação criadora sobre o mar, Jahwéh
apresenta-se, antes de mais, intocável na sua transcendência e majestade; e
mostra, depois, que tem para a criação um plano estável, amadurecido,
consolidado, irrevogável… Quem é Jó para pôr em causa os desígnios desse Deus
criador que, com a sua Palavra, controlou o mar? Jó é convidado a aceitar que
um Deus de quem depende toda a criação, que até submete o mar, que cuida da
criação com cuidados de pai, sabe o que está a fazer e tem uma solução para os
problemas e dramas do homem… O homem, na sua situação de criatura finita e
limitada, é que nem sempre consegue ver e perceber o alcance e o sentido último
dos projetos de Deus.
Em conclusão: só Deus tem todas as respostas; ao homem
resta reconhecer os seus limites de criatura e entregar-se nas mãos desse Deus
onipotente e majestoso, que tem um projeto para o mundo. Ao homem finito e
limitado resta confiar em Deus e ver nele a sua esperança e a sua salvação.
ATUALIZAÇÃO
♦ Convivemos
diariamente com realidades positivas e negativas, com “luzes” e “sombras”.
Normalmente, as “sombras” marcam-nos muito e constituem uma fonte de
preocupação e de inquietação… O terrorismo e a violência trazem-nos sofrimento
e insegurança; as novas doenças geram medo e inquietação; as catástrofes
naturais fazem-nos sentir impotentes e indefesos; as injustiças e
arbitrariedades provocam revolta e descontentamento; o desmoronamento de velhas
estruturas políticas e sociais provocam anarquia e caos; o fabrico e o comércio
de armas de destruição em massa trazem-nos ansiosos e preocupados… Confusos e
desorientados, viramo-nos para Deus… Por vezes, criticamos a sua indiferença
face aos dramas do mundo; outras vezes, sentimos a tentação de lhe mostrar, de
forma clara e lógica, como é que Ele devia atuar para que o mundo fosse melhor…
A leitura do Livro de Jó que hoje nos é proposta convida-nos, antes de mais, a
não nos pormos em bicos de pés e a não exigirmos a Deus que atue segundo as
nossas lógicas humanas.
♦ Na verdade, o Deus
que criou tudo o que existe, que estabeleceu as leis cósmicas, que conhece os
segredos de cada uma das suas criaturas, que cuida de cada ser com cuidados de
pai, que mil vezes manifestou na história o seu amor e a sua bondade, não pode
ignorar os problemas do homem, ou deixar que a humanidade chegue a um beco sem
saída. O nosso Deus está presente na história humana e sabe para onde
caminhamos. Ele tem um projeto coerente, maduro, estável, irrevogável para o
mundo e para os homens… Por vezes, o sentido desse projeto pode escapar-nos;
mas Deus sabe para onde caminhamos e conduz-nos, através das armadilhas da
história, ao encontro da realização plena, da vida definitiva.
♦ Mergulhados no
mistério insondável desse Deus onipotente, por vezes desconcertante e
incompreensível, resta ao crente entregar-se nas suas mãos com humildade e
confiar n’Ele. O verdadeiro crente é aquele que reconhece a pequenez e finitude
que são as marcas da humanidade, que reconhece que os projetos de Deus não
podem entender-se à luz da nossa pobre lógica humana e que se atira, confiante,
para os braços de Deus; o verdadeiro crente é aquele que, mesmo sem entender
totalmente os projetos de Deus, aprende a entregar-se a Ele, a obedecer-Lhe
incondicionalmente, a vê-l’O como a razão última da sua vida e da sua
esperança.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo
106 (107)
Refrão 1: Dai graças ao Senhor,
porque é eterna a sua misericórdia.
Refrão 2: Cantai ao Senhor, porque é eterno o seu amor.
Os que se fizeram ao mar em seus navios,
a fim de labutar na imensidão das águas,
esses viram os prodígios do Senhor
e as suas maravilhas no alto mar.
À sua palavra, soprou um vento de tempestade,
que fez encapelar as ondas:
subiam até aos céus, desciam até ao abismo,
lutavam entre a vida e a morte.
Na sua angústia invocaram o Senhor
e Ele salvou-os da aflição.
Transformou o temporal em brisa suave
e as ondas do mar amainaram.
Alegraram-se ao vê-las acalmadas,
e Ele conduziu-os ao porto desejado.
Graças ao Senhor pela sua misericórdia,
pelos seus prodígios em favor dos homens.
LEITURA II – 2 Cor 5,14-17
Irmãos:
O amor de Cristo nos impele,
ao pensarmos que um só morreu por todos
e que todos, portanto, morreram.
Cristo morreu por todos,
para que os vivos deixem de viver para si próprios,
mas vivam para Aquele que morreu e ressuscitou por eles.
Assim, daqui em diante,
já não conhecemos ninguém segundo a carne.
Ainda que tenhamos conhecido a Cristo segundo a carne,
agora já não O conhecemos assim.
Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura.
As coisas antigas passaram: tudo foi renovado.
AMBIENTE
A primeira Carta aos Coríntios (que criticava alguns
membros da comunidade por atitudes pouco condizentes com os valores cristãos)
provocou uma reação extremada e uma campanha organizada no sentido de
desacreditar Paulo. Essa campanha parece ter sido instigada por missionários
itinerantes procedentes das comunidades cristãs da Palestina, que se
consideravam representantes dos Doze e que minimizavam o trabalho apostólico de
Paulo (afirmavam, inclusive, que Paulo era inferior aos outros apóstolos, por
não ter convivido com Jesus enquanto Ele andou pela Palestina com os seus
discípulos). Paulo, informado de tudo, dirigiu-se apressadamente para Corinto e
teve um violento confronto com os seus detratores. Depois, retirou-se para
Éfeso. Tito, amigo de Paulo, fino negociador e hábil diplomata, partiu para
Corinto, a fim de tentar a reconciliação.
Paulo, entretanto, partiu para Tróade. Foi aí que
reencontrou Tito, regressado de Corinto. As notícias trazidas por Tito eram
animadoras: o diferença fora ultrapassado e os coríntios estavam, outra vez, em
comunhão com Paulo.
Reconfortado, Paulo escreveu uma tranquila apologia do seu
apostolado, à qual juntou um apelo em favor de uma coleta para os pobres da
Igreja de Jerusalém. Esse texto é a nossa segunda Carta de Paulo aos Coríntios.
Estamos nos anos 56/57.
O texto que nos é proposto integra a primeira parte da
carta, onde Paulo analisa as suas relações com a comunidade de Corinto e
explica os princípios que sempre nortearam a sua ação pastoral (cf. 2 Cor
1,3-7,16).
MENSAGEM
O que é que realmente “move” Paulo? Qual a razão do seu
ministério? Porque é que Paulo – que até nem conheceu o Jesus histórico, como
os Doze – insiste em anunciá-lo? Paulo não estará a extravasar as suas funções?
Paulo fez a experiência do amor de Cristo e deixou-se
absorver por esse amor. A sua ação apostólica tem apenas como objetivo levar o
amor de Cristo ao conhecimento de todos os homens. Cristo morreu por todos, a
fim de que os homens, aprendendo a lição do amor que se dá até às últimas
consequências, deixassem a vida velha, marcada por esquemas de egoísmo e de
pecado. Contemplando o Cristo que oferece a sua vida ao Pai e aos irmãos, os
homens não viverão, nunca mais, fechados em si mesmos; mas viverão, como
Cristo, com o coração aberto a Deus e aos outros homens (vers. 14-15). É esta
“boa nova” que absorve Paulo completamente e que ele quer passar a todos os
seus irmãos.
Com franqueza, Paulo admite que, no passado, entendeu
Cristo “à maneira humana” e não percebeu que a sua doação até à morte era
expressão de um amor ilimitado; mas, depois de se ter encontrado com Cristo
ressuscitado na estrada de Damasco, Paulo passou a ver as coisas de forma
diferente (vers. 16).
Paulo quer anunciar – por mandato de Cristo – que a adesão
a Cristo faz desaparecer o homem velho do egoísmo e do pecado e faz
surgir uma nova criatura (vers. 17). A palavra grega aqui utilizada por
Paulo (“ktisis”) pode significar “criação”, “criatura” ou “humanidade”… O
cristão, que aderiu a Cristo, é uma nova criatura, o membro de uma nova
humanidade. Identificado com Cristo, ele corre ao encontro do Homem Novo,
da vida plena e verdadeira, da salvação definitiva.
É isto que “faz correr” Paulo… Ele experimentou o amor de
Cristo e tornou-se uma nova criatura. Agora, ele sente que Deus o manda
testemunhar essa experiência diante de todos os homens.
ATUALIZAÇÃO
♦ Antes de mais, o
texto dá conta da preocupação de Deus com a vida e a felicidade dos homens. A
vinda de Jesus ao mundo, a sua luta contra o egoísmo e o pecado, o seu amor
incondicional, a sua morte na cruz, pretendeu libertar os homens dos velhos
esquemas de escravidão e de fechamento que impediam os homens de ter acesso à
vida plena e verdadeira. Contemplar o amor de Deus, tornado presença efetiva na
vida dos homens em Jesus, assegura-nos que Deus se preocupa conosco e que está
sempre atento à nossa realização e à nossa felicidade. O nosso Deus não é um
Deus indiferente, que deixa os homens abandonados à sua sorte; mas é um Deus
interveniente, que nos ama e que, a cada instante, está presente ao nosso lado,
a indicar-nos os caminhos da vida.
♦ O objetivo de Deus é
fazer aparecer o Homem Novo e a Nova Humanidade. Aos homens, é
pedido que aceitem a proposta de Deus, que aceitem renunciar à vida velha do
egoísmo e da escravidão e que aceitem nascer, livres e transformados, para o
amor que nos torna livres. Como é que acolhemos esta proposta de Deus? Ela
conta alguma coisa para nós?
♦ Paulo, depois de ter
encontrado Jesus, de ter aderido à sua proposta e de ter feito a experiência da
liberdade e da vida nova, tornou-se testemunha, diante dos homens, do projeto
salvador e libertador de Deus para os homens. Cada homem e cada mulher que se
encontra com Jesus e que faz a mesma experiência de Paulo, tem de tornar-se
arauto das propostas de Deus e de anunciar aos seus irmãos, com gestos
concretos, essa oferta de vida nova e verdadeira que Deus nos faz.
ALELUIA – Lc 7,16
Aleluia. Aleluia.
Apareceu entre nós um grande profeta:
Deus visitou o seu povo.
EVANGELHO – Marcos 4,35-41
Naquele dia, ao cair da tarde,
Jesus disse aos seus discípulos:
«Passemos à outra margem do lago».
Eles deixaram a multidão
e levaram Jesus consigo na barca em que estava sentado.
Iam com Ele outras embarcações.
Levantou-se então uma grande tormenta
e as ondas eram tão altas que enchiam a barca de água.
Jesus, à popa, dormia com a cabeça numa almofada.
Eles acordaram-n’O e disseram:
«Mestre, não Te importas que pereçamos?»
Jesus levantou-Se,
falou ao vento imperiosamente e disse ao mar:
«Cala-te e está quieto».
O vento cessou e fez-se grande bonança.
Depois disse aos discípulos:
«Porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?»
Eles ficaram cheios de temor e diziam uns para os outros:
«Quem é este homem,
que até o vento e o mar Lhe obedecem?»
AMBIENTE
Na primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc
1,14-8,30), Jesus é apresentado como o Messias que proclama o Reino de Deus.
Marcos procura aí demonstrar como Jesus, com palavras e com gestos, anuncia um
mundo novo (o “reino de Deus”), livre do egoísmo, da opressão, da injustiça e
de tudo o que escraviza os homens e os impede de ter acesso à vida verdadeira.
O texto que hoje nos é proposto deve ser visto neste ambiente.
O nosso texto começa com a indicação de que Jesus decidiu
passar “à outra margem”. A “outra margem” (do lago de Tiberíades, evidentemente)
é o território pagão da Decápole. A Decápole (“dez cidades”) era o nome dado ao
território situado na Palestina oriental, estendendo-se desde Damasco, ao
norte, até Filadélfia, ao sul. O nome servia para designar uma liga de dez
cidades, que se formou depois da conquista da Palestina pelos romanos, no ano 63 a .C.. As “dez cidades” que
formavam esta liga eram helenísticas e não estavam sujeitas às leis judaicas.
As cidades que integravam a Decápole (bem como os territórios circundantes a
cada uma dessas cidades) estavam sob a administração do legado romano da Síria.
Eram território pagão, considerado pelos judeus completamente à margem dos
caminhos da salvação.
O episódio que Marcos nos narra, neste domingo, passa-se
durante a travessia do Lago de Tiberíades. O Lago de Tiberíades, designado
frequentemente por “Mar da Galileia”, é um lago de água doce, alimentado
sobretudo pelas águas do rio Jordão, com 12 quilômetros de
largura e 21 quilômetros
de comprimento. As tempestades que se levantavam neste “mar” podiam aparecer
subitamente e ser especialmente violentas.
Para entendermos melhor o que está em causa no episódio
que hoje Marcos nos propõe, convém ter presente o que dissemos na primeira
leitura a propósito do que o “mar” significava para a mentalidade judaica: era
uma realidade assustadora, indomável, orgulhosa, desordenada, onde residiam os
poderes caóticos que o homem não conseguia controlar e onde estavam os poderes
maléficos que queriam destruir os homens… Só Deus, com o seu poder e majestade,
podia pôr limites ao mar, dar-lhe ordens e libertar os homens dessas forças
descontroladas do caos que o mar encerrava.
Mais do que uma crônica fiel de uma viagem de Jesus com os
discípulos através do Lago de Tiberíades, a narração que Marcos nos apresenta deve
ser vista como uma página de catequese. Usando elementos com uma forte carga
simbólica (o mar, o barco, a tempestade, a noite, o sono de Jesus), Marcos
apresenta-nos uma reflexão sobre a comunidade dos discípulos em marcha pela
história. Marcos escreve numa época em que a Igreja de Jesus enfrenta sérias
“tempestades” (perseguição de Nero, problemas internos causados pela diferença
de perspectivas entre judeu-cristãos e pagão-cristãos, dificuldades sentidas
pelas comunidades em encontrar o caminho para o futuro…); e pretende dar
sugestões aos crentes acerca do caminho a percorrer.
MENSAGEM
Reparemos, em primeiro lugar, no “ambiente” em que Marcos nos situa:
no mar, ao anoitecer (vers. 35). Situar o barco com Jesus e os discípulos “no
mar”, é colocá-los num ambiente hostil, adverso, perigoso, caótico, rodeados
pelas forças que lutam contra Deus e contra a felicidade do homem. Por outro
lado, a “noite” é o tempo das trevas, da falta de luz; aparece como elemento
ligado com o medo, com o desânimo, com a falta de perspectivas. O “mar” e a
“noite” definem uma realidade de dificuldade, de hostilidade, de incompreensão.
No “barco” vão Jesus e os discípulos (vers. 36). O “barco”
é, na catequese cristã, o símbolo da comunidade de Jesus que navega pela
história. Jesus está no “barco”, mas são os discípulos que se encarregam da
navegação, pois é a eles que é confiada a tarefa de conduzir a comunidade pelo
mar da vida.
O “barco” dirige-se “para a outra margem” (vers. 35b), ao
encontro das terras dos pagãos. Com este dado Marcos alude, muito
provavelmente, à missão da comunidade cristã, convidada por Jesus a ir ao
encontro de todos os homens para lhes levar Jesus e a sua proposta libertadora.
Durante a travessia, Jesus “dorme” (vers. 38). O “sono” de
Jesus durante a viagem refere-se, possivelmente, à sua aparente ausência ao
longo da “viagem” que a comunidade cristã faz pela história. Com frequência os
discípulos, ocupados em dirigir o
“barco”, têm a sensação de que estão sós, abandonados à sua sorte e que Jesus
não está com eles a enfrentar as vicissitudes da viagem. Na verdade, Jesus está
com eles no “barco”; Ele prometeu ficar com eles “até ao fim do mundo”.
A “tempestade” (vers. 37) significa as dificuldades que o
mundo opõe à missão dos discípulos. É provável que Marcos estivesse a pensar
numa “tempestade” concreta, talvez a perseguição de Nero aos cristãos de Roma,
durante a qual foram mortos Pedro e Paulo, bem como muitos outros cristãos
(anos 64-68. O Evangelho segundo Marcos deve ter aparecido nessa altura); mas a
“tempestade” refere-se também a todos os momentos de crise, de perseguição, de
hostilidade que os discípulos terão de enfrentar ao longo do seu caminho
histórico, até ao fim dos tempos.
Jesus, despertado pelos discípulos, acalma a fúria do mar
e do vento, com a sua Palavra imperiosa e dominadora (vers. 39). Já dissemos
atrás que, na teologia judaica, só Deus era capaz de dominar o mar e as forças
hostis que se albergavam no mar. Jesus aparece assim, como o Deus que acompanha
a difícil caminhada dos discípulos pelo mundo e que cuida deles no meio das
dificuldades e da hostilidade do mundo.
Depois de aclamar o mar e o vento, Jesus dirige-se aos
discípulos e repreende-os pela sua falta de fé (vers. 40: “porque estais tão
assustados? Ainda não tendes fé?”). Os discípulos, depois da caminhada feita
com Jesus, já deviam saber que Ele nunca está ausente, nem alheado da vida da
sua comunidade. Eles não podem esquecer que, em todas as circunstâncias, Jesus
vai com eles no mesmo “barco” e que, por isso, nada têm a temer. A comunidade
de Jesus tem de estar consciente de que Jesus está sempre presente e que,
portanto, as tempestades da história não poderão impedi-los de concretizar no
mundo a missão que lhes foi confiada.
O nosso texto termina com o “temor” dos discípulos e a
pergunta que eles fazem uns aos outros: “Quem é este, a quem até o vento e o
mar obedecem”? (vers. 41). O “temor” define o estado de espírito do homem
diante da divindade. No universo bíblico, este “temor” não apresenta caráter de
pânico ou de medo servil, mas encerra um misterioso poder de atração que se
traduz em obediência, entrega, confiança, entusiasmo. Tal atitude positiva
deriva da experiência que o crente israelita tem de Deus: Jahwéh é um Deus
presente, que guia o seu Povo com uma solicitude paternal e maternal. Por isso,
o crente, se por um lado tem consciência da onipotência de Deus, por outro lado
sabe que pode confiar incondicionalmente nele e entregar-se nas suas mãos. A
resposta à questão já está, portanto, dada: o “temor” dos discípulos significa
que eles reconhecem que Jesus é o Deus presente no meio dos homens, e a quem os
homens são convidados a aderir, a confiar, a obedecer com total entrega.
A catequese que Marcos nos propõe é, portanto, sobre a
caminhada dos discípulos, em missão no mundo… Marcos garante-nos que Cristo
está sempre com os discípulos, mesmo quando parece ausente. Os discípulos nada
têm a temer, porque Cristo vai com eles, ajudando-os a vencer as forças que se
opõem à vida e à salvação dos homens.
ATUALIZAÇÃO
♦ A imagem de um barco
cheio de discípulos convidados por Jesus a passar “à outra margem do lago” e a
dar testemunho dessa vida nova que Deus quer oferecer aos homens é uma boa
definição de Igreja. Antes de mais, o nosso texto convida-nos a tomar consciência
de que a comunidade que nasce de Jesus é uma comunidade missionária, cuja
tarefa é ir ao encontro dos homens prisioneiros do egoísmo e do pecado para
lhes apresentar a Boa Nova da libertação. Os discípulos de Jesus não podem
ficar comodamente instalados nos seus espaços seguros e protegidos, defendidos
dos perigos do mundo e alheados dos problemas e necessidades dos homens; mas a
Igreja tem de ser uma comunidade empenhada na transformação do mundo, que se
preocupa em levar aos homens – a todos os homens, sobretudo aos pobres e
marginalizados – com palavras e com gestos a proposta libertadora do Reino.
♦ O caminho percorrido
pela comunidade de Jesus em missão no mundo é, muitas vezes, um caminho marcado
por duras tempestades. Quando a comunidade procura ser fiel à sua vocação e
levar a libertação aos homens, confronta-se frequentemente com as forças da
injustiça, da opressão e do pecado que não estão interessadas em que o anúncio
libertador de Jesus ecoe no mundo (às vezes, essas forças de injustiça e de
opressão disfarçam-se com as atraentes roupagens da “moda”, do “politicamente
correto” ou do “socialmente aceitável”)… Por isso, a comunidade de Jesus
conhece, ao longo da sua caminhada, a oposição, a incompreensão, a perseguição,
as calúnias e até a morte… No entanto, os discípulos devem estar conscientes de
que esse cenário é inevitável e resulta da sua fidelidade ao caminho de Jesus.
♦ Muitas vezes, ao
longo da caminhada, os discípulos sentem uma tremenda solidão e, confrontados
com a oposição e a incompreensão do mundo, experimentam a sua fragilidade e
impotência. Parece que Jesus os abandonou; e o silêncio de Jesus desconcerta-os
e angustia-os. O Evangelho deste domingo garante-nos que Jesus nunca abandona o
barco dos discípulos. Ele está sempre lá, embarcado com eles na mesma aventura,
dando-lhes segurança e paz. Nos momentos de crise, de desânimo, de medo, os
discípulos têm de ser capazes de descobrir a presença – às vezes silenciosa,
mas sempre amiga e reconfortante – de Jesus ao seu lado, no mesmo barco.
♦ “Ainda não tendes
fé?” – pergunta Jesus aos discípulos… Se os discípulos tivessem fé, não teriam
medo e não sentiriam a necessidade de “acordar” Jesus. Estariam conscientes da
presença de Jesus ao seu lado em todos os momentos e não estariam à espera de
uma intervenção mais ou menos mágica de Jesus para os livrar das dificuldades.
O verdadeiro discípulo é aquele que aderiu a Jesus, que vive em permanente
comunhão e intimidade com Jesus, que está em permanente escuta de Jesus, que
caminha com Jesus, que a cada instante descobre a presença reconfortante de
Jesus ao seu lado. Ele conta sempre com Jesus e não se lembra de Jesus apenas
nos momentos de dificuldade e de crise…
♦ A intervenção de
Jesus provoca o “temor” dos discípulos. Dissemos atrás que o “temor” significa,
neste contexto, que os discípulos reconhecem que Jesus é o Deus presente no
meio dos homens e a quem os homens são convidados a aderir, a confiar, a obedecer
com total entrega. Esta “catequese” convida-nos a assumir, diante desse Jesus
que nos acompanha sempre, uma atitude semelhante (de “temor”) e a aderir
incondicionalmente às suas propostas, a confiar n’Ele, a segui-l’O nesse
caminho do amor e do dom da vida que Ele nos veio propor.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 12º DOMINGO DO TEMPO
COMUM
Ao longo dos dias da semana anterior ao 12º Domingo do
Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la
pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana
para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de
padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…
Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Seria para repousar? Seria para propor aos seus Apóstolos
uma forma de retiro? O fato é que Jesus convida os seus discípulos a passar
para a outra margem. A travessia do lago não é de repouso, levanta-se uma
tempestade violenta e os Apóstolos estão aterrorizados. Sabem que não estão
sozinhos no barco. Eles, os especialistas do lago, admiram-se com o sono de
Jesus. Estão perdidos, então despertam Jesus, Ele que veio salvar os que
estavam perdidos. Ele vai manifestar, então, que tem autoridade sobre todas as
forças da morte, dá uma ordem: «Silêncio! Cala-te!» E fez-se uma grande
calmaria. Os Apóstolos, naquele dia, não passaram apenas para a outra margem…
Passaram do medo à confiança, graças ao “Passador” que tinha embarcado com
eles. Nunca esqueçamos de fazer subir Cristo para o nosso barco para passarmos
com Ele…
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Jesus no barco da nossa vida
«Ao cair da tarde…» Toda a cena da tempestade acalmada
desenrola-se durante a noite. É o momento em que todas as forças do mal podem
agir com toda a impunidade. O barco está «no mar», o lugar onde residem as
forças demoníacas. Enfim, a palavra de Jesus ao vento e ao mar – «acalma-te!» –
significa também «exorcizar». Dito de outro modo, Marcos quer fazer-nos
compreender que, para além da brusca tempestade, os discípulos – e todos os
homens – são confrontados a um combate bem mais profundo e dramático: o combate
contra o mal, não somente o mal «natural», mas sobretudo o mal que habita e
trabalha no coração dos homens. Os apóstolos, ultrapassados pela violência da
tempestade, simbolizam os homens ultrapassados pelo poder do mal, que parece
vencer, ainda e sempre. Para vencer o mal, é preciso recorrer a um poder maior.
Felizmente que Jesus está lá! Ele dispõe do poder divino! Sim, mas Ele dorme
tão profundamente que as enormes vagas não o fazem despertar. O seu sono
torna-se, pois, a imagem da sua morte. Tudo parece perdido: «Mestre, estamos
perdidos!» Jesus acaba por despertar. Ora, a palavra é a mesma que Marcos
empregará para dizer a Ressurreição de Jesus: «Ele despertou de entre os
mortos». Podemos, pois, compreender o sentido mais profundo deste milagre da
tempestade acalmada. Jesus veio ao coração da nossa história, desceu até ao
fundo do mistério do mal que se desencadeia, ainda e sempre, foi até entrar no
sono da morte violenta, que os homens esvaziaram de toda a traça de amor, onde
parece que não se ouve mais nada, onde o próprio Deus parece dormir,
indiferente aos males dos homens: «Mestre, isto não Te diz nada?» Mas Deus, em
Jesus, respeitando infinitamente a nossa liberdade, só podia fazer uma coisa:
juntar-se às nossas vidas, esconder-se nas nossas tempestades e nas nossas
mortes, para aí colocar a sua presença, mais forte que todas as trevas. Só após
a vitória aparente da morte é que Ele manifestará o poder da sua Ressurreição.
O que Ele nos pede hoje é de crer, de dar-Lhe a nossa confiança: «Porque ter
medo?» Com Ele na nossa vida, as forças do mal não terão a última palavra.
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
As palavras da nossa fé
No domingo, é importante professar a nossa fé com o Credo
da Igreja, para marcar a nossa pertença ao Povo de Deus que nos transmitiu
estas palavras. Mas, nesta semana, se pudermos viver uma partilha à volta da
questão «Quem é Jesus para nós?», poderemos tentar compor uma profissão de fé
que retome o essencial deste intercâmbio.
13º Domingo do Tempo Comum
Deus ama a vida! Ele quer apenas a vida! “Deus criou o
homem para ser incorruptível”
(primeira leitura). Pelo seu Filho, salva-nos da morte: eis
porque Lhe damos graças em
cada Eucaristia. Na sua vida terrena, Jesus sempre defendeu
a vida. O Evangelho de
hoje relata-nos dois episódios que assinalam a defesa da
vida: Ele cura, Ele levanta.
Ele torna livres todas as pessoas, dá-lhes toda a sua
dignidade e a sua capacidade
para viver plenamente. Sabemos dizer-lhe que Ele é a nossa
alegria de viver?
Estamos em tempo de verão, de férias… ocasião propícia para
celebrar a festa da
vida! O 13º domingo celebra a vida mais forte que a morte,
celebra Deus apaixonado
pela vida. Convém, pois, que na celebração deste dia, a
vida explodir em todas as
suas formas: na beleza das flores, nos gestos e atitudes,
na proclamação da Palavra,
nos cânticos e aclamações, na luz. No cântico do salmo e na
profissão de fé, será bom
recordar que é o Deus da vida que nós confessamos, as suas
maravilhas que nós
proclamamos. Durante toda a missa, rezando, mantenhamos a
convicção expressa
pelo Livro da Sabedoria: “Deus não Se alegra com a perdição
dos vivos”.
LEITURA I – Sb 1, 13-15; 2,23-24
Não foi Deus quem fez a morte,
nem Ele Se alegra com a perdição dos vivos.
Pela criação deu o ser a todas as coisas,
e o que nasce no mundo destina-se ao bem.
Em nada existe o veneno que mata,
nem o poder da morte reina sobre a terra,
porque a justiça é imortal.
Deus criou o homem para ser incorruptível
e o fez à imagem da sua própria natureza.
Foi pela inveja do demônio que a morte entrou no mundo,
e experimentam-na aqueles que lhe pertencem.
Breve comentário
O Livro da Sabedoria foi composto um pouco antes da vinda
de Jesus. A sua doutrina
é mais serena que a dos livros mais antigos, em particular
quando apresenta o rosto
de Deus.
Este anúncio deve ser proclamado com força, porque vem
contradizer idéias ainda
muito espalhadas, segundo as quais agradaria a Deus fazer
morrer o homem. A morte
vem de outro, pois “não foi Deus quem fez a morte”. Pelo
contrário, Ele cria a vida e
dá-la à humanidade, modelada à sua imagem. Ele restaura a
vida, quando esta está
em perigo de se apagar. Dá a vida quando está perdida, como
testemunha o
Evangelho deste domingo.
“Vivificaste-me”, diz o salmista. No seguimento da primeira
leitura, o salmo exprime a
experiência de um Deus que quer a vida dos seus fiéis. Em
Jesus ressuscitado, e para
todos os que n’Ele acreditam, a oração do salmo encontra
toda a sua verdade.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 29 (30)
Refrão: Eu Vos louvarei, Senhor, porque me salvastes.
Eu Vos glorifico, Senhor, porque me salvastes
e não deixastes que de mim se regozijassem os inimigos.
Tirastes a minha alma da mansão dos mortos,
vivificastes-me para não descer ao túmulo.
Cantai salmos ao Senhor, vós os seus fiéis,
e dai graças ao seu nome santo.
A sua ira dura apenas um momento
e a sua benevolência a vida inteira.
Ao cair da noite vêm as lágrimas
e ao amanhecer volta a alegria.
Ouvi, Senhor, e tende compaixão de mim,
Senhor, sede Vós o meu auxílio.
Vós convertestes em júbilo o meu pranto:
Senhor meu Deus, eu Vos louvarei eternamente.
LEITURA II – 2 Cor 8,7.9.13-15
Irmãos:
Já que sobressaís em tudo
– na fé, na eloquência, na ciência,
em toda a espécie de atenções
e na caridade que vos ensinamos –
deveis também sobressair nesta obra de generosidade.
Conheceis a generosidade de Nosso Senhor Jesus Cristo:
Ele, que era rico, fez-Se pobre por vossa causa,
para vos enriquecer pela sua pobreza.
Não se trata de vos sobrecarregar para aliviar os outros,
mas sim de procurar a igualdade.
Nas circunstâncias presentes,
aliviai com a vossa abundância a sua indigência
para que um dia
eles aliviem a vossa indigência com a sua abundância.
E assim haverá igualdade, como está escrito:
«A quem tinha colhido muito não sobrou
e a quem tinha colhido pouco não faltou».
Breve comentário
As primeiras comunidades cristãs praticaram a entre ajuda e
a partilha não apenas
entre os seus membros, mas também entre comunidades. O
apóstolo Paulo solicitou- as nesse sentido.
O apóstolo Paulo tinha organizado um peditório junto das
comunidades que tinha
fundado na Ásia Menor, na Macedônia e na Grécia, em favor
dos irmãos de Jerusalém
que estavam em dificuldades. Esta
iniciativa correspondia às orientações da jovem
Igreja, segundo At 4,32-35. Paulo justifica esta ação de
partilha pela generosidade
de Cristo: esta é modelo para os cristãos e eles próprios
já beneficiaram dela.
ALELUIA – cf. 2 Tim 1,10
Aleluia. Aleluia.
Jesus Cristo, nosso Salvador, destruiu a morte
e fez brilhar a vida por meio do Evangelho.
EVANGELHO – Mc 5,21-43
Naquele tempo,
depois de Jesus ter atravessado de barco
para a outra margem do lago,
reuniu-se grande multidão à sua volta,
e Ele deteve-Se à beira-mar.
Chegou então um dos chefes da sinagoga, chamado Jairo.
Ao ver Jesus, caiu a seus pés
e suplicou-Lhe com insistência:
«A minha filha está a morrer.
Vem impor-lhe as mãos,
para que se salve e viva».
Jesus foi com ele,
seguido por grande multidão,
que O apertava de todos os lados.
Ora, certa mulher
que tinha um fluxo de sangue havia doze anos,
que sofrera muito nas mãos de vários médicos
e gastara todos os seus bens,
sem ter obtido qualquer resultado,
antes piorava cada vez mais,
tendo ouvido falar de Jesus,
veio por entre a multidão
e tocou-Lhe por detrás no manto,
dizendo consigo:
«Se eu, ao menos, tocar nas suas vestes, ficarei curada».
No mesmo instante estancou o fluxo de sangue
e sentiu no seu corpo que estava curada da doença.
Jesus notou logo que saíra uma força de Si mesmo.
Voltou-Se para a multidão e perguntou:
«Quem tocou nas minhas vestes?»
Os discípulos responderam-Lhe:
«Vês a multidão que Te aperta
e perguntas: ‘Quem Me tocou?’»
Mas Jesus olhou em volta,
para ver quem O tinha tocado.
A mulher, assustada e a tremer,
por saber o que lhe tinha acontecido,
veio prostrar-se diante de Jesus e disse-Lhe a verdade.
Jesus respondeu-lhe:
«Minha filha, a tua fé te salvou».
Ainda Ele falava,
quando vieram dizer da casa do chefe da sinagoga:
«A tua filha morreu.
Porque estás ainda a importunar o Mestre?»
Mas Jesus, ouvindo estas palavras,
disse ao chefe da sinagoga:
«Não temas; basta que tenhas fé».
E não deixou que ninguém O acompanhasse,
a não ser Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago.
Quando chegaram a casa do chefe da sinagoga,
Jesus encontrou grande alvoroço,
com gente que chorava e gritava.
Ao entrar, perguntou-lhes:
«Porquê todo este alarido e tantas lamentações?
A menina não morreu; está a dormir».
Riram-se d’Ele.
Jesus, depois de os ter mandado sair a todos,
levando consigo apenas o pai da menina
e os que vinham com Ele,
entrou no local onde jazia a menina,
pegou-lhe na mão e disse:
«Talitha Kum»,
que significa: «Menina, Eu te ordeno: levanta-te».
Ela ergueu-se imediatamente e começou a andar,
pois já tinha doze anos.
Ficaram todos muito maravilhados.
Jesus recomendou-lhes insistentemente
que ninguém soubesse do caso
e mandou dar de comer à menina.
Breves comentários
1. O Reino de Deus é a vida. Jesus percorre o país para o
anunciar e o estabelecer.
Ele fala e age. A sua fama espalha-se, porque uma força
brota d’Ele, é a força da
ressurreição, o Espírito de vida.
“Sê curada”. O imperativo de Jesus tem algo de afetuoso
para com esta mulher,
restaurada na sua dignidade, restabelecida na sociedade que
excluía o seu mal. Este
“sê curada” aparece também como uma constatação: é a sua fé
que a salvou, e Jesus
alegra-Se por isso. A cura é consequência da fé, que é
sempre fonte de vida e de
felicidade.
“Levanta-te”. Este segundo imperativo do Evangelho deste
dia é dinâmico e traduz
perfeitamente este louco desejo de Deus em ver o homem
vivo, o seu amor
incondicional pela vida. “Adormecida”, no “sono da morte”…
um estado do qual Deus
nos quer fazer sair, um estado do qual Jesus nos salva. “Eu
te ordeno: levanta-te”. A
palavra evoca a ressurreição, o novo surgir da vida, o amor
divino que nos coloca de
pé. Jesus pede ao pai da jovem apenas uma coisa: “basta que
tenhas fé”. E quanto a
nós, cremos verdadeiramente?
2. As duas beneficiárias das ações de Jesus neste Evangelho
têm isto em comum: a
primeira estava doente desde os 12 anos e a jovem filha
morreu aos 12 anos, a idade
em que se devia tornar mulher. No povo de Israel, o
percurso destas duas mulheres
era sinal de um fracasso. Uma estava atingida, como Sara, a
mulher de Abraão, na
sua fecundidade: ela perdia o seu sangue, princípio de vida
na mentalidade semítica.
A outra perdia a vida, precisamente na idade em que se
preparava para a transmitir
(era tradição casar-se muito cedo). Cristo cura as duas
mulheres e permite-lhes assim
assumir a sua vocação maternal.
Estas duas mulheres representam a Igreja, na sua vocação
maternal de dar e de
alimentar a vida em Cristo. As alusões aos santos mistérios da Igreja
orientam a
compreensão do relato: Jairo pede a Jesus para impor as
mãos, para salvar e dar a
vida à sua filha. Ora, toda a preparação para o Batismo
está sinalizada pela
imposição das mãos. Jesus levanta a jovem, tomando-a pela
mão, como o diácono
fazia sair da água o batizado, tomando-o pela mão, para que
fosse despertado para a
vida em
Deus. Jesus pede, de seguida, que se dê de comer a esta jovem
ressuscitada
da morte: é uma alusão à Eucaristia que se segue ao
Batismo.
3. Bilhete de Evangelho: a transformação pela fé.
Um chefe de sinagoga cai de joelhos e suplica a Jesus para
curar a sua filha… Uma
mulher atingida por hemorragias não diz nada, mas
contenta-se em tocar as vestes de
Jesus, sem dúvida porque se considera impura. Isto basta
Àquele que veio para
levantar, curar, salvar a humanidade ferida. As reações dos
que acompanham Jesus
são diversas. Riem-se dele. Só a fé solicita um sinal de
Jesus, a fé de Jairo, a fé da
mulher, a fé de Pedro, Tiago e João… E esta fé faz Jesus
agir e transforma os
beneficiários: a mulher é curada, a jovem levanta-se, as
testemunhas ficam abaladas.
Decididamente, Jesus não é um taumaturgo: é reconhecido por
aqueles que
acreditam, recomenda insistentemente que ninguém saiba, com
receio, sem dúvida,
que se valorize os seus sinais sem os ver com os olhos da
fé.
4. Na escuta da Palavra.
Eis Jesus mergulhado no barulho e nos apertos da multidão.
Para mais, circula o
rumor: Jesus vai fazer um milagre, curar a jovem filha de
Jairo! A multidão esmaga
Jesus. E eis que uma mulher quer aproximar-se de Jesus, a
todo o custo, para tocar
ao menos as suas vestes. Ela quer ser também beneficiária do
poder do homem de
Deus, ser, enfim, curada da sua doença que dura há doze
anos. Ela chega por trás,
toca as suas vestes. Conhecemos o diálogo que se segue… O
mesmo acontece com
Jairo que se aproxima… No meio da multidão, Jesus está
atento a estas pessoas
concretas, manifesta uma disponibilidade extraordinária,
está extremamente atento à
sua presença. No meio da multidão, Jesus está atento a cada
um. Ninguém fica
anônimo aos olhos de Jesus. Está habitado pelo amor de Deus
para com os seus
filhos. No Coração do Pai, Jesus é capaz de uma atenção
extrema a cada angústia do
ser humano. Não interessa quem possa vir junto d’Ele, não
interessa qual é a
situação: ele será sempre acolhido, Jesus dará sempre a sua
atenção como se cada
um estivesse sozinho no mundo com Ele. Isto continua a ser
verdadeiro, agora que
Jesus está na plenitude da glória do seu Pai. Se eu também
começasse a fazer
silêncio em mim para melhor escutar Jesus, através da sua
Palavra, se eu tivesse
tempo para a oração interior, para aprofundar o meu
silêncio interior… certamente
ficaria mais disponível, mais atento aos outros. Senhor
Jesus, dá-me a graça do
silêncio interior que escuta e que ama.
5. Breve meditação: Jesus, Fonte de Vida.
Jesus passou à outra margem,
uma grande multidão reuniu-se à sua volta.
Chega um chefe de sinagoga…
Para Ti, Senhor, a multidão não é uma massa anónima
a quem se dirige uma mensagem impessoal…
Para Ti, Senhor, trata-se de pessoas concretas, com rostos
particulares.
Chamas cada um pelo seu nome.
Tu sabes escutar, estar atento, permanecer disponível.
Vens dizer a todos e a cada um:
Eu vim para que todos os homens tenham vida… em abundância.
As multidões reúnem-se à tua volta porque, talvez
inconscientemente,
encontraram em Ti a verdadeira fonte de vida.
É o caso de Jairo: Vem impor-lhe as mãos para que ela viva!
É o caso da mulher: Se chegar a tocar-Lhe, serei salva!
Tu vais ajudá-los a crescer na fé…
A mulher, humanamente incurável:
ousou violar a lei que a proibia de tocar alguém.
Ela quer ser curada a todo o custo.
Ao tocar as tuas vestes, é a fonte da vida que ela atinge.
Desde então, está curada.
Mas Tu não és um mágico que faz prodígios sem o saber.
Viras-Te para ela: queres fazê-la progredir na sua fé.
Ela, que esperava uma cura corporal,
encontra em Ti a Salvação, a Vida em plenitude.
Jairo acaba de saber da morte da sua filha.
Tu apoiá-lo na sua caminhada: Não temas, crê somente!
Segue-lo até à sua casa…
Aproximas-Te do seu filho inerte, tomá-la pela mão:
Levanta-te!
É a palavra da ressurreição… e a fonte de vida corre de
novo nela:
a jovem começou a andar.
Ele disse-lhes para lhe darem de comer.
Manténs os pés bem assentes na terra, Senhor!
Os pais, abalados, não pensavam que a sua filha tinha fome!
É a nós que Tu Te diriges também
convidando-nos para a tua Eucaristia:
Tomai, todos, e comei: isto é o meu corpo entregue por vós!
Quem me come viverá!
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 13º DOMINGO DO TEMPO
COMUM
Ao longo dos dias da semana anterior ao 13º Domingo do
Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la
pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a
meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num
grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar,
sobretudo, a semana para viver
em pleno a Palavra de Deus.
2. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Viva a vida!
A palavra de ordem deste domingo é uma espécie de grito do
coração: Deus ama a
vida, viva a vida! Aí estamos de acordo… É certo que não há
vida sem morte e esta
faz sofrer qual acontece perto de nós. Mas hoje somos
convidados a nos alegrarmos
na vida e a acreditar que Deus nos destina à verdadeira
Vida! A estação do ano
presta-se a isso: alegria do sol e das férias, encontro com
a natureza, reencontros
familiares… Não faltarão ocasiões para admirar a vida… Não
esqueçamos de dar
graças… No início destas férias, as crianças podem fazer um
pequeno caderno, com
uma capa bonita e um título do gênero: “Festa para Deus” ou
“Obrigado, Senhor”. Ao
longo dos passeios de verão, podem colar fotos, postais,
flores secas… Podem
desenhar o que vão vendo como sinais de vida. Os adultos
pensarão noutros sinais de
vida que podem dar ao longo do verão: visita a uma pessoa
que vive sozinha, envio de
um postal, um telefonema… Ou ajudar as pessoas isoladas a
sair, acompanhá-las
num dia de excursão, ajudar algumas crianças de famílias
desfavorecidas a passar um
dia de férias, etc. Será uma maneira de lhes oferecer um
pouco de vida… E nunca
esquecer que a oração, particularmente o Pai Nosso, deve
ser a expressão constante
para dar graças a Deus Pai e Criador, para Lhe expressarmos
o obrigado pela vida, a
felicidade de viver e de O louvar!
14º Domingo do Tempo Comum
A liturgia deste domingo revela que Deus chama,
continuamente, pessoas para serem
testemunhas no mundo do seu projeto de salvação. Não
interessa se essas pessoas
são frágeis e limitadas; a força de Deus revela-se através
da fraqueza e da fragilidade
desses instrumentos humanos que Deus escolhe e envia.
A primeira leitura apresenta-nos um extrato do
relato da vocação de Ezequiel. A
vocação profética é aí apresentada como uma iniciativa de
Jahwéh, que chama um
“filho de homem (isto é, um homem “normal”, com os seus
limites e fragilidades) para
ser, no meio do seu Povo, a voz de Deus.
Na segunda leitura, Paulo assegura aos cristãos de
Corinto (recorrendo ao seu
exemplo pessoal) que Deus atua e manifesta o seu poder no
mundo através de
instrumentos débeis, finitos e limitados. Na ação do
apóstolo – ser humano, vivendo
na condição de finitude, de vulnerabilidade, de debilidade
– manifesta-se ao mundo e
aos homens a força e a vida de Deus.
O Evangelho, ao mostrar como Jesus foi recebido
pelos seus conterrâneos em
Nazaré, reafirma uma idéia que aparece também nas outras
duas leituras deste
domingo: Deus manifesta-se aos homens na fraqueza e na
fragilidade. Quando os
homens se recusam a entender esta realidade, facilmente
perdem a oportunidade de
descobrir o Deus que vem ao seu encontro e de acolher os
desafios que Deus lhes
apresenta.
LEITURA I - Ez 2,2-5
Naqueles dias,
o Espírito entrou em mim e fez-me levantar.
Ouvi então Alguém que me dizia:
«Filho do homem,
Eu te envio aos filhos de Israel,
a um povo rebelde que se revoltou contra Mim.
Eles e seus pais ofenderam-Me até ao dia de hoje.
É a esses filhos de cabeça dura e coração obstinado
que te envio, para lhes dizeres:
‘Eis o que diz o Senhor’.
Podem escutar-te ou não
- porque são uma casa de rebeldes -,
mas saberão que há um profeta no meio deles».
AMBIENTE
Ezequiel, o “profeta da esperança”, exerceu o seu
ministério na Babilônia no meio dos
exilados judeus. O profeta fez parte dessa primeira leva de
exilados que, em 597 a .C.,
Nabucodonosor deportou para a Babilônia.
A primeira fase do ministério de Ezequiel decorreu
entre 593 a .C.
(data do seu
chamamento à vocação profética) e 586 a .C. (data em que Jerusalém foi
conquistada
uma segunda vez pelos exércitos de Nabucodonosor e uma nova
leva de exilados foi
encaminhada para a Babilônia). Nesta fase, o profeta
preocupou-se em destruir as
falsas esperanças dos exilados (convencidos de que o exílio
terminaria em breve e
que iam poder regressar rapidamente à sua terra) e em
denunciar a multiplicação das
infidelidades a Jahwéh por parte desses membros do Povo
judeu que escaparam ao
primeiro exílio e que ficaram em Jerusalém.
A segunda fase do ministério de Ezequiel
desenrolou-se a partir de 586
a .C. e
prolongou-se até cerca de 570 a .C.. Instalados numa
terra estrangeira, privados de
Templo, de sacerdócio e de culto, os exilados estavam
desiludidos e duvidavam de
Jahwéh e do compromisso que Deus tinha assumido com o seu
Povo. Nessa fase,
Ezequiel procurou alimentar a esperança dos exilados e transmitir
ao Povo a certeza
de que o Deus salvador e libertador não tinha abandonado
nem esquecido o seu
Povo.
O texto que nos é proposto hoje como primeira leitura faz
parte do relato da vocação
de Ezequiel (cf. Ez 1,1-3,27). Depois de descrever a
manifestação de Deus, num
quadro que apresenta todas as características especiais das
teofanias (cf. Ez 1,1-28),
o profeta apresenta um discurso no qual Jahwéh define a
missão que lhe vai confiar
(cf. Ez 2,1-3,15). O episódio é situado “no quinto ano do
cativeiro do rei Joaquim”, “na
Caldeia, nas margens do rio Cabar” (Ez 1,2).
Seria um erro interpretar este relato como informação
biográfica… Trata-se, antes, de
mostrar – com a linguagem da época e utilizando os
processos típicos da literatura da
época – que o profeta recebeu uma missão de Deus e que fala
e atua em nome de
Deus.
MENSAGEM
O nosso texto apresenta alguns dos elementos típicos dos
relatos de vocação e que
fazem parte de qualquer história de vocação.
Sugere-se, em primeiro lugar, que a vocação profética é um
desígnio divino. Não se
nomeia Jahwéh diretamente; mas aquele que chama Ezequiel
não pode ser outro
senão Deus… O nosso texto é antecedido (cf. Ez 1,1-28) de
uma solene manifestação
de Deus. Depois, o profeta ouve uma “voz” que o chama
(vers. 2) e que revela a
Ezequiel que deve dirigir-se a esse Povo rebelde que se
insurgiu contra Deus. Há
também uma referência ao “espírito” que se apossou do
profeta e o fez “levantar”; de
acordo com a reflexão judaica, era Deus que comunicava uma
força divina – o seu
“espírito” – àqueles que escolhia para enviar a salvar o
seu Povo, como os juízes (cf.
Jz 14,6.19; 15,14), os reis (cf. 1 Sm 10,6.10; 16,13) e os
profetas (no caso de
Ezequiel, esse “espírito” aparece como uma manifestação
especialmente violenta de
Deus, que se apossa do profeta e o destina para o seu
serviço). A vocação é sempre
uma iniciativa de Deus e não uma escolha do homem. Foi Deus
que chamou Ezequiel
e que o designou para o seu serviço.
Em segundo lugar, aparece a idéia de que o chamamento é
dirigido a um homem.
Ezequiel é chamado “filho de homem” (vers. 3) – expressão
hebraica que significa
simplesmente “homem ligado à terra, fraco e mortal. Deus
chama homens frágeis e
limitados, não seres extraordinários, etéreos, dotados de
capacidades incomuns… O
que é decisivo não são as qualidades extraordinárias do
profeta, mas o chamamento
de Deus e a missão que Deus lhe confia. A indignidade e a
limitação, típicas do “filho
do homem”, não são impeditivas para a missão: a eleição
divina dá ao profeta
autoridade, apesar dos seus limites bem humanos.
Em terceiro lugar, temos a definição da missão. Ezequiel, o
profeta, é enviado a um
Povo rebelde, que continuamente se afasta dos caminhos de
Jahwéh. A sua missão é
apresentar a esse Povo as propostas de Deus. O mais
importante não é que as
palavras do profeta sejam ou não escutadas; o que é
importante é que o profeta seja,
no meio do Povo, a voz que indica os caminhos de Deus
(vers. 4-5).
A vida de Ezequiel realizou integralmente o projeto de
Deus. Chamado por Jahwéh,
ele foi, no meio do Povo exilado na Babilônia, uma voz
humana através da qual Deus
apresentou ao seu Povo o caminho para a vida plena e
verdadeira. É essa a missão
do profeta.
ATUALIZAÇÃO
♦ Os “profetas” não são um grupo humano extinto há muitos
séculos, mas são uma
realidade com que Deus continua a contar para intervir no
mundo e para recriar a
história. Quem são, hoje, os profetas? Onde estão eles?
♦ No batismo, fomos ungidos como profetas, à imagem de
Cristo. Cada um de nós
tem a sua história de vocação profética: de muitas formas
Deus entra na nossa
vida, desafia-nos para a missão, pede uma resposta positiva
à sua proposta.
Temos consciência de que Deus nos chama – às vezes de
formas bem banais – à
missão profética? Estamos atentos aos sinais que Ele semeia
na nossa vida e
através dos quais Ele nos diz, dia a dia, o que quer de
nós? Temos a noção de
que somos a “boca” através da qual a Palavra de Deus se
dirige aos homens?
♦ O profeta é o homem que vive de olhos postos em Deus e de
olhos postos no
mundo (numa mão a Bíblia, na outra o jornal diário).
Vivendo em comunhão com
Deus e intuindo o projeto que Ele tem para o mundo, e
confrontando esse
projeto com a realidade humana, o profeta percebe a
distância que vai do sonho
de Deus à realidade dos homens. É aí que ele intervém, em
nome de Deus, para
denunciar, para avisar, para corrigir. Somos estas pessoas,
simultaneamente em
comunhão com Deus e atentas às realidades que enfeiam o
nosso mundo? Em
concreto, em que situações sou chamado, no dia a dia, a
exercer a minha vocação
profética?
♦ A denúncia profética implica, tantas vezes, a perseguição,
o sofrimento, a
marginalização e, em tantos casos, a própria morte (Óscar
Romero, Luther King,
Gandhi…). Como lidamos com a injustiça e com tudo aquilo
que rouba a dignidade
dos homens? O medo, o comodismo, a preguiça, alguma vez nos
impediram de
ser profetas?
♦ É preciso ter consciência, também, que as nossas limitações
e indignidades muito
humanas não podem servir de desculpa para realizar a missão
que Deus quer
confiar-nos: se Ele nos pede um serviço, dar-nos-á também a
força para superar
os nossos limites e para cumprir o que nos pede. As
fragilidades que fazem parte
da nossa humanidade não podem, em nenhuma circunstância,
servir de desculpa
para não cumprirmos a nossa missão profética no meio dos
nossos irmãos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 122 (123)
Refrão: Os nossos olhos estão postos no Senhor,
até que Se compadeça de nós.
Levanto os olhos para Vós,
para Vós que habitais no Céu,
como os olhos do servo
se fixam nas mãos do seu senhor.
Como os olhos da serva
se fixam nas mãos da sua senhora,
assim os nossos olhos se voltam para o Senhor nosso Deus,
até que tenha piedade de nós.
página 4
Piedade, Senhor, tende piedade de nós,
porque estamos saturados de desprezo.
A nossa alma está saturada do sarcasmo dos arrogantes
e do desprezo dos soberbos.
LEITURA II – 2Cor 12,7-10
Irmãos:
Para que a grandeza das revelações não me ensoberbeça,
foi-me deixado um espinho na carne,
- um anjo de Satanás que me esbofeteia -
para que não me orgulhe.
Por três vezes roguei ao Senhor que o apartasse de mim.
Mas Ele disse-me: «Basta-te a minha graça,
porque é na fraqueza que se manifesta todo o meu poder».
Por isso, de boa vontade me gloriarei das minhas fraquezas,
para que habite em mim o poder de Cristo.
Alegro-me nas minhas fraquezas,
nas afrontas, nas adversidades,
nas perseguições e nas angústias sofridas por amor de
Cristo,
porque, quando sou fraco, então é que sou forte.
AMBIENTE
A segunda Carta de Paulo aos Coríntios espelha uma época de
relações conturbadas
entre Paulo e os cristãos de Corinto. As críticas de Paulo
a alguns membros da
comunidade que levavam uma vida pouco consentânea com os
valores cristãos
(primeira Carta aos Coríntios) provocaram uma reação
extremada e uma campanha
organizada no sentido de desacreditar Paulo. Essa campanha
foi instigada por certos
missionários itinerantes procedentes das comunidades
cristãs da Palestina, que se
consideravam representantes dos Doze e que minimizavam o
trabalho apostólico de
Paulo. Entre outras coisas, esses missionários afirmavam
que Paulo era inferior aos
outros apóstolos, por não ter convivido com Jesus e que a
catequese apresentada por
Paulo não estava em consonância com a doutrina da Igreja.
Paulo, informado de tudo,
dirigiu-se apressadamente para Corinto e teve um violento
confronto com os seus
detratores. Depois, bastante magoado, retirou-se para
Éfeso. Tito, amigo de Paulo,
fino negociador e hábil diplomata, partiu para Corinto, a
fim de tentar a reconciliação.
Paulo, entretanto, deixou Éfeso e foi para Tróade. Foi aí
que reencontrou Tito,
regressado de Corinto. As notícias trazidas por Tito eram
animadoras: o diferença fora
ultrapassado e os coríntios estavam, outra vez, em comunhão
com Paulo.
Reconfortado, Paulo escreveu uma tranquila apologia do seu
apostolado, à qual juntou
um apelo em favor de uma coleta para os pobres da Igreja de
Jerusalém. Esse texto
é a nossa segunda Carta de Paulo aos Coríntios. Estamos no
ano 56 ou 57.
O texto que nos é proposto integra a terceira parte da
carta (cf. 2 Cor 10,1-13,10). Aí
Paulo, num estilo apaixonado, às vezes cáustico, mas sempre
levado pela exigência
da verdade e da fé, defende a autenticidade do seu
ministério frente a esses “super-apóstolos”
que o acusavam.
Como apóstolo, Paulo não se sente inferior a ninguém e muito
menos aos seus
detratores. Estes orgulhavam-se das suas credenciais e
afirmavam por toda a parte
os seus dons carismáticos… Paulo, se quisesse entrar no
mesmo jogo, podia
orgulhar-se de muitas coisas, nomeadamente das revelações
que recebeu e das suas
experiências místicas (cf. 2 Cor 12,1-4); mas ele quer
apenas que o vejam como um
homem frágil e vulnerável, a quem Deus chamou e a quem
enviou para dar
testemunho de Jesus Cristo no meio dos homens.
MENSAGEM
Assumindo essa condição de debilidade e de vulnerabilidade,
Paulo fala aos Coríntios
de uma limitação que transporta no seu corpo, um “anjo de
Satanás” que lhe recorda
continuamente a sua finitude e fragilidade (vers. 7). De
que é que se trata, em
concreto? Não o sabemos. Provavelmente, trata-se de uma
doença física crônica (em
Gl 4,13-14 Paulo fala de uma grave enfermidade física, que
fez com que o corpo do
apóstolo fosse, para os Gálatas, “uma provação”; mas nada
garante que essa
enfermidade física esteja relacionada com este “anjo de
Satanás” de que ele fala aos
Coríntios). O fato de Paulo chamar a essa limitação que o
apoquenta um “anjo de
Satanás” deve ter a ver com o fato de a mentalidade judaica
ligar as enfermidades
aos “espíritos maus”. De acordo com outra interpretação,
esse “espinho na carne” que
é um “anjo de Satanás”, poderia referir-se também aos
obstáculos que Satanás põe a
Paulo no que diz respeito ao anúncio do Evangelho.
Em todo o caso, o problema pessoal de Paulo mostra como a
finitude e a fragilidade
não são determinantes para a missão; o que é determinante é
a graça de Deus… Com
a graça de Deus, Paulo tudo pode, apesar da sua debilidade.
Deus não eliminou o
problema, apesar dos insistentes pedidos de Paulo; mas é
ele que dá a Paulo a força
para continuar a sua missão, apesar dos limites que esse
“espinho na carne” lhe
impõe. Na verdade, o problema pessoal de que Paulo sofre dá
testemunho de que
Deus actua e manifesta o seu poder no mundo através de
instrumentos débeis, finitos
e limitados. No apóstolo – ser humano, vivendo na condição
de finitude, de
vulnerabilidade, de debilidade – manifesta-se ao mundo e
aos homens a força de
Deus e de Cristo.
ATUALIZAÇÃO
♦ O caso pessoal de Paulo diz-nos muito sobre os métodos de
Deus… Para vir ao
encontro dos homens e para lhes apresentar a sua proposta
de salvação, Deus
não utiliza métodos espetaculares, poderosos, majestosos,
que se impõem de
forma avassaladora e que deixam uma marca de estupefação e
de espanto na
memória dos povos; mas, quase sempre, Deus utiliza a
fraqueza, a debilidade, a
fragilidade, a simplicidade para nos dar a conhecer os seus
caminhos. Nós,
homens e mulheres do séc. XXI, deixamo-nos, facilmente, impressionar
pelos
grandes gestos, pelos cenários magnificentes, pelas
roupagens vultosas, por
tudo o que aparece envolvido num halo cintilante de
riqueza, de prestígio social, de
poder, de beleza; e, por outro lado, temos mais dificuldade
em reparar naquilo que
se apresenta pobre, humilde, simples, frágil, débil… A
Palavra de Deus que hoje
nos é proposta garante-nos que é na fraqueza que se revela
a força de Deus.
Precisamos de aprender a ver o mundo, os homens e as coisas
com os olhos de
Deus e a descobrir esse Deus que, na debilidade, na
simplicidade, na pobreza, na
fragilidade, vem ao nosso encontro e nos indica os caminhos
da vida.
♦ A consciência de que as suas qualidades e defeitos não são
determinantes para o
sucesso da missão, pois o que é importante é a graça de
Deus, deve levar o
“profeta” a despir-se de qualquer sentimento de orgulho ou
de auto-suficiência. O
“profeta” deve sentir-se, apenas, um instrumento humano,
frágil, débil e limitado,
através do qual a força e a graça de Deus agem no mundo.
Quando o “profeta”
tem consciência desta realidade, percebe como são
despropositadas e sem
sentido quaisquer atitudes de vedetismo ou de busca de
protagonismo, no
cumprimento da missão… A missão do “profeta” não é atrair
sobre si próprio as
luzes da ribalta, as câmaras da televisão ou o olhar das
multidões; a missão do
“profeta” é servir de veículo humano à proposta libertadora
de Deus para os
homens.
♦ Como pano de fundo do nosso texto, está a polêmica de Paulo
com alguns
cristãos que não o aceitavam. Ao longo de todo o seu
percurso missionário, Paulo
teve de lidar frequentemente com a incompreensão; e, muitas
vezes, essa
incompreensão veio até dos próprios irmãos na fé e dos
membros dessas
comunidades a quem Paulo tinha levado, com muito esforço, o
anúncio libertador
de Jesus. No entanto, a incompreensão nunca abalou a
decisão e o entusiasmo de
Paulo no anúncio da Boa Nova de Jesus… Ele sentia que Deus
o tinha chamado a
uma missão e que era preciso levar essa missão até ao fim,
doesse a quem
doesse… Frequentemente, temos de lidar com realidades
semelhantes. Todos
experimentamos já momentos de incompreensão e de oposição
(que, muitas
vezes, vêm do interior da nossa própria comunidade e que,
por isso, magoam
mais). É nessas alturas que o exemplo de Paulo deve brilhar
diante dos nossos
olhos e ajudar-nos a vencer o desânimo e a tentação de
desistir.
♦ Neste texto de Paulo (como, aliás, em quase todos os textos
do apóstolo),
transparece a atitude de vida de um cristão para quem
Cristo é, verdadeiramente,
o centro da própria existência e que só vive em função de
Cristo… Nada mais lhe
interessa senão anunciar as propostas de Cristo e dar
testemunho da graça
salvadora de Cristo. Que lugar ocupa Cristo na minha vida?
Que lugar ocupa
Cristo nos meus projetos, nas minhas decisões, nas minhas
opções, nas minhas
atitudes?
ALELUIA – cf. Lc 4,18
Aleluia. Aleluia.
O Espírito do Senhor está sobre mim:
Ele me enviou a anunciar o Evangelho aos pobres.
EVANGELHO – Mc 6,1-6
Naquele tempo,
Jesus dirigiu-Se à sua terra
e os discípulos acompanharam-n’O.
Quando chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga.
Os numerosos ouvintes estavam admirados e diziam:
«De onde Lhe vem tudo isto?
Que sabedoria é esta que Lhe foi dada
e os prodigiosos milagres feitos por suas mãos?
Não é ele o carpinteiro, Filho de Maria,
e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão?
E não estão as suas irmãs aqui entre nós?»
E ficavam perplexos a seu respeito.
Jesus disse-lhes:
«Um profeta só é desprezado na sua terra,
entre os seus parentes e em sua casa».
E não podia ali fazer qualquer milagre;
apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos.
Estava admirado com a falta de fé daquela gente.
E percorria as aldeias dos arredores, ensinando.
AMBIENTE
O Evangelho de hoje fala-nos de uma visita à “terra” de
Jesus. De acordo com Mc 1,9,
a “terra” de Jesus era Nazaré, uma pequena vila da Galileia
situada a 22 Km
a oeste
do Lago de Tiberíades. Esta povoação tipicamente agrícola
nunca teve grande
importância no universo na história do judaísmo… O Antigo
Testamento ignora-a
completamente; Flávio José e os escritores rabínicos também
não lhe fazem
qualquer referência. Os contemporâneos de Jesus parecem
conceder-lhe escassa
consideração (cf. Jo 1,46). Nazaré é, no entanto, a cidade
onde Jesus cresceu e onde
reside a sua família.
A cena principal que nos é relatada por Marcos passa-se na
sinagoga de Nazaré, num
sábado. Jesus, como qualquer outro membro da comunidade
judaica, foi à sinagoga
para participar no ofício sinagogal; e, fazendo uso do
direito que todo o israelita adulto
tinha, leu e comentou as Escrituras.
O episódio que nos é proposto integra a primeira parte do
Evangelho segundo Marcos
(cf. Mc 1,14-8,30). Aí, Jesus é apresentado como o Messias
que proclama, por toda a
Galileia, o Reino de Deus. Na secção que vai de 3,7 a 6,6, contudo, Marcos
refere-se
especialmente à reação do Povo face à proclamação de Jesus…
À medida que o
“caminho do Reino” vai avançando, vão-se multiplicando as
oposições e
incompreensões face ao projeto que Jesus anuncia. O nosso
texto deve ser
entendido neste ambiente.
MENSAGEM
Os ensinamentos de Jesus na sinagoga, naquele sábado,
deixam impressionados os
habitantes de Nazaré, como já tinham deixado impressionados
os fiéis da sinagoga de
Cafarnaum (cf. Mc 1,21-28). No entanto, os de Cafarnaum,
depois de ouvir Jesus,
reconheceram a sua autoridade mais do que divina (e que,
segundo eles, era diferente
da autoridade dos doutores da Lei); os de Nazaré vão chegar
a conclusões distintas.
Depois de escutarem Jesus, na sinagoga, os seus
conterrâneos traduzem a sua
perplexidade através de várias perguntas… Duas das questões
postas dizem respeito
à origem e à qualidade dos ensinamentos de Jesus (“de onde
lhe vem tudo isto? Que
sabedoria é esta que lhe foi dada?” – vers. 2); uma outra
questão refere-se à
qualificação das ações de Jesus (“e os prodigiosos milagres
feitos por suas mãos?” –
vers. 2).
Numa espécie de contraponto à impressão que Jesus lhes
deixou, eles recordam o
seu ofício e a “normalidade” da sua família (vers. 3a)…
Para eles, Jesus é “o
carpinteiro”: não é um “rabi”, nunca estudou as Escrituras
com nenhum mestre
conceituado e não tem qualificações para dizer as coisas
que diz. Por outro lado, eles
conhecem a identidade da família de Jesus e não descobrem
nela nada de
extraordinário: Ele é o “filho de Maria” e os seus irmãos e
irmãs são gente “normal”,
que toda a gente conhece em Nazaré e que nunca revelaram
qualidades
excepcionais. Portanto, parece claro que o papel assumido
por Jesus e as acções que
Ele realizou são humanamente inexplicáveis.
A questão seguinte (que, no entanto, não aparece
explicitamente formulada) é esta:
estas capacidades extraordinárias que Jesus revela (e que
não vêm certamente dos
conhecimentos adquiridos no contacto com famosos mestres,
nem do ambiente
familiar) vêm de Deus ou do diabo? Desde o primeiro
momento, os comentários dos
habitantes de Nazaré deixam transparecer uma atitude
negativa e um tom depreciativo
na análise de Jesus. Nem sequer se referem a Jesus pelo
próprio nome, mas usam
sempre um pronome para falar d’Ele (Jesus é “este” ou “ele”
- vers. 2-3). Depois,
chamam-Lhe depreciativamente “o filho de Maria” (o costume
era o filho ser conhecido
em referência ao pai e não à mãe). Como cenário de fundo do
pensamento dos
habitantes de Nazaré está provavelmente a acusação feita a
Jesus algum tempo antes
pelos “doutores da Lei que haviam descido de Jerusalém e
que afirmavam: «Ele tem
Belzebu! É pelo chefe dos demônios que ele expulsa os demônios»“
(Mc 3,22).
Marcos conclui que os habitantes de Nazaré ficaram
“escandalizados” (vers. 3b) com
Jesus (o verbo grego “scandalidzô”, aqui utilizado,
significa muito mais do que o “ficar
perplexo” das nossas traduções: significa “ofender”,
“magoar”, “ferir
suscetibilidades”). Há na vila uma espécie de indignação
porque Jesus, apesar de ter
sido desautorizado pelos mestres reconhecidos do judaísmo,
continua a desenvolver a
sua atividade à margem da instituição judaica. Ele põe em
causa a religião
tradicional, quando ensina coisas diferentes e de forma
diferente dos mestres
reconhecidos. Conclusão: Ele está fora da instituição
judaica; o seu ensinamento não
pode, portanto, vir de Deus, mas do diabo. Os conterrâneos
de Jesus não conseguem
reconhecer a presença de Deus naquilo que Jesus diz e faz.
Jesus responde aos seus concidadãos (vers. 4) citando um
conhecido provérbio, mas
que Ele modifica, em parte (o original devia soar mais ou
menos assim: “nenhum
profeta é respeitado no seu lugar de origem, nenhum médico
faz curas entre os seus
conhecidos”). Nessa resposta, Jesus assume-se como profeta
– isto é, como um
enviado de Deus, que atua em nome de Deus e que tem uma
mensagem de Deus
para oferecer aos homens. Os ensinamentos que Jesus propõe
não vêm dos mestres
judaicos, mas do próprio Deus; a vida que Ele oferece é a
vida plena e verdadeira que
Deus quer propor aos homens.
A recusa generalizada da proposta que Jesus traz coloca-o
na linha dos grandes
profetas de Israel. O Povo teve sempre dificuldade em
reconhecer o Deus que vinha
ao seu encontro na palavra e nos gestos proféticos. O fato
de as propostas
apresentadas por Jesus serem rejeitadas pelos líderes, pelo
povo da sua terra, pelos
seus “irmãos e irmãs” e até pelos da sua casa não invalida,
portanto, a sua verdade e
a sua procedência divina.
Porque é que Jesus “não podia ali fazer qualquer milagre”
(vers. 5)? Deus oferece aos
homens, através de Jesus, perspectivas de vida nova e
eterna… No entanto, os
homens são livres; se eles se mantêm fechados nos seus
esquemas e preconceitos
egoístas e rejeitam a vida que Deus lhes oferece, Jesus não
pode fazer nada. Marcos
observa, apesar de tudo, que Jesus “curou alguns doentes
impondo-lhes as mãos”.
Provavelmente, estes “doentes” são aqueles que manifestam
uma certa abertura a
Jesus mas que, de qualquer forma, não têm a coragem de
cortar radicalmente com os
mecanismos religiosos do judaísmo para descobrir a novidade
radical do Reino que
Jesus anuncia.
Marcos nota ainda a “surpresa” de Jesus pela falta de fé
dos seus concidadãos (vers.
6a). Esperava-se que, confrontados com a proposta nova de
liberdade e de vida plena
que Jesus apresenta, os seus interlocutores renunciassem à
escravidão para abraçar
com entusiasmo a nova realidade… No entanto, eles estão de
tal forma acomodados e
instalados, que preferem a vida velha da escravidão à
novidade libertadora de Jesus.
Este fato decepcionante não impede, contudo, que Jesus
continue a propor a Boa
Nova do Reino a todos os homens (vers. 6b). Deus oferece,
sem interrupção, a sua
vida; ao homem resta acolher ou não esse oferecimento.
ATUALIZAÇÃO
♦ O texto do Evangelho repete uma idéia que aparece também
nas outras duas
leituras deste domingo: Deus manifesta-se aos homens na
fraqueza e na
fragilidade. Normalmente, Ele não se manifesta na força, no
poder, nas qualidades
que o mundo acha brilhantes e que os homens admiram e
endeusam; mas, muitas
vezes, Ele vem ao nosso encontro na fraqueza, na
simplicidade, na debilidade, na
pobreza, nas situações mais simples e banais, nas pessoas
mais humildes e
despretenciosas… É preciso que interiorizemos a lógica de
Deus, para que não
percamos a oportunidade de o encontrar, de perceber os seus
desafios, de acolher
a proposta de vida que Ele nos faz…
página 9
♦ Um dos elementos questionantes no episódio que o Evangelho
deste domingo nos
propõe é a atitude de fechamento a Deus e aos seus
desafios, assumida pelos
habitantes de Nazaré. Comodamente instalados nas suas
certezas e preconceitos,
eles decidiram que sabiam tudo sobre Deus e que Deus não
podia estar no
humilde carpinteiro que eles conheciam bem… Esperavam um
Deus forte e
majestoso, que se havia de impor de forma estrondosa, e
assombrar os inimigos
com a sua força; e Jesus não se encaixava nesse perfil.
Preferiram renunciar a
Deus, do que à imagem que d’Ele tinham construído. Há aqui
um convite a não
nos fecharmos nos nossos preconceitos e esquemas mentais
bem definidos e
arrumados, e a purificarmos continuamente, em diálogo com
os irmãos que
partilham a mesma fé, na escuta da Palavra revelada e na
oração, a nossa
perspectiva acerca de Deus.
♦ Para os habitantes de Nazaré Jesus era apenas “o
carpinteiro” da terra, que nunca
tinha estudado com grandes mestres e que tinha uma família
conhecida de todos,
que não se distinguia em nada das outras famílias que
habitavam na vila; por isso,
não estavam dispostos a conceder que esse Jesus –
perfeitamente conhecido,
julgado e catalogado – lhes trouxesse qualquer coisa de
novo e de diferente… Isto
deve fazer-nos pensar nos preconceitos com que, por vezes,
abordamos os
nossos irmãos, os julgamos, os catalogamos e etiquetamos…
Seremos sempre
justos na forma como julgamos os outros? Por vezes, os
nossos preconceitos não
nos impedirão de acolher o irmão e a riqueza que Ele nos
traz?
♦ Jesus assume-se como um profeta, isto é, alguém a quem Deus
confiou uma
missão e que testemunha no meio dos seus irmãos as
propostas de Deus. A
nossa identificação com Jesus faz de nós continuadores da
missão que o Pai Lhe
confiou. Sentimo-nos, como Jesus, profetas a quem Deus
chamou e a quem
enviou ao mundo para testemunharem a proposta libertadora
que Deus quer
oferecer a todos os homens? Nas nossas palavras e gestos
ecoa, em cada
momento, a proposta de salvação que Deus quer fazer a todos
os homens?
♦ Apesar da incompreensão dos seus concidadãos, Jesus
continuou, em absoluta
fidelidade aos planos do Pai, a dar testemunho no meio dos
homens do Reino de
Deus. Rejeitado em Nazaré, Ele foi, como diz o nosso texto,
percorrer as aldeias
dos arredores, ensinando a dinâmica do Reino. O testemunho
que Deus nos
chama a dar cumpre-se, muitas vezes, no meio das
incompreensões e
oposições… Frequentemente, os discípulos de Jesus sentem-se
desanimados e
frustrados porque o seu testemunho não é entendido nem
acolhido (nunca
aconteceu pensarmos, depois de um trabalho esgotante e
exigente, que estivemos
a perder tempo?)… A atitude de Jesus convida-nos a nunca
desanimar nem
desistir: Deus tem os seus projetos e sabe como transformar
um fracasso num
êxito.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 14º DOMINGO DO TEMPO
COMUM
Ao longo dos dias da semana anterior ao 14º Domingo do
Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la
pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a
meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num
grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar,
sobretudo, a semana para viver
em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Os ouvintes estão admirados, chocados… Como poderia Jesus
fazer milagres quando
se punha em dúvida as suas palavras de profeta e os seus
atos de salvador? Com
efeito, os seus conterrâneos olham-no apenas com os olhos
de carne, só vêem n’Ele
o filho do carpinteiro com quem tinham jogado, trabalhado,
escutado a lei na
sinagoga… Não reconhecem nele o enviado de Deus. Falta-lhes
o olhar da fé para ler
no seu ensino a mensagem de Deus e nos seus milagres sinais
do Todo-Poderoso. E
nós, como está o nosso olhar de fé, ao vermos Jesus e os
seus sinais de salvação?
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Testemunho profético
Afinal, o que é um profeta? A idéia mais espalhada é que é
alguém que prevê e
anuncia o futuro. Esses profetas não faltam hoje… Ora, como
Ezequiel, o verdadeiro
profeta está habitado, em primeiro lugar, pelo Espírito
Santo, para ser em seguida
enviado aos seus irmãos em humanidade e lhes anunciar a
Palavra de Deus. Mas não
se trata de uma missão de descanso! A Palavra de Deus
inquieta sempre, porque
convida os homens a descentrarem-se de si mesmos. Ezequiel
é enviado a um povo
de rebeldes, que têm o rosto duro e o coração obstinado.
Nestas circunstâncias, não é
fácil fazer-se ouvir. A missão do profeta não é prazer.
Jesus fez a experiência… Basta
ver a atitude dos seus conterrâneos… A própria família
tinha tentado impedi-lo de
falar. Ora, pelo nosso batismo e confirmação, todos somos
chamados a ser profetas,
a deixarmo-nos habitar pelo Espírito, pela Palavra de Deus,
para nos tornarmos
arautos e testemunhas onde vivemos. O Concílio Vaticano II,
recuperando esta missão
profética dos batizados, declara que estes últimos recebem
todos o sentido da fé e a
graça da palavra, a fim de que brilhe na sua vida
quotidiana a força do Evangelho. Os
cristãos não devem esconder este testemunho e esta palavra
no segredo do seu
coração, mas devem exprimi-lo também através das estruturas
da vida do mundo. Há
que tomar a sério esta missão profética!
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
A cada um o seu chamamento
Cada um de nós pode refletir qual é o chamamento pessoal do
Senhor, à volta de
três palavras: vocação – graça – dificuldades. Qual é a
minha vocação, a que é que
Deus me chama, aonde me envia? Como se manifesta em mim a
sua graça? Quais as
dificuldades que encontro, como as ultrapassar? Viveremos
então, no recomeço do
ano, um novo início de caminhada.
15º Domingo do Tempo Comum
A liturgia do 15º Domingo do Tempo Comum recorda-nos que
Deus atua no mundo
através dos homens e mulheres que Ele chama e envia como
testemunhas do seu
projeto de salvação. Esses “enviados” devem ter como grande
prioridade a fidelidade
ao projeto de Deus e não a defesa dos seus próprios
interesses ou privilégios.
A primeira leitura apresenta-nos o exemplo do
profeta Amós. Escolhido, chamado e
enviado por Deus, o profeta vive para propor aos homens –
com verdade e coerência
– os projetos e os sonhos de Deus para o mundo. Atuando com
total liberdade, o
profeta não se deixa manipular pelos poderosos nem
amordaçar pelos seus próprios
interesses pessoais.
A segunda leitura garante-nos que Deus tem um
projeto de vida plena, verdadeira e
total para cada homem e para cada mulher – um projeto que
desde sempre esteve na
mente do próprio Deus. Esse projeto, apresentado aos homens
através de Jesus
Cristo, exige de cada um de nós uma resposta decidida,
total e sem subterfúgios.
No Evangelho, Jesus envia os discípulos em missão. Essa missão –
que está no
prolongamento da própria missão de Jesus – consiste em
anunciar o Reino e em lutar
objetivamente contra tudo aquilo que escraviza o homem e
que o impede de ser feliz.
Antes da partida dos discípulos, Jesus dá-lhes algumas
instruções acerca da forma de
realizar a missão… Convida-os especialmente à pobreza, à
simplicidade, ao
despojamento dos bens materiais.
LEITURA I – Am 7,12-15
Naqueles dias,
Amasias, sacerdote de Betel, disse a Amós:
«Vai-te daqui, vidente.
Foge para a terra de Judá.
Aí ganharás o pão com as tuas profecias.
Mas não continues a profetizar aqui em Betel,
que é o santuário real, o templo do reino».
Amós respondeu a Amasias:
«Eu não era profeta, nem filho de profeta.
Era pastor de gado e cultivava sicômoros.
Foi o Senhor que me tirou da guarda do rebanho e me disse:
‘Vai profetizar ao meu povo de Israel’».
AMBIENTE
Amós, o “profeta da justiça social”, exerceu o seu
ministério profético no reino do Norte
(Israel) em meados do séc. VIII a.C. (possivelmente, por
volta de 762 a .
C.), durante o
reinado de Jeroboão II. É uma época de prosperidade econômica
e de tranquilidade
política: as conquistas de Jeroboão II alargaram
consideravelmente os limites do reino
e permitiram a entrada de tributos dos povos vencidos; o
comércio e a indústria
(mineira e têxtil) desenvolveram-se significativamente… As
construções da burguesia
urbana atingiram um luxo e magnificência até então
desconhecidos.
A prosperidade e bem-estar das classes favorecidas
contrastavam, porém, com a
miséria das classes baixas. O sistema de distribuição
estava nas mãos de
comerciantes sem escrúpulos que, aproveitando o bem-estar
econômico,
especulavam com os preços. Com o aumento dos preços dos
bens essenciais, as
famílias de menores recursos endividavam-se e acabavam por
se ver espoliadas das
suas terras em favor dos grandes latifundiários. A classe
dirigente, rica e poderosa,
dominava os tribunais e subornava os juízes, impedindo que
o tribunal fizesse justiça
aos mais pobres e defendesse os direitos dos menos
poderosos.
Entretanto, a religião florescia num esplendor ritual nunca
visto. Magníficas festas,
abundantes sacrifícios de animais, um culto esplendoroso,
marcavam a vida religiosa
dos israelitas… O problema é que esse culto não tinha nada
a ver com a vida: no dia a
dia, os mesmos que participavam nesses ritos cultuais
majestosos praticavam
injustiças contra o pobre e cometiam toda a espécie de
atropelos ao direito. Ainda
mais: os ricos ofereciam a Deus abundantes ofertas, a fim
de serenar as suas
consciências culpadas e a fim de assegurar a cumplicidade
de Deus para os seus
negócios escuros… Além disso, a influência da religião
cananéia estava a levar os
israelitas para o sincretismo religioso: o culto a Jahwéh
misturava-se com rituais
pagãos provenientes dos cultos a Baal e Astarte. Essa
confusão religiosa punha em
sérios riscos a pureza da fé jahwista.
É neste contexto que aparece o profeta Amós. Natural de
Técua (uma pequena aldeia
situada no deserto de Judá), Amós não é profeta
profissional; mas, chamado por
Deus, deixa a sua terra e parte para o reino vizinho para
gritar à classe dirigente a sua
denúncia profética. A rudeza do seu discurso, aliada à
integridade e afoiteza da sua fé,
traz algo do ambiente duro do deserto e contrasta com a
indolência e o luxo da
sociedade israelita da época.
O episódio que a primeira leitura deste domingo nos propõe
leva-nos até ao santuário
de Betel, no centro da Palestina. Trata-se de um lugar
considerado sagrado, desde
tempos imemoriais. De acordo com Gn 35,1-8, Jacob construiu
aí um altar e dedicou-o
a Jahwéh. Mais tarde, Betel aparece como o local onde se
reúne a assembléia de
“todo o Israel” para “consultar Deus” (cf. Jz 20,18), para
chorar diante de Deus a sua
infelicidade (cf. Jz 20,26) e para se encontrar com Deus
(cf. Jz 21,2). Tudo isto reflete
a importância cultual do lugar.
Quando o Povo de Deus se dividiu em dois reinos, após a
morte de Salomão (932
a.C.), os reis do norte (Israel) potenciaram o culto em
Betel, para impedir que os seus
súbditos tivessem de deslocar-se a Jerusalém, situado no
reino inimigo do sul (Judá).
Então, Betel transformou-se numa espécie de “santuário
oficial” do regime, onde o
culto era financiado, em grande parte, pelo próprio rei. O
sacerdote que presidia ao
culto era uma espécie de “funcionário real”, encarregado de
zelar para que os
interesses do rei fossem defendidos, nesse local por onde
passava uma parte
significativa dos fiéis de Israel. Na época em que Amós exerce o seu
ministério
profético em Betel, o sacerdote encarregado do santuário
era um tal Amasias. Alguns
elementos que chegaram até nós parecem indiciar também a
existência em Betel de
uma imagem de um bezerro, que representava Jahwéh e que era
adorado pelos fiéis
(cf. Os 10,5).
Betel é um dos lugares onde ecoa a denúncia profética de
Amós. Provavelmente,
Amós criticou as injustiças cometidas pelo rei e pela
classe dirigente; e, certamente,
denunciou, nesse lugar, um culto que era aliado da
injustiça e que procurava
comprometer Deus com os esquemas corruptos dos poderosos.
MENSAGEM
O nosso texto descreve o confronto entre o sacerdote
Amasias e o profeta Amós. É
um texto fundamental para entendermos a missão do profeta,
a sua liberdade face aos
interesses do mundo e dos poderes instituídos.
O sacerdote Amasias é o homem da religião oficial, voltado aos
interesses do rei e
da ordem estabelecida, comprometida com o poder político.
Para ele, o que interessa
é manter intocável um sistema que assegura benefícios
mútuos, quer ao trono, quer
ao altar. Nesse sistema, o rei é o guardião supremo da
ordem instituída e não há lugar
(nem necessidade) de uma intervenção que ponha em causa a
ordem estabelecida. A
tarefa da religião é, na perspectiva de Amasias, proteger e
legitimar os interesses do
rei; em troca, o rei sustenta o santuário. Trono e religião
são, assim, cúmplices ligados
por interesses mútuos, que fazem tudo para manter os
privilégios. O
próprio Amasias tem muito a perder, se as coisas não
correrem bem, já que é um
funcionário real cuja função é defender os interesses do
rei. A religião de Amasias é
uma religião escrava dos interesses, que se ajoelha diante
dos poderosos e que está
completamente fechada aos desafios de Deus (que, se fossem
escutados e acolhidos,
poderiam desarranjar o sistema). Nesta perspectiva, a
denúncia de Amós soa a
rebelião contra os interesses enlaçados do poder e da
religião, a doutrina subversiva
que põe em causa as estruturas e que abala os fundamentos
da ordem estabelecida.
Por isso, há que usar toda a força do sistema para calar a
voz incômoda do profeta.
Amós é, portanto, denunciado, convidado a deixar o
santuário e a voltar à sua terra
para “ganhar aí o seu pão”.
A resposta de Amós deixa claro que o profeta é um homem
livre, que não atua por
interesses humanos (próprios ou alheios), mas por mandato
de Deus. A iniciativa de
ser profeta não foi sua… Deus é que veio ao seu encontro,
interrompeu a normalidade
da sua vida e convocou-o para a missão. De resto, a
profecia não é, para ele, uma
ocupação profissional, ou uma forma de realizar interesses
pessoais. Amós é profeta
porque Deus irrompeu na sua vida com uma força
irresistível, tomou conta dele e
enviou-o a Israel. O profeta não está, portanto, preocupado
com os interesses do rei
ou com os interesses do sacerdote Amasias, ou com a
perpetuação de uma ordem
social injusta e opressora… Ele foi convocado para ser a
voz de Deus e só lhe
interessa cumprir a missão que Deus lhe confiou. Doa a quem
doer, é isso que Amós
procurará fazer. Ele não pode, nem quer ficar calado… A sua
missão (ainda que isso
custe a Amasias e ao rei) tem autoridade por si própria,
porque vem de Deus e Deus é
infinitamente maior do que o rei. Munido dessa autoridade
(que não só o legitima na
sua ação profética, mas até o obriga a ser fiel à missão
que lhe foi confiada), Amós
anuncia (num desenvolvimento que o texto que nos é proposto
não conservou – cf.
Am 7,16-17) o castigo para o rei, para Amasias e para toda
a nação infiel.
ATUALIZAÇÃO
♦ Neste texto – como em tantos outros textos proféticos –
transparece a absoluta
convicção de que o profeta é um homem de Deus, escolhido
por Deus, chamado
por Deus, enviado por Deus, legitimado por Deus. Deus está
na origem da
vocação profética; e a atuação do profeta só faz sentido se
partir de Deus e se
tiver como objetivo apresentar aos homens as propostas de
Deus. É preciso que
nós crentes – constituídos profetas pelo Batismo – tenhamos
Deus como a
referência de onde parte e para onde se orienta a nossa
ação e missão
proféticas. Nenhum profeta o é por sua iniciativa pessoal,
ou para anunciar
propostas pessoais; mas é Deus que nos chama, que nos envia
e que está na
base desse testemunho que somos chamados a dar no meio dos
homens.
♦ O profeta é um homem livre, que não se amedronta nem se
dobra face aos
interesses dos poderosos. Por isso, o profeta não pode
calar-se perante a
injustiça, a opressão, a exploração, tudo o que rouba a
vida e impede a realização
plena do homem. Amasias – o sacerdote que alinha ao lado
dos poderosos, que
defende intransigentemente a ordem estabelecida, que se
compromete com ela,
que vende a sua consciência para manter o lugar e que
transige com a injustiça
para não incomodar os poderosos – é um exemplo a não
seguir… Amós, o profeta
que não se cala nem se vende, que está disposto a arriscar
tudo (inclusive a
própria vida) para defender os pequenos e os fracos e que
não hesita em propor
os projetos de Deus para o homem e para o mundo, deve ser o
modelo para
qualquer crente a quem Deus chama a cumprir uma missão
profética no meio do
mundo.
♦ Amasias é o homem comodamente instalado nos seus
privilégios, benesses, que
cala a voz da própria consciência porque tem muito a perder
e não quer arriscar;
Amós é o profeta livre da preocupação com os bens
materiais, que não está
preocupado com a defesa dos próprios interesses, mas sim
com a defesa
intransigente dos interesses dos pobres e marginalizados,
que são os interesses
de Deus. A diferença entre os dois é a diferença entre
aquele para quem os
valores materiais são a prioridade fundamental e aquele
para quem os valores de
Deus são a prioridade fundamental. O verdadeiro profeta não
pode colocar os
bens materiais como a sua prioridade fundamental; se isso
acontecer, perderá a
sua liberdade profética e tornar-se-á um escravo de quem
lhe paga.
♦ Este texto fala-nos também da promiscuidade entre a
religião e o poder. Trata-se
de uma combinação que não produz bons frutos (como, aliás,
a história da Igreja
tem demonstrado nas mais diversas épocas e lugares). A
Igreja, para poder
exercer com fidelidade a sua missão profética, tem de
evitar colar-se aos
poderosos e depender deles, sob pena de ser infiel à missão
que Deus lhe confiou.
Uma Igreja que está preocupada em não incomodar o poder
para manter
privilégios fiscais, ou para continuar a receber dinheiro
para as instituições que
tutela, será uma Igreja escrava, de mãos atadas,
dependente, que está longe de
Jesus Cristo e da sua proposta libertadora.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 84 (85)
Refrão 1: Mostrai-nos, Senhor, o vosso amor
e dai-nos a vossa salvação.
Refrão 2: Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia.
Deus fala de paz ao seu povo e aos seus fiéis
e a quantos de coração a Ele se convertem.
A sua salvação está perto dos que O temem
e a sua glória habitará na nossa terra.
Encontraram-se a misericórdia e a fidelidade,
abraçaram-se a paz e a justiça.
A fidelidade vai germinar da terra
e a justiça descerá do Céu.
O Senhor dará ainda o que é bom,
e a nossa terra produzirá os seus frutos.
A justiça caminhará à sua frente
e a paz seguirá os seus passos.
LEITURA II – Ef 1,3-14
Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo,
que do alto dos Céus nos abençoou
com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo.
N’Ele nos escolheu, antes da criação do mundo,
para sermos santos e irrepreensíveis,
em caridade, na sua presença.
Ele nos predestinou, de sua livre vontade,
para sermos seus filhos adotivos, por Jesus Cristo,
para que fosse enaltecida a glória da sua graça,
com a qual nos favoreceu em seu amado Filho.
N’Ele, pelo seu sangue,
temos a redenção, a remissão dos pecados.
Segundo a riqueza da sua graça,
que Ele nos concedeu em abundância,
com plena sabedoria e inteligência,
deu-nos a conhecer o mistério da sua vontade:
segundo o beneplácito que nele de antemão estabelecera,
para se realizar na plenitude dos tempos:
instaurar todas as coisas em Cristo,
tudo o que há nos Céus e na terra.
Em Cristo fomos constituídos herdeiros,
por termos sido predestinados,
segundo os desígnios daquele que tudo realiza
conforme a decisão da sua vontade,
para servir à celebração da sua glória,
nós que desde o começo esperamos em Cristo.
Foi nele que vós também,
depois de ouvirdes a palavra da verdade,
o Evangelho da vossa salvação,
abraçastes a fé e fostes marcados pelo Espírito Santo
prometido,
que é o penhor da nossa herança,
para a redenção do povo que Deus adquiriu
para louvor da sua glória.
AMBIENTE
A cidade de Éfeso, capital da Província romana da Ásia,
estava situada na costa
ocidental da Ásia Menor. O seu importante porto e a sua
numerosa população faziam
dela uma cidade florescente. Paulo passou em Éfeso na sua
segunda viagem
missionária (cf. At 18,19-21) e, durante a sua terceira
viagem missionária, fez de
Éfeso o quartel-general, a partir do qual evangelizou toda
a zona ocidental da Ásia
Menor.
A nossa Carta aos Efésios é, provavelmente, um dos
exemplares de uma “carta
circular” enviada a várias igrejas da Ásia Menor, numa
altura em que Paulo
está na
prisão (em Cesareia? Em Roma?). O seu portador é um tal
Tíquico.
Alguns vêem nesta carta uma espécie de síntese da teologia
paulina, numa altura em
que a missão do apóstolo está praticamente terminada no
oriente. O tema mais
importante da carta aos Efésios é aquilo que o autor chama
“o mistério”: trata-se do
projeto salvador de Deus, definido e elaborado desde
sempre, escondido durante
séculos, revelado e concretizado plenamente em Jesus,
comunicado aos apóstolos e,
nos “últimos tempos”, tornado presente no mundo pela
Igreja.
O texto que nos é hoje proposto aparece no início da carta.
É um hino litúrgico que
deve ter circulado nas comunidades cristãs antes de ser
enxertado aqui por Paulo.
Este hino dá graças pela ação do Pai (cf. Ef 1,3-6), do
Filho (cf. Ef 1,7-12) e do
Espírito Santo (cf. Ef 1,13-14), no sentido de oferecer aos
homens a salvação.
MENSAGEM
A ação de graças dirige-se a Deus, pois Ele é a fonte
última de todas as graças
concedidas aos homens. Essas graças atingiram os homens
através do Filho, Jesus
Cristo.
Qual é então, segundo este hino, a acção do Pai?
O Pai, no seu amor, elegeu-nos desde sempre (“antes da
criação do mundo”). Para quê? A resposta é: “para sermos santos e
irrepreensíveis”. A palavra “santo”
indica a situação de alguém que foi separado do mundo e
consagrado a Deus, para o
serviço de Deus; a palavra “irrepreensível” era usada para
falar das vítimas oferecidas
em sacrifício a Deus, que deviam ser imaculadas e sem
defeito… Significa, pois, uma
santidade (isto é, uma consagração a Deus) verdadeira e
radical.
Além de nos eleger, o Pai predestinou-nos “para sermos seus
filhos adotivos”.
Através de Cristo, o Pai ofereceu-nos a sua vida e
integrou-nos na sua família na
qualidade de filhos. O fim desta ação de Deus é o louvor da
sua glória.
“Eleição” e “adoção como filhos” resultam do imenso amor de
Deus pelos homens –
um amor que é gratuito, incondicional e radical.
E Jesus Cristo, o Filho, que papel teve neste processo?
Nos vers. 7-10, o autor do hino refere-se ao sangue
derramado de Cristo e ao seu
significado redentor. A morte de Jesus na cruz é o sinal
evidente do espantoso amor
de Deus pelos homens; e dessa forma, Deus ensinou-nos a
viver no amor, no amor
total e radical. Através de Cristo, Deus derramou sobre nós
a sua graça, tornando-nos
pessoas novas e diferentes, capazes de viver no amor.
Assim, Deus manifestou-nos o
seu projeto de salvação (que o hino chama “o mistério”) e
que consiste em levar-nos
a uma identificação plena com Jesus (na sua ilimitada
capacidade de amar e de dar
vida), a uma unidade e harmonia totais com Jesus.
Identificando-nos com Cristo e
ensinando-nos a viver no amor total e radical, Deus
reconciliou-nos consigo, com
todos os outros e com a própria natureza. Da ação redentora
de Cristo nasceu, pois,
um Homem Novo, capaz de um novo tipo de relacionamento (não
marcado pelo
egoísmo, pelo orgulho, pela auto-suficiência, mas marcado
pelo amor e pelo dom da
vida) com Deus, com os outros homens e mulheres e com toda
a criação.
Dessa forma, em Cristo fomos constituídos filhos de Deus e
herdeiros da salvação,
conforme o projeto de Deus preparado desde toda a
eternidade em nosso favor (vers.
11-12).
Os crentes que aderiram a Jesus foram marcados pelo “selo”
do Espírito. Esse “selo” é
a marca que atesta a nossa integração na família divina e a
garantia de que um dia
participaremos na vida eterna, plena e verdadeira, conforme
o plano que Deus tem
para nós (vers. 13-14).
ATUALIZAÇÃO
♦ O nosso texto afirma, de forma clara, que Deus tem um
projeto de vida plena e
total para os homens, um projeto que desde sempre esteve na
mente de Deus. É
muito importante termos isto em conta: não somos um
acidente de percurso na
evolução inexorável do cosmos, mas somos atores principais
de uma história de
amor que o nosso Deus sempre sonhou e que Ele quis escrever
e viver
conosco… No meio das nossas desilusões e dos nossos
sofrimentos, da nossa
finitude e do nosso pecado, dos nossos medos e dos nossos dramas,
não
esqueçamos que somos filhos amados de Deus, a quem Ele
oferece
continuamente a vida definitiva, a verdadeira felicidade.
♦ De acordo com o nosso texto, Deus “elegeu-nos… para sermos
santos e
irrepreensíveis”. Já vimos que “ser santo” significa ser
consagrado para o serviço
de Deus. O que é que isto implica em termos concretos?
Entre outras coisas,
implica tentar descobrir o plano de Deus, o projeto que Ele
tem para cada um de
nós e concretizá-lo dia a dia com verdade, fidelidade e
radicalidade. No meio das
solicitações do mundo e das exigências da nossa vida
profissional, social e
familiar, temos tempo para Deus, para dialogar com Ele e
para tentar perceber os
seus projetos e propostas? E temos disponibilidade e
vontade de concretizar as
suas propostas, mesmo quando elas não são conciliáveis com
os nossos
interesses pessoais?
♦ O nosso texto afirma ainda a centralidade de Cristo nesta
história de amor que
Deus quis viver conosco… Jesus veio ao nosso encontro,
cumprindo com
radicalidade a vontade do Pai e oferecendo-Se até à morte
para nos ensinar a
viver no amor. Como é que assumimos e vivemos essa proposta
de amor que
Jesus nos apresentou? Aprendemos com Ele a amar sem exceção
e com
radicalidade? Somos profetas que testemunham, diante do
mundo, o projeto de
Deus? Aqueles que caminham pelo mundo ao nosso lado
encontram nos nossos
gestos e atitudes sinais vivos do amor de Deus revelado em
Jesus?
ALELUIA – cf. Ef 1,17-18
Aleluia. Aleluia.
Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo,
ilumine os olhos do nosso coração,
para sabermos a que esperança fomos chamados.
EVANGELHO – Mc 6,7-13
Naquele tempo,
Jesus chamou os doze Apóstolos
e começou a enviá-los dois a dois.
Deu-lhes poder sobre os espíritos impuros
e ordenou-lhes que nada levassem para o caminho,
a não ser o bastão:
nem pão, nem alforje, nem dinheiro;
que fossem calçados com sandálias,
e não levassem duas túnicas.
Disse-lhes também:
«Quando entrardes em alguma casa,
ficai nela até partirdes dali.
E se não fordes recebidos em alguma localidade,
se os habitantes não vos ouvirem,
ao sair de lá, sacudi o pó dos vossos pés
como testemunho contra eles».
Os Apóstolos partiram e pregaram o arrependimento,
expulsaram muitos demônios,
ungiram com óleo muitos doentes e curaram-nos.
AMBIENTE
Toda a primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc
1,14-8,30) está montada
à volta da ideia de que Jesus é o Messias que proclama o
Reino de Deus. Como ponto
de partida está um sumário-anúncio inicial (cf. Mc 1,14-15)
onde se proclama a
chegada do Reino; em seguida, Jesus apresenta a proposta do
Reino a um grupo de
discípulos, que escutam o apelo e aceitam embarcar na
aventura do Reino de Deus
(cf. Mc 1,16-20); depois, Marcos descreve como Jesus, com
palavras e com gestos
concretos, vai propondo essa nova realidade que é o Reino e
vai intercalando as
propostas de Jesus com as respostas positivas ou negativas
dos fariseus, do povo e
dos próprios discípulos (cf. Mc 1,21-8,30).
À medida que o “caminho do Reino” avança, os discípulos vão
aparecendo cada vez
mais ligados a Jesus e cada vez mais implicados no projeto
do Reino. Chamados por
Jesus, eles responderam positivamente a esse chamamento e
seguiram-n’O; depois,
durante a caminhada que fizeram com Jesus, eles escutaram
os ensinamentos de
Jesus e testemunharam os seus gestos e sinais. Formados por
Jesus na “escola do
Reino”, os discípulos podem agora ser enviados ao mundo, a
fim de anunciar a todos
os homens a chegada desse mundo novo que Jesus chamava o
“Reino de Deus”.
MENSAGEM
O nosso texto é uma autêntica catequese sobre a missão dos
discípulos de Jesus no
meio do mundo. As instruções postas aqui na boca de Jesus
conservam o seu sentido
e valor para os discípulos de todo o tempo e lugar.
Marcos começa por deixar claro que a iniciativa do
chamamento dos discípulos é de
Jesus: Ele “chamou-os” (vers. 7). Não há qualquer
explicação sobre os critérios que
levaram a essa escolha: falar de vocação e de eleição é
falar de um mistério
insondável, que depende de Deus e que o homem nem sempre
consegue
compreender e explicar.
Depois, Marcos aponta o número dos discípulos que são
enviados (“doze”). Porquê
exatamente “doze”? Trata-se de um número simbólico, que
lembra as doze tribos que
formavam o antigo Povo de Deus. Estes “doze” discípulos
representam
simbolicamente a totalidade do Povo de Deus, do novo Povo
de Deus. É a totalidade
do Povo de Deus que é enviada em missão.
Os “doze” são enviados “dois a dois”. É provável que o
envio “dois a dois” tenha a ver
com o costume judaico de viajar acompanhado, para ter ajuda
e apoio em caso de
necessidade; pode também pensar-se que esta exigência de
partir em missão “dois a
dois” tenha a ver com as exigências da lei judaica, de
acordo com a qual eram
necessárias duas testemunhas para dar credibilidade a um
qualquer anúncio (cf. Dt
19,15; Mt 18,16). Em qualquer caso, a exigência de partir
em missão “dois a dois”
sugere também que a evangelização tem sempre uma dimensão
comunitária. Os
discípulos nunca devem trabalhar sós, à margem do resto da
comunidade; não devem
anunciar as suas idéias, mas a fé da Igreja. Quem anuncia o
Evangelho, anuncia-o em
nome da comunidade; e o seu anúncio deve estar em sintonia
com a fé da
comunidade.
Em seguida, Marcos define a missão que Jesus lhes confiou
(“deu-lhes poder sobre os
espíritos impuros). Os espíritos impuros representam aqui
tudo aquilo que escraviza o
homem e que o impede de chegar à vida em plenitude. A missão
dos discípulos é,
pois, lutar contra tudo aquilo – seja de caráter físico,
seja de caráter espiritual – que
destrói a vida e a felicidade do homem (podemos dizer que a
missão dos discípulos é
lutar contra o “pecado”). É da ação libertadora dos
discípulos (que atuam por
mandato de Jesus) que nasce um mundo novo, de homens livres
– o mundo do
“Reino”.
Em seguida, vêm as instruções para a missão (vers.
8-9). Na perspectiva de Jesus, os
discípulos devem partir para a missão, num despojamento
total de todos os bens e
seguranças humanas… Podem levar um cajado (na versão de
Mateus e de Lucas, os
discípulos não deviam levar cajado – cf. Mt 10,10; Lc 9,3);
mas não devem levar nem
pão, nem alforje, nem moedas (essas pequenas moedas de
cobre que o viajante
levava sempre consigo para as suas pequenas necessidades),
nem duas túnicas. Os
discípulos devem ser totalmente livres e não estar
amarrados a bens materiais; caso
contrário, a preocupação com os bens materiais pode
roubar-lhes a liberdade e a
disponibilidade para a missão. Por outro lado, essa atitude
de pobreza e de
despojamento ajudará também os discípulos a perceber que a
eficácia da missão não
depende da abundância dos bens materiais, mas sim da acção
de Deus. Finalmente, a
sobriedade e o desapego são sinais de que o discípulo
confia em Deus e contribuem
para dar credibilidade ao testemunho.
Um outro gênero de instruções refere-se ao comportamento
dos discípulos diante da
hospitalidade que lhes for oferecida (vers. 10-11). Quando
forem acolhidos numa casa,
devem aí permanecer algum tempo (seguramente para formar
uma comunidade) e
não devem saltar de um lugar para o outro, ao sabor das
amizades, dos interesses
próprios ou alheios ou das suas próprias conveniências
pessoais. Quando não forem
recebidos num lugar, devem “sacudir o pó dos pés” ao
abandonar esse lugar: trata-se
de um gesto que os judeus praticavam quando regressavam do
território pagão e que
simboliza a renúncia à impureza. Aqui, deve significar o
repúdio pelo fechamento às
propostas libertadoras de Deus.
Finalmente, Marcos descreve a realização da missão dos
discípulos (vers. 12-13):
pregavam a conversão (“metanóia” – isto é, uma mudança
radical de mentalidade, de
valores, de atitudes, um voltar-se para Jesus Cristo e um
acolher o seu projeto),
expulsavam demônios, curavam os doentes. Trata-se de
continuar a missão de Jesus:
libertar o homem de tudo aquilo que o oprime e lhe rouba a
vida, para fazer aparecer
um mundo de homens livres e salvos (“Reino de Deus”).
O anúncio que é confiado aos discípulos é o anúncio que
Jesus fazia (o “Reino”); os
gestos que os discípulos são convidados a fazer para
anunciar o “Reino” são os
mesmos que Jesus fez. Ao apresentar a missão dos discípulos
em paralelo e em
absoluta continuidade com a missão de Jesus, Jesus convida
a Igreja (os discípulos) a
continuar na história a obra libertadora que Ele começou em
favor do homem.
ATUALIZAÇÃO
♦ Como é que Deus age, hoje, no mundo? A resposta que o
Evangelho deste
domingo dá é: através desses discípulos que aceitaram
responder positivamente
ao chamamento de Jesus e embarcaram na aventura do “Reino”.
Eles continuam
hoje no mundo a obra de Jesus e anunciam – com palavras e
com gestos – esse
mundo novo de felicidade sem fim que Deus quer oferecer aos
homens.
♦ Atenção: Jesus não chama apenas um grupo de “especialistas”
para o seguir e
para dar testemunho do “Reino”. Os “doze” representam a
totalidade do Povo de
Deus. É a totalidade do Povo de Deus (os “doze”) que é
enviada, a fim de
continuar a obra de Jesus no meio dos homens e
anunciar-lhes o “Reino”. Tenho
consciência de que isto me diz respeito e que eu pertenço à
comunidade que
Jesus envia em missão?
♦ Qual é a missão dos discípulos de Jesus? É lutar
objetivamente contra tudo
aquilo que escraviza o homem e que o impede de ser feliz.
Hoje há estruturas que
geram guerra, violência, terror, morte: a missão dos
discípulos de Jesus é
contestá-las e desmontá-las; hoje há “valores”
(apresentados como o “último grito”
da moda, do avanço cultural ou científico) que geram
escravidão, opressão,
sofrimento: a missão dos discípulos de Jesus é recusá-los e
denunciá-los; hoje há
esquemas de exploração (disfarçados de sistemas econômicos
geradores de bem
estar) que geram miséria, marginalização, debilidade,
exclusão: a missão dos
discípulos de Jesus é combatê-los. A proposta libertadora
de Jesus tem de estar
presente (através dos discípulos) em qualquer lado onde
houver um irmão vítima
da escravidão e da injustiça. É isso que eu procuro fazer?
♦ As advertências de Jesus para que os discípulos se
apresentem sempre numa
atitude de sobriedade e de despojamento significam, em
primeiro lugar, que o
discípulo nunca deve fazer dos bens materiais a sua
prioridade fundamental. Se o
discípulo estiver obcecado pelo “ter”, tornar-se-á escravo
dos bens, acomodar-se-á
e não terá espaço nem disponibilidade para se lançar na
aventura do anúncio do
Reino. Por outro lado, o discípulo que erige os bens
materiais como a prioridade
da sua vida sentirá sempre a tentação de se calar, de não
incomodar os
poderosos, a fim de preservar os seus interesses econômicos
e os seus benefícios
particulares.
♦ As advertências de Jesus para que os discípulos se
apresentem sempre numa
atitude de sobriedade e de despojamento significam também o
desapego das
idéias e preconceitos, dos hábitos e costumes, das paixões
e afetos que podem
constituir um obstáculo para a missão de anunciar o Reino.
♦ As palavras de Jesus recomendam ainda aos discípulos que
atuam por um tempo
prolongado num determinado lugar, a moderação e o
agradecimento para com
aqueles que os acolhem. Quem é recebido numa casa ou num
lugar como
hóspede, deve converter-se numa bênção para essa casa e
comportar-se com
sobriedade, equilíbrio e maturidade.
♦ Com frequência os discípulos de Jesus têm de lidar com a
oposição e a recusa da
proposta que eles testemunham. É um fato que deve ser visto
com normalidade e
compreensão. No entanto, quando isto suceder, é missão dos
discípulos alertar os
implicados para a gravidade da recusa. Quem recusa as
propostas de Deus, deve
estar plenamente consciente de que está a perder
oportunidades únicas e a
afastar-se da sua realização plena, da vida verdadeira.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 15º DOMINGO DO TEMPO
COMUM
Ao longo dos dias da semana anterior ao 15º Domingo do
Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la
pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a
meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num
grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo,
a semana para viver
em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Testemunho do “nós”.
Jesus envia os discípulos dois a dois. Ele sabe que a sua
missão será difícil de
cumprir. Mesmo Ele, Jesus, fez-Se acompanhar de uma equipa.
O testemunho é
sempre um “nós” para nunca se falar em nome próprio mas,
com outros, em nome
daquele que envia. Algumas recomendações a estes peregrinos
da Boa Nova: contar
apenas com Deus; pôr-se a caminho para se fazer peregrino;
aceitar a hospitalidade
para se apresentar como um pobre; não forçar as portas para
respeitar a liberdade.
Quanto à mensagem a proclamar, é a mensagem do Mestre:
“convertei-vos!” E quanto
aos atos, são os mesmos de Jesus: expulsar os demônios e
curar os doentes.
Decididamente, o servo não é maior do que o seu mestre, e o
enviado faz sempre
referência àquele que o envia. Hoje, o “nós” é o da Igreja.
Oxalá ela possa contar
apenas com Deus, fazer-se peregrina, apresentar-se pobre,
respeitar a liberdade dos
homens…
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Testemunhas do amor de Deus.
“Jesus chamou os doze Apóstolos e começou a enviá-los dois
a dois. Deu-lhes poder
sobre os espíritos impuros”. O apelo dos Apóstolos está
ligado ao seu envio, à sua
missão. Serem os companheiros de Jesus, não para ficarem
abrigados perto dele,
mas para serem enviados como suas testemunhas até aos
confins da terra. Ele
envia-os dois a dois. Sem dúvida, porque na altura um
testemunho só era reconhecido
como autêntico se levado por duas testemunhas. Mas, mais
profundamente, Jesus
veio para colocar os homens na “circulação do amor”. Deus
criou os homens para
serem à sua imagem. Como “Deus é Amor”, os homens serão
imagens de Deus na
medida em que construírem juntos relações de amor fraterno.
Ora, eles recusaram
isso. O espírito do mal é chamado de diabo, aquele que
divide em vez de unir. Jesus
veio para acabar com a divisão. Ele é aquele que reconcilia
os homens com Deus e
entre si. Eis porque Jesus envia os Apóstolos dois a dois:
para que sejam
primeiramente, pelo seu comportamento e pela sua vida,
testemunhas desta obra de
reconciliação. A salvação nunca é individual, é colocada na
relação dos homens entre
si, no movimento de amor de Deus. A missão dos Apóstolos é,
pois, de lutar contra o
mal que divide e corrompe. Então, compreendemos melhor
porque Jesus dá
conselhos de pobreza. Encher-se de riquezas materiais é
arriscar cair na armadilha da
possessão egoísta, é entrar no círculo infernal da vontade
de poder, da inveja. É
centrar-se sobre si mesmo em lugar de dar lugar aos outros.
É obscurecer o seu olhar
interior e não ser mais suficientemente disponível para
acolher o outro. É sempre
válido para todos os batizados cuja missão é serem
testemunhas da Boa Nova no
coração do mundo!
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Bendizer no quotidiano
Em cada dia desta semana, dirigir ao Senhor uma curta
oração de bênção: para a
felicidade partilhada nesse dia, para um encontro
enriquecedor, para uma refeição
partilhada e cheia de amizade, para a beleza da Criação,
para um nascimento ou a
alegria das crianças, etc.
16º Domingo do Tempo Comum
A liturgia do 16º Domingo do Tempo Comum dá-nos conta do
amor e da solicitude de
Deus pelas “ovelhas sem pastor”. Esse amor e essa
solicitude traduzem-se,
naturalmente, na oferta de vida nova e plena que Deus faz a
todos os homens.
Na primeira leitura, pela voz do profeta Jeremias,
Jahwéh condena os pastores
indignos que usam o “rebanho” para satisfazer os seus
próprios projetos pessoais; e,
paralelamente, Deus anuncia que vai, Ele próprio, tomar
conta do seu “rebanho”,
assegurando-lhe a fecundidade e a vida em abundância, a
paz, a tranquilidade e a
salvação.
O Evangelho recorda-nos que a proposta salvadora e
libertadora de Deus para os
homens, apresentada em Jesus, é agora continuada pelos
discípulos. Os discípulos
de Jesus são – como Jesus o foi – as testemunhas do amor,
da bondade e da
solicitude de Deus por esses homens e mulheres que caminham
pelo mundo perdidos
e sem rumo, “como ovelhas sem pastor”. A missão dos
discípulos tem, no entanto, de
ter sempre Jesus como referência… Com frequência, os
discípulos enviados ao
mundo em missão devem vir ao encontro de Jesus, dialogar
com Ele, escutar as suas
propostas, elaborar com Ele os projetos de missão,
confrontar o anúncio que
apresentam com a Palavra de Jesus.
Na segunda leitura, Paulo fala aos cristãos da
cidade de Éfeso da solicitude de Deus
pelo seu Povo. Essa solicitude manifestou-se na entrega de
Cristo, que deu a todos os
homens, sem exceção, a possibilidade de integrarem a
família de Deus. Reunidos na
família de Deus, os discípulos de Jesus são agora irmãos,
unidos pelo amor. Tudo o
que é barreira, divisão, inimizade, ficou definitivamente
superado.
LEITURA I – Jr 23,1-6
Diz o Senhor:
«Ai dos pastores que perdem e dispersam
as ovelhas do meu rebanho!»
Por isso, assim fala o Senhor, Deus de Israel,
aos pastores que apascentam o meu povo:
«Dispersastes as minhas ovelhas
e as escorraçastes, sem terdes cuidado delas.
Vou ocupar-Me de vós e castigar-vos,
pedir-vos contas das vossas más ações
- oráculo do Senhor.
Eu mesmo reunirei o resto das minhas ovelhas
de todas as terras onde se dispersaram
e as farei voltar às suas pastagens,
para que cresçam e se multipliquem.
Dar-lhes-ei pastores que as apascentem
e não mais terão medo nem sobressalto;
nem se perderá nenhuma delas – oráculo do Senhor.
Dias virão, diz o Senhor,
em que farei surgir para David um rebento justo.
Será um verdadeiro rei e governará com sabedoria;
Há de exercer no país o direito e a justiça.
Nos seus dias, Judá será salvo e Israel viverá em
segurança.
Este será o seu nome: ‘O Senhor é a nossa justiça’».
AMBIENTE
Jeremias, o profeta nascido em Anatot por volta de 650 a .C., exerceu a sua
missão
profética desde 627/626 a.C., até depois da destruição de
Jerusalém pelos Babilônios
(586 a .C.).
O cenário da atividade do profeta é, em geral, o reino de Judá (e,
sobretudo, a cidade de Jerusalém).
A primeira fase da pregação de Jeremias abrange parte do
reinado de Josias. Este rei
– preocupado em defender a identidade política e religiosa
do Povo de Deus – leva a
cabo uma impressionante reforma religiosa, destinada a
banir do país os cultos aos
deuses estrangeiros. A mensagem de Jeremias, neste período,
traduz-se num
constante apelo à conversão, à fidelidade a Jahwéh e à
aliança.
No entanto, em 609 a .C., Josias é morto, em combate contra os
egípcios. Joaquim
sucede-lhe no trono. A segunda fase da atividade profética
de Jeremias abrange o
tempo de reinado de Joaquim (609-597 a .C.).
O reinado de Joaquim é um tempo de desgraça e de pecado
para o Povo, e de
incompreensão e sofrimento para Jeremias. Nesta fase, o
profeta aparece a criticar as
injustiças sociais (às vezes fomentadas pelo próprio rei) e
a infidelidade religiosa
(traduzida, sobretudo, na busca das alianças políticas:
procurar a ajuda dos egípcios
significava não confiar em Deus e, em contrapartida,
colocar a esperança do Povo em
exércitos estrangeiros). Jeremias está convencido de que
Judá já ultrapassou todas as
medidas e que está iminente uma invasão babilônica que
castigará os pecados do
Povo de Deus. É, sobretudo, isso que ele diz aos habitantes
de Jerusalém… As
previsões funestas de Jeremias concretizam-se: em 597 a .C., Nabucodonosor
invade
Judá e deporta para a Babilônia uma parte da população de
Jerusalém.
No trono de Judá fica, então, Sedecias (597-586 a .C.). A terceira fase da
missão
profética de Jeremias desenrola-se, precisamente, durante
este reinado.
Após alguns anos de calma submissão à Babilônia, Sedecias
volta a experimentar a
velha política das alianças com o Egito. Jeremias não está
de acordo que se confie
em exércitos estrangeiros mais do que em Jahwéh… Mas, nem o
rei, nem os notáveis
lhe prestam qualquer atenção à opinião do profeta.
Considerado um amargo “profeta
da desgraça”, Jeremias apenas consegue criar o vazio à sua
volta.
Em 587 a .C.,
Nabucodonosor põe cerco a Jerusalém; no entanto, um exército egípcio
vem em socorro de Judá e os babilônios retiram-se. Nesse
momento de euforia
nacional, Jeremias aparece a anunciar o recomeço do cerco e
a destruição de
Jerusalém (cf. Jr 32,2-5). Acusado de traição, o profeta é
encarcerado (cf. Jr 37,11-
16) e corre, inclusive, perigo de vida (cf. Jr 38,11-13).
Enquanto Jeremias continua a
pregar a rendição, Nabucodonosor apossa-se, de fato, de
Jerusalém, destrói a cidade
e deporta a sua população para a Babilônia (586 a .C.).
O texto que nos é hoje proposto como primeira leitura faz
referência a esses tempos
Provavelmente, este texto deve situar-se entre 597 e 586 a . C., no tempo que vai
desde o primeiro exílio (após a primeira queda de Jerusalém
– 597 a .
C.) ao segundo
exílio (após a segunda tomada de Jerusalém pelos Babilônios
– 586 a .
C.).
O uso da imagem do “pastor” para falar dos líderes da nação
é bastante frequente no
Antigo Testamento. Aliás, a imagem adquiriu uma força
especial na sequência de
David, o pastor que Jahwéh ungiu e transformou em rei,
encarregando-o de cuidar do
rebanho do Povo de Deus.
MENSAGEM
O nosso texto começa com uma breve exposição da culpa: os
“pastores” de Judá
perderam, dispersaram, escorraçaram as ovelhas do Senhor,
sem terem cuidado
delas (vers. 1-2a). Cada um dos verbos utilizados faz
referência a fatos concretos
(bem recentes) da história de Judá. O aventureirismo, os
interesses pessoais, as
jogadas políticas, a inconsciência dos líderes trouxeram
consequências funestas ao
Povo, ao “rebanho” de Deus. Os líderes de Judá não
procuraram servir o Povo, mas
serviram-se do Povo para concretizar os seus objetivos
pessoais. Ora, o “rebanho”
não é propriedade dos “pastores”, mas do Senhor… Deus
chamou-os a uma missão
concreta, encarregou-os de cuidar do seu “rebanho” e eles,
depois de terem aceite o
compromisso, falharam totalmente.
Depois da culpa, vem a sentença: Deus vai “ocupar-se”
desses maus pastores: vai
castigá-los, pedir-lhes contas das suas más ações (vers.
2b). Deus não está disposto
a tolerar abusos de confiança, nem pode pactuar com líderes
que exploram o
“rebanho” em seu benefício próprio. Na perspectiva de Deus,
trata-se de algo
intolerável e que não pode ser deixado em claro.
Mas a intervenção de Deus não se fica pelo pedir contas aos
maus líderes… O próprio
Jahwéh vai intervir, no sentido de salvar o seu “rebanho”.
A intervenção de Deus
justifica-se pelo fato de se tratar do “rebanho” do Senhor
e de Ele ter
responsabilidades para com as suas ovelhas.
A intervenção de Deus vai desenvolver-se em três tempos, ou
momentos… O primeiro
é a repatriação dos exilados: as ovelhas serão devolvidas
“às sua pastagens para que
cresçam e se multipliquem” (vers. 3). Para esta tarefa,
Deus não conta com
intermediários: Ele mesmo vai liderar o processo de
libertação e de regresso dos
exilados à terra.
O segundo momento da intervenção de Deus consiste na
escolha de “pastores”
exemplares (vers. 4). A missão desses “pastores” será,
simplesmente, “apascentar”.
Isso implica, naturalmente, o cuidado, a solicitude, o
amor, a ternura pelo rebanho…
Esses pastores estarão, naturalmente, ao serviço do rebanho
e não usarão o rebanho
para concretizar os seus interesses pessoais. As “ovelhas”
aprenderão a confiar nesse
“pastor” que as ama e não terão mais “medo nem
sobressalto”.
O terceiro momento da intervenção de Deus é projetado para
um futuro sem data
marcada. Promete a chegada de um “rebento justo” da
dinastia de David (vers. 5). A
imagem tirada do reino vegetal (“rebento”) sugere
fecundidade e vida em abundância,
porque ele dará vida em abundância ao rebanho de Jahwéh.
Ele assegurará “o direito
e a justiça” e trará salvação e segurança ao Povo de Deus.
O nome desse rei será “o
Senhor é a nossa justiça” (vers. 6), pois é Deus que o
legitima e a sua missão será
administrar a justiça que Deus quer. Garantindo a justiça,
esse “pastor” irá trazer a
harmonia, a paz, a tranquilidade, a salvação, a vida
verdadeira ao Povo de Deus. Esta
promessa com contornos messiânicos pretende anular a
frustração e o desespero e
inaugurar um tempo de esperança para o Povo de Deus.
ATUALIZAÇÃO
♦ Antes de mais, o nosso texto mostra a preocupação de Deus
com a vida e a
felicidade do seu Povo. Nos momentos conturbados da nossa
história (coletiva ou
pessoal) sentimo-nos, muitas vezes órfãos, perdidos e
abandonados ao sabor dos
ventos e das marés… As catástrofes que afetam o mundo, os
conflitos que
dividem os povos, a miséria que toca a vida de tantos dos
nossos irmãos, os
perigos dos fundamentalismos, as mudanças vertiginosas que
o mundo todos os
dias sofre, a perda dos valores em que apostávamos, as
novas e velhas doenças,
as crises pessoais, os problemas laborais, as dificuldades
familiares trazem-nos a
consciência da nossa pequenez e impotência frente aos
grandes desafios que o
mundo hoje nos apresenta. Sentimo-nos, então, “ovelhas” sem
rumo e sem
destino, abandonadas à nossa sorte. Por vezes, no nosso
desespero, apostamos
em “pastores” humanos que, em lugar de nos conduzirem para
a vida e para a
felicidade, nos usam para satisfazer a sua ânsia de
protagonismo e para realizar
os seus projetos egoístas… A Palavra de Deus que nos é
proposta neste
domingo garante-nos que Deus é o “Pastor” que se preocupa
conosco, que está
atento a cada uma das suas “ovelhas”; Ele cuida das nossas
necessidades e está
permanentemente disposto a intervir na nossa história para
nos conduzir por
caminhos seguros e para nos oferecer a vida e a paz. É nele
que temos de
apostar, é nele que temos de confiar. Esta constatação deve
ser, para todos os
crentes, uma fonte de alegria, de esperança, de serenidade
e de paz.
♦ As ameaças contra os maus pastores apresentadas neste texto
de Jeremias talvez
nos tenham levado a pensar nos líderes do mundo, nos nossos
governantes e,
talvez também, nos líderes da Igreja. Na verdade, a nossa
história recente está
cheia de situações em que as pessoas encarregadas de cuidar
da comunidade
humana usaram o “rebanho” em benefício próprio e magoaram,
torturaram,
roubaram, assassinaram, privaram de vida e de felicidade
essas pessoas que
Deus lhes confiou… De qualquer forma, este texto toca-nos a
todos, pois todos
somos, de alguma forma, responsáveis pelos irmãos que
caminham conosco.
Convida-nos a refletir sobre a forma como tratamos os
irmãos, na família, na
Igreja, no emprego, em qualquer lado… Recorda-nos que os
irmãos que
caminham conosco não estão ao serviço dos nossos interesses
pessoais e que a
nossa função é ajudar todos a encontrar a vida e a
felicidade.
♦ O nosso texto faz referência a “um rei” que Deus vai enviar
ao encontro do seu
Povo e que governará com sabedoria e justiça. Jesus é a
concretização desta
promessa. Ele veio propor ao “rebanho” de Deus a vida plena
e verdadeira…
Como é que nós, as “ovelhas” a quem se destina a proposta
de salvação que Deus
nos faz em Jesus, acolhemos o que Ele nos veio dizer? As
propostas de Jesus
encontram eco na nossa vida? Estamos sempre dispostos a
acolher as indicações
e os valores que Ele nos apresenta?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 22 (23)
Refrão: O Senhor é meu pastor: nada me faltará.
O Senhor é meu pastor: nada me falta.
Leva-me a descansar em verdes prados,
conduz-me às águas refrescantes
e reconforta a minha alma.
Ele me guia por sendas direitas por amor do seu nome.
Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos,
não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo:
o vosso cajado e o vosso báculo me enchem de confiança.
Para mim preparais a mesa
à vista dos meus adversários;
com óleo me perfumais a cabeça,
e o meu cálice transborda.
A bondade e a graça hão de acompanhar-me
todos os dias da minha vida,
e habitarei na casa do Senhor
para todo o sempre.
LEITURA II – Ef 2,13-18
Irmãos:
Foi em
Cristo Jesus que vós, outrora longe de Deus,
vos aproximastes dele, graças ao sangue de Cristo.
Cristo é, de fato, a nossa paz.
Foi Ele que fez de judeus e gregos um só povo
e derrubou o muro da inimizade que os separava,
anulando, pela imolação do seu corpo,
a Lei de Moisés com as suas prescrições e decretos.
E assim, de uns e outros,
Ele fez em Si próprio um só homem novo,
estabelecendo a paz.
Pela cruz reconciliou com Deus
uns e outros, reunidos num só Corpo,
levando em Si próprio a morte á inimizade.
Cristo veio anunciar a boa nova da paz,
paz para vós, que estáveis longe,
e paz para aqueles que estavam perto.
Por Ele, uns e outros podemos aproximar-nos do Pai,
num só Espírito.
AMBIENTE
A Carta aos Efésios é, provavelmente, um dos exemplares de
uma “carta circular”
enviada a várias Igrejas da Ásia Menor, numa altura em que Paulo está na prisão
(em
Roma? em Cesareia?). O seu portador é um tal Tíquico.
Estamos por volta dos anos
58/60.
Alguns vêem nesta carta uma espécie de síntese da teologia
paulina, numa altura em
que Paulo sente ter terminado a sua missão apostólica na
Ásia e não sabe
exatamente o que o futuro próximo lhe reserva (recordemos
que ele está, por esta
altura, prisioneiro e não sabe como vai terminar o
cativeiro).
O tema central da carta aos Efésios é aquilo a que Paulo
chama “o mistério”: o
desígnio (ou projeto) salvador de Deus, definido desde toda
a eternidade, escondido
durante séculos aos homens, revelado e concretizado
plenamente em Jesus,
comunicado aos apóstolos, desfraldado e dado a conhecer ao
mundo na Igreja.
O texto que nos é aqui proposto integra a parte
dogmática da carta. Depois de refletir
sobre o papel de Cristo no projeto de salvação que Deus tem
para os homens (cf. Ef
2,1-10), Paulo refere-se à reconciliação operada por
Cristo, que com a sua doação
uniu judeus e pagãos num mesmo Povo (cf. Ef 2,11-22).
MENSAGEM
Paulo dirige-se aos pagãos (“vós outrora longe de Deus” –
vers. 13) e explica-lhes que
foi pelo sangue de Cristo que eles se aproximaram de Deus.
Antes, eles adoravam os
ídolos e tinham convicções religiosas; mas desconheciam o
verdadeiro Deus e a sua
proposta de salvação; agora, foram admitidos a fazer parte
da família de Deus.
Além disso, a entrega de Cristo derrubou a tradicional
barreira de inimizade que
separava judeus e pagãos e fez de todos um único Povo. Os
judeus, convencidos de
que eram um Povo à parte, desprezavam os pagãos e não
queriam qualquer contacto
com eles; as suas leis pugnavam por uma rígida separação e
interditavam o contacto
com os outros povos. Os pagãos, por sua vez, nutriam um
profundo desprezo pelos
judeus, pela sua diferença, pela sua arrogância…
Ora, Cristo veio apresentar uma proposta de vida que é para
todos, sem exceção. O
que é decisivo, agora, não é a pertença a um determinado
Povo, mas a forma como se
responde à proposta de vida que Jesus faz. Responder
positivamente à proposta de
Cristo é passar a integrar a comunidade dos santos. A Lei
de Moisés, com as suas
prescrições e exigências (que, na prática, vedavam aos
pagãos a possibilidade de
integrar o Povo de Deus), fica anulada… Na nova economia da
salvação, o que conta
é a disponibilidade para acolher a vida que Deus oferece e
ser Homem Novo.
Nasce, assim, um “corpo” que integra os mais diversos
membros, pertencentes a
todos os quadrantes da família humana. Todos aqueles que
aceitaram integrar a
comunidade de Jesus, sem diferenças de etnias, de raças, de
cor da pele, de classes
sociais ou culturais, pertencem à mesma família, a família
de Deus. Todos – judeus e
pagãos – são, agora, membros da comunidade trinitária do
Pai (que oferece a vida),
do Filho (que vem ao encontro dos homens para lhes
comunicar a vida do Pai) e do
Espírito (que mantém unidos os membros deste “corpo” entre
si e com Deus.
ATUALIZAÇÃO
♦ O texto que nos é proposto tem, em pano de fundo, essa
verdade fundamental que
a liturgia nos recorda todos os domingos: Deus tem uma
proposta de salvação
para oferecer a todos os homens, sem exceção; e essa
proposta tem como
finalidade inserir-nos na família de Deus. A constatação de
que para Deus não há
distinções e todos são, igualmente, filhos amados – para
além das possíveis
diferenças raciais, étnicas, sociais ou culturais – é algo
que nos tranquiliza, que
nos dá serenidade, esperança e paz. O nosso Deus é um pai
que não marginaliza
nenhum dos seus filhos; e, se tem alguma predileção, não é
por aqueles que o
mundo admira e endeusa, mas é pelos mais débeis, pelos mais
fracos, pelos
oprimidos, pelos que mais sofrem.
♦ O que é verdadeiramente importante, na perspectiva de Deus,
não é a cor da pele,
nem as capacidades intelectuais, nem as qualidades humanas,
nem a pertença a
determinada instituição política ou religiosa, nem as
contribuições (em dinheiro ou
em obras) que se dão à Igreja; mas o que é decisivo é ter
disponibilidade para
acolher a vida que Ele oferece e para aderir à proposta de
caminho que Ele faz.
Estou sempre numa permanente atitude de escuta das
propostas de Deus, ou vivo
fechado a Deus e às suas indicações, num caminho de orgulho
e de auto-suficiência?
Para mim, o que é que significam as propostas de Deus? Elas
influenciam as minhas opções, os meus valores, as minhas
atitudes? A forma
como eu me relaciono com todos os homens e mulheres que
encontro nos
caminhos deste mundo é coerente com essa proposta de vida
que Deus me faz?
♦ A comunidade cristã é uma família de irmãos, que partilham
a mesma fé e a
mesma proposta de vida. É um “corpo”, formado por uma
grande diversidade de
membros, onde todos se sentem unidos em Cristo e entre si
numa efetiva
fraternidade. As nossas comunidades (cristãs ou religiosas)
são, efetivamente,
comunidades de irmãos que se amam, para além das diferenças
legítimas que há
entre os membros? Nas nossas comunidades todos os irmãos são
acolhidos e
amados, ou há irmãos considerados de segunda classe,
marginalizados e
maltratados? Eu, pessoalmente, como é que vejo esses irmãos
na fé que
caminham comigo? Perante as diferenças de perspectiva, como
é que eu reajo:
com respeito pela opinião do outro, ou com intolerância?
♦ No mundo de hoje o fenômeno da globalidade aproxima-nos dos
outros homens
que partilham conosco esta casa comum que é o mundo e
torna-nos mais
tolerantes para com as diferenças. Contudo, subsistem muros
– alicerçados nas
diferenças raciais, políticas, religiosas, sociais,
afetivas – que impedem uma total
experiência de fraternidade universal. Na nossa vida
pessoal e familiar, na nossa
vida pessoal e na nossa experiência de caminhada
comunitária, aparecem
frequentemente muros que nos dividem, que impedem a
comunicação, o encontro,
a comunhão. Nós, os discípulos desse Cristo que veio
reconciliar “judeus e gregos”
e fazer de todos “um só povo”, temos o dever de dar
testemunho da paz e da
unidade e de lutar objetivamente contra todas as barreiras
que separam os
homens.
ALELUIA – Jo 10,27
Aleluia. Aleluia.
As minhas ovelhas escutam a minha voz, diz o Senhor;
Eu conheço as minhas ovelhas e elas seguem-Me.
EVANGELHO – Mc 6,30-34
Naquele tempo,
os Apóstolos voltaram para junto de Jesus
e contaram-Lhe tudo o que tinham feito e ensinado.
Então Jesus disse-lhes:
«Vinde comigo para um lugar isolado
e descansai um pouco».
De fato, havia sempre tanta gente a chegar e a partir
que eles nem tinham tempo de comer.
Partiram, então, de barco
para um lugar isolado, sem mais ninguém.
Vendo-os afastar-se, muitos perceberam para onde iam;
e, de todas as cidades, acorreram a pé para aquele lugar
e chegaram lá primeiro que eles.
Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão
e compadeceu-Se de toda aquela gente,
que eram como ovelhas sem pastor.
E começou a ensinar-lhes muitas coisas.
AMBIENTE
O Evangelho do passado domingo mostrava-nos Jesus a enviar
os discípulos, dois a
dois, para pregarem o arrependimento, expulsarem os demônios,
ungirem e curarem
os doentes (cf. Mc 6,7-13). O anúncio que é confiado aos
discípulos é o anúncio que
Jesus fazia (o “Reino”); os gestos que os discípulos são
convidados a fazer para
anunciar o “Reino”, são os mesmos que Jesus fez.
O Evangelho deste domingo apresenta-nos o regresso dos
enviados de Jesus. Marcos
chama-lhes, agora, “apóstolos” (enviados): é a única vez
que a palavra aparece no
Evangelho segundo Marcos. A missão correu bem e os
“apóstolos” estão
entusiasmados, mas naturalmente cansados.
Não há, no texto, qualquer indicação do lugar onde a cena
se teria desenrolado.
MENSAGEM
O nosso texto começa com a narração do regresso dos
discípulos que,
entusiasmados, contam a Jesus a forma como se tinha
desenrolado a missão que lhes
fora confiada (vers. 30). Na sequência, Jesus convida-os a
irem com Ele para um lugar
isolado e a descansarem um pouco (vers. 31). Os discípulos
foram, com Jesus, para
um lugar deserto (vers. 32); mas as multidões adivinharam
para onde Jesus e os
discípulos se dirigiam e chegaram primeiro (vers. 33). Ao
desembarcar, Jesus viu as
pessoas, teve compaixão delas (“porque eram como ovelhas
sem pastor”) e pôs-se a
ensiná-las (vers. 34).
O episódio, em si, é banal… No entanto, Marcos vai
aproveitá-lo para desenvolver a
sua catequese sobre o discipulado. A catequese apresentada
por Marcos desenvolvesse à volta dos seguintes pontos:
1. Os apóstolos são os enviados de Jesus, chamados a
continuar no mundo a missão
de Jesus. Essa missão consiste em anunciar o Reino. Para a
concretizar, os apóstolos
convidam os homens que escutam a mensagem a mudarem a sua
vida e a acolherem
a proposta que Jesus lhes faz. Os gestos dos discípulos
(“expulsaram demônios,
curaram doentes” – Mc 6,13) anunciam esse mundo novo de
homens livres e esse
projeto de vida verdadeira e plena que Deus quer oferecer a
todos os homens.
tinham tempo para comer) pretende ser um aviso contra o
ativismo exagerado, que
destrói as forças do corpo e do espírito e leva, tantas
vezes, a perder o sentido da
missão.
3. Os “apóstolos” são convidados por Jesus a irem com Ele
para um lugar isolado. Já
dissemos, acima, que não se nomeia esse lugar: na
realidade, o que interessa aqui
não é o lugar geográfico, mas sim que esse “descanso” deve
acontecer junto de
Jesus. É ao lado de Jesus, escutando-O, dialogando com Ele,
gozando da sua
intimidade, que os discípulos recuperam as suas forças. Se
os discípulos não
confrontarem, frequentemente, os seus esquemas e projetos
pastorais com Jesus e a
sua Palavra, a missão redundará num fracasso.
4. Entretanto, as multidões tinham seguido Jesus e os
discípulos a pé – quer dizer,
deslocando-se à volta do Lago de Tiberíades, com o barco
sempre à vista. Esta busca
incansável e impaciente espelha, com algum dramatismo, a
ânsia de vida que as
pessoas sentem… Jesus, cheio de compaixão, compara a
multidão a um rebanho sem
pastor. Não é nos líderes religiosos ou políticos da nação
que elas encontram
segurança e esperança; não é nos ritos da religião tradicional
que elas encontram paz
e sentido para a vida… Mas é em Jesus e na sua proposta que
as multidões
encontram vida verdadeira e plena. Na sequência, Marcos vai
narrar-nos a cena da
multiplicação dos pães e dos peixes, que saciam a fome de
cinco mil homens.
ATUALIZAÇÃO
♦ A proposta salvadora e libertadora de Deus para os homens,
apresentada em
Jesus, é agora continuada pelos discípulos. Os discípulos
de Jesus são – como
Jesus o foi – as testemunhas do amor, da bondade e da
solicitude de Deus por
esses homens e mulheres que caminham pelo mundo perdidos e
sem rumo, “como
ovelhas sem pastor”. As vítimas da economia global, os que
são colocados à
margem da sociedade e da vida, os estrangeiros que buscam
noutro país
condições dignas de vida e são empurrados de um lado para o
outro, os doentes
que não têm acesso a um sistema de saúde eficiente, os
idosos abandonados pela
família, as crianças que crescem nas ruas, aqueles que a
vida magoou e que
ainda não conseguiram sarar as suas feridas, encontram em
cada um de nós,
discípulos de Jesus, o amor, a bondade e a solicitude de
Deus? Que fizemos com
essa proposta de vida nova e de libertação que Jesus nos
mandou testemunhar
diante das “ovelhas sem pastor”?
♦ A missão dos discípulos não pode ser desligada de Jesus. Os
discípulos devem,
com frequência, reunir-se à volta de Jesus, dialogar com
Ele, escutar os seus
ensinamentos, confrontar permanentemente a pregação feita
com a proposta de
página 9
Jesus. Por vezes os discípulos (verdadeiramente comovidos
com a situação das
“ovelhas sem pastor”) mergulham num ativismo descontrolado
e acabam por
perder as referências; deixam de ter tempo e
disponibilidade para se encontrarem
com Jesus, para confrontarem as suas opções e motivações
com o projeto de
Jesus… Por vezes, passam a “vender”, como verdade
libertadora, soluções que
são parciais e que geram dependência e escravidão (e que
não vêm de Jesus);
outras vezes, tornam-se funcionários eficientes, que
resolvem problemas sociais
pontuais, mas sem oferecerem às “ovelhas sem pastor” uma
libertação verdadeira
e global; outras, ainda, cansam-se e abandonam a atividade
e o testemunho…
Jesus é que dá sentido à missão do discípulo e que permite
ao discípulo, tantas
vezes fatigado e desanimado, voltar a descobrir o sentido
das coisas e renovar o
se empenho.
♦ A comoção de Jesus diante das “ovelhas sem pastor” é sinal
da sua preocupação
e do seu amor. Revela a sua sensibilidade e manifesta a sua
solidariedade para
com todos os sofredores. A comoção de Jesus convida-nos a
sermos sensíveis às
dores e necessidades dos nossos irmãos. Todo o homem é
nosso irmão e tem
direito a esperar de nós um gesto de bondade e de
acolhimento. Não podemos
ficar no nosso canto, comodamente instalados, com a
consciência em paz (porque
até já fomos à missa e rezamos as orações que a Igreja
manda), a ver o nosso
irmão a sofrer. O nosso coração tem de doer, a nossa
consciência tem de
questionar-nos, quando vimos um homem ou uma mulher (nem
que seja um
desconhecido, nem que seja um estrangeiro), ser magoado,
explorado, ofendido,
marginalizado, privado dos seus direitos e da sua
dignidade. Um cristão é alguém
que tem de sentir como seus os sofrimentos do irmão.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 16º DOMINGO DO TEMPO
COMUM
Ao longo dos dias da semana anterior ao 16º Domingo do
Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la
pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a
meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num
grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar,
sobretudo, a semana para viver
em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Deus tem piedade…
Uma grande multidão pode abafar física e moralmente.
Compreende-se que Jesus
queira preservar os seus apóstolos: eles foram ao encontro
das multidões para as
ensinar e fazer milagres, então Ele propõe-lhes para se
afastarem para um lugar
deserto a fim de retomar o fôlego e não perderem o sentido
daquilo que é essencial.
Mas a multidão tem fome de palavras e de sinais, é ela que
dirige o curso dos
acontecimentos, parece querer recordar a Jesus e aos seus
discípulos que eles não
têm o direito de fugir. Como reagem os apóstolos? Não sabemos.
O que sabemos é
que Jesus se enche de piedade; este sentimento que o anima
revela-nos algo do rosto
do Pai. É o coração de Deus que bate no coração de Jesus
cheio de piedade. Sim,
Deus tem piedade da multidão na margem do lado Tiberíades,
como outrora teve
piedade do seu povo escravo no Egito. E quando Deus tem
piedade, Ele age.
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Instituição evangélica das férias!
«Vinde comigo para um lugar isolado e descansai um pouco».
É a instituição
evangélica das férias! De fato, a multidão era tão numerosa
que os Apóstolos nem
tinham tempo para comer. Deviam estar esgotados, tanto mais
que regressavam do
primeiro envio em missão, que não terá sido propriamente um
tempo de repouso.
Conhecemos a vida de Jesus, a sua missão, as grandes fadigas,
as noites em oração,
sem dormir, após um dia extenuante… Numa das travessias de
barco, aproveita
mesmo para repousar um pouco e dormir… Assim, Ele sabe
estar atento à fadiga dos
seus companheiros. Convida-os a respeitar também as
exigências da natureza
corporal, a ter um pouco de repouso. E nós, hoje? Sabemos
bem que as férias não
são um luxo, se corresponderem àquilo para que existem:
precisamente para respeitar
a nossa natureza humana, que exige tempos de relaxe, de
recuperação, não apenas
física mas também intelectual e espiritual. As férias não
são um tempo de ócio, mas de
“re-criação”, de retomar energias. Sabemos que há ainda
muitos homens, mulheres e
crianças que são explorados como vulgares máquinas para
produzir. Isso não é
respeitar a vontade criadora de Deus. O Evangelho de hoje,
que cai bem em período
de férias, recorda-nos isso de modo muito oportuno. Isso é
também válido para os
servidores do Evangelho! Os Apóstolos diminuem, as funções
pastorais aumentam…
a fadiga também. Cabe a cada um tirar as devidas
consequências evangélicas!
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Com o Salmo 22.
Como no Evangelho, temos de necessidade de nos afastar, de
tomar alguma distância
em relação à nossa vida trepidante, para repousarmos… Mas,
de fato, sabemos
repousar? Sem televisão, sem leitor de CD e DVD, sem
Internet, sem vídeo, sem
barulhos de todas as espécies. Ousamos encontrar-nos no
silêncio,
face a nós mesmos, face a Deus? Este momento que passarmos,
só com Deus, pode
ser, antes de mais, um tempo de silêncio para nos
colocarmos na sua presença,
seguindo-se um tempo de oração lenta e intensa do Salmo 22…
17º Domingo do Tempo Comum
A liturgia do 17º domingo Comum dá-nos conta da preocupação
de Deus em saciar a
“fome” de vida dos homens. De forma especial, as leituras
deste domingo dizem-nos
que Deus conta conosco para repartir o seu “pão” com todos
aqueles que têm “fome”
de amor, de liberdade, de justiça, de paz, de esperança.
Na primeira leitura, o profeta Eliseu, ao partilhar
o pão que lhe foi oferecido com as
pessoas que o rodeiam, testemunha a vontade de Deus em
saciar a “fome” do mundo;
e sugere que Deus vem ao encontro dos necessitados através
dos gestos de partilha e
de generosidade para com os irmãos que os “profetas” são
convidados a realizar.
O Evangelho repete o mesmo tema. Jesus, o Deus que
veio ao encontro dos homens,
dá conta da “fome” da multidão que O segue e propõe-Se
libertá-la da sua situação de
miséria e necessidade. Aos discípulos (aqueles que vão
continuar até ao fim dos
tempos a mesma missão que o Pai lhe confiou), Jesus convida
a despirem a lógica do
egoísmo e a assumirem uma lógica de partilha, concretizada
no serviço simples e
humilde em benefício dos irmãos. É esta lógica que permite
passar da escravidão à
liberdade; é esta lógica que fará nascer um mundo novo.
Na segunda leitura, Paulo lembra aos crentes algumas
exigências da vida cristã.
Recomenda-lhes, especialmente, a humildade, a mansidão e a
paciência: são atitudes
que não se coadunam com esquemas de egoísmo, de orgulho, de
auto-suficiência, de
preconceito em relação aos irmãos.
LEITURA I – 2 Rs 4,42-44
Naqueles dias,
veio um homem da povoação de Baal-Salisa
e trouxe a Eliseu, o homem de Deus,
pão feito com os primeiros frutos da colheita.
Eram vinte pães de cevada e trigo novo no seu alforje.
Eliseu disse: «Dá-os a comer a essa gente».
O servo respondeu:
«Como posso com isto dar de comer a cem pessoas?»
Eliseu insistiu:
«Dá-os a comer a essa gente,
porque assim fala o Senhor:
‘Comerão e ainda há de sobrar’».
Deu-lhos e eles comeram,
e ainda sobrou, segundo a palavra do Senhor.
AMBIENTE
As tradições proféticas sobre Elias e Eliseu (os “ciclos”
de Elias e Eliseu) ocupam um
espaço significativo no Livro dos Reis (cf. 1 Rs
17,1-21,29; 2 Rs 1,1-13,21). Refere se
a um período bastante conturbado – quer em termos
políticos, quer em termos
religiosos – da vida do Reino do Norte (Israel). Elias
exerce a sua missão profética
durante os reinados de Acab (874-853 a .C.) e de Acazias (853-852 a .C.); Eliseu dá o
seu testemunho profético durante os reinados de Jorão (853-842 a .C.), de Jeú (842-
Os reis de Israel procuraram sempre estabelecer relações
comerciais, econômicas,
políticas e militares com os povos circunvizinhos. Essa
abertura de fronteiras teve, no
entanto, os seus custos em termos de fidelidade a Jahwéh e
à Aliança, uma vez que os cultos aos deuses estrangeiros entravam no país e
ocupavam um lugar significativo na vida e no coração dos israelitas. É uma
época de sincretismo religioso, em que a
religião jahwista é, com a complacência até com o apoio
declarado dos reis de Israel,
preterida em favor dos cultos de Baal e de Astarte. Em
termos sociais, é uma época
em que se multiplicam as injustiças contra os pobres e as
arbitrariedades contra os
fracos. Tudo isto consubstancia um quadro de graves
infidelidades contra Deus e
contra a Aliança.
É contra este quadro que se levantam Elias e Eliseu. Elias
aparece como o
representante desses israelitas fiéis aos valores
religiosos tradicionais, que recusavam
a coexistência de Jahwéh e de Baal no horizonte da fé de
Israel; e a luta de Elias será
continuada por um dos seus discípulos – Eliseu.
Parece que Eliseu – o ator principal da primeira leitura
deste domingo – fazia parte de
uma comunidade de “filhos de profetas” (os “benê nebi'im” –
2 Rs 2,3; 4,1). Trata-se
de uma comunidade de homens que viviam pobremente (2 Rs
4,1-7) e que eram os
seguidores incondicionais de Jahwéh. O Povo consultava-os
regularmente e buscava
neles apoio face aos abusos dos poderosos. Eliseu é
apresentado muitas vezes, nas
histórias narradas no “ciclo de Eliseu” (cf. 2 Rs 2;
3,4-27; 4,1-8,15; 9,1-10; 13,14-21),
como um profeta “dos milagres”, cujas ações mostram a
presença da força e da vida
de Deus no meio do seu Povo. Outras vezes, Eliseu é o
profeta da intervenção
política; a sua ação neste campo ultrapassa mesmo as
fronteiras físicas de Israel e
chega a Damasco (cf. 2 Rs 8,7-15).
MENSAGEM
O texto que nos é proposto como primeira leitura conta que
um homem de Baal-
Shalisha trouxe a Eliseu o “pão das primícias”: vinte pães
de cevada e trigo novo num
saco. De acordo com Lv 23,20, o pão das primícias devia ser
apresentado diante do
Senhor e consagrado ao Jahwéh, embora depois revertesse em
benefício do
sacerdote… Deve ser este costume que está subjacente ao
episódio da entrega dos
pães a Eliseu.
Eliseu, no entanto, não conservou os dons para si, mas
mandou reparti-los pelas
pessoas que rodeavam o profeta. O “servo” do profeta não
acreditava que os
alimentos oferecidos chegassem para cem pessoas; no
entanto, chegaram e ainda
sobraram.
Estamos, aqui, diante de uma sucessão de gestos que revelam
generosidade e
vontade de partilhar: do homem que leva os dons ao profeta
e do profeta que não os
guarda para si, mas os manda partilhar com as pessoas que o
rodeiam. A descrição
de uma milagrosa multiplicação de pães de cevada e de grãos
de trigo sugere que,
quando o homem é capaz de sair do seu egoísmo e tem
disponibilidade para partilhar
os dons recebidos de Deus, esses dons chegam para todos e
ainda sobram. A
generosidade, a partilha, a solidariedade, não empobrecem,
mas são geradoras de
vida e de vida em abundância.
Este relato fornecerá aos autores neo-testamentários o
modelo literário em que se
inspirarão para apresentar os relatos evangélicos das
multiplicações dos pães (cf. Mc
6,34-44; 8,1-10; Mt 14,13-21; 15,32-38; Lc 9,10-17).
ATUALIZAÇÃO
♦ O “profeta” é um homem chamado por Deus e enviado a ser o
rosto de Deus no
meio do mundo. Nas palavras e nos gestos do “profeta”, é
Deus que se manifesta
aos homens e que lhes indica a sua vontade e as suas
propostas. No gesto de
repartir o pão para saciar a fome das pessoas, o “profeta”
manifesta a eterna
preocupação de Deus com a “fome” do mundo (fome de pão,
fome de liberdade,
fome de dignidade, fome de realização plena, fome de amor,
fome de paz…) e a
sua vontade de dar aos homens vida em abundância… Não
tenhamos dúvidas:
Deus preocupa-Se, todos os dias, em oferecer aos seus
filhos vida em
abundância. É Deus que nos dá, dia a dia, o pão que mata a
nossa fome de vida.
♦ Como é que Deus atua para saciar a fome de vida dos homens?
É fazendo
chover do céu, milagrosamente, o “pão” de que o homem
necessita? A nossa
primeira leitura sugere que Deus atua de forma mais simples
e mais normal… É
através da generosidade e da partilha dos homens (primeiro
do homem que decide
oferecer o fruto do seu trabalho; depois, do profeta que
manda distribuir o
alimento) que o “pão” chega aos necessitados. Normalmente,
Deus serve-Se dos
homens para intervir no mundo e para fazer chegar ao mundo
os seus dons.
Muitas vezes sonhamos com gestos espetaculares de Deus e
vivemos de olhos
fixos no céu à espera que Deus se digne intervir no mundo;
e acabamos por não
perceber que Deus já veio ao nosso encontro e que Ele Se
manifesta na ação
generosa de tantos homens e mulheres que praticam, sem
publicidade, gestos de
partilha, de solidariedade, de doação, de entrega. É
preciso aprendermos a
detectar a presença e o amor de Deus nesses gestos simples
que todos os dias
testemunhamos e que ajudam a construir um mundo mais justo,
mais fraterno e
mais solidário.
♦ Ao mostrar que é através das ações dos homens que Deus
sacia a fome do
mundo, o nosso texto convida-nos ao compromisso. Deus
precisa de nós, da
nossa generosidade e bondade, para ir ao encontro dos
nossos irmãos
necessitados e para lhes oferecer vida em abundância. Nós ,
os crentes, somos
chamados a ser – como o profeta Eliseu – testemunhas desse
Deus que quer
partilhar com os homens o seu “pão”; e esse “pão” de Deus
deve derramar-se
sobre os nossos irmãos nos nossos gestos de partilha, de
generosidade, de
solidariedade, de amor sem limites.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 144 (145)
Refrão: Abris, Senhor, as vossas mãos e saciais a nossa
fome.
Graças Vos dêem, Senhor, todas as criaturas
e bendigam-Vos os vossos fiéis.
Proclamem a glória do vosso reino
e anunciem os vossos feitos gloriosos.
Todos têm os olhos postos em Vós,
e a seu tempo lhes dais o alimento.
Abris as vossas mãos
e todos saciais generosamente.
O Senhor é justo em todos os seus caminhos
e perfeito em todas as suas obras.
O Senhor está perto de quantos O invocam,
de quantos O invocam em verdade.
LEITURA II – Ef 4,1-6
Irmãos:
Eu, prisioneiro pela causa do Senhor,
recomendo-vos que vos comporteis
segundo a maneira de viver a que fostes chamados:
procedei com toda a humildade, mansidão e paciência;
suportai-vos uns aos outros com caridade;
empenhai-vos em manter a unidade de espírito
pelo vínculo da paz.
Há um só Corpo e um só Espírito,
como existe uma só esperança na vida a que fostes chamados.
Há um só Senhor, uma só fé, um só Batismo.
Há um só Deus e Pai de todos,
que está acima de todos, atua em todos
e em
todos Se encontra.
AMBIENTE
A Carta aos Efésios (que temos vindo a refletir e cujo
texto vai continuar a
acompanhar-nos nos próximos domingos) parece ser uma “carta
circular”, enviada a
várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia
Menor, inclusive aos cristãos de
Éfeso. É considerada uma “carta de cativeiro”, escrita por
Paulo da prisão (os que
aceitam a autoria paulina desta carta discutem qual o lugar
onde Paulo está preso,
nesta altura, embora a maioria ligue a carta ao cativeiro
de Paulo em Roma entre
61/63).
De qualquer forma, é um texto bem trabalhado, que apresenta
uma catequese sólida e
bem elaborada. Poderia ser um texto da fase “madura” de
Paulo. Alguns autores
consideram a Carta aos Efésios uma espécie de síntese do
pensamento paulino.
O texto que hoje nos é proposto como segunda leitura é o
início da parte moral e
ética da carta (cf. Ef 4,1-6,20). Temos, aí, uma espécie de
“exortação aos
batizados”, na qual Paulo reflete longamente sobre a
edificação e o crescimento do
“Corpo de Cristo”. Em termos sempre bastante concretos,
Paulo dá pistas aos cristãos
acerca da forma como eles devem viver os seus compromissos
com Cristo, de forma a
chegarem a ser Homens Novos.
MENSAGEM
O nosso texto começa com uma referência ao fato de Paulo
estar preso… A condição
de prisioneiro por causa de Jesus e do Evangelho dá um peso
especial às
recomendações do apóstolo: são as palavras de alguém que
leva tão a sério a
proposta de Jesus, que é capaz de sofrer e de arriscar a
vida por ela.
Na perspectiva de Paulo, a vida nova exige, em primeiro
lugar, que os crentes vivam
unidos em
Cristo. Ora , há comportamentos e atitudes que são condição
necessária
para que essa unidade se torne efetiva (vers. 2-3)… Antes
de mais, Paulo refere a
humildade, pois só ela permite superar o egoísmo, o
orgulho, a auto-suficiência que
afastam os irmãos e que erguem entre eles barreiras de
separação; depois, Paulo
refere a mansidão, irmã da humildade, e qualidade que
derruba barreiras na
comunhão; Paulo refere também a paciência, que permite ser
tolerante e
compreensivo para com as falhas dos irmãos e que permite
entender e aceitar as
diferentes maneiras de ser e de agir… Em resumo, trata-se,
fundamentalmente, de
fazer com quem a caridade presida às relações que
estabelecemos uns com os
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outros; o amor deve ser sempre o suporte das nossas
relações humanas. A unidade é
um dom de Deus; mas, a sua efetivação depende do contribuição
e do esforço de cada irmão.
Na segunda parte do nosso texto, Paulo apresenta um
conjunto de elementos que
fundamentam a obrigatoriedade da unidade dos crentes: “há
um só Corpo e um só
Espírito, como existe uma só esperança” na vida a que todos
os crentes foram
chamados; “há um só Senhor, uma só fé, um só Batismo; há um
só Deus e Pai de
todos, que está acima de todos, atua em todos e em todos se
encontra” (vers. 4-6). A
menção do Pai, do Filho e do Espírito, neste contexto,
sugere que a Trindade é a fonte
última e o modelo da unidade que os cristãos devem viver,
na sua experiência de
caminhada comunitária.
ATUALIZAÇÃO
♦ A Igreja é um “corpo” – o “Corpo de Cristo”. Naturalmente,
esse “corpo” é formado
por muitos membros, todos eles diversos; mas todos eles
dependem de Cristo (a
“cabeça” desse “corpo”) e recebem dele a mesma vida.
Formam, portanto, uma
unidade… Têm o mesmo Pai (Deus), têm um projeto comum (o
projeto de
Jesus), têm o mesmo objetivo (fazer parte da família de
Deus e encontrar a vida
em plenitude), caminham na mesma direção animados pelo
mesmo Espírito, têm
a mesma missão (dar testemunho no mundo do projeto de amor
que Deus tem
para os homens). Neste esquema, não fazem qualquer sentido
as divisões, os
ciúmes, as rivalidades, as invejas, os ódios, as
divergências que tantas vezes
dividem os irmãos da mesma comunidade. Quando os irmãos não
se esforçam por
caminhar unidos, provavelmente ainda não descobriram os
fundamentos da sua fé.
A minha comunidade (cristã ou religiosa) é uma comunidade
que caminha unida e
solidária, partilhando a vida e o amor, apesar das
diferenças legítimas dos seus
membros? Em termos pessoais, sinto-me um construtor de
unidade, ou um fator
de divisão?
♦ Para que a unidade seja possível, Paulo recomenda aos
destinatários da Carta
aos Efésios a humildade, a mansidão e a paciência. São
atitudes que não se
coadunam com esquemas de egoísmo, de orgulho, de
auto-suficiência, de
preconceito em relação aos irmãos. Como é que eu me situo
face aos outros? A
minha relação com os irmãos é marcada pelo egoísmo ou pela
disponibilidade
para servir e partilhar? Procuro estar atento às
necessidades dos outros e ir ao seu
encontro, ou levanto muros de orgulho e de auto-suficiência
que impedem a
relação, a comunhão, a comunicação? Estou aberto às
diferenças e disposto a
dialogar, ou vivo entrincheirado nos meus preconceitos,
catalogando e
marginalizando aqueles que não concordam comigo?
♦ A Igreja é uma unidade; mas é também uma comunidade de
pessoas muito
diferentes, em termos de raça, de cultura, de língua, de
condição social ou
econômica, de maneiras de ser... As diferenças legítimas
nunca devem ser vistas
como algo negativo, mas como uma riqueza para a vida da
comunidade; não
devem levar ao conflito e à divisão, mas a uma unidade cada
vez mais estreita,
construída no respeito e na tolerância. A diversidade é um
valor, que não pode
nem deve anular a unidade e o amor dos irmãos.
ALELUIA – Lc 7,17
Aleluia. Aleluia.
Apareceu entre nós um grande profeta:
Deus visitou o seu povo.
EVANGELHO – Jo 6,1-5
Naquele tempo,
Jesus partiu para o outro lado do mar da Galileia,
ou de Tiberíades.
Seguia-O numerosa multidão,
por ver os milagres que Ele realizava nos doentes.
Jesus subiu a um monte
e sentou-Se aí com os seus discípulos.
Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus.
Erguendo os olhos
e vendo que uma grande multidão vinha ao seu encontro,
Jesus disse a Filipe:
«Onde havemos de comprar pão para lhes dar de comer?»
Dizia isto para o experimentar,
pois Ele bem sabia o que ia fazer.
Respondeu-Lhe Filipe:
«Duzentos denários de pão não chegam
para dar um bocadinho a cada um».
Disse-Lhe um dos discípulos, André, irmão de Simão Pedro:
«Está aqui um rapaz que tem cinco pães de cevada e dois
peixes.
Mas que é isso para tanta gente?»
Jesus respondeu: «Mandai sentar essa gente».
Havia muita erva naquele lugar
e os homens sentaram-se em número de uns cinco mil.
Então, Jesus tomou os pães, deu graças
e distribuiu-os aos que estavam sentados,
fazendo o mesmo com os peixes;
E comeram quanto quiseram.
Quando ficaram saciados,
Jesus disse aos discípulos:
«Recolhei os bocados que sobraram,
para que nada se perca».
Recolheram-nos e encheram doze cestos
com os bocados dos cinco pães de cevada
que sobraram aos que tinham comido.
Quando viram o milagre que Jesus fizera,
aqueles homens começaram a dizer:
«Este é, na verdade, o Profeta que estava para vir ao
mundo».
Mas Jesus, sabendo que viriam buscá-lo para O fazerem rei,
retirou-Se novamente, sozinho, para o monte.
AMBIENTE
A liturgia propõe-nos hoje (e durante mais alguns domingos)
a leitura do capítulo 6 do
Evangelho segundo João – a catequese sobre Jesus, o Pão da
vida.
Na primeira parte do Evangelho (cf. Jo 4,1-19,42), João
apresenta a atividade de
Jesus no sentido de criar e dar vida ao homem, de forma a
que surja um Homem
Novo, liberto do egoísmo e do pecado, animado pelo
Espírito, capaz de seguir Jesus e
de viver na mesma dinâmica de Jesus – isto é, no amor ao Pai
e aos irmãos. Esta
primeira parte divide-se em dois “livros” – o “Livro dos
Sinais” (cf. Jo 4,1-11,56) e o
“Livro da Hora” (cf. Jo 12,1-19,42).
No “Livro dos Sinais” (cf. Jo 4,1-11,56), o autor do Quarto
Evangelho expõe,
recorrendo a símbolos significativos (a “água” – cf. Jo
4,1-5,47; o “pão” – cf. Jo 6,1-
7,53; a “luz” – cf. Jo 8,12-9,41; o “pastor” – cf. Jo
10,1-42; a “ressurreição” – cf. Jo
11,1-56), a sua catequese sobre a acção de Jesus em favor
do homem. Jesus é aí
apresentado como a proposta de vida verdadeira que o
homem é convidado a acolher
e a assimilar.
No capítulo 6 – que hoje começamos a ler – João apresenta
Jesus como o Pão que
sacia a sede de vida que o homem sente. O episódio hoje
narrado é geograficamente
situado “na outra margem” do Lago de Tiberíades (no
capítulo anterior, Jesus estava
em Jerusalém, no centro da instituição judaica; agora, sem
transição, aparece na
Galileia, a atravessar o “mar” para o outro lado). Em
termos cronológicos, João nota
que estava perto a Páscoa, a festa mais importante do
calendário religioso judaico,
que celebrava a libertação do Povo de Deus da opressão do
Egito.
MENSAGEM
Uma leitura, ainda que superficial, do texto que nos é
proposto mostra alguns
interessantes paralelos entre a cena da multiplicação dos
pães e a libertação do Povo
de Deus da escravidão do Egito, com Jesus no papel de
Moisés, o libertador. O fato
dá-nos, logo à partida, uma chave de leitura para entender
esta catequese: João quer
apresentar a ação de Jesus como uma ação libertadora que visa
fazer passar o
Povo da terra da escravidão para a terra da liberdade… A
catequese que João nos
apresenta vai desenvolver-se em vários passos:
1. Começa com uma referência à “passagem do mar” (que, na
realidade, é um lago);
essa referência pode aludir à passagem do Mar Vermelho por
Moisés com o Povo
libertado do Egito (cf. Ex 14,15-31). O objetivo final de
Jesus é, portanto, fazer o
Povo que o acompanha passar da terra da escravidão para a
terra da liberdade.
2. Como aconteceu com Moisés, com Jesus vai uma grande
multidão. A multidão que
acompanha Jesus pretende “ver os sinais que ele realizava
nos enfermos” (vers. 2). O
termo grego aqui utilizado (“asthenês” – “enfermos”)
designa, em geral, alguém que
está numa situação de grande debilidade. A multidão segue
Jesus, pois quer ver os
sinais que Ele faz e que representam a libertação do homem
da sua debilidade e
fragilidade. É um Povo marcado pela opressão, que quer
experimentar a libertação. Já
perceberam que só Jesus, o libertador, conseguirá ajudá-los
a superar a sua condição
de miséria e de escravidão.
3. Jesus – diz o nosso texto – subiu a “um monte” (vers.
3). A referência ao “monte”
leva-nos ao contexto da Aliança do Sinai e ao monte onde
Deus ofereceu ao Povo,
através de Moisés, os mandamentos. Dizer que Jesus subiu ao
“monte” significa dizer
que é através de Jesus que se vai realizar a nova Aliança
entre Deus e esse Povo de
gente livre que, com Jesus, “atravessou o mar” em direção à
terra da liberdade.
não estivéssemos no contexto da libertação do Povo da
escravidão. Na época de
Jesus, a Páscoa era a festa da libertação e da constituição
do Povo de Deus; mas era
também a festa que anunciava esse tempo futuro em que o Messias
ia libertar
definitivamente o Povo de Deus. Nesta altura, o Povo devia
subir a Jerusalém para, no
“monte” do Templo,
celebrar a libertação; em contrapartida, a multidão segue Jesus
para um outro “monte”, do outro lado do mar… O Povo começa
a libertar-se do jugo
das instituições judaicas e a perceber que é em Jesus que
se vão inaugurar os tempos
novos da liberdade e da paz.
leva-nos, outra vez, ao Êxodo, ao deserto, quando o Povo
que caminhava para a terra
da liberdade sentiu fome. Então, foi Deus que respondeu à
necessidade do Povo e lhe
deu comida em abundância; aqui, é Jesus que se apercebe das
necessidades da
multidão e tenta remediá-las. Ele mostra, assim, o rosto do
Deus do amor e da
bondade, sempre atento às necessidades do seu Povo.
6. Qual a solução que Jesus vai dar à “fome” da multidão?
Na procura da solução,
Jesus envolve a comunidade dos discípulos (“onde havemos de
comprar pão para
lhes dar de comer?” – vers. 5). A comunidade de Jesus (onde
naturalmente Jesus se
inclui) tem de sentir-se responsável pela “fome” dos homens
e tem de sentir que é sua
responsabilidade e missão saciar essa “fome”.
João nota que Jesus põe a questão aos discípulos
(representados por Filipe) para os
“experimentar” (vers. 6). O problema pode ser posto da
seguinte forma: como é que a
comunidade dos discípulos – formados na escola e nos
valores de Jesus – pretende
responder à fome do mundo? É recorrendo ao sistema econômico
vigente, que se
baseia no egoísmo e no poder do dinheiro e coloca os bens
nas mãos de poucos,
gerando uma lógica de opressão, de dependência e de
necessidade? Será este o
sistema desse mundo novo e livre que Jesus deseja
instituir? Os discípulos de Jesus
alinham com esse sistema opressor, baseado na compra, na
venda e no lucro, ou já
perceberam que Jesus tem uma proposta nova a fazer,
geradora de libertação e de
vida em abundância para todos?
7. Filipe constata a impossibilidade de resolver o
problema, dentro do quadro
econômico vigente… “Duzentos denários não bastariam para
dar um pedaço a cada
um” (vers. 7). Um denário equivalia ao salário base de um
dia de trabalho; assim, nem
o dinheiro de mais de meio ano de trabalho daria para
resolver o problema. Por outras
palavras: confiando no sistema instituído (o da compra e
venda, que supõe o sistema
econômico regido pelo lucro egoísta), é impossível resolver
o problema da
necessidade dos esfomeados. A comunidade de Jesus é
convidada, portanto, a
abandonar este sistema e a encontrar outros…
8. André, porém, vislumbra uma solução diferente (vers.
8-9). Este apóstolo
representa, na comunidade de Jesus, essa categoria dos que
aderiram a Jesus de
forma convicta, que têm uma grande intimidade com Jesus e
que, portanto, estão mais
conscientes das propostas de Jesus. No entanto, André não
está muito convicto dos
resultados (“o que é isso para tanta gente?”). Seria bom –
considera André – encontrar
outro sistema diferente do sistema explorador; mas isso não
resulta… Jesus vai,
precisamente, provar que é possível encontrar outro sistema
que reparta vida e que
elimine a lógica da exploração.
versão de João é uma figura desnecessária do ponto de vista
da narração: para o
resultado final, tanto dava que o possuidor dos pães e dos
peixes fosse uma criança
ou um adulto. Sendo assim, porque é que João insiste em
falar de uma criança?
Porque a figura do “menino” é muito significativa: quer
pela idade, quer pela condição,
é um “débil”, física e socialmente. Representa a debilidade
da comunidade de Jesus
face às enormes carências do mundo. A palavra grega
utilizada por João para falar da
criança indica simultaneamente um “menino” e um “servo”: a
comunidade,
representada nesse “menino”, apresenta-se diante do mundo
como um grupo
socialmente humilde, sem pretensão alguma de poder e de
domínio, dedicada ao
serviço dos homens. É essa comunidade simples e humilde,
vocacionada para o
serviço, que é chamada a resolver a questão da necessidade
dos pobres e a instaurar
um novo sistema libertador. Qual é esse sistema?
10. Os números “cinco” (“pães”) e dois (“peixes”, também
não aparecem por acaso: a
sua soma dá “sete” – o número que significa totalidade… Ou
seja: é na partilha da
totalidade do que a comunidade possui que se responde à
carência dos homens. É
uma totalidade fracionada e diversificada; mas que, posta
ao serviço dos irmãos,
sacia a fome do mundo.
11. Sobre os alimentos disponibilizados pela comunidade,
Jesus pronuncia uma
“ação de graças” (vers. 11). O “dar graças” significa
reconhecer que os bens são
dons que vêm de Deus. Ora, reconhecer que os bens vêm de
Deus significa
desvinculá-los do seu poder humano, para reconhecer que
eles são um dom
gratuito que Deus oferece aos homens; e Deus não oferece a
uns e não a outros…
“Dar graças” é reconhecer que os bens recebidos pertencem a
todos e que quem os
possui é apenas um administrador encarregado de os pôr à
disposição de todos os
irmãos, com a mesma gratuidade com que os recebeu. Os bens
são, assim, libertos
da posse exclusiva de alguns, para serem dom de Deus para
todos os homens. É este
o sistema que Deus quer instaurar no mundo; e a comunidade
cristã é chamada a
testemunhar esta lógica.
12. Uma vez saciada a fome do mundo, através desses bens
que a comunidade
recebeu de Deus e que pôs ao serviço de todos os homens, os
discípulos são
chamados a outras tarefas. Há sobras que não se podem
perder, mas que devem ser
o princípio de outras abundâncias. É preciso multiplicar
incessantemente o amor e o
pão… E a comunidade, uma vez percebido o projeto de Jesus,
deve usar o que tem
para continuar a oferecer a vida aos homens. A referência
aos doze cestos recolhidos
pelos discípulos pode ser uma alusão a Israel (as doze
tribos): se a comunidade dos
discípulos souber partilhar aquilo que recebeu de Deus,
pode satisfazer a fome de
todo o Povo (vers. 12-13).
13. Alguns dos que testemunharam a multiplicação dos pães e
dos peixes têm
consciência de que Jesus é o Messias que devia vir para dar
ao seu Povo vida em
abundância e querem fazê-lo rei (vers. 14-15). Jesus não
aceita… Ele não veio
resolver os problemas do mundo instaurando um sistema de
autoridade e de poder;
mas veio convidar os homens a viverem numa lógica de
partilha e de solidariedade,
que se faz dom e serviço humilde aos irmãos. É dessa forma
que Ele se propõe – com
a colaboração dos discípulos – eliminar o sistema opressor,
responsável pela fome e
pela miséria. O mundo novo que Jesus veio propor não
assenta numa lógica de poder
e autoridade, mas no serviço simples e humilde que leva a
partilhar a vida com os
irmãos.
A perícopa que nos é hoje proposta pretende, pois,
apresentar o projeto de Deus
realizado em Jesus como um projeto de libertação, que há de
eliminar a opressão e
instaurar um mundo de homens livres, salvos do egoísmo e
capazes de amar e de
partilhar. Frente ao sistema que se baseia no lucro e na
exploração, Jesus propõe
uma nova atitude. É necessário – diz Jesus – substituir o
egoísmo pelo amor e pela
partilha. A comunidade de Jesus tem a função de descobrir
esta lógica, de a acolher e
de propô-la ao mundo. Ela tem de aprender que os bens são
um dom de Deus,
destinados a todos. Procedendo dessa forma, ela está a
instaurar um novo sistema e
a libertar os homens desses condicionamentos egoístas que
geram injustiça,
necessidade, carência, debilidade, sofrimento. Quem quiser
acompanhar Jesus neste
caminho, passará seguramente da escravidão do lucro para a
liberdade da partilha, do
serviço, do amor aos irmãos.
ATUALIZAÇÃO
♦ Jesus é o Deus que se revestiu da nossa humanidade e veio
ao nosso encontro
para nos revelar o seu amor. O seu projeto – projeto que
Ele concretizou em
cada palavra e em cada gesto enquanto percorreu, com os
seus discípulos, as
vilas e aldeias da Palestina – consiste em libertar os
homens de tudo aquilo que os
oprime e lhes rouba a vida. O nosso texto mostra Jesus
atento às necessidades da
multidão, empenhado em saciar a fome de vida dos homens,
preocupado em
apontar-lhes o caminho que conduz da escravidão à
liberdade. A atitude de Jesus
é, para nós, uma expressão clara do amor e da bondade de um
Deus sempre
atento às necessidades do seu Povo. Garante-nos que, ao
longo do caminho da
vida, Deus vai ao nosso lado, atento aos nossos dramas e
misérias, empenhado
em satisfazer as nossas necessidades, preocupado em dar-nos
o “pão” que sacia
a nossa fome de vida. A nós, compete-nos abrir o coração ao
seu amor e acolher
as propostas libertadoras que Ele nos faz.
♦ A “fome” de pão que a multidão sente e que Jesus quer
saciar é um símbolo da
fome de vida que faz sofrer tantos dos nossos irmãos… Os
que têm “fome” são
aqueles que são explorados e injustiçados e que não
conseguem libertar-se; são
os que vivem na solidão, sem família, sem amigos e sem
amor; são os que têm
que deixar a sua terra e enfrentar uma cultura, uma língua,
um ambiente estranho
para poderem oferecer condições de subsistência à sua
família; são os
marginalizados, abandonados, segregados por causa da cor da
sua pele, por
causa do seu estatuto social ou econômico, ou por não terem
acesso à educação
e aos bens culturais de que a maioria desfruta; são as
crianças vítimas da
violência e da exploração; são as vítimas da economia
global, cuja vida dança ao
sabor dos interesses das multinacionais; são as vítimas do
imperialismo e dos
interesses dos grandes do mundo… É a esses e a todos os
outros que têm “fome”
de vida e de felicidade, que a proposta de Jesus se dirige.
♦ No nosso Evangelho, Jesus dirige-se aos seus discípulos e
diz-lhes: “dai-lhes vós
mesmos de comer”. Os discípulos de Jesus são convidados a
continuar a missão
de Jesus e a distribuírem o “pão” que mata a fome de vida,
de justiça, de
liberdade, de esperança, de felicidade de que os homens
sofrem. Depois disto,
nenhum discípulo de Jesus pode olhar tranquilamente os seus
irmãos com “fome”
e dizer que não tem nada com isso… Os discípulos de Jesus
são convidados a
responsabilizarem-se pela “fome” dos homens e a fazerem
tudo o que está ao seu
alcance para devolver a vida e a esperança a todos aqueles
que vivem na miséria,
no sofrimento, no desespero.
♦ No nosso Evangelho, os discípulos constatam que, recorrendo
ao sistema
econômico vigente, é impossível responder à “fome” dos
necessitados. O sistema
capitalista vigente – que, quando muito, distribui a conta
gotas migalhas da riqueza
para adormecer a revolta dos explorados – será sempre um
sistema que se apóia
na lógica egoísta do lucro e que só cria mais opressão,
mais dependência, mais
necessidade. Não chega criar melhores programas de
assistência social ou
programas de rendimento mínimo garantido, ou outros
sistemas que apenas
perpetuam a injustiça… Os discípulos de Jesus têm de
encontrar outros caminhos
e de propor ao mundo que adote outros valores. Quais?
♦ Jesus propõe algo de realmente novo: propõe uma lógica de
partilha. Os
discípulos de Jesus são convidados a reconhecer que os bens
são um dom de
Deus para todos os homens e que pertencem a todos; são
convidados a quebrar a
lógica do açambarcamento egoísta dos bens e a pôr os dons
de Deus ao serviço
de todos. Como resultado, não se obtém apenas a saciedade
dos que têm fome,
mas um novo relacionamento fraterno entre quem dá e quem
recebe, feito de
reconhecimento e harmonia que enriquece ambos e é o
pressuposto de uma nova
ordem, de um novo relacionamento entre os homens. É esta a
proposta de Deus; e
é disto que os discípulos são chamados a dar testemunho.
♦ Os discípulos de Jesus não podem, contudo, dirigir-se aos
irmãos necessitados
olhando-os “do alto”, instalados nos seus esquemas de poder
e autoridade,
usando a caridade como instrumento de apoio aos seus
projetos pessoais, ou
exigindo algo em troca… Os discípulos de Jesus devem ser um
grupo humilde (a
“criança” do
Evangelho), sem pretensão alguma de poder e de domínio, e que
apenas está preocupado em servir os irmãos com “fome”.
♦ O que resulta da proposta de Jesus é uma humanidade
totalmente livre da
escravidão dos bens. Os necessitados tornam-se livres
porque têm o necessário
para viverem uma vida digna e humana; os que repartem os
bens libertam-se da
lógica egoísta dos bens e da escravidão do dinheiro e
descobrem a liberdade do
amor e do serviço.
♦ No final, os discípulos são convidados a recolher os
restos, que devem servir para
outras “multiplicações”. A tarefa dos discípulos de Jesus é
uma tarefa nunca
acabada, que deverá recomeçar em qualquer tempo e em
qualquer lugar onde
haja um irmão “com fome”.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 17º DOMINGO DO TEMPO
COMUM
Ao longo dos dias da semana anterior ao 17º Domingo do
Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la
pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a
meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num
grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar,
sobretudo, a semana para viver
em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Jesus não fecha os olhos diante dos homens: não somente vê
a multidão, como se
apercebe da sua fome. Antes de fazer o milagre, solicita a
confiança dos seus
apóstolos, esta confiança que Ele põe à prova. Então faz
dois gestos: vira-se para
Deus seu Pai, dando graças, e distribui o alimento. Que
contraste gritante entre esta
multidão que tem fome e o alimento que lhe vai ser
oferecido, cinco pães e dois
peixes. E ao mesmo quanta abundância! Não somente a
multidão está saciada, mas
sobram doze cestos. É a prodigalidade do Amor: Deus ama
infinitamente, e este sinal
operado por Jesus anuncia não o poder de um rei, mas o dom
de Deus a todos os
homens. Não somente Jesus veio para o maior número, mas
veio dar a vida em
abundância. Este sinal anuncia um outro sinal. Depois de
ter comido, a multidão, no
dia seguinte, terá ainda fome. Mas o alimento que Cristo
ressuscitado oferecerá aos
homens será a sua vida, e aqueles que comerem este Pão de
Vida jamais terão fome.
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Jesus não cria pães e peixes a partir de nada. Cria a
partir dos cinco pães e dois
peixes do rapaz. A partir do pão dos pobres! Ao multiplicar
os pães e os peixes,
Jesus multiplica o dom do rapaz. Mas é ridículo alimentar
uma multidão de cinco mil
homens com tão pequena quantidade. Mas uma pequena
quantidade pode ter um
valor infinito. Jesus não olha como nós. O nosso olhar deve
ser como o de Jesus.
Quando damos amor, amizade, um pouco do nosso tempo ou
simplesmente um
sorriso, quando procuramos respeitar o outro, sem o julgar,
quando fazemos um
caminho de perdão… Jesus serve-se desse pequeno pouco para
construir conosco,
pacientemente, dia após dia, o seu Reino.
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Procuremos afastar-nos um pouco da vida frenética e
stressante, procuremos ser
menos inquietos e mais confiantes… Fiar-se mais no Senhor,
dispor-se para
responder às diversas missões e confiar tudo isso ao
Senhor, para que Ele
multiplique…
18º Domingo do Tempo Comum
Tema do 18º Domingo do Tempo Comum
A liturgia do 18º Domingo do Tempo Comum repete, no
essencial, a mensagem das leituras do passado domingo. Assegura-nos que Deus
está empenhado em oferecer ao seu Povo o alimento que dá a vida eterna e
definitiva.
A primeira leitura dá-nos conta da preocupação de Deus em oferecer ao seu Povo, com solicitude e amor, o alimento que dá vida. A ação de Deus não vai, apenas, no sentido de satisfazer a fome física do seu Povo; mas pretende também (e principalmente) ajudar o Povo a crescer, a amadurecer, a superar mentalidades estreitas e egoístas, a sair do seu fechamento e a tomar consciência de outros valores.
No Evangelho, Jesus apresenta-Se como o “pão” da vida que desceu do céu para dar vida ao mundo. Aos que O seguem, Jesus pede que aceitem esse “pão” – isto é, que escutem as palavras que Ele diz, que as acolham no seu coração, que aceitem os seus valores, que adiram à sua proposta.
A segunda leitura diz-nos que a adesão a Jesus implica o deixar de ser homem velho e o passar a ser homem novo. Aquele que aceita Jesus como o “pão” que dá vida e adere a Ele, passa a ser uma outra pessoa. O encontro com Cristo deve significar, para qualquer homem, uma mudança radical, um jeito completamente diferente de se situar face a Deus, face aos irmãos, face a si próprio e face ao mundo.
A primeira leitura dá-nos conta da preocupação de Deus em oferecer ao seu Povo, com solicitude e amor, o alimento que dá vida. A ação de Deus não vai, apenas, no sentido de satisfazer a fome física do seu Povo; mas pretende também (e principalmente) ajudar o Povo a crescer, a amadurecer, a superar mentalidades estreitas e egoístas, a sair do seu fechamento e a tomar consciência de outros valores.
No Evangelho, Jesus apresenta-Se como o “pão” da vida que desceu do céu para dar vida ao mundo. Aos que O seguem, Jesus pede que aceitem esse “pão” – isto é, que escutem as palavras que Ele diz, que as acolham no seu coração, que aceitem os seus valores, que adiram à sua proposta.
A segunda leitura diz-nos que a adesão a Jesus implica o deixar de ser homem velho e o passar a ser homem novo. Aquele que aceita Jesus como o “pão” que dá vida e adere a Ele, passa a ser uma outra pessoa. O encontro com Cristo deve significar, para qualquer homem, uma mudança radical, um jeito completamente diferente de se situar face a Deus, face aos irmãos, face a si próprio e face ao mundo.
LEITURA I – Ex 16,2-4.12-15
Leitura do Livro do Êxodo
Naqueles dias,
toda a comunidade dos filhos de Israel
começou a murmurar no deserto contra Moisés e Aarão.
Disseram-lhes os filhos de Israel:
«Antes tivéssemos morrido às mãos do Senhor na terra do Egito,
quando estávamos sentados ao pé das panelas de carne
e comíamos pão até nos saciarmos.
Trouxestes-nos a este deserto,
para deixar morrer à fome toda esta multidão».
Então o Senhor disse a Moisés:
«Vou fazer que chova para vós pão do céu.
O povo sairá para apanhar a quantidade necessária para cada dia.
Vou assim pô-lo à prova,
para ver se segue ou não a minha lei.
Eu ouvi as murmurações dos filhos de Israel.
Vai dizer-lhes:
‘Ao cair da noite comereis carne
e de manhã saciar-vos-eis de pão.
Então reconhecereis que Eu sou o Senhor, vosso Deus’».
Nessa tarde apareceram codornizes,
que cobriram o acampamento,
e na manhã seguinte havia uma camada de orvalho
em volta do acampamento.
Quando essa camada de orvalho se evaporou,
apareceu à superfície do deserto uma substância granulosa,
fina como a geada sobre a terra.
Quando a viram, os filhos de Israel perguntaram uns aos outros:
«Man-hu?», quer dizer: «Que é isto?»,
pois não sabiam o que era.
Disse-lhes então Moisés:
«É o pão que o Senhor vos dá em alimento».
toda a comunidade dos filhos de Israel
começou a murmurar no deserto contra Moisés e Aarão.
Disseram-lhes os filhos de Israel:
«Antes tivéssemos morrido às mãos do Senhor na terra do Egito,
quando estávamos sentados ao pé das panelas de carne
e comíamos pão até nos saciarmos.
Trouxestes-nos a este deserto,
para deixar morrer à fome toda esta multidão».
Então o Senhor disse a Moisés:
«Vou fazer que chova para vós pão do céu.
O povo sairá para apanhar a quantidade necessária para cada dia.
Vou assim pô-lo à prova,
para ver se segue ou não a minha lei.
Eu ouvi as murmurações dos filhos de Israel.
Vai dizer-lhes:
‘Ao cair da noite comereis carne
e de manhã saciar-vos-eis de pão.
Então reconhecereis que Eu sou o Senhor, vosso Deus’».
Nessa tarde apareceram codornizes,
que cobriram o acampamento,
e na manhã seguinte havia uma camada de orvalho
em volta do acampamento.
Quando essa camada de orvalho se evaporou,
apareceu à superfície do deserto uma substância granulosa,
fina como a geada sobre a terra.
Quando a viram, os filhos de Israel perguntaram uns aos outros:
«Man-hu?», quer dizer: «Que é isto?»,
pois não sabiam o que era.
Disse-lhes então Moisés:
«É o pão que o Senhor vos dá em alimento».
AMBIENTE
A secção de Ex 15,22-18,27 desenvolve um dos grandes temas
do Pentateuco: a marcha pelo deserto. Aqui estamos, ainda, na primeira etapa
dessa marcha – a que vai desde a passagem do mar, até ao Sinai.
Três dos episódios apresentados nesta secção tratam o tema da murmuração do Povo (cf. Ex 15,22-27; 16,1-21; 17,1-7). O esquema é simples e é sempre o mesmo: o Povo desconfia e murmura diante das dificuldades, subleva-se contra Moisés e chega a acusar Deus pelos desconfortos da caminhada; quando estão prestes a sofrer o castigo pela sua revolta, Moisés intercede diante do Jahwéh e o Senhor perdoa o pecado do Povo; finalmente, apesar do pecado, Jahwéh concede ao Povo os bens de que este sente necessidade. Os relatos apresentam-se sempre de uma forma dramática, com um crescendo de intensidade até ao desfecho final, que se apresenta sempre na forma de uma intervenção prodigiosa de Deus, em benefício do seu Povo.
Provavelmente, estes relatos têm por base elementos de caráter histórico (dificuldades reais sentidas pelos hebreus que saíram do Egito com Moisés, no seu caminho para a Terra Prometida, através do deserto do Sinai) e que ficaram na memória coletiva; no entanto, os catequistas bíblicos estão mais interessados em fazer catequese, do que em apresentar uma reportagem jornalística da viagem (o episódio mistura uma catequese “jahwista”, do séc. X a.C. com uma catequese “sacerdotal”, do séc. VI a.C). A catequese apresentada pretende sempre avisar o Povo contra a tentação de procurar refúgio e segurança fora de Jahwéh… Aqui, Israel fala em regressar ao Egito, onde eram escravos, mas tinham pão e carne em abundância: o Egito representa a tentação que o Povo sentiu, em tantas situações da sua história, de voltar atrás, de abandonar os valores e a vida de Deus, de se instalar comodamente em esquemas à margem de Deus. O catequista jahwista garante ao seu Povo que Deus o acompanha sempre ao longo da sua caminhada e que só ele oferece a Israel vida em abundância.
O episódio que hoje nos é proposto – o episódio das codornizes e do maná – é situado no deserto de Sin, “que está entre Elim e o Sinai, no décimo quinto dia do segundo mês após a saída da terra do Egito” (Ex 16,1). O deserto de Sin estende-se de Kadesh-Barnea para ocidente.
A história das codornizes tem por base um fenômeno que se observa, por vezes, na Península do Sinai: a migração em massa de codornizes que, depois de atravessar o mar, chegam ao Sinai muito cansadas da viagem, pousam junto das tendas dos beduínos e deixam-se apanhar com facilidade. A história do maná deve ter por base uma pequena árvore (“tamarix mannifera”) existente em certas zonas do Sinai que, após ser picada por um inseto, segrega uma substância resinosa e espessa que logo se coagula; os beduínos recolhem, ainda hoje, essa substância (que chamam “man”), derretem-na ao calor do sol e passam-na sobre o pão.
Vai ser com estes elementos – elementos que o Povo conheceu e que o impressionaram, ao longo da marcha pelo deserto – que os catequistas bíblicos vão “amassar” a catequese que nos transmitem no texto que nos é proposto.
Três dos episódios apresentados nesta secção tratam o tema da murmuração do Povo (cf. Ex 15,22-27; 16,1-21; 17,1-7). O esquema é simples e é sempre o mesmo: o Povo desconfia e murmura diante das dificuldades, subleva-se contra Moisés e chega a acusar Deus pelos desconfortos da caminhada; quando estão prestes a sofrer o castigo pela sua revolta, Moisés intercede diante do Jahwéh e o Senhor perdoa o pecado do Povo; finalmente, apesar do pecado, Jahwéh concede ao Povo os bens de que este sente necessidade. Os relatos apresentam-se sempre de uma forma dramática, com um crescendo de intensidade até ao desfecho final, que se apresenta sempre na forma de uma intervenção prodigiosa de Deus, em benefício do seu Povo.
Provavelmente, estes relatos têm por base elementos de caráter histórico (dificuldades reais sentidas pelos hebreus que saíram do Egito com Moisés, no seu caminho para a Terra Prometida, através do deserto do Sinai) e que ficaram na memória coletiva; no entanto, os catequistas bíblicos estão mais interessados em fazer catequese, do que em apresentar uma reportagem jornalística da viagem (o episódio mistura uma catequese “jahwista”, do séc. X a.C. com uma catequese “sacerdotal”, do séc. VI a.C). A catequese apresentada pretende sempre avisar o Povo contra a tentação de procurar refúgio e segurança fora de Jahwéh… Aqui, Israel fala em regressar ao Egito, onde eram escravos, mas tinham pão e carne em abundância: o Egito representa a tentação que o Povo sentiu, em tantas situações da sua história, de voltar atrás, de abandonar os valores e a vida de Deus, de se instalar comodamente em esquemas à margem de Deus. O catequista jahwista garante ao seu Povo que Deus o acompanha sempre ao longo da sua caminhada e que só ele oferece a Israel vida em abundância.
O episódio que hoje nos é proposto – o episódio das codornizes e do maná – é situado no deserto de Sin, “que está entre Elim e o Sinai, no décimo quinto dia do segundo mês após a saída da terra do Egito” (Ex 16,1). O deserto de Sin estende-se de Kadesh-Barnea para ocidente.
A história das codornizes tem por base um fenômeno que se observa, por vezes, na Península do Sinai: a migração em massa de codornizes que, depois de atravessar o mar, chegam ao Sinai muito cansadas da viagem, pousam junto das tendas dos beduínos e deixam-se apanhar com facilidade. A história do maná deve ter por base uma pequena árvore (“tamarix mannifera”) existente em certas zonas do Sinai que, após ser picada por um inseto, segrega uma substância resinosa e espessa que logo se coagula; os beduínos recolhem, ainda hoje, essa substância (que chamam “man”), derretem-na ao calor do sol e passam-na sobre o pão.
Vai ser com estes elementos – elementos que o Povo conheceu e que o impressionaram, ao longo da marcha pelo deserto – que os catequistas bíblicos vão “amassar” a catequese que nos transmitem no texto que nos é proposto.
MENSAGEM
1. O episódio começa com a murmuração do Povo “contra Moisés
e contra Aarão” (vers. 2). Por estranho que pareça, Israel sente saudades do
tempo em que passou no Egito pois, apesar da escravidão, estava sentado “ao pé
de panelas de carne” e comia “pão com fartura” (vers. 3). Ao longo da
caminhada, vêm ao de cima as limitações e as deficiências de um grupo humano
ainda com mentalidade de escravo, demasiado “verde” e sem maturidade, agarrado
à mesquinhez, ao egoísmo, ao comodismo, que prefere a escravidão à liberdade.
Por outro lado, é um Povo que ainda não aprendeu a confiar no seu Deus, a
segui-lo de olhos fechados, a responder sem hesitações às suas propostas, a
segui-l’O incondicionalmente no caminho da fé.
2. A resposta de Deus é “fazer chover pão do céu” (vers. 4) e dar ao Povo carne em abundância (vers. 12). O objetivo de Deus é, não só satisfazer as necessidades materiais do Povo, mas também revelar-Se como o Deus da bondade e do amor, que cuida do seu Povo, que está sempre ao seu lado ao longo da caminhada, que milagrosamente entrega de bandeja a Israel a possibilidade de satisfazer as suas necessidades mais básicas e de vencer as forças da morte que se ocultam nas areias do deserto. Dessa forma, o Povo pode fazer uma experiência de encontro e de comunhão com Deus, que se traduzirá em confiança, em amor,em entrega. O
cuidado, a solicitude e o amor de Deus experimentados nesta “crise”, não só
ajudarão o Povo a sobreviver, mas irão permitir-lhe, também, superar
mentalidades estreitas e egoístas, fazendo-o ver mais além, alargar os
horizontes, tornar-se mais adulto, mais consciente, mais responsável e mais
santo. Israel aprende, assim, a confiar em Deus, a entregar-se nas suas mãos, a
não duvidar do seu amor e fidelidade… Israel aprende, neste percurso, que
Jahwéh é a rocha segura em quem se pode confiar nas crises e dramas da vida.
3. O fato de se dizer que Deus apenas dava ao Povo a quantidade de maná necessária “para cada dia” (vers. vers. 4) é uma bonita lição sobre desprendimento e confiançaem
Deus. Ensina o Povo a não acumular bens, a não viver para o
“ter”, a libertar o coração da ganância e do desejo de possuir sempre mais, a
não viver angustiado com o futuro e com o dia de amanhã; ensina, também, a
confiar em Deus, a entregar-se serenamente nas suas mãos, a vê-l’O como
verdadeira fonte de vida.
2. A resposta de Deus é “fazer chover pão do céu” (vers. 4) e dar ao Povo carne em abundância (vers. 12). O objetivo de Deus é, não só satisfazer as necessidades materiais do Povo, mas também revelar-Se como o Deus da bondade e do amor, que cuida do seu Povo, que está sempre ao seu lado ao longo da caminhada, que milagrosamente entrega de bandeja a Israel a possibilidade de satisfazer as suas necessidades mais básicas e de vencer as forças da morte que se ocultam nas areias do deserto. Dessa forma, o Povo pode fazer uma experiência de encontro e de comunhão com Deus, que se traduzirá em confiança, em amor,
3. O fato de se dizer que Deus apenas dava ao Povo a quantidade de maná necessária “para cada dia” (vers. vers. 4) é uma bonita lição sobre desprendimento e confiança
ATUALIZAÇÃO
• Mais uma vez, a Palavra de Deus que nos é proposta
dá-nos conta da preocupação de Deus em oferecer ao seu Povo, com solicitude e
amor, o alimento que dá vida. A ação de Deus não vai, apenas, no sentido de
satisfazer a fome física do seu Povo; mas pretende também (e principalmente)
ajudar o Povo a crescer, a amadurecer, a superar mentalidades estreitas e
egoístas, a sair do seu fechamento e a tomar consciência de outros valores.
Para Deus, “alimentar” o Povo é ajudá-lo a descobrir os caminhos que conduzem à
felicidade e à vida verdadeira. O Deus em quem nós acreditamos é o mesmo Deus
que, no deserto, ofereceu a Israel a possibilidade de libertar-se de uma
mentalidade de escravo e de descobrir o caminho para a vida nova da liberdade e
da felicidade… Ele vai conosco ao longo da nossa caminhada pelo deserto da
vida, vê as nossas necessidades, conhece os nossos limites, percebe a nossa
tendência para o egoísmo e o comodismo e, em cada dia, aponta-nos caminhos
novos, convida-nos a ir mais além, mostra-nos como podemos chegar à terra da
liberdade e da vida verdadeira. Este texto fala-nos da solicitude e do amor com
que Deus acompanha a nossa caminhada de todos os dias; convida-nos, também, a
escutar esse Deus, a aceitar as propostas de vida que Ele faz e a confiar
incondicionalmente n’Ele.
• As “saudades” que os israelitas sentem do Egito, onde
estavam “sentados junto de panelas de carne” e tinham “pão com fartura”,
revelam a realidade de um Povo acomodado à escravidão, instalado tranquilamente
numa vida sem perspectivas e sem saída, incapaz de arriscar, de enfrentar a
novidade, de querer mais, de aceitar a liberdade que se constrói na luta e no
risco. Esta mentalidade de escravidão continua, bem viva, no nosso mundo… É a
mentalidade daqueles que vivem obcecados pelo “ter” e que são capazes de
renunciar à sua dignidade para acumular bens materiais; é a mentalidade
daqueles que trocam valores importantes pelos “cinco minutos de fama” e de
exposição mediática; é a mentalidade daqueles que têm como único objetivo na
vida a satisfação das suas necessidades mais básicas; é a mentalidade daqueles
que se instalam comodamente nos seus esquemas cômodos, nos seus preconceitos e
se recusam a ir mais além, a deixarem-se interpelar pela novidade e pelos
desafios de Deus; é a mentalidade daqueles que vivem voltados para o passado,
que idealizam o passado, recusando-se a enfrentar os desafios da história e a
descobrir o que há de positivo e de desafiante nos novos tempos; é a
mentalidade daqueles que se resignam à mediocridade e que não fazem nenhum
esforço para que a sua vida faça sentido… A Palavra de Deus que nos é proposta
diz-nos: o nosso Deus não Se conforma com a resignação, o comodismo, a
instalação, a mediocridade que fazem de nós escravos e que nos impedem de
chegar à vida verdadeira, plenamente vivida e assumida; Ele vem ao nosso
encontro, desafia-nos a ir mais além, aponta-nos caminhos, convida-nos a
crescer e a dar passos firmes e seguros em direção à liberdade e à vida nova…
E, durante o caminho, nunca estaremos sozinhos, pois Ele vai ao nosso lado.
• A ideia de que Deus dá ao seu Povo, dia a dia, o pão
necessário para a subsistência (proibindo “juntar” mais do que o necessário
para cada dia) pretende ajudar o Povo a libertar-se da tentação do “ter”, da
ganância, da ambição desmedida. É um convite, também a nós, a não nos deixarmos
dominar pelo desejo descontrolado de posse dos bens, a libertarmos o nosso
coração da ganância que nos torna escravos das coisas materiais, a não vivermos
obcecados e angustiados com o futuro, a não colocarmos na conta bancária a
nossa segurança e a nossa esperança. Só Deus é a nossa segurança, só n’Ele
devemos confiar, pois só Ele (e não os bens materiais) nos liberta e nos leva
ao encontro da vida definitiva.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 77 (78)
Refrão: O Senhor deu-lhes o pão do céu.
Nós ouvimos e aprendemos,
os nossos pais nos contaram
os louvores do Senhor e o seu poder
e as maravilhas que Ele realizou.
os nossos pais nos contaram
os louvores do Senhor e o seu poder
e as maravilhas que Ele realizou.
Deus ordens às nuvens do alto
e abriu as portas do céu;
para alimento fez chover o maná,
deu-lhes o pão do céu.
e abriu as portas do céu;
para alimento fez chover o maná,
deu-lhes o pão do céu.
O homem comeu o pão dos fortes!
Mandou-lhes comida com abundância
e introduziu-os na sua terra santa,
na montanha que a sua direita conquistou.
Mandou-lhes comida com abundância
e introduziu-os na sua terra santa,
na montanha que a sua direita conquistou.
LEITURA II – Ef 4,17.20-24
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios
Irmãos:
Eis o que vos digo e aconselho em nome do Senhor:
Não torneis a proceder como os pagãos,
que vivem na futilidade dos seus pensamentos.
Não foi assim que aprendestes a conhecer a Cristo,
se é que d’Ele ouvistes pregar e sobre Ele fostes instruídos,
conforme a verdade que está em Jesus.
É necessário abandonar a vida de outrora
e pôr de parte o homem velho,
corrompido por desejos enganadores.
Renovai-vos pela transformação espiritual da vossa inteligência
e revesti-vos do homem novo, criado á imagem de Deus
na justiça e santidade verdadeiras.
Eis o que vos digo e aconselho em nome do Senhor:
Não torneis a proceder como os pagãos,
que vivem na futilidade dos seus pensamentos.
Não foi assim que aprendestes a conhecer a Cristo,
se é que d’Ele ouvistes pregar e sobre Ele fostes instruídos,
conforme a verdade que está em Jesus.
É necessário abandonar a vida de outrora
e pôr de parte o homem velho,
corrompido por desejos enganadores.
Renovai-vos pela transformação espiritual da vossa inteligência
e revesti-vos do homem novo, criado á imagem de Deus
na justiça e santidade verdadeiras.
AMBIENTE
Continuamos a ler a Carta aos Efésios, essa “carta circular”
que Paulo escreve enquanto está na prisão (em Roma, durante os anos 61-63?) e
que envia a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor. É uma
carta (já o dissemos atrás) onde Paulo apresenta, de forma extremamente serena
e refletida, uma teologia amadurecida, completa, bem elaborada, sobre as
exigências da vida nova em Cristo.
A secção da Carta aos Efésios que vai de4,1 a 6,20 (já o dissemos também no passado
domingo) é um texto parenético, que tem por objetivo principal exortar os
cristãos a viverem de forma coerente com o seu Batismo e com o seu compromisso
com Cristo. Depois de convidar os crentes a viverem na unidade do amor (cf. Ef
4,1-6) e de lhes apresentar uma reflexão sobre a comunidade, Corpo de Cristo
formado por muitos membros (cf. Ef 4,7-13), Paulo exorta os cristãos a viverem
de acordo com a sua condição de Homens Novos em Cristo (cf. 4,14-5,14). O texto
que nos é hoje proposto como segunda leitura é parte dessa exortação.
A secção da Carta aos Efésios que vai de
MENSAGEM
O nosso texto é, fundamentalmente, um convite – feito com a
veemência que Paulo usava sempre nas suas exortações – a deixar a vida antiga e
os esquemas do passado, para abraçar definitivamente a vida nova que Cristo
veio propor.
Paulo usa duas expressões opostas para definir a realidade do homem antes do encontro com Cristo e depois do encontro com Cristo. O homem que ainda não aderiu a Cristo é, para Paulo, o homem velho, cuja vida é marcada pela mediocridade, pela futilidade (vers. 17), pela corrupção, pela escravidão aos “desejos enganadores” (vers. 22). O homem que já encontrou Cristo e que aderiu à sua proposta é o homem novo, que vive na verdade (vers. 21), na justiça e na santidade verdadeiras (vers. 24).
O Batismo – o momento da adesão a Cristo – é o momento decisivo da transformação do homem velho em homem novo. O próprio rito do Batismo (o imergir na água significa o morrer para a vida antiga de pecado; o emergir da água significa o nascimento de um outro homem, purificado do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência, do pecado) sugere a transformação e a ressurreição do homem para uma vida nova – a vidaem Cristo. A partir daí, o
homem devia adotar uma nova maneira de pensar e de agir, consequência do seu
compromisso com Cristo e com a proposta de vida que Cristo veio apresentar.
Contudo, mesmo depois de ter optado por Cristo, o homem continua marcado pela sua condição de debilidade e de fragilidade… Essa condição faz com que, por vezes, sinta a tentação de regressar ao homem velho do egoísmo, do orgulho, do pecado… O crente, animado pelo Espírito é, portanto, chamado a renovar cada dia a sua adesão a Cristo e a construir a sua existência de forma coerente com os compromissos que assumiu no dia do seu Batismo. O homem novo não é uma realidade adquirida de uma vez por todas, no dia em que se optou por Cristo; mas é uma realidade continuamente a fazer-se, que exige um trabalho contínuo e uma constante renovação.
Paulo usa duas expressões opostas para definir a realidade do homem antes do encontro com Cristo e depois do encontro com Cristo. O homem que ainda não aderiu a Cristo é, para Paulo, o homem velho, cuja vida é marcada pela mediocridade, pela futilidade (vers. 17), pela corrupção, pela escravidão aos “desejos enganadores” (vers. 22). O homem que já encontrou Cristo e que aderiu à sua proposta é o homem novo, que vive na verdade (vers. 21), na justiça e na santidade verdadeiras (vers. 24).
O Batismo – o momento da adesão a Cristo – é o momento decisivo da transformação do homem velho em homem novo. O próprio rito do Batismo (o imergir na água significa o morrer para a vida antiga de pecado; o emergir da água significa o nascimento de um outro homem, purificado do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência, do pecado) sugere a transformação e a ressurreição do homem para uma vida nova – a vida
Contudo, mesmo depois de ter optado por Cristo, o homem continua marcado pela sua condição de debilidade e de fragilidade… Essa condição faz com que, por vezes, sinta a tentação de regressar ao homem velho do egoísmo, do orgulho, do pecado… O crente, animado pelo Espírito é, portanto, chamado a renovar cada dia a sua adesão a Cristo e a construir a sua existência de forma coerente com os compromissos que assumiu no dia do seu Batismo. O homem novo não é uma realidade adquirida de uma vez por todas, no dia em que se optou por Cristo; mas é uma realidade continuamente a fazer-se, que exige um trabalho contínuo e uma constante renovação.
ATUALIZAÇÃO
• O cristão é, antes de mais, alguém que encontrou
Cristo, que escutou o seu chamamento, que aderiu à sua proposta. A consequência
dessa adesão é passar a viver de uma forma diferente, de acordo com valores
diferentes, e com uma outra mentalidade. O encontro com Cristo deve significar,
para qualquer homem, uma mudança radical, um jeito completamente diferente de
se situar face a Deus, face aos irmãos, face a si próprio e face ao mundo.
Antes de mais devemos tomar consciência de que também nós encontramos Cristo,
fomos chamados por Ele, aderimos à sua proposta e assumimos com Ele um
compromisso. O momento do nosso Batismo não foi um momento de folclore
religioso ou uma ocasião para cumprir um rito cultural qualquer; mas foi um
verdadeiro momento de encontro com Cristo, de compromisso com Ele e o início de
uma caminhada que Deus nos chama a percorrer, com coerência, pela vida fora,
até chegarmos ao homem novo.
• Paulo convida insistentemente os crentes a deixar a
vida do homem velho… O homem velho é o homem dominado pelo egoísmo, pelo
orgulho, que vive de coração fechado a Deus e aos irmãos, que vive instalado em
esquemas de opressão e de injustiça, que gasta a vida a correr atrás dos deuses
errados (o dinheiro, o poder, o êxito, a moda…), que se deixa dominar pela
cobiça, pela corrupção, pela concupiscência, pela ira, pela maldade e se recusa
a escutar a proposta libertadora que Deus lhe apresenta. Provavelmente, não nos
revemos na totalidade deste quadro; mas não teremos momentos em que construímos
a nossa vida à margem das propostas de Deus e em que negligenciamos os valores
de Deus para abraçar outros valores que nos escravizam?
• Paulo apela a que os crentes vivam a vida do homem
novo. O homem novo é o homem continuamente atento às propostas de Deus, que
aceita integrar a família de Deus, que não se conforma com a maldade, a
injustiça, a exploração, a opressão, que procura viver na verdade, no amor, na
justiça, na partilha, no serviço, que pratica obras de bondade, de
misericórdia, de humildade, que dia a dia dá testemunho, com alegria e
simplicidade, dos valores de Deus. É este o meu “projeto” de vida? Os meus
gestos e atitudes de cada dia manifestam a realidade de um homem novo, que vive
em comunhão com Deus e no amor aos irmãos?
• Todos nós, no dia do nosso Batismo, optamos pelo
homem novo… É preciso, no entanto, termos consciência que a construção do homem
novo nunca é um processo acabado… A monotonia, o cansaço, os problemas da vida,
as influências do mundo, a nossa preguiça e o nosso comodismo levam-nos, muitas
vezes, a instalarmo-nos na mediocridade, nas “meias tintas”, na não exigência,
na acomodação; então, o homem velho espreita-nos a cada esquina e toma conta de
nós… Precisamos de ter consciência de que em cada minuto que passa tudo começa
outra vez; precisamos de renovar continuamente as nossas opções e o nosso
compromisso, numa atenção constante ao chamamento de Deus. O cristão não cruza
os braços considerando que já atingiu um nível satisfatório de perfeição; mas
está sempre numa atitude de vigilância e de conversão, para poder responder
adequadamente, em cada instante, aos desafios sempre novos de Deus.
ALELUIA – Mt 4,4b
Aleluia. Aleluia.
Nem só de pão vive o homem,
mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.
mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.
EVANGELHO – Jo 6,24-35
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo,
quando a multidão viu
que nem Jesus nem os seus discípulos estavam à beira do lago,
subiram todos para as barcas
e foram para Cafarnaum, à procura de Jesus.
Ao encontrá-l’O no outro lado do mar, disseram-Lhe:
«Mestre, quando chegaste aqui?»
Jesus respondeu-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo:
vós procurais-Me, não porque vistes milagres,
mas porque comestes dos pães e ficastes saciados.
Trabalhai, não tanto pela comida que se perde,
mas pelo alimento que dura até à vida eterna
e que o Filho do homem vos dará.
A Ele é que o Pai, o próprio Deus,
marcou com o seu selo».
Disseram-Lhe então:
«Que devemos nós fazer para praticar as obras de Deus?»
Respondeu-lhes Jesus:
«A obra de Deus
consiste em acreditar n’Aquele que Ele enviou».
Disseram-Lhe eles:
«Que milagres fazes Tu,
para que nós vejamos e acreditemos em Ti?
Que obra realizas?
No deserto os nossos pais comeram o maná,
conforme está escrito:
‘Deu-lhes a comer um pão que veio do céu’».
Jesus respondeu-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo:
Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu;
meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do Céu.
O pão de Deus é o que desce do Céu
para dar a vida ao mundo».
Disseram-Lhe eles:
«Senhor, dá-nos sempre desse pão».
Jesus respondeu-lhes:
«Eu sou o pão da vida:
quem vem a Mim nunca mais terá fome,
quem acredita em Mim nunca mais terá sede».
quando a multidão viu
que nem Jesus nem os seus discípulos estavam à beira do lago,
subiram todos para as barcas
e foram para Cafarnaum, à procura de Jesus.
Ao encontrá-l’O no outro lado do mar, disseram-Lhe:
«Mestre, quando chegaste aqui?»
Jesus respondeu-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo:
vós procurais-Me, não porque vistes milagres,
mas porque comestes dos pães e ficastes saciados.
Trabalhai, não tanto pela comida que se perde,
mas pelo alimento que dura até à vida eterna
e que o Filho do homem vos dará.
A Ele é que o Pai, o próprio Deus,
marcou com o seu selo».
Disseram-Lhe então:
«Que devemos nós fazer para praticar as obras de Deus?»
Respondeu-lhes Jesus:
«A obra de Deus
consiste em acreditar n’Aquele que Ele enviou».
Disseram-Lhe eles:
«Que milagres fazes Tu,
para que nós vejamos e acreditemos em Ti?
Que obra realizas?
No deserto os nossos pais comeram o maná,
conforme está escrito:
‘Deu-lhes a comer um pão que veio do céu’».
Jesus respondeu-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo:
Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu;
meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do Céu.
O pão de Deus é o que desce do Céu
para dar a vida ao mundo».
Disseram-Lhe eles:
«Senhor, dá-nos sempre desse pão».
Jesus respondeu-lhes:
«Eu sou o pão da vida:
quem vem a Mim nunca mais terá fome,
quem acredita em Mim nunca mais terá sede».
AMBIENTE
No passado domingo, João contou-nos como Jesus alimentou a
multidão com cinco pães e dois peixes, na “outra” margem do Lago de Tiberíades
(cf. Jo 6,1-15). Ao “cair da tarde” desse dia, Jesus e os discípulos voltaram a
Cafarnaum (cf. Jo 6,16-21).
O episódio que o Evangelho de hoje nos apresenta situa-nos em Cafarnaum, no “dia seguinte” ao episódio da multiplicação dos pães e dos peixes. Nessa manhã, a multidão que tinha sido alimentada pelos pães e pelos peixes multiplicados e que ainda estava do “outro lado” do lago apercebeu-se de que Jesus tinha regressado a Cafarnaum e dirigiu-se ao seu encontro.
A multidão encontra Jesus na sinagoga de Cafarnaum – uma cidade situada na margem ocidental do Lago e à volta da qual se desenrola uma parte significativa da atividade de Jesus na Galiléia. Confrontado com a multidão, Jesus profere um discurso (cf. Jo 6,22-59) que explica o sentido do gesto precedente (a multiplicação dos pães e dos peixes).
O episódio que o Evangelho de hoje nos apresenta situa-nos em Cafarnaum, no “dia seguinte” ao episódio da multiplicação dos pães e dos peixes. Nessa manhã, a multidão que tinha sido alimentada pelos pães e pelos peixes multiplicados e que ainda estava do “outro lado” do lago apercebeu-se de que Jesus tinha regressado a Cafarnaum e dirigiu-se ao seu encontro.
A multidão encontra Jesus na sinagoga de Cafarnaum – uma cidade situada na margem ocidental do Lago e à volta da qual se desenrola uma parte significativa da atividade de Jesus na Galiléia. Confrontado com a multidão, Jesus profere um discurso (cf. Jo 6,22-59) que explica o sentido do gesto precedente (a multiplicação dos pães e dos peixes).
MENSAGEM
A cena inicial (vers. 24) parece sugerir, à primeira vista,
que a pregação de Jesus alcançou um êxito total: a multidão está entusiasmada,
procura Jesus com afã e segue-O para todo o lado. Aparentemente, a missão de
Jesus não podia correr melhor.
Contudo, Jesus percebe facilmente que a multidão está equivocada e que O procura pelas razões erradas. Na verdade, a multiplicação dos pães e dos peixes pretendeu ser, por parte de Jesus, uma lição sobre amor, partilha e serviço; mas a multidão não foi sensível ao significado profundo do gesto, ficou-se pelas aparências e só percebeu que Jesus podia oferecer-lhe, de forma gratuita, pãoem abundância.
Assim , o facto de a multidão procurar Jesus e Se dirigir ao
seu encontro não significa que tenha aderido à sua proposta; significa, apenas,
que viu em Jesus um modo fácil e barato de resolver os seus problemas
materiais.
Na verdade, o gesto de repartir pela multidão os pães e os peixes gerou um perigoso equívoco. Jesus está consciente de que é preciso desfazer, quanto antes, esse mal-entendido. Por isso, nem sequer responde à pergunta inicial que Lhe põem (“Mestre, quando chegaste aqui?” – vers. 25); mas, mal se encontra diante da multidão, procura esclarecer coisas bem mais importantes do que a hora da sua chegada a Cafarnaum… As palavras que Jesus dirige àqueles que O rodeiam põem o problema da seguinte forma: eles não procuram Jesus, mas procuram a resolução dos seus problemas materiais (vers. 26). Trata-se de uma procura interesseira e egoísta, que é absolutamente contrária à mensagem que Jesus procurou passar-lhes. Depois de identificar o problema, Jesus deixa-lhes um aviso: é preciso esforçar-se por conseguir, não só o alimento que mata a fome física, mas sobretudo o alimento que sacia a fome de vida que todo o homem tem. A multidão, ao preocupar-se apenas com a procura do alimento material, está a esquecer o essencial – o alimento que dá vida definitiva. Esse alimento que dá a vida eterna é o próprio Jesus que o traz (vers. 27).
O que é preciso fazer para receber esse pão? – pergunta-se a multidão (vers. 28). A resposta de Jesus é clara: é preciso aderir a Jesus e ao seu projeto (vers. 28). Na cena da multiplicação dos pães, a multidão não aderiu ao projeto de Jesus (que falava de amor, de partilha, de serviço); apenas correu atrás do profeta milagreiro que distribuía pão e peixes gratuitamente e em abundância… Mas, para receber o alimento que dá vida eterna e definitiva, é preciso, que a multidão acolha as propostas de Jesus e aceite viver no amor que se faz dom, na partilha daquilo que se tem com os irmãos, no serviço simples e humilde aos outros homens. É acolhendo e interiorizando esse “pão” que se adquire a vida que não acaba.
Os interlocutores de Jesus não estão, no entanto, convencidos de que esse “pão” garanta a vida definitiva. Custa-lhes a aceitar que a vida eterna resulte do amor, do serviço, da partilha. O que é que garante, perguntam eles, que esse seja um caminho verdadeiro para a vida definitiva (vers. 30)? Qual a prova de que a realização plena do homem passe pelo dom da própria vida aos demais? Porque é que Jesus não realiza um gesto espetacular – como Moisés, que fez chover do céu o maná, não apenas para cinco mil pessoas, mas para todo o Povo e de forma continuada – para provar que a proposta que Ele faz é verdadeiramente uma proposta geradora de vida (vers. 31)?
Jesus responde pondo a questão da seguinte forma: o maná foi um dom de Deus para saciar a fome material do seu Povo; mas o maná não é esse “pão” que sacia a fome de vida eterna do homem. Só Deus dá aos homens, de forma contínua, a vida eterna; e esse dom do Pai não veio ao encontro dos homens através de Moisés, mas através de Jesus (vers. 32-33). Portanto, o importante não é testemunhar gestos espetaculares, que deslumbram e impressionam mas não mudam nada; mas é acolher a proposta que Jesus faz e vivê-la nos gestos simples de todos os dias.
A última frase do nosso texto identifica o próprio Jesus, já não com o “portador” do pão, mas como o próprio pão que Deus quer oferecer ao seu Povo para lhe saciar a fome e a sede de vida (vers. 35). “Comê-lo” será escutar a sua Palavra, acolher a sua proposta, assimilar os seus valores, interiorizar o seu jeito de viver, fazer da vida (como Jesus fez) um dom total de amor aos irmãos. Seguindo Jesus, acolhendo a sua proposta no coração e deixando que ela se transforme em gestos concretos de amor, de partilha, de serviço, o homem encontrará essa “qualidade” de vida que o leva à sua realização plena, à vida eterna.
Contudo, Jesus percebe facilmente que a multidão está equivocada e que O procura pelas razões erradas. Na verdade, a multiplicação dos pães e dos peixes pretendeu ser, por parte de Jesus, uma lição sobre amor, partilha e serviço; mas a multidão não foi sensível ao significado profundo do gesto, ficou-se pelas aparências e só percebeu que Jesus podia oferecer-lhe, de forma gratuita, pão
Na verdade, o gesto de repartir pela multidão os pães e os peixes gerou um perigoso equívoco. Jesus está consciente de que é preciso desfazer, quanto antes, esse mal-entendido. Por isso, nem sequer responde à pergunta inicial que Lhe põem (“Mestre, quando chegaste aqui?” – vers. 25); mas, mal se encontra diante da multidão, procura esclarecer coisas bem mais importantes do que a hora da sua chegada a Cafarnaum… As palavras que Jesus dirige àqueles que O rodeiam põem o problema da seguinte forma: eles não procuram Jesus, mas procuram a resolução dos seus problemas materiais (vers. 26). Trata-se de uma procura interesseira e egoísta, que é absolutamente contrária à mensagem que Jesus procurou passar-lhes. Depois de identificar o problema, Jesus deixa-lhes um aviso: é preciso esforçar-se por conseguir, não só o alimento que mata a fome física, mas sobretudo o alimento que sacia a fome de vida que todo o homem tem. A multidão, ao preocupar-se apenas com a procura do alimento material, está a esquecer o essencial – o alimento que dá vida definitiva. Esse alimento que dá a vida eterna é o próprio Jesus que o traz (vers. 27).
O que é preciso fazer para receber esse pão? – pergunta-se a multidão (vers. 28). A resposta de Jesus é clara: é preciso aderir a Jesus e ao seu projeto (vers. 28). Na cena da multiplicação dos pães, a multidão não aderiu ao projeto de Jesus (que falava de amor, de partilha, de serviço); apenas correu atrás do profeta milagreiro que distribuía pão e peixes gratuitamente e em abundância… Mas, para receber o alimento que dá vida eterna e definitiva, é preciso, que a multidão acolha as propostas de Jesus e aceite viver no amor que se faz dom, na partilha daquilo que se tem com os irmãos, no serviço simples e humilde aos outros homens. É acolhendo e interiorizando esse “pão” que se adquire a vida que não acaba.
Os interlocutores de Jesus não estão, no entanto, convencidos de que esse “pão” garanta a vida definitiva. Custa-lhes a aceitar que a vida eterna resulte do amor, do serviço, da partilha. O que é que garante, perguntam eles, que esse seja um caminho verdadeiro para a vida definitiva (vers. 30)? Qual a prova de que a realização plena do homem passe pelo dom da própria vida aos demais? Porque é que Jesus não realiza um gesto espetacular – como Moisés, que fez chover do céu o maná, não apenas para cinco mil pessoas, mas para todo o Povo e de forma continuada – para provar que a proposta que Ele faz é verdadeiramente uma proposta geradora de vida (vers. 31)?
Jesus responde pondo a questão da seguinte forma: o maná foi um dom de Deus para saciar a fome material do seu Povo; mas o maná não é esse “pão” que sacia a fome de vida eterna do homem. Só Deus dá aos homens, de forma contínua, a vida eterna; e esse dom do Pai não veio ao encontro dos homens através de Moisés, mas através de Jesus (vers. 32-33). Portanto, o importante não é testemunhar gestos espetaculares, que deslumbram e impressionam mas não mudam nada; mas é acolher a proposta que Jesus faz e vivê-la nos gestos simples de todos os dias.
A última frase do nosso texto identifica o próprio Jesus, já não com o “portador” do pão, mas como o próprio pão que Deus quer oferecer ao seu Povo para lhe saciar a fome e a sede de vida (vers. 35). “Comê-lo” será escutar a sua Palavra, acolher a sua proposta, assimilar os seus valores, interiorizar o seu jeito de viver, fazer da vida (como Jesus fez) um dom total de amor aos irmãos. Seguindo Jesus, acolhendo a sua proposta no coração e deixando que ela se transforme em gestos concretos de amor, de partilha, de serviço, o homem encontrará essa “qualidade” de vida que o leva à sua realização plena, à vida eterna.
ATUALIZAÇÃO
• O caminho que percorremos nesta terra é sempre um
caminho marcado pela procura da nossa realização, da nossa felicidade, da vida
plena e verdadeira. Temos fome de vida, de amor, de felicidade, de justiça, de
paz, de esperança, de transcendência e procuramos, de mil formas, saciar essa
fome; mas continuamos sempre insatisfeitos, tropeçando na nossa finitude, em
respostas parciais, em tentativas falhadas de realização, em esquemas
equívocos, em falsas miragens de felicidade e de realização, em valores efêmeros,
em propostas que parecem sedutoras mas que só geram escravidão e dependência…
Na verdade, o dinheiro, o poder, a realização profissional, o êxito, o
reconhecimento social, os prazeres, os amigos são valores efêmeros que não
chegam para “encher” totalmente a nossa vida e para lhe dar um sentido pleno.
Como podemos “encher” a nossa vida e dar-lhe pleno significado? Onde encontrar
o “pão” que mata a nossa fome de vida?
• Jesus de Nazaré é o “pão de Deus que desce do céu
para dar a vida ao mundo”. É esta a questão central que o Evangelho deste
domingo nos propõe. É em Jesus e através de Jesus que Deus sacia a fome e a
sede dos homens e lhes oferece a vida em plenitude. Isto
leva-nos às seguintes questões: que lugar é que Jesus ocupa na nossa vida? Ele
é, verdadeiramente, a coordenada fundamental à volta da qual construímos a nossa
existência? Para nós, Jesus é uma figura do passado (embora tenha sido um homem
excepcional) que a história absorveu e digeriu, ou é o Deus que continua vivo e
a caminhar ao nosso lado, oferecendo-nos vida em plenitude? Ele é “mais uma”
das nossas referências (ao lado de tantas outras) ou a nossa referência
fundamental? Ele é alguém a quem adoramos, com respeito e à distância, ou o
irmão que nos indica o caminho, que nos propõe valores, que condiciona a nossa
atitude face a Deus, face aos irmãos e face ao mundo?
• O que é preciso fazer para ter acesso a esse “pão de
Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo”? De acordo com o Evangelho
deste domingo, a resposta é clara: é preciso aderir (“acreditar”) a Jesus, o
“pão” que o Pai enviou ao mundo para saciar a fome dos homens. Aderir a Jesus é
escutar o seu chamamento, acolher a sua Palavra, assumir e interiorizar os seus
valores, segui-l’O no caminho do amor, da partilha, do serviço, da entrega da
vida a Deus e aos irmãos. Trata-se de uma adesão que deve ser consequente e
traduzir-se em obras concretas. Não chegam declarações de boas intenções, ou atos
institucionais que nos fazem constar dos livros de registro da nossa paróquia;
aderir a Jesus é assumir o seu estilo de vida e fazer da própria vida um dom de
amor, até à morte.
• No Evangelho deste domingo, Jesus mostra-Se
profundamente incomodado quando constata que a multidão o procura pelas razões
erradas e, sem preâmbulos, apressa-Se em desfazer os equívocos. Ele não quer,
de forma nenhuma, que as pessoas O sigam por engano, ou iludidas. Há, aqui, um
convite implícito a repensarmos as razões porque nos envolvemos com Cristo… É
um equívoco procurar o Batismo porque é uma tradição da nossa cultura; é um
equívoco celebrar o matrimônio na Igreja porque, assim, a cerimônia é mais
espetacular e proporciona fotografias mais bonitas; é um equívoco assumir
tarefas na comunidade cristã para nos auto-promovermos ou para resolvermos os
nossos problemas materiais; é um equívoco receber o sacramento da Ordem porque
o sacerdócio nos proporciona uma vida cômoda e tranquila; é um equívoco
praticarmos certos atos de piedade para que Jesus nos recompense, nos livre de
desgraças, nos pague resolvendo algumas das nossas necessidades materiais… A
nossa adesão a Jesus deve partir de uma profunda convicção de que só Ele é o
“pão” que nos dá vida.
• A recusa de Jesus em realizar gestos espetaculares
(como fazer o maná cair do céu), mostra que, normalmente, Deus não vem ao
encontro do homem para lhe oferecer a sua vida em gestos portentosos, que
deixam toda a gente espantada e que testemunham, de forma inequívoca, a sua
presença no mundo; mas Deus atua na vida do homem de forma discreta, embora
duradoura e permanente. Deus vem, todos os dias, ao encontro do homem e, sem
forçar nem se impor, convida-o a escutar a Palavra de Jesus, propõe-lhe a
adesão a Jesus e ao seu projeto, ensina-lhe os caminhos do amor, da partilha,
do serviço. Convém que nos familiarizemos com os métodos de Deus, para o
conseguirmos perceber e encontrar, no caminho da nossa vida.
19º Domingo do Tempo Comum
A liturgia do 19º Domingo do Tempo Comum dá-nos conta, uma
vez mais, da
preocupação de Deus em oferecer aos homens o “pão” da vida
plena e definitiva. Por
outro lado, convida os homens a prescindirem do orgulho e
da auto-suficiência e a
acolherem, com reconhecimento e gratidão, os dons de Deus.
A primeira leitura mostra como Deus se preocupa em
oferecer aos seus filhos o
alimento que dá vida. No “pão cozido sobre pedras quentes”
e na “bilha de água” com
que Deus retempera as forças do profeta Elias, manifesta-se
o Deus da bondade e do
amor, cheio de solicitude para com os seus filhos, que
anima os seus profetas e lhes
dá a força para testemunhar, mesmo nos momentos de
dificuldade e de desânimo.
O Evangelho apresenta Jesus como o “pão” vivo que
desceu do céu para dar a vida
ao mundo. Para que esse “pão” sacie definitivamente a fome
de vida que reside no
coração de cada homem ou mulher, é preciso “acreditar”,
isto é, aderir a Jesus,
acolher as suas propostas, aceitar o seu projeto, segui-lo
no “sim” a Deus e no amor
aos irmãos.
A segunda leitura mostra-nos as consequências da
adesão a Jesus, o “pão” da
vida… Quando alguém acolhe Jesus como o “pão” que desceu do
céu, torna-se um
Homem Novo, que renuncia à vida velha do egoísmo e do
pecado e que passa a viver
no caridade, a exemplo de Cristo.
LEITURA I – 1 Rs 19,4-8
Naqueles dias,
Elias entrou no deserto e andou o dia inteiro.
Depois sentou-se debaixo de um junípero
e, desejando a morte, exclamou:
«Já basta, Senhor. Tirai-me a vida,
porque não sou melhor que meus pais».
Deitou-se por terra e adormeceu à sombra do junípero.
Nisto, um Anjo do Senhor tocou-lhe e disse:
«Levanta-te e come».
Ele olhou e viu à sua cabeceira
um pão cozido sobre pedras quentes e uma bilha de água.
Comeu e bebeu e tornou a deitar-se.
O Anjo do Senhor veio segunda vez, tocou-lhe e disse:
«Levanta-te e come,
porque ainda tens um longo caminho a percorrer».
Ele levantou-se, comeu e bebeu.
Depois, fortalecido com aquele alimento,
caminhou durante quarenta dias e quarenta noites
até ao monte de Deus, Horeb.
AMBIENTE
Elias atua no Reino do Norte (Israel) durante o século IX
a.C., num tempo em que a
fé jahwista é posta em causa pela preponderância que os
deuses estrangeiros
(especialmente Baal) assumem na cultura religiosa de
Israel. Provavelmente, estamos
diante de uma tentativa de abrir Israel a outras culturas,
a fim de facilitar o intercâmbio
cultural e comercial… Mas essas razões políticas não são
entendidas nem aceites
pelos círculos religiosos de Israel. O ministério profético
de Elias desenvolve-se
sobretudo durante o reinado de Acab (873-853 a .C.), embora a sua voz
também se
tenha feito ouvir no reinado de Ocozias (853-852 a .C.).
Elias é o grande defensor da fidelidade a Jahwéh. Ele
aparece como o representante
dos israelitas fiéis que recusavam a coexistência de Jahwéh
e de Baal no horizonte da
fé de Israel. Num episódio dramático, o próprio profeta
chegou a desafiar os profetas
de Baal para um duelo religioso que terminou com um
massacre de quatrocentos
profetas de Baal no monte Carmelo (cf. 1 Re 18). Esse
episódio é, certamente, uma
apresentação teológica dessa luta sem tréguas que se trava
entre os fiéis a Jahwéh e
os que abrem o coração às influências culturais e
religiosas de outros povos.
Para além da questão do culto, Elias defende a Lei em todas
as suas vertentes (vejase, por exemplo, a sua defesa intransigente das leis da
propriedade em 1 Re 21, no célebre episódio da usurpação das vinhas de Nabot):
ele representa os pobres de
Israel, na sua luta sem tréguas contra uma aristocracia e
uns comerciantes todopoderosos que subvertiam a seu bel-prazer as leis e os
mandamentos de Jahwéh.
Após o massacre dos 400 profetas de Baal no monte Carmelo,
Acab e a sua esposa
fenícia juraram matar Elias; e o profeta fugiu para o sul,
a fim de salvar a vida.
Chegado à zona de Beer-Sheba, Elias internou-se no deserto.
É precisamente nesse
contexto que o episódio do Livro dos Reis que hoje nos é
proposto nos situa.
MENSAGEM
A cena apresenta-nos um Elias abatido, deprimido e
solitário face à incompreensão e
à perseguição de que é alvo. O profeta sente que falhou,
que a sua missão está
condenada ao fracasso e que a sua luta o conduziu a um beco
sem saída; sente medo
e está prestes a desistir de tudo… O pedido que o profeta
faz a Deus no sentido de lhe
dar a morte (vers. 4) reflete o seu profundo desânimo,
desilusão, angústia e
desespero. É uma cena tocante, que nos recorda que o
profeta é um homem e que
está, por isso, condenado a fazer a experiência da sua
fragilidade e da sua finitude.
No entanto, Deus não está longe e não abandona o seu
profeta. O nosso texto refere,
neste contexto, a solicitude e o amor de Deus, que oferece
a Elias “pão cozido sobre
pedras quentes e uma bilha de água” (vers. 6). É a
confirmação de que o profeta não
está perdido nem abandonado por Deus, mesmo quando é
incompreendido e
perseguido pelos homens. A cena garante-nos a presença
contínua de Deus e o seu
cuidado com aqueles que chama e a quem dá o alimento e o
alento para serem fiéis à
missão, mesmo em contextos adversos. Repare-se como Deus
não anula a missão do
profeta, nem elimina os perseguidores; mas limita-se a dar
ao profeta a força para
continuar a sua peregrinação.
Alimentado pela força de Deus, o profeta caminha durante
“quarenta dias e quarenta
noites até ao monte de Deus, o Horeb” (vers. 8). A
referência aos “quarenta dias e
quarenta noites” alude certamente à estadia de Moisés na
montanha sagrada (cf. Ex
24,18), onde se encontrou com Deus e onde recebeu de Jahwéh
as tábuas da Lei;
também pode aludir à caminhada do Povo durante quarenta
anos pelo deserto, até
alcançar a Terra Prometida. Em qualquer caso, esta
peregrinação ao Horeb – o monte
da Aliança – é um regresso às fontes, uma peregrinação às
origens de Israel como
Povo de Deus… Perseguido, incompreendido, desesperado,
Elias necessita revitalizar
a sua fé e reencontrar o sentido da sua missão como profeta
de Jahwéh e como
defensor dessa Aliança que Deus ofereceu ao seu Povo no
Horeb/Sinai.
ATUALIZAÇÃO
♦ No quadro que o texto nos apresenta, Elias aparece como um
homem vencido
pelo medo e pela angústia, marcado pela decepção e pelo
desânimo, que
experimentou dramaticamente a sua impotência no sentido de
mudar o coração do
seu Povo e que, por isso, desistiu de lutar; a sua
desilusão é de tal forma grande,
que ele prefere morrer a ter de continuar. “Este” Elias
testemunha essa condição
de fragilidade e de debilidade que está sempre presente na
experiência profética.
É um quadro que todos nós conhecemos bem… A nossa
experiência profética
está, muitas vezes, marcada pelas incompreensões, pelas
calúnias, pelas
perseguições; outras vezes, é o sentimento da nossa
impotência no sentido de
mudar o mundo que nos angustia e desanima; outras vezes
ainda, é a constatação
da nossa fragilidade, dos nossos limites, da nossa finitude
que nos assusta…
Como responder a um quadro deste tipo e como encarar esta
experiência de
fragilidade e de debilidade? A solução será baixar os
braços e abandonar a luta?
Quem pode ajudar-nos a enfrentar o drama da desilusão e da
decepção?
♦ O nosso texto garante-nos que Deus não abandona aqueles a
quem chama a dar
testemunho profético. No “pão cozido sobre pedras quentes”
e na “bilha de água”
com que Deus retempera as forças de Elias, manifesta-se o
Deus da bondade e do
amor, cheio de solicitude para com os seus filhos, que
anima os seus profetas e
lhes dá a força para testemunhar, mesmo nos momentos de
dificuldade e de
desânimo. Quando tudo parece cair à nossa volta e quando a
nossa missão
parece condenada ao fracasso, é em Deus que temos de
confiar e é n’Ele que
temos de colocar a nossa segurança e a nossa esperança.
♦ Como nota marginal, atentemos na forma de atuar de Deus:
Ele não resolve
magicamente os problemas do profeta, nem se substitui ao
profeta… O profeta
deve continuar a sua missão, enfrentando os mesmos
problemas de sempre; mas
Deus “apenas” alimenta o profeta, dando-lhe a coragem para
continuar a sua
missão. Por vezes, pedimos a Deus que nos resolva
milagrosamente os
problemas, com um golpe mágico, enquanto nós ficamos, de
braços cruzados, a
olhar para o céu… O nosso Deus não Se substitui ao homem,
não ocupa o nosso
lugar, não estimula com a sua ação a nossa preguiça e a
nossa instalação; mas
está ao nosso lado sempre que precisamos d’Ele, dando-nos a
força para vencer
as dificuldades e indicando-nos o caminho a seguir.
♦ A “peregrinação” de Elias ao Horeb/Sinai, para se
reencontrar com as origens da
fé israelita e para recarregar as baterias espirituais,
sugere-nos a necessidade de,
por vezes, encontrarmos momentos de “paragem”, de reflexão,
de “retiro”, de
reencontro com Deus, de redescoberta dos fundamentos da
nossa missão… Essa
“paragem” não será nunca um tempo perdido; mas será uma
forma de
recentrarmos a nossa vida em Deus e de redescobrirmos os
desafios que Deus
nos faz, no âmbito da missão que nos confiou.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 33 (34)
Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.
A toda a hora bendirei o Senhor,
o seu louvor estará sempre na minha boca.
A minha alma gloria-se no Senhor:
escutem e alegrem-se os humildes.
Enaltecei comigo o Senhor
e exaltemos juntos o seu nome.
Procurei o Senhor e Ele atendeu-me,
libertou-me de toda a ansiedade.
Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes,
o vosso rosto não se cobrirá de vergonha.
Este pobre clamou e o Senhor o ouviu,
salvou-o de todas as angústias.
O Anjo do Senhor protege os que O temem
e defende-os dos perigos.
Saboreai e vede como o Senhor é bom:
feliz o homem que n’Ele se refugia.
LEITURA II – Ef 4,30-5,2
Irmãos:
Não contristeis o Espírito Santo de Deus,
que vos assinalou para o dia da redenção.
Seja eliminado do meio de vós
tudo o que é azedume, irritação, cólera, insulto,
maledicência
e toda a espécie de maldade.
Sede bondosos e compassivos uns para com os outros
e perdoai-vos mutuamente,
como Deus também vos perdoou em Cristo.
Sede imitadores de Deus, como filhos muito amados.
Caminhai na caridade, a exemplo de Cristo,
que nos amou e Se entregou por nós,
oferecendo-Se como vítima agradável a Deus.
AMBIENTE
A nossa segunda leitura apresenta-nos, mais uma vez, um
texto dessa “carta circular”
que Paulo escreveu a várias comunidades cristãs da parte
ocidental da Ásia Menor
(inclusive aos cristãos de Éfeso), enquanto estava na
prisão (em Roma, durante os
anos 61-63?). Esta carta (escrita na fase final da vida de
Paulo) é uma carta onde o
apóstolo expõe aos cristãos, de forma serena e refletida,
as principais exigências da
vida nova que resulta do Batismo.
Na secção que vai de 4,1 a 6,20, temos uma “exortação aos
batizados”: é um texto
parenético, que tem por objetivo principal exortar os
cristãos a viverem de forma
coerente com o seu Batismo e com o seu compromisso com
Cristo. A perícopa de
4,14-15,14 (que inclui o nosso texto) deve ser entendida
como um convite a viver de
acordo com a condição de Homem Novo, que o cristão adquiriu
no dia do seu
Batismo.
MENSAGEM
Pelo Batismo, cada cristão tornou-se morada do Espírito; e
ao acolher o Espírito,
recebeu um sinal ou selo que prova a sua pertença a Deus.
Tem, portanto, de viver
em consequência e de expressar, nas suas ações concretas, a
vida nova do Espírito.
A exortação a “não contristar” o Espírito (4,30) deve
entender-se como “não
decepcioneis o Espírito que habita em vós, continuando a
viver de acordo com o
homem velho”.
Em concreto, o que é que implica ser “morada do Espírito”?
Significa, por um lado, que os vícios do “homem velho” (o
azedume, a irritação, a
cólera, o insulto, a maledicência e toda a espécie de
maldade – 4,31) devem ser
eliminados da vida do cristão. Repare-se como todos estes
“vícios” dizem respeito ao
mundo da relação com os irmãos: o cristão deve evitar
qualquer ação que se oponha
ao amor.
Significa, por outro lado, pautar toda a vida por atitudes
de bondade, de compaixão, de
perdão, de amor, tendo Cristo como o modelo de vida (4,32).
O que fundamenta todas estas exortações é o fato de os
crentes serem “filhos bem
amados de Deus”; por isso, devem imitar a perfeição, a
bondade e o amor de Deus.
Como exemplo concreto, os crentes têm diante dos olhos
Cristo, o Filho bem amado
de Deus que, cumprindo os projetos do Pai, ofereceu a sua
vida por amor aos
homens (5,1-2).
ATUALIZAÇÃO
♦ Pelo Batismo, os cristãos tornam-se filhos amados de Deus e
passam a integrar a
comunidade de Deus. O Batismo não é, portanto, uma tradição
familiar, um rito
cultural, ou uma obrigação social; mas é um momento sério
de opção por Deus e
de compromisso com os valores de Deus. Tenho consciência de
que me
comprometi com a família de Deus e que devo viver como
filho de Deus? Tenho
consciência de que assumi o compromisso de testemunhar no
mundo, com os
meus gestos e atitudes, os valores de Deus? Tenho
consciência de que devo,
portanto, procurar ser perfeito “como o Pai do céu é
perfeito” (cf. Mt 5,48)?
♦ Para os batizados, o modelo do “Filho amado de Deus” que
cumpre
absolutamente os planos do Pai, é Jesus… A vida de Jesus
concretizou-se na
contínua escuta dos projetos do Pai e no amor total aos
homens. Esse amor (que
teve a sua expressão máxima na cruz) expressou-se sempre em
gestos de entrega
aos homens, de serviço humilde aos irmãos, de dom de si
próprio, de acolhimento
de todos os marginalizados, de bondade sem fronteiras, de
perdão sem limites…
Dessa forma, Jesus foi o paradigma do Homem Novo, o modelo
que Deus propõe
a todos os outros seus filhos. Como é que me situo face a
esse “modelo” que é
Jesus? Como Ele, vivo numa atenção constante às propostas
de Deus e disposto
a responder positivamente aos seus desafios? Como Ele,
estou disposto a despirme
do egoísmo, a caminhar na caridade e a fazer da minha vida
um dom total aos
irmãos?
♦ Seguir Cristo e ser um Homem Novo implica, na perspectiva
de Paulo, assumir
uma nova atitude nas relações com os irmãos. O apóstolo
chega a especificar que
o azedume, a irritação, os rancores, os insultos, as
violências, a má língua, a
inveja, os orgulhos mesquinhos devem ser totalmente banidos
da vida dos
cristãos. Esses “vícios” são manifestações do “homem velho”
que não cabem na
existência de um “filho de Deus”, cuja vida foi marcada com
o selo do Espírito. É
necessário que estejamos cientes desta realidade: quando na
nossa vida pessoal
ou comunitária nos deixamos levar pelo rancor, pelo ciúme,
pelo ódio, pela
violência, pela mesquinhez e magoamos os irmãos que nos
rodeiam, estamos a
ser incoerentes com o compromisso que assumimos no dia do
nosso Batismo e a
cortar a nossa relação com a família de Deus.
ALELUIA – Jo 6,51
Aleluia. Aleluia.
Eu sou o pão vivo que desceu do Céu, diz o Senhor;
quem comer deste pão viverá eternamente.
EVANGELHO – Jo 6,41-51
Naquele tempo,
os judeus murmuravam de Jesus, por Ele ter dito:
«Eu sou o pão que desceu do Céu».
E diziam: «Não é ele Jesus, o filho de José?
Não conhecemos o seu pai e a sua mãe?
Como é que Ele diz agora: ‘Eu desci do Céu’?»
Jesus respondeu-lhes:
«Não murmureis entre vós.
Ninguém pode vir a Mim,
se o Pai, que Me enviou, não o trouxer;
e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia.
Está escrito no livro dos Profetas:
‘Serão todos instruídos por Deus’.
Todo aquele que ouve o Pai e recebe o seu ensino
vem a Mim.
Não porque alguém tenha visto o Pai;
só Aquele que vem de junto de Deus viu o Pai.
Em verdade, em verdade vos digo:
Quem acredita tem a vida eterna.
Eu sou o pão da vida.
No deserto, os vossos pais comeram o maná e morreram.
Mas este pão é o que desce do Céu
para que não morra quem dele comer.
Eu sou o pão vivo que desceu do Céu.
Quem comer deste pão viverá eternamente.
E o pão que Eu hei de dar é a minha carne,
que Eu darei pela vida do mundo».
AMBIENTE
No seu “Livro dos Sinais” (cf. Jo 4,1-11,56), João
apresenta-nos um conjunto de cinco
catequeses sobre Jesus; e, em cada uma delas, usando
diferentes símbolos, Jesus é
apresentado como o Messias que veio ao mundo para cumprir o
plano do Pai e fazer
aparecer um Homem Novo. Todas essas catequeses (“Jesus, a
água que dá a vida” –
cf. Jo 4,1-5,47; “Jesus, o verdadeiro pão que sacia todas
as fomes” – cf. Jo 6,1-7,53;
“Jesus, a luz que liberta o homem das trevas” – cf. Jo
8,12-9,41; “Jesus, o Bom Pastor
que dá a vida pelas suas ovelhas” – cf. Jo 10,1-42; “Jesus,
vida e ressurreição para o
mundo” – cf. Jo 11,1-56) terminam com uma secção onde se
manifesta a oposição dos
judeus a essa vida nova que Jesus veio propor aos homens.
João vai, dessa forma,
preparando os seus leitores para aquilo que vai acontecer
em Jerusalém no final da
caminhada histórica de Jesus: a morte na cruz.
O texto que nos é hoje proposto apresenta-nos uma dessas
histórias de confronto
entre Jesus e os judeus. No final do discurso explicativo
da multiplicação dos pães e
dos peixes, pronunciado na sinagoga de Cafarnaum (cf. Jo
6,22-40), Jesus propusesse como “o Pão da vida” e convidara os seus
interlocutores a aderirem à sua proposta para nunca mais terem fome. O nosso
texto é a sequência desse episódio. Refere a murmuração dos judeus a propósito
das palavras de Jesus e descreve a controvérsia que se seguiu.
MENSAGEM
Os interlocutores de Jesus não aceitam a sua pretensão de
Se apresentar como “o
pão que desceu do céu”. Eles conhecem a sua origem humana,
sabem que o seu pai
é José, conhecem a sua mãe e a sua família; e, na sua
perspectiva, isso exclui uma
origem divina (vers. 41). Em consequência, eles não podem
aceitar que Jesus se
arrogue a pretensão de trazer aos homens a vida de Deus.
Em lugar de discutir a questão da sua origem divina, Jesus
prefere denunciar aquilo
que está por detrás da atitude negativa dos judeus face à
proposta que lhes é feita:
eles não têm o coração aberto aos dons de Deus e recusam-se
a aceitar os desafios
de Deus… O Pai apresenta-lhes Jesus e pede-lhes que vejam
em Jesus o “pão” de
Deus para dar vida ao mundo; mas os judeus, instalados nas
suas certezas,
amarrados às suas seguranças, acomodados a um sistema
religioso ritualista, estéril e
vazio, já decidiram que não têm fome de vida e que não precisam
para nada do “pão”
de Deus. Não estão, portanto, dispostos, a acolher Jesus,
“o pão que desceu do céu”
(vers. 43-46). Eles não escutam Jesus porque estão
instalados num esquema de
orgulho e de auto-suficiência e, por isso, não precisam de
Deus.
Para aqueles que, efetivamente, O querem aceitar como “o
pão de Deus que desceu
do céu”, Jesus traz a vida eterna. Ele “é”, de fato, o
“pão” que permite ao homem
saciar a sua fome de vida (“Eu sou o pão da vida” – vers.
48). A expressão “Eu sou” é
uma fórmula de revelação (correspondente ao nome de Deus –
“Eu sou aquele que
sou” – tal como aparece em Ex 3,14) que manifesta a origem
divina de Jesus e a
validade da proposta de vida que Ele traz. Quem adere a Ele
e à proposta que Ele
veio apresentar (“quem acredita” – vers. 47) encontra a
vida definitiva. O que é
decisivo, neste processo, é o “acreditar” – isto é, o
aderir efetivamente a Jesus e aos
valores que Ele veio propor.
Essa vida que Jesus está disposto a oferecer não é uma vida
parcial, limitada e finita;
mas é uma vida verdadeira e eterna. Para sublinhar esta
realidade, Jesus estabelece
um paralelo entre o “pão” que Ele veio oferecer e o maná
que os israelitas comeram
ao longo da sua caminhada pelo deserto… No deserto, os
israelitas receberam um
pão (o maná) que não lhes garantia a vida eterna e
definitiva e que nem sequer lhes
assegurava o encontro com a terra prometida e com a
liberdade plena (alimentada
pelo antigo maná, a geração saída da escravidão do Egito
nunca conseguiu
apropriar-se da vida em plenitude e nem sequer chegou a
alcançar essa terra da
liberdade que buscavam); mas o “pão” que Jesus quer
oferecer ao homem levará o
homem a alcançar a meta da vida plena (vers. 49-50). “Vida
plena” não indica aqui,
apenas, um “tempo” sem fim; mas indica, sobretudo, uma vida
com uma qualidade
única, com uma qualidade ilimitada – uma vida total, a vida
do homem plenamente
realizado.
Jesus vai dar a sua “carne” (“o pão que Eu hei de dar é a
minha carne” – vers. 51)
para que os homens tenham acesso a essa vida plena, total,
definitiva. Jesus estará
aqui a referir-se à sua “carne” física? Não. A “carne” de
Jesus é a sua pessoa – essa
pessoa que os discípulos conhecem e que se lhes manifesta,
todos os dias, em gestos
concretos de amor, de bondade, de solicitude, de misericórdia.
Essa “pessoa” revela lhes o caminho para a vida verdadeira: nas atitudes, nas
palavras de Jesus, manifestasse historicamente ao mundo o Deus que ama os
homens e que os convida, através de gestos concretos, a fazer da vida um dom e
um serviço de amor.
ATUALIZAÇÃO
♦ Repetindo o tema central do texto que refletimos no passado
domingo, também o
Evangelho que hoje nos é proposto nos convida a acolher
Jesus como o “pão” de
Deus que desceu do céu para dar vida aos homens… Para nós,
seguidores de
Jesus, esta afirmação não é uma afirmação de circunstância,
mas um fato que
condiciona a nossa existência, as nossas opções, todo o
nosso caminho. Jesus,
com a sua vida, com as suas palavras, com os seus gestos,
com o seu amor, com
a sua proposta, veio dizer-nos como chegar à vida
verdadeira e definitiva. Que
lugar é que Jesus ocupa na nossa vida? É à volta d’Ele que
construímos a nossa
existência? O projeto que Ele veio propor-nos tem um real
impacto na nossa
caminhada e nas opções que fazemos em cada instante?
♦ “Quem acredita em mim, tem a vida eterna” – diz-nos Jesus.
“Acreditar” não é,
neste contexto, aceitar que Ele existiu, conhecer a sua
doutrina, ou elaborar altas
considerações teológicas a propósito da sua mensagem…
“Acreditar” é aderir, de
fato, a essa vida que Jesus nos propôs, viver como Ele na
escuta constante dos
projetos do Pai, segui-lo no caminho do amor, do dom da
vida, da entrega aos
irmãos; é fazer da própria vida – como Ele fez da sua – uma
luta coerente contra o
egoísmo, a exploração, a injustiça, o pecado, tudo o que enfeia
a vida dos
homens e traz sofrimento ao mundo. Eu posso dizer, com
verdade e objetividade,
que “acredito” em Jesus?
♦ No seu discurso, Jesus faz referência ao maná como um
alimento que matou a
fome física dos israelitas em marcha pelo deserto, mas que
não lhes deu a vida
definitiva, não lhes transformou os corações, não lhes
assegurou a liberdade plena
e verdadeira (só o “pão” que Jesus oferece sacia
verdadeiramente a fome de vida
do homem). O maná pode representar aqui todas essas
propostas de vida que,
tantas vezes, atraem a nossa atenção e o nosso interesse,
mas que vêm a revelasse
falíveis, ilusórias, parciais, porque não nos libertam da
escravidão nem geram
vida plena. É preciso aprendermos a não colocar a nossa
esperança e a nossa
segurança no “pão” que não sacia a nossa fome de vida
definitiva; é necessário
aprendermos a discernir entre o que é ilusório e o que é eterno;
é preciso
aprendermos a não nos deixarmos seduzir por falsas
propostas de realização e de
felicidade; é necessário aprendermos a não nos deixarmos
manipular, aceitando
como “pão” verdadeiro os valores e as propostas que a moda
ou a opinião pública
dominante continuamente nos oferecem…
♦ Porque é que os judeus rejeitam a proposta de Jesus e não
estão dispostos a
aceitá-lo como “o pão que desceu do céu”? Porque vivem
instalados nas suas
grandes certezas teológicas, prisioneiros dos seus
preconceitos, acomodados num
sistema religioso imutável e estéril e perderam a faculdade
de escutar Deus e de
se deixar desafiar pela novidade de Deus. Eles construíram
um Deus fixo,
calcificado, previsível, rígido, conservador, e recusam-se
a aceitar que Deus
encontre sempre novas formas de vir ao encontro dos homens
e de lhes oferecer
vida em
abundância. Esta “doença” de que padecem os líderes e
“fazedores” de
opinião do mundo judaico não é assim tão rara… Todos nós
temos alguma
tendência para a acomodação, a instalação; e quando nos
deixamos dominar por esse esquema, tornamo-nos prisioneiros
dos ritos, dos
preconceitos, das idéias política ou religiosamente
corretas, de catecismos muito
bem elaborados mas parados no tempo, das elaborações
teológicas muito
coerentes e muito bem arrumadas mas que deixam pouco espaço
para o mistério
de Deus e para os desafios sempre novos que Deus nos faz. É
preciso
aprendermos a questionar as nossas certezas, as nossas idéias
pré-fabricadas, os
esquemas mentais em que nos instalamos comodamente; é
preciso a termos
sempre o coração aberto e disponível para esse Deus sempre
novo e sempre
dinâmico, que vem ao nosso encontro de mil formas para nos
apresentar os seus
desafios e para nos oferecer a vida em abundância.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 19º DOMINGO DO TEMPO
COMUM
Ao longo dos dias da semana anterior ao 19º Domingo do
Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la
pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a
meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num
grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar,
sobretudo, a semana para viver
em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Antes de nos pormos a caminho para receber o Pão da Vida,
Jesus recorda-nos que,
antes de mais, somos convidados, que é Deus que dá o
primeiro passo: “Felizes os
convidados para a ceia do Senhor!” De seguida, pede-nos que
façamos um ato de fé:
“Dizei uma palavra e serei salvo!” Crer n’Aquele que Deus
enviou. Crer, isto é, ter
confiança nas suas palavras e nos seus gestos. Aquele que
tem confiança sabe que
não ficará decepcionado. O que Cristo quer é que vivamos
plenamente, enquanto
vamos ao seu encontro: a sua palavra é alimento, a sua
carne (a sua pessoa) é
alimento, com Ele ficamos saciados. Ele vem até nós para
que vivamos d’Ele e, por
Ele, a nossa vida ganhe sentido, os nossos gestos possam
dar a vida, as nossas
palavras possam exprimir a ternura, a nossa oração se torne
relação filial com o Pai.
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Os judeus recriminavam Jesus: “Esse homem não é Jesus,
filho de José?
Conhecemos bem seu pai e sua mãe. Como pode dizer «Eu desci
do céu»?” Os
adversários de Jesus discutiam a sua origem e a sua pretensão
exorbitante. Devemos
reconhecer que a dificuldade dos compatriotas não era
pequena. Jesus não tinha nada
de extraterrestre. Se estivéssemos lá, talvez tivéssemos a
mesma atitude… Ora, para
descobrir o mistério profundo de Jesus, é preciso ir para
além das aparências. Para
conhecer Jesus, é preciso acolher a luz que vem da Palavra
de Deus, ter o olhar da fé.
A fé é uma “luz obscura”, pede um salto numa “confiança
noturna”, na noite. Isso
verifica-se já nas nossas relações humanas de amor e de
amizade. A fé-confiança não
é uma evidência “científica” que leva a uma adesão imediata
da inteligência. A fé só se
pode aceitar e viver numa relação de amor, de amizade. Para
além das aparências…
Só podemos aceitar a Palavra de Jesus se nos abrirmos a
Deus. Jesus pede aos seus
discípulos para terem confiança: “Crede em Deus, crede
também em Mim”. A fé é uma
graça, um dom gratuito. Mas é também um combate, segundo
São Paulo: “Combati
até ao fim o bom combate… guardei a fé”. Em definitivo,
somos reenviados a uma
escolha que, certamente, não suprime as exigências da nossa
razão, mas ultrapassasse, porque aceitamos entrar numa relação de amor e de
amizade com Jesus, “o filho de José”, que reconhecemos também como “o Filho de
Deus”.
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Saborear Deus, saborear a bondade da Criação… O verão
presta-se muito
particularmente, em qualquer lugar onde estivermos, a
fazer-nos saborear a bondade
do Senhor através da beleza da sua Criação. Paisagens,
elementos naturais, animais,
astros, etc. E, no cume, as pessoas que encontramos, todas
criadas à imagem do
Criador…
20º Domingo do Tempo Comum
A liturgia do 20º Domingo do Tempo Comum repete o tema dos
últimos domingos:
Deus quer oferecer aos homens, em todos os momentos da sua
caminhada pela terra,
o “pão” da vida plena e definitiva. Naturalmente, os homens
têm de fazer a sua
escolha e de acolher esse dom.
No Evangelho, Jesus reafirma que o objetivo final da
sua missão é dar aos homens
o “pão da vida”. Para receber essa vida, os discípulos são
convidados a “comer a
carne” e a “beber o sangue” de Jesus – isto é, a aderir à
sua pessoa, a assimilar o seu
projeto, a interiorizar a sua proposta. A Eucaristia cristã
(o “comer a carne” e “beber o
sangue” de Jesus) é um momento privilegiado de encontro com
essa vida que Jesus
veio oferecer.
A primeira leitura oferece-nos uma parábola sobre um
banquete preparado pela
“senhora sabedoria” para os “simples” e para os que querem
vencer a insensatez.
Convida-nos à abertura aos dons de Deus e à disponibilidade
para acolher a vida de
Deus (o “pão de Deus que desce do céu”).
A segunda leitura lembra aos cristãos a sua opção
por Cristo (aquele Cristo que o
Evangelho de hoje chama “o pão de Deus que desceu do céu
para a vida do mundo”).
Convida-os a não adormecerem, a repensarem continuamente as
suas opções e os
seus compromissos, a não se deixarem escorregar pelo
caminho da facilidade e do
comodismo, a viverem com empenho e entusiasmo o seguimento
de Cristo, a
empenharem-se no testemunho dos valores em que acreditam.
LEITURA I – Pr 9,1-6
A Sabedoria edificou a sua casa e levantou sete colunas.
Abateu os seus animais,
preparou o vinho e pôs a mesa.
Enviou as suas servas
a proclamar nos pontos mais altos da cidade:
«Quem é inexperiente venha por aqui».
E aos insensatos ela diz:
«Vinde comer do meu pão e beber do vinho que vos preparei.
Deixai a insensatez e vivereis;
segui o caminho da prudência».
AMBIENTE
O “Livro dos Provérbios” apresenta várias coleções de
ditos, de sentenças, de
máximas, de provérbios (“mashal”) onde se cristaliza o
resultado da reflexão e da
experiência (“sabedoria”) de várias gerações de “sábios”
antigos (israelitas e alguns
não israelitas). O objetivo desses provérbios é definir uma
espécie de “ordem” do
mundo e da sociedade que, uma vez apreendida e aceite pelo
indivíduo, o levará a
uma integração plena no meio em que está inserido. Dessa
forma, o indivíduo poderá
viver sem traumas nem sobressaltos que destruam a sua
harmonia interior e o
incapacitem para dar o seu contributo à comunidade. Ficará,
assim, de posse da
chave para viver em harmonia consigo mesmo e com os outros,
e assegurará uma
vida feliz, tranquila e próspera.
O livro apresenta-se como tendo sido composto por Salomão
(cf. Pr 1,1), o rei
“sábio”, conhecido pelos seus dotes de governar, pelos seus
dons literários, por
numerosas sentenças sábias (cf. 1 Rs 3,16-28; 5,7;
10,1-9.23) e que se tornou uma
espécie de “padrão” da tradição sapiencial… Na realidade,
não podemos aceitar, de
forma acrítica, essa indicação: a leitura atenta do livro
revela que estamos diante de
coleções de proveniência diversa, compostas em épocas
diversas. Alguns dos
materiais apresentados no livro podem ser do séc. X a.C.
(época de Salomão; no
entanto, isso não implica que venham do próprio Salomão);
outros, no entanto, são
bem mais recentes.
O nosso texto integra uma secção que poderíamos chamar,
genericamente,
“instruções e advertências” (cf. Pr 1,8-9,16). Trata-se de
um conjunto de exortações
e de instruções de um pai/educador, convidando o filho a
adquirir a “sabedoria”. É
dentro desta secção que nos aparece a antítese entre a “senhora
sabedoria” e a
“senhora loucura” (cf. Pr 9,1-6.13-18) – um dos textos
emblemáticos do “Livro dos
Provérbios”. A primeira leitura deste domingo é,
precisamente, a primeira parte da
antítese (a apresentação da “senhora sabedoria”).
Segundo os especialistas, esta secção é a parte mais
recente do “Livro dos
Provérbios” e não pode ser anterior ao séc. IV ou III a.C.
Provavelmente foi escrita
como introdução ao “Livro dos Provérbios” quando todas as
outras secções já estavam
organizadas.
MENSAGEM
O que está em causa, nesta reflexão dos “sábios” de Israel,
é a questão das opções
de vida. Os homens podem escolher entre a “senhora
sabedoria” e a “senhora
loucura” (que é apresentada também na sequência – cf. Pr
9,13-18); e essa opção
vai ditar, naturalmente, o êxito, a realização, a
felicidade, a vida, ou a falha, o
fracasso, a desgraça, a morte.
O texto que nos é proposto é uma espécie de propaganda da
“senhora sabedoria”; a
sua finalidade é levar os destinatários da mensagem a
realizarem a opção correta – a
opção que lhes garante a vida e a felicidade. Através de
uma parábola, o “sábio” autor
deste texto apresenta a “senhora sabedoria” e o convite que
ela dirige a todos aqueles
que querem descobri-la.
A “senhora sabedoria” é apresentada como uma dama fina, da alta
sociedade, que
construiu uma “casa” (vers. 1). Essa “casa” tem,
naturalmente, “sete colunas”, pois o
número sete é, no universo cultural judaico, o número da
plenitude, da perfeição. A
“casa” da “senhora sabedoria” é, portanto, uma “casa” onde
se pode encontrar a
perfeição, a plenitude.
Na sua “casa”, a “senhora sabedoria” organiza um
“banquete”… Prepara comida e
vinho em abundância e põe a mesa (vers. 2); depois, envia
as suas servas para que
levem a toda a cidade o convite para participar na festa (vers.
3). Provavelmente, esta
“casa” para onde a “dona sabedoria” convida é a escola
regida pelos “sábios” de Israel
e onde se ensinava a “sabedoria”. A “comida” e o “vinho”
devem referir-se ao “alimento
sapiencial” aí servido (quer dizer, a essas regras práticas
ensinadas pelos “sábios” nas
escolas sapienciais, e destinadas a “armar” os alunos para
enfrentarem os problemas
do dia a dia, de forma a terem êxito nos seus
empreendimentos e a serem felizes).
Quem são os destinatários do convite feito pela “senhora
sabedoria”? São os “simples”
(na tradução que nos é proposta no Missal Romano, fala-se
dos “inexperientes) e os
“insensatos” (vers. 4-6). Estes últimos, porém, devem
previamente estar dispostos a
deixar a insensatez e a seguir o “caminho da prudência”. Os
“simples” equivalem aos
“pobres” da literatura bíblica: são os pequenos, os
humildes, aqueles que não vivem
instalados em esquemas de orgulho e de auto-suficiência e
têm sempre o coração
aberto a Deus e às suas propostas. Os “insensatos” que
querem seguir o caminho da
prudência são aqueles que não se conformam com a sua
fragilidade e debilidade e
estão dispostos a fazer um esforço no sentido de reformular
a sua vida… Uns e outros
têm o coração aberto ao convite da “sabedoria” e estão
dispostos a acolher os seus
dons.
ATUALIZAÇÃO
• O que está aqui em causa é, portanto, a questão das
opções de vida. Optar pela
“senhora sabedoria” significa escolher a vida, a
felicidade, a realização; optar pela
“senhora loucura” significa escolher a morte, a
infelicidade, o fracasso… O problema
das escolhas corretas é o problema que mais nos angustia e
inquieta, ao longo da
nossa caminhada pela vida. A Palavra de Deus que nos é
proposta contém um convite
inquestionável a irmos ao banquete da “senhora sabedoria”,
a alimentarmo-nos dos
seus dons, a abrirmos o coração às suas propostas. É esse o
caminho da verdadeira
realização e da verdadeira felicidade.
• A “sabedoria” ensinada em Israel (bem como nos países
circunvizinhos) é um
conjunto de normas práticas, deduzidas da experiência e da
reflexão, destinadas a
formar homens íntegros, justos, leais, prudentes, capazes
de saber como atuar em
cada circunstância e de cumprir a sua missão, sem violar a
ordem cósmica e social.
Trata-se, apenas, de uma “sabedoria” profana, de um humanismo,
de um conjunto de
regras para orientar o comportamento e as relações sociais,
sem qualquer referência
ao mundo transcendente? Que lugar é que Deus ocupa nesta
reflexão? Deus será
necessário ao homem que quer ser “sábio”? O “sábio”
israelita é também um crente,
com tudo o que isso implica. Ao longo do Livro dos
Provérbios, os “sábios” de Israel
afirmam repetidamente que o verdadeiro fundamento da
“sabedoria” é o “temor de
Deus” (cf. Pr 10,27; 14,26; 15,16.33; 16,6; 19,23; 22,4;
23,17; 24,21; 31,30), como
se considerassem que Deus não pode ser excluído da vida do
homem que quer ter
êxito e ser feliz. O termo “temor” não acentua (como nas
línguas modernas) a
dimensão do “medo”; mas indica uma atitude do crente diante
de Deus caracterizada
pela reverência, pelo respeito, pela obediência, pela
confiança. Ora, de acordo com os
“sábios” do “Livro dos Provérbios”, essa atitude religiosa
face a Deus é condição
indispensável para a aquisição de uma “sabedoria” genuína,
de um verdadeiro
conhecimento. Não há, pois, “sabedoria” autêntica sem uma
abertura decidida à
transcendência. Todos nós queremos, naturalmente, aceitar o
convite da “senhora
sabedoria”, saborear os alimentos que ela nos oferece e
munir-nos dos instrumentos
necessários para triunfar na vida, para alcançar a
realização e a felicidade; no entanto,
com frequência, buscamos a nossa realização plena e a nossa
felicidade contra Deus
ou, pelo menos, à margem de Deus e dos seus valores… Para
nós, crentes, o
encontro com a “senhora sabedoria” passa pela escuta de
Deus e dos seus planos,
pelo entrega confiada nas mãos de Deus, pela obediência
radical às propostas de vida
que Deus nos faz. Não poderemos chegar à nossa realização
plena ignorando Deus e
as suas propostas.
• É por isso que só os “simples” e os “insensatos que
querem deixar a insensatez e
seguir o caminho da prudência” são admitidos à mesa da
“senhora sabedoria”. Os
“simples” são aqueles que não têm o coração demasiado cheio
de si próprio, que não
se fecham no orgulho e na auto-suficiência, que reconhecem
a sua pequenez e
finitude e que se entregam com humildade e confiança nas
mãos de Deus; os
“insensatos que buscam o caminho da prudência” são aqueles
que estão dispostos a
mudar, que não se conformam com a vida do homem velho e
querem ir mais além…
Uns e outros são o paradigma de uma determinada atitude: a
atitude de abertura aos
dons de Deus, de disponibilidade para acolher a vida de
Deus… São aqueles que
reconhecem que precisam de Deus e dos seus dons pois, por
si sós, são incapazes de
encontrar o caminho para a realização, para a felicidade,
para a vida plena.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 33 (34)
Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.
A toda a hora bendirei o Senhor,
o seu louvor estará sempre na minha boca.
A minha alma gloria se no Senhor:
escutem e alegrem-se os humildes.
Temei o Senhor, vós os seus fiéis,
porque nada falta aos que O temem.
Os poderosos empobrecem e passam fome,
aos que procuram o Senhor não faltará riqueza alguma.
Vinde, filhos, escutai-me,
vou ensinar-vos o temor do Senhor.
Qual é o homem que ama a vida,
que deseja longos dias de felicidade?
Guarda do mal a tua língua
e da mentira os teus lábios.
Evita o mal e faz o bem,
procura a paz e segue os seus passos.
LEITURA II – Ef 5,15-20
Irmãos:
Vede bem como procedeis.
Não vivais como insensatos, mas como pessoas inteligentes.
Aproveitai bem o tempo, porque os dias que correm são maus.
Por isso não sejais irrefletidos,
mas procurai compreender qual é a vontade do Senhor.
Não vos embriagueis com o vinho, que é causa de luxúria,
mas enchei-vos do Espírito Santo,
recitando entre vós salmos, hinos e cânticos espirituais,
cantando e salmodiando em vossos corações,
dando graças, por tudo e em todo o tempo, a Deus Pai,
em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.
AMBIENTE
A segunda leitura deste domingo apresenta-nos, mais uma
vez, um texto dessa carta
que Paulo enviou da prisão (de Roma?) a diversas
comunidades cristãs da zona
ocidental da Ásia Menor (entre as quais se contava a
comunidade cristã de Éfeso).
O nosso texto pertence à segunda parte da carta (cf. Ef
4,1-6,20). Nessa “exortação
aos batizados”, Paulo retoma alguns dos temas tradicionais
do catecismo primitivo e
convida os cristãos a deixarem a antiga forma de viver para
assumir a nova,
revestindo-se de Cristo (cf. Ef 4,17-31), imitando Deus
(cf. Ef 4,32-5,2), passando das
trevas à luz (cf. Ef 5,3-20). Como cenário de fundo da
reflexão paulina está sempre a
necessidade de os cristãos deixarem a vida do homem velho,
para assumirem a vida
do Homem Novo. É neste sentido que devem ser entendidos
essas normas práticas
de conduta que Paulo apresenta aos seus cristãos no texto
que nos é proposto.
Estamos no início da década de 60… Passou já o entusiasmo
inicial que levou muitos
crentes (os de Éfeso também) a uma adesão entusiástica a
Jesus e à sua proposta de
vida… Agora, a monotonia, a instalação, o comodismo são
realidades que estão
presentes em muitas comunidades e na vida de muitos
cristãos. Embora preso, Paulo
continua a preocupar-se com a vida dos cristãos e das
comunidades que ele
acompanhou; por isso, vai exortar os crentes a uma vida de
coerência com os
compromissos um dia assumidos diante de Cristo e diante dos
irmãos da comunidade.
MENSAGEM
O nosso texto é antecedido pelo fragmento de um antigo hino
cristão que convida os
crentes a despertarem do sono em que jazem e a
redescobrirem a luz de Cristo (cf. Ef
5,14). O que é que significa, na perspectiva de Paulo,
acordar de novo para a luz, ou o
viver como “filhos da luz”?
Os cristãos, definitivamente comprometidos com Cristo desde
o dia do seu Batismo,
não podem, estupidamente (“como insensatos” – vers. 15),
voltar aos valores do
homem velho. É verdade que os tempos não são favoráveis e
não ajudam a que se
viva com coerência a própria fé e os valores de Jesus; mas
é precisamente nesses
ambientes mais difíceis e adversos que se torna mais
necessário dar testemunho dos
projetos de Deus e cumprir a vontade do Senhor (vers.
16-17).
“Não vos embriagueis com vinho, que leva à vida desregrada,
mas deixai-vos encher
do Espírito” (vers. 18) – aconselha Paulo. O “vinho”
representa aqui, provavelmente,
todos esses valores materiais que seduzem os homens, que os
levam ao
desregramento e que os fazem esquecer os seus compromissos;
o Espírito significa a
vida de Deus – essa vida que os crentes receberam no dia do
seu Batismo, que deve
encher os seus corações e que deve transformar-se em gestos
de amor e de doação a
Deus e aos irmãos.
O nosso texto termina com um convite à oração, ao louvor, à
ação de graças ao
Senhor. Os crentes não podem esquecer a sua ligação ao
Senhor e o seu diálogo com
Ele, pois é esse diálogo que os mantém atentos e
vigilantes, comprometidos com o
projeto de Deus. Quando a oração é feita em comunidade, ela
torna-se partilha
mútua e uma caminhada comum na descoberta dos planos de
Deus para os homens e
para o mundo (vers. 19-20).
ATUALIZAÇÃO
• A tentação da acomodação, da instalação, do “deixar
correr”, do viver o seguimento
de Cristo de forma “morna” e pouco empenhada, do
deixarmo-nos envolver por
comportamentos e valores pouco consentâneos com o nosso
compromisso com
Cristo, é uma tentação real e que todos nós conhecemos bem.
Como diz Paulo, é uma
estupidez termos descoberto a vida verdadeira e deixarmos
que o homem velho do
egoísmo e do pecado nos domine de novo… O texto da Carta
aos Efésios que nos é
proposto é um convite a não adormecermos, a repensarmos
continuamente as nossas
opções e os nossos compromissos, a não nos deixarmos
escorregar pelo caminho da
facilidade e do comodismo, a vivermos com empenho e
entusiasmo o seguimento de
Cristo, a empenharmo-nos no testemunho dos valores em que
acreditamos. A opção
que fizemos no dia do nosso Batismo tem de ser confirmada e
revitalizada por uma
infinidade de novas opções, todos os dias da nossa vida.
• Paulo recomenda aos seus cristãos que não se embriaguem
“com vinho, que leva à
vida desregrada”. Dizíamos acima que o embriagar-se com
“vinho” representa, nestas
circunstâncias, o deixar-se seduzir por esses valores
materiais que afastam os
homens dos valores eternos, dos valores do Reino… Pessoalmente,
quais são os
valores a que eu dou mais importância? Algum desses valores
constitui um obstáculo
para que eu viva, de forma verdadeiramente comprometida, os
valores de Jesus e do
Evangelho?
• O viver como “filhos da luz” implica ainda, na perspectiva
de Paulo, a oração, o
louvor, a ação de graças. Um crente que tem Deus como a
coordenada fundamental
da sua existência e que se sente chamado a fazer parte da
família de Deus é um
crente que vive em diálogo contínuo com Deus. É nesse
diálogo que ele percebe os
planos e os projetos de Deus para si próprio e para o mundo
e encontra a coragem
para percorrer o caminho da fidelidade e do compromisso.
Consigo encontrar tempo e
disponibilidade para falar com Deus, para escutar as
propostas que Ele me apresenta?
Estou consciente dos dons de Deus e respondo-Lhe com o
louvor e a ação de
graças?
ALELUIA – Jo 6,56
Aleluia. Aleluia.
Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue
permanece em mim e Eu nele, diz o Senhor.
EVANGELHO – Jo 6,51-58
Naquele tempo,
disse Jesus à multidão:
«Eu sou o pão vivo que desceu do Céu.
Quem comer deste pão viverá eternamente.
E o pão que Eu hei de dar é minha carne,
que Eu darei pela vida do mundo».
Os judeus discutiam entre si:
«Como pode ele dar-nos a sua carne a comer?»
E Jesus disse-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo:
Se não comerdes a carne do Filho do homem
e não beberdes o seu sangue,
não tereis a vida em vós.
Quem come a minha carne e bebe o meu sangue
tem a vida eterna;
e Eu o ressuscitarei no último dia.
A minha carne é verdadeira comida
e o meu sangue é verdadeira bebida.
Quem come a minha carne e bebe o meu sangue
permanece em Mim e eu nele.
Assim como o Pai, que vive, Me enviou
e eu vivo pelo Pai,
também aquele que Me come viverá por Mim.
Este é o pão que desceu do Céu;
não é como o dos vossos pais, que o comeram e morreram:
quem comer deste pão viverá eternamente».
AMBIENTE
O trecho que nos é proposto neste domingo como Evangelho
situa-nos ainda na
sinagoga de Cafarnaum (cf. Jo 6,59) e no contexto do
discurso sobre o “pão que
desceu do céu para dar vida ao mundo”. Neste trecho, no
entanto, Jesus vai um pouco
mais além: convida os seus interlocutores a comer a sua
carne e a beber o seu
sangue.
Alguns biblistas pensam que esta parte do discurso é uma
reflexão da primitiva
comunidade cristã que reinterpretou a primeira parte do
discurso, explicitando-a a
partir da celebração eucarística posterior; outros pensam
que João reelaborou uma
série de materiais que estariam inicialmente incluídos no
relato da última ceia e que
foram deslocados para aqui por conveniências teológicas (na
sua versão da última
ceia, João preferiu dar relevo à lavagem dos pés; contudo,
não quis omitir o discurso
eucarístico de Jesus, um dado tão importante para a
tradição cristã. Sendo assim,
transladou-o para outro lugar; e o lugar mais indicado para
o situar pareceu-lhe ser,
precisamente, na continuação do discurso sobre o “pão
descido do céu para dar vida
ao mundo”). Em qualquer caso, esta parte do discurso (cf.
Jo 6,51-58) não deve ter
sido feita na sinagoga de Cafarnaum… Ela só faz sentido
após a instituição da
Eucaristia, na última ceia.
O discurso sobre o “pão da vida” (cf. Jo 6,22-58) ficou,
portanto, no esquema de João,
com o seguinte enquadramento lógico: os homens buscam o pão
material; Jesus traz lhes o “pão do céu que dá vida ao mundo”; e o pão
eucarístico realiza, de forma plena,
a missão de Jesus no sentido de dar vida ao homem.
MENSAGEM
Depois de se apresentar como “o pão vivo que desceu do céu”
para dar aos homens a
vida definitiva (vers. 51a), Jesus identifica esse “pão”
com a sua “carne” (vers. 51b). A
palavra “carne” (em grego: “sarx”) designa a realidade
física do homem, na sua
condição débil, transitória e caduca. Ora, foi precisamente
na “carne” de Jesus – isto
é, no seu corpo físico – que se manifestou, em gestos
concretos, a sua doação e o
seu amor até ao extremo. Na realidade física de Jesus, Deus
tornou-se presente e
visível no meio dos homens, mostrou a sua vontade de
comunicar com os homens e
manifestou-lhes o seu amor. É esta “carne” (isto é, a sua
vida física, o “lugar” onde
Deus se manifesta aos homens e lhes mostra o seu amor) que
Jesus vai dar a “comer”
para que o mundo tenha vida.
Os judeus não entendem as palavras de Jesus (vers. 51).
Quando Jesus se
apresentou como “pão vivo descido do céu para dar a vida ao
mundo”, eles
entenderam que Jesus pretendia ser uma espécie de “mestre
de sabedoria” que trazia
aos homens palavras de Deus (também isso, eles tinham
dificuldade em aceitar; mas,
pelo menos, entendiam aonde Ele queria chegar)… Mas agora
Jesus fala em “comer”
a sua carne. O que significam as suas palavras? São
palavras difíceis de entender, se
não nos colocarmos numa perspectiva eucarística; e, por
isso, os judeus não as
entendem… Para a comunidade de João, contudo, as palavras
de Jesus são claras,
pois são entendidas tendo em conta a celebração e o
significado da Eucaristia.
Na sequência, Jesus reitera a sua afirmação, desta vez com
mais desenvolvimentos:
Ele não só vai dar a “comer” a sua carne, mas também a
beber o seu sangue; e quem
os aceitar recebe vida definitiva (vers. 53-54). A
referência ao “sangue” coloca-nos no
contexto da paixão e da morte. Dizer que Jesus é “carne”
significa que Ele se tornou
pessoa como nós, assumiu a nossa condição de debilidade,
aceitando passar, até,
pela experiência da morte. Dizer que o pão que Ele há de
dar é a sua “carne para a
vida do mundo” significa que Jesus fez da sua vida um dom,
uma “entrega” por amor
aos homens; e que o momento mais alto dessa vida feita
“dom” e “entrega” é a morte
na cruz. Na cruz, manifestou-se, através da “carne” de
Jesus – isto é, através da sua
realidade física – o seu amor, o seu dom, a sua entrega…
Ora, é essa realidade que
se manifestou na cruz – realidade de amor, de doação, de
entrega – que os discípulos
são convidados a “comer” e a “beber”. “Comer” e “beber”
significam, neste contexto,
“aderir”, “acolher”, interiorizar”, “assimilar”.
A questão é, portanto, esta: Jesus não está a falar da sua
“carne” física e do seu
“sangue” físico… Está a pedir, simplesmente, que os seus
discípulos acolham e
assimilem essa vida de amor, de dom, de entrega, que Ele
mostrou na sua pessoa
(isto é, nos seus gestos, no seu amor, na sua doação aos
homens) e que teve a sua
expressão mais radical na cruz, quando Jesus, por amor,
ofereceu totalmente a sua
vida, até à última gota de sangue. Quem “acolher” e
“assimilar” esta vida e aceitar
viver da mesma forma – no amor e no dom total da vida, até
à morte – terá vida plena
e definitiva.
A Eucaristia atualiza esta realidade na comunidade cristã e
na vida dos crentes. Esse
mesmo Jesus que amou até às últimas consequências, que pôs
a sua vida ao serviço
dos homens, que Se deu na cruz, oferece-Se como alimento
aos seus. O discípulo
que “come” e “bebe” a sua “carne” e o seu “sangue” assimila
esta proposta e
compromete-se a viver e a dar a vida como Ele (vers. 55).
Um dos efeitos de “comer a carne” e “beber o sangue” de
Jesus é ficar em união
íntima, em comunhão de vida com Jesus. O discípulo que
interioriza a proposta de
Jesus identifica-se com Ele e torna-se um com Ele (vers.
56). O cristão é, antes de
mais, alguém que recebe vida de Jesus e vive em união com
Ele.
Outro efeito de “comer a carne” e “beber o sangue” de Jesus
é comprometer-se com o
mesmo projeto de Jesus. Jesus Cristo foi enviado pelo Pai
ao mundo para dar vida
ao mundo e o seu plano consiste em concretizar esse
projeto; o cristão assimila esse
mesmo projeto e dedica toda a sua existência a
concretizá-lo no meio dos homens
(vers. 57).
É neste caminho que se chega a essa vida plena e definitiva
que Jesus veio propor
aos homens. Do “comer a carne” e “beber o sangue” de Jesus
nascerá uma nova
humanidade de gente livre, que venceu a morte e que vive
para sempre (vers. 58).
O discurso que João põe na boca de Jesus não se dirige aos
judeus (pois os judeus
não eram capazes de entender as palavras de Jesus), mas
dirige-se aos discípulos. O
seu objetivo é explicar o programa de Jesus, pedir aos
discípulos que assimilem esse
programa e o testemunhem no meio dos homens. A Eucaristia
cristã (“comer a carne”
e beber o sangue”) é, assim, uma forma privilegiada de
“atualizar” na vida dos
crentes a vida e o amor de Jesus, de estar em comunhão com
Jesus, de “assimilar” o
projeto de Jesus e de o concretizar no mundo.
ATUALIZAÇÃO
• Nas semanas anteriores, a liturgia disse-nos,
repetidamente, que Jesus era o “pão
descido do céu para dar vida ao mundo”… O Evangelho deste
domingo liga esta
afirmação com a Eucaristia: uma das formas privilegiadas de
Jesus continuar
presente, no tempo, a “dar vida” ao mundo é através do
“pão” que Ele distribui à mesa
da Eucaristia. A Eucaristia que as comunidades cristãs
celebram cada domingo (ou
mesmo cada dia) não é um rito tradicional a que
“assistimos” por obrigação, para
acalmar a consciência ou para cumprir as regras do
“religiosamente correcto”; mas é
um encontro com esse Cristo que Se faz “dom” e que vem ao
nosso encontro para nos
oferecer a vida plena e definitiva. Como é que eu “sinto” a
Eucaristia? Que importância
é que ela assume na minha vida e na minha existência
cristã?
• Participar no encontro eucarístico, “comer a carne” e
“beber o sangue” de Jesus é
encontrar-se, hoje, com esse Cristo que veio ao encontro
dos homens e que tornou
presente na sua “carne” (na sua pessoa física) uma vida
feita amor, partilha, entrega,
até ao dom total de si mesmo na cruz (“sangue”). Participar
no encontro eucarístico,
“comer a carne” e “beber o sangue” de Jesus, é acolher,
assimilar e interiorizar essa
proposta de vida, aceitar que ela é um caminho para a
felicidade, para a realização
plena do homem, para a vida definitiva.
• Sentar-se à mesa da Eucaristia é também identificar-se
com Jesus, viver em união
com Ele. Na Eucaristia, o alimento servido é o próprio
Cristo. Por isso, é a própria vida
de Cristo que passa a circular nas veias dos crentes. Quem
acolhe essa vida que
Jesus oferece torna-se, portanto, um com Ele. Comer cada
domingo (ou cada dia) à
mesa com Jesus desse alimento que Ele próprio dá e que é a
sua pessoa, leva os
crentes a uma comunhão total de vida com Jesus e a fazer
parte da família do próprio
Jesus. Convém termos consciência desta realidade: celebrar
a Eucaristia é
aprofundarmos os laços familiares que nos unem a Jesus,
identificarmo-nos com Ele,
deixarmos que a sua vida circule em nós. Este crente,
identificado com Cristo, torna-se
uma pessoa nova, à imagem de Cristo.
• Na concepção judaica, a partilha do mesmo alimento à
volta da mesa gera entre os
convivas familiaridade e comunhão. Assim, os crentes que
participam da Eucaristia
passam a ser irmãos: em todos circula a mesma vida, a vida
do Cristo do amor total.
Dessa forma, a participação na Eucaristia tem de resultar
no reforço da comunhão dos
irmãos. Uma comunidade que celebra a Eucaristia e que vive
depois na divisão, no
ciúme, no conflito, no orgulho, na auto-suficiência, na
indiferença para com as dores e
as necessidades dos irmãos, é uma comunidade que não está a
ser coerente com
aquilo que celebra; e, nesse caso, a celebração eucarística
é uma incoerência e uma
mentira.
• Finalmente, o “comer a carne” e “beber o sangue” de Jesus
implica um compromisso
com esse mesmo projeto que Jesus procurou concretizar em
toda a sua vida, em
todos os seus gestos, em todas as suas palavras. Como
Jesus, o crente que celebra a
Eucaristia tem de levar ao mundo e aos homens essa vida que
aí recebe… Tem de
lutar, como Jesus, contra a injustiça, o egoísmo, a
opressão, o pecado; tem de
esforçar-se, como Jesus, por eliminar tudo o que enfeia o
mundo e causa sofrimento
e morte; tem de construir, como Jesus, um mundo de
liberdade, de amor e de paz; tem
de testemunhar, como Jesus, que a vida verdadeira é aquela
que se faz amor, serviço,
partilha, doação até às últimas consequências. Se a
Eucaristia for, de fato, uma
experiência profunda e sentida de adesão a Cristo e ao seu
projeto, dela resultará o
imperativo de uma entrega semelhante à de Cristo em favor
dos nossos irmãos e da
construção de um mundo novo.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 20º DOMINGO DO TEMPO
COMUM
Ao longo dos dias da semana anterior ao 20º Domingo do
Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la
pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a
meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num
grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar,
sobretudo, a semana para viver
em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
O conviva é aquele que “vive com” o tempo de uma refeição.
Jesus faz continuamente
referência à relação que O une a seu Pai; eles vivem a
convivência, Eu vivo pelo Pai”,
diz Jesus. Mas acrescenta: “também aquele que Me come
viverá por Mim”. Em cada
Eucaristia, não estamos ao lado de Cristo ressuscitado, Ele
vem morar em nós para
viver em
nós. Temos de dizer, como São Paulo: “Não sou eu que vivo, é
Cristo que
vive em mim”. É isso a comunhão, esta união total. É o
momento de dizer: “Este
mistério é grande!” É grande, porque nunca acabaremos de
nos maravilharmos e de
dar graças. Hoje, se Cristo vem habitar em nós, é para que
nós habitemos n’Ele.
Vivamos as nossas Eucaristias verdadeiramente como um tempo
de convivência.
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Jesus é insistente: não pára de repetir que os seus
discípulos devem comer a sua
carne e beber o seu sangue! Ainda hoje, tal linguagem é
chocante, inaceitável para a
nossa razão e para a nossa sensibilidade. Sabemos, é certo,
que São João escreve
depois da Ressurreição e que as palavras de Jesus só se
podem aceitar e
compreender a essa luz. Uma das palavras-chave do discurso
de Jesus é “morar”:
aqui e em tantas passagens do Evangelho… Morar com alguém é
entrar na sua
intimidade, para ficar juntos. É isso que Deus quer: “estar
com” com os homens,
“Emanuel”, para que nós estejamos também com Ele. Não
podemos aceder ao sentido
profundo das palavras de Jesus sobre a sua carne a comer e
o seu sangue a beber se
não nos colocarmos no registro do amor que exige a
presença, o “estar com” dos dois
seres que se amam. No amor, é tudo ou nada. O seu amor por
nós é tal que Ele quer
dar-Se na totalidade do seu ser e quer que esse dom dure
sempre. Esta experiência já
acontece humanamente: num momento de intensa comunhão com o
ser amado,
desejamos ardentemente que isso dure sempre. Ao escolher o
meio do banquete
eucarístico para colocar em nós a sua presença de
Ressuscitado, Jesus quer enraizar-
Se em nós e alimentar o gérmen da Vida eterna que será
doravante a sua. Eis porque
Ele pode afirmar: “quem comer deste pão viverá
eternamente”. Participar na
Eucaristia, comungar do corpo e do sangue de Jesus
ressuscitado, é oferecer-Lhe o
nosso “espaço humano” muito concreto, toda a nossa pessoa
para que Ele venha
habitar em
nós. Então podemos, desde agora, ser um com Ele: “já não sou
Eu que
vivo, é Cristo que vive em mim!”.
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
O importante é viver e partilhar a vida. Nesta semana,
poderíamos estar
particularmente atentos àqueles que têm dificuldade em
viver, porque o seu sofrimento
é demasiado pesado… Talvez poderemos, simplesmente, estar
presentes a seu lado
e dizer-lhes uma palavra de vida, algumas palavras do
coração que saibam reacender
a esperança.
21º Domingo do Tempo Comum
A liturgia do 21º Domingo do Tempo Comum fala-nos de
opções. Recorda-nos que a
nossa existência pode ser gasta a perseguir valores
efêmeros e estéreis, ou a apostar
nesses valores eternos que nos conduzem à vida definitiva,
à realização plena. Cada
homem e cada mulher têm, dia a dia, de fazer a sua escolha.
Na primeira leitura, Josué convida as tribos de
Israel reunidas em Siquém a
escolherem entre “servir o Senhor” e servir outros deuses.
O Povo escolhe claramente
“servir o Senhor”, pois viu, na história recente da
libertação do Egito e da caminhada
pelo deserto, como só Jahwéh pode proporcionar ao seu Povo
a vida, a liberdade, o
bem estar e a paz.
O Evangelho coloca diante dos nossos olhos dois
grupos de discípulos, com opções
diversas diante da proposta de Jesus. Um dos grupos,
prisioneiro da lógica do mundo,
tem como prioridade os bens materiais, o poder, a ambição e
a glória; por isso, recusa
a proposta de Jesus. Outro grupo, aberto à ação de Deus e
do Espírito, está
disponível para seguir Jesus no caminho do amor e do dom da
vida; os membros
deste grupo sabem que só Jesus tem palavras de vida eterna.
É este último grupo que
é proposto como modelo aos crentes de todos os tempos.
Na segunda leitura, Paulo diz aos cristãos de Éfeso
que a opção por Cristo tem
consequências também ao nível da relação familiar. Para o
seguidor de Jesus, o
espaço da relação familiar tem de ser o lugar onde se
manifestam os valores de
Jesus, os valores do Reino. Com a sua partilha de amor, com
a sua união, com a sua
comunhão de vida, o casal cristão é chamado a ser sinal e
reflexo da união de Cristo
com a sua Igreja.
LEITURA I – Js 24,1-2a.15-17.18b
Naqueles dias,
Josué reuniu todas as tribos de Israel em Siquém.
Convocou os anciãos de Israel,
os chefes, os juízes e os magistrados,
que se apresentaram diante de Deus.
Josué disse então a todo o povo:
«Se não vos agrada servir o Senhor,
escolhei hoje a quem quereis servir:
se os deuses que os vossos pais serviram no outro lado do
rio,
se os deuses dos amorreus em cuja terra habitais.
Eu e a minha família serviremos o Senhor».
Mas o povo respondeu:
«Longe de nós abandonar o Senhor para servir outros deuses;
porque o Senhor é o nosso Deus,
que nos fez sair, a nós e a nossos pais,
da terra do Egito, da casa da escravidão.
Foi Ele que, diante dos nossos olhos,
realizou tão grandes prodígios
e nos protegeu durante o caminho que percorremos
entre os povos por onde passamos.
Também nós queremos servir o Senhor,
porque Ele é o nosso Deus».
AMBIENTE
O Livro de Josué (de onde é tirada a nossa primeira
leitura) abarca uma parte do séc.
XII a.C., desde a época da entrada na Terra Prometida das
tribos do Povo de Deus
libertadas do Egito, até à morte de Josué. O livro
oferece-nos uma visão muito
simplificada da ocupação de Canaan: as doze tribos, unidas
sob a liderança de Josué,
realizaram várias expedições militares fulgurantes e
apoderaram-se, quase sem
oposição, de todo o território anteriormente nas mãos dos
cananeus… Historicamente,
contudo, as coisas não se passaram nem de forma tão fácil,
nem de forma tão linear: é
mais verossímil a versão apresentada no Livro dos Juizes e
que fala de uma conquista
lenta e difícil (cf. Jz 1), incompleta (cf. Jz 13,1-6;
17,12-16), que não foi obra de um
povo unido à volta de um chefe único, mas de tribos que
fizeram a guerra
isoladamente.
O Livro de Josué, antes de ser um livro de história, é um
livro de catequese. O
objetivo dos autores deuteronomistas que o escreveram era
destacar o poder imenso
de Jahwéh, posto ao serviço do seu Povo: foi Deus (e não a
capacidade militar das
tribos) que, com os seus prodígios ofereceu a Israel a
Terra Prometida; ao Povo resta lhe aceitar os dons de Deus e responder-Lhe com
a fidelidade à Aliança e aos
mandamentos.
O texto que nos é hoje proposto situa-nos na fase final da
vida de Josué. Sentindo
aproximar-se a morte, Josué teria reunido em Siquém (no
centro do país) os líderes
das diversas tribos do Povo de Deus e ter-lhes-ia proposto
uma renovação do seu
compromisso com Jahwéh. De acordo com Js 24,15, Josué teria
colocado as coisas
da seguinte forma: “escolhei hoje a quem quereis servir…
porque eu e a minha casa
serviremos o Senhor”.
Na versão do autor deuteronomista a quem devemos esta
notícia, Josué parece dirigir-se a um grupo de tribos que partilha uma fé comum
em Jahwéh. Estaremos
diante de
uma assembleia que reúne essas “doze tribos” que, mais
tarde (na época de David)
vão constituir uma unidade nacional? Alguns biblistas
pensam que não. Entre as tribos
presentes não estaria certamente a tribo de Judá, já que os
contactos entre Judá e a
“casa de José” só se estabeleceram na época do rei David. A
“casa” de Josué a que o
texto se refere é certamente constituída pelas tribos do
centro do país – Efraim,
Benjamim e Manassés – que há muito tempo tinham aderido a
Jahwéh e à Aliança. E
as outras tribos, convidadas a comprometer-se com Jahwéh?
Provavelmente, o
convite a escolher entre “o Senhor” e os outros deuses (cf.
Js 24,14) dirige-se às
tribos do norte do país que, sem dúvida, não abandonaram a
Palestina desde a época
dos patriarcas (e que, portanto, não viveram a experiência
do Egito, nem fizeram a
experiência de encontro com Jahwéh, o Deus libertador).
Talvez a “assembleia de Siquém” referida em Js 24 seja a
primeira tentativa histórica
de estabelecer laços entre as tribos do centro da Palestina
(Efraim, Benjamim e
Manassés – as tribos que viveram a experiência do Egito, a
libertação, a caminhada
pelo deserto e a Aliança com Jahwéh) e as tribos do norte
(Issacar, Zabulón, Neftali,
Asher e Dan – tribos que nem sequer estiveram no Egito). A
ligação far-se-ia à volta
de uma fé comum num mesmo Deus. A união das diversas tribos
do norte e do centro
não se deu, contudo, de uma vez; mas foi uma caminhada
lenta e progressiva, que só
se completou muito tempo depois de Josué.
O ponto de partida para o texto que nos é proposto é o fato
histórico em si
(provavelmente, uma assembleia em Siquém, onde Josué propôs
às tribos do norte
que aceitassem Jahwéh como seu Deus). No entanto, o autor
deuteronomista
responsável por este texto pegou na notícia histórica e
transformou-a numa catequese
sobre o compromisso que Israel assumiu para com Jahwéh. O
seu objetivo é
convidar os israelitas da sua época (séc. VII a.C.) a não
se deixarem seduzir por
outros deuses e a manterem-se fiéis à Aliança.
MENSAGEM
Estamos, portanto, em Siquém, com “todas as tribos de
Israel” (vers. 1) reunidas à
volta de Josué. Na interpelação que dirige às tribos, Josué
começa por elencar alguns
momentos capitais da história da salvação, mostrando ao Povo
como Jahwéh é um
Deus em quem se pode confiar; as suas ações salvadoras e
libertadoras em favor de
Israel são uma prova mais do que suficiente do seu poder e
da sua fidelidade (cf. Js
24,2-13).
Depois dessa introdução, Josué convida os representantes das
tribos presentes a
tirarem as devidas consequências e a fazerem a sua opção. É
necessário escolher
entre servir esse Senhor que libertou Israel da opressão,
que o conduziu pelo deserto
e que o introduziu na Terra Prometida, ou servir os deuses
dos mesopotâmios e os
deuses dos amorreus. Josué e a sua família já optaram: eles
escolheram servir
Jahwéh (vers. 15).
A resposta do Povo é a esperada. Todos manifestam a sua
intenção de servir o
Senhor, em resposta à sua ação libertadora e à sua proteção
ao longo da
caminhada pelo deserto (vers. 16-18). Israel compromete-se
a renunciar a outros
deuses e a fazer de Jahwéh o seu Deus.
A aceitação de Jahwéh como Deus de Israel é apresentada,
não como uma obrigação
imposta a um grupo de escravos, mas como uma opção livre,
feita por pessoas que
fizeram uma experiência de encontro com Deus e que sabem
que é aí que está a sua
realização e a sua felicidade. Depois de percorrer com
Jahwéh os caminhos da
história, Israel constatou, sem margem para dúvidas, que só
em Deus pode encontrar
a liberdade e a vida em plenitude.
ATUALIZAÇÃO
♦ O problema fundamental posto pelo autor do nosso texto é o
das opções: “escolhei
hoje a quem quereis servir” – diz Josué ao Povo reunido. É
uma questão que
nunca deixará de nos ser posta… Ao longo da nossa caminhada
pela vida, vamos
fazendo a experiência do encontro com esse Deus libertador
e salvador que Israel
descobriu na sua marcha pela história; mas encontramo-nos
também, muito
frequentemente, com outros deuses e outras propostas que
parecem garantir-nos
a vida, o êxito, a realização, a felicidade e que, quase
sempre, nos conduzem por
caminhos de escravidão, de dependência, de desilusão, de
infelicidade. A
expressão “escolhei hoje a quem quereis servir”
interpela-nos acerca da nossa
servidão ao dinheiro, ao êxito, à fama, ao poder, à moda,
às exigências dos
valores que a opinião pública consagrou, ao reconhecimento
público…
Naturalmente, nem todos os valores do mundo são geradores
de escravidão ou
incompatíveis com a nossa opção por Deus… Temos, no
entanto, que repensar
continuamente a nossa vida e as nossas opções, a fim de não
corrermos atrás de
falsos deuses e de não nos deixarmos seduzir por propostas
falsas de realização e
de felicidade. O verdadeiro crente sabe que não pode
prescindir de Deus e das
suas propostas; e sabe que é nesse Deus que nunca desilude
aqueles que n’Ele
confiam que pode encontrar a sua realização plena.
♦ Israel aceitou “servir o Senhor” e comprometer-se com Ele,
não por obrigação, mas
pela convicção de que era esse o caminho para a sua
felicidade. Por vezes, Deus
é visto como um concorrente do homem e os seus mandamentos
como uma
proposta que limita a liberdade e a independência do homem…
Na verdade, o
compromisso com Deus e a aceitação das suas propostas não é
um caminho de
servidão, mas um caminho que conduz o homem à verdadeira
liberdade e à sua
realização plena. O caminho que Deus nos propõe – caminho
que somos livres de
aceitar ou não – é um caminho que nos liberta do egoísmo,
do orgulho, da auto
suficiência, da escravidão dos bens materiais e que nos
projeta para o amor, para
a partilha, para o serviço, para o dom da vida, para a
verdadeira felicidade.
♦ Josué, o líder da comunidade do Povo de Deus, tem um papel
fundamental no
sentido de interpelar o Povo e de testemunhar a sua opção
por Deus. Não é um
líder que diz belas palavras e apresenta belas propostas,
mas que desmente com
a vida aquilo que diz… É um líder plenamente comprometido
com Deus e que
testemunha, com a própria vida, essa opção. Josué poderia
ser um exemplo para
todos aqueles que têm responsabilidades na condução da
comunidade do Povo de
Deus em marcha pela história. O seu exemplo convida aqueles
que presidem à
comunidade do Povo de Deus a serem uma voz de Deus que
interpela e que
questiona aqueles que caminham ao seu lado; e convida
também os responsáveis
pelas comunidades cristãs a testemunharem com a própria
vida aquilo que
ensinam ao Povo.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 33 (34)
Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.
A toda a hora bendirei o Senhor,
o seu louvor estará sempre na minha boca.
A minha alma gloria-se no Senhor:
escutem e alegrem-se os humildes.
Os olhos do Senhor estão voltados para os justos
e os ouvidos atentos aos seus rogos.
A face do Senhor volta-se contra os que fazem o mal,
para apagar da terra a sua memória.
Os justos clamaram e o Senhor os ouviu,
livrou-os de todas as suas angústias.
O Senhor está perto dos que têm o coração atribulado
e salva os de ânimo abatido.
Muitas são as tribulações do justo,
mas de todas elas o livra o Senhor.
Guarda todos os seus ossos,
nem um só será quebrado.
A maldade leva o ímpio à morte,
os inimigos do justo serão castigados.
O Senhor defende a vida dos seus servos,
não serão castigados os que n’Ele se refugiam.
LEITURA II – Ef 5,21-32
Irmãos:
Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo.
As mulheres submetam-se aos maridos como ao Senhor,
porque o marido é a cabeça da mulher,
como Cristo é a cabeça da Igreja, seu Corpo,
do qual é o Salvador.
Ora, como a Igreja se submete a Cristo,
assim também as mulheres
se devem submeter em tudo aos maridos.
Maridos, amai as vossas mulheres,
como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela.
Ele quis santificá-la,
purificando-a no batismo da água pela palavra da vida,
para a apresentar a Si mesmo como Igreja cheia de glória,
sem mancha nem ruga, nem coisa alguma semelhante,
mas santa e imaculada.
Assim devem os maridos amar as suas mulheres,
como os seus corpos.
Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo.
Ninguém, de fato, odiou jamais o seu corpo,
antes o alimenta e lhe presta cuidados,
como Cristo à Igreja;
porque nós somos membros do seu Corpo.
Por isso, o homem deixará pai e mãe,
para se unir à sua mulher,
e serão dois numa só carne.
É grande este mistério,
digo-o em relação a Cristo e à Igreja.
AMBIENTE
Continuamos a ler a parte moral da Carta aos Efésios (cf.
Ef 4,1-6,20).
Nessa parte, Paulo lembra aos crentes a opção que fizeram
no dia do seu Batismo e
que os obriga a viver como Homens Novos, à imagem de Jesus.
A vida desse Homem Novo que deixou as trevas e escolheu a
luz deve traduzir-se em
atitudes concretas. Por isso, Paulo enumera, a dado passo
da sua reflexão, um
conjunto de normas de conduta, através das quais se deve
manifestar a opção que o
crente assumiu no dia do seu Batismo.
Na secção de Ef 5,21-6,9 (a que o texto que hoje nos é
proposto pertence), Paulo
apresenta as normas que devem reger as relações familiares.
De forma especial,
Paulo refere-se aos deveres dos esposos, seguramente porque
vê na sua união uma
figura da união de Cristo com a sua Igreja. Trata-se de um
dos temas mais
importantes da teologia desenvolvida na Carta aos Efésios.
MENSAGEM
O nosso texto começa com um princípio geral que deve
regular as relações entre os
diversos membros da família cristã: “sede submissos uns aos
outros no temor de
Cristo” (Ef 5,21). O “ser submisso” expressa aqui a condição
daquele que está
permanentemente numa atitude de serviço simples e humilde,
sem deixar que a sua
relação com o irmão seja dominada pelo orgulho ou marcada
por atitudes de
prepotência. A expressão “no temor de Cristo” recorda aos
crentes que o Cristo do
amor, do serviço, da partilha é o exemplo e o modelo que
eles devem ter sempre
diante dos olhos.
Depois, Paulo dirige-se aos vários membros da família e
propõe-lhes normas
concretas de conduta. O texto que nos é proposto, contudo,
apenas conservou a parte
que se refere à relação dos esposos um com o outro (na
continuação, Paulo falará
também da conduta dos filhos para com os pais, dos pais
para com os filhos, dos
senhores para com os escravos e dos escravos para com os
senhores – cf. Ef 6,1-9).
Às mulheres, Paulo pede a submissão aos maridos, porque “o
marido é a cabeça da
mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja, seu corpo” (vers.
23). Esta afirmação – que,
à luz da nossa sensibilidade e dos nossos esquemas mentais
modernos parece
discriminatória – deve ser entendida no contexto
sócio-cultural da época, onde o
homem aparece como a referência suprema da organização do
núcleo familiar. De
qualquer forma, a “submissão” de que Paulo fala deve ser
sempre entendida no
sentido do amor e do serviço e não no sentido da
escravidão.
Aos maridos, Paulo recomenda que amem as suas esposas,
“como Cristo amou a
Igreja e se entregou por ela” (vers. 25). Não se trata de
um amor qualquer, mas de um
amor igual ao de Cristo pela sua comunidade – isto é, de um
amor generoso e total,
que é capaz de ir até ao dom da própria vida. Para Paulo,
portanto, o amor dos
maridos pelas esposas deve ser um amor completamente
despido de qualquer sinal
de egoísmo e de prepotência; e deve ser um amor cheio de
solicitude, que se
manifesta em atitudes de generosidade, de bondade e de
serviço, que se faz dom total
à pessoa a quem se ama.
Neste contexto, Paulo desenvolve a sua teologia da relação
entre Cristo e a Igreja,
para depois tirar daí as devidas consequências para a união
dos esposos cristãos…
Cristo santificou a Igreja, purificando-a “no batismo da
água pela palavra da vida”
(vers. 26). Há aqui, certamente, uma alusão ao batismo
cristão (inspirada,
provavelmente, nas cerimônias preparatórias do matrimônio,
que contemplavam o
“banho” da noiva antes de se apresentar diante do noivo),
pelo qual Cristo edifica a
sua comunidade e a purifica do pecado. O batismo é o
momento em que Cristo
oferece a vida plena à sua Igreja e em que a Igreja se
compromete com Cristo numa
comunidade de amor. A partir desse momento, Cristo e a
Igreja formam um só corpo…
Como Cristo e a Igreja formam um só corpo, do mesmo modo
marido e esposa,
comprometidos numa comunidade de amor, formam um só corpo:
“por isso, o homem
deixará pai e mãe para se unir à sua mulher e serão dois
numa só carne” (vers. 31). A
expressão “uma só carne” aqui usada por Paulo não alude só
à união carnal dos
esposos, mas a toda a sua vida conjugal, feita de um
empenho quotidiano na vivência
do amor, da fidelidade e da partilha de toda a existência.
Este paralelismo estabelecido por Paulo entre a união de
Cristo e da Igreja e o amor
que une os esposos dá um significado especial ao casamento
cristão: a vocação dos
esposos é anunciar e testemunhar, com o seu amor e a sua
união, o amor de Cristo
pela sua Igreja. Dito de outra forma: a união dos esposos
cristãos deve ser, aos olhos
do mundo, um sinal e um reflexo do “mistério” de amor que
une Cristo e a Igreja.
ATUALIZAÇÃO
♦ O compromisso com Jesus e com a proposta de vida nova que
ele veio apresentar
mexe com a totalidade da vida do homem e tem consequências
em todos os níveis
da existência, nomeadamente ao nível da relação familiar.
Para o seguidor de
Jesus, o espaço da relação familiar tem de ser também o
lugar onde se
manifestam os valores de Jesus, os valores do Reino. Com a
sua partilha de amor,
com a sua união, com a sua comunhão de vida, o casal
cristão é chamado a ser
sinal e reflexo da união de Cristo com a sua Igreja. “Os
esposos, feitos à imagem
de Deus e estabelecidos numa ordem verdadeiramente pessoal,
estejam unidos
em comunhão de afeto e de pensamento e com mútua santidade
de modo que,
seguindo a Cristo, princípio da vida, se tornem, pela
fidelidade do seu amor,
através das alegrias e sacrifícios da sua vocação,
testemunhas daquele mistério
de amor que Deus revelou ao mundo com a sua morte e
ressurreição” (Gaudium et
Spes, 52).
♦ Para Paulo, o amor que une o marido e a esposa deve ser um
amor como o de
Cristo pela sua Igreja. Desse amor devem, portanto, estar
ausentes quaisquer
sinais de egoísmo, de prepotência, de exploração, de
injustiça… Deve ser um
amor que se faz doação total ao outro, que é paciente, que
não é arrogante nem
orgulhoso, que compreende os erros e as falhas dos outro,
que tudo desculpa,
tudo crê, tudo espera, tudo suporta (cf. 1 Cor 13,4-7).
♦ Para Paulo, o amor que une a esposa e o marido deve ser um
amor que se faz
serviço simples e humilde. Não se trata de exigir submissão
de um a outro, mas
trata-se de pedir que os crentes manifestem total
disponibilidade para servir e para
dar a vida, sem esperar nada em troca. Trata-se de
seguir o exemplo de Cristo que
não veio para afirmar a sua superioridade e para ser
servido, mas para servir e dar
vida. O matrimônio cristão não pode tornar-se uma
competição para ver quem tem
mais direitos ou mais obrigações, mas uma comunhão de vida
de pessoas que, a
exemplo de Cristo, fazem da sua existência uma partilha e
um serviço a todos os
irmãos que caminham ao seu lado.
♦ Paulo utiliza, neste texto, a propósito das mulheres, uma
palavra que não devemos
absolutizar: “submissão”. Esta palavra deve ser entendida
no contexto sócio-cultural
da época, em que o marido era considerado a referência
fundamental da
ordem familiar. É claro que, nos dias de hoje, Paulo não
teria usado este termo
para falar da relação da esposa com o marido. A afirmação
de Paulo não pode
servir para fundamentar qualquer tipo de discriminação
contra as mulheres… Aliás,
Paulo dirá, noutras circunstâncias, que “não há judeu nem
grego, não há escravo
nem livre, não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus ” (Gl
3,28).
ALELUIA
Aleluia. Aleluia.
As vossas palavras, Senhor, são espírito e vida:
Vós tendes palavras de vida eterna.
EVANGELHO – Jo 6,60-69
Naquele tempo,
muitos discípulos, ao ouvirem Jesus, disseram:
«Estas palavras são duras.
Quem pode escutá-las?»
Jesus, conhecendo interiormente
que os discípulos murmuravam por causa disso,
perguntou-lhes:
«Isto escandaliza-vos?
E se virdes o Filho do homem
subir para onde estava anteriormente?
O espírito é que dá vida,
a carne não serve de nada.
As palavras que Eu vos disse são espírito e vida.
Mas, entre vós, há alguns que não acreditam».
Na verdade, Jesus bem sabia, desde o início,
quais eram os que não acreditavam
e quem era aquele que O havia de entregar.
E acrescentou:
«Por isso é que vos disse:
Ninguém pode vir a Mim,
se não lhe for concedido por meu Pai».
A partir de então, muitos dos discípulos afastaram-se
e já não andavam com Ele.
Jesus disse aos Doze:
«Também vós quereis ir embora?»
Respondeu-Lhe Simão Pedro:
«Para quem iremos, Senhor?
Tu tens palavras de vida eterna.
Nós acreditamos
e sabemos que Tu és o Santo de Deus».
AMBIENTE
Estamos no final do episódio que começou com a multiplicação
doa pães e dos peixes
(cf. Jo 6,1-15) e que continuou com o “discurso do pão da
vida” (cf. Jo 6,22-59). Tratase de um episódio atravessado por diversos
equívocos e onde se manifesta a
perplexidade e a confusão daqueles que escutam as palavras
de Jesus… A multidão
esperava um messias rei que lhe oferecesse uma vida
confortável e pão em
abundância e Jesus mostrou que não veio “dar coisas”, mas
oferecer-Se a Ele próprio
para que a humanidade tivesse vida; a multidão esperava de
Jesus uma proposta
humana de triunfo e de glória e Jesus convidou-a a
identificar-se com Ele e a segui-l’O
no caminho do amor e do dom da vida até à morte… Os
interlocutores de Jesus
perceberam claramente que Jesus os tinha colocado diante de
uma opção
fundamental: ou continuar a viver numa lógica humana,
virada para os bens materiais
e para as satisfações mais imediatas, ou o assumir a lógica
de Deus, seguindo o
exemplo de Jesus e fazendo da vida um dom de amor para ser
partilhado. Instalados
nos seus esquemas e preconceitos, presos a aspirações e
sonhos demasiado
materiais, desiludidos com um programa que lhes parecia
condenado ao fracasso, os
interlocutores de Jesus recusaram-se a identificar-se com
Ele e com o seu programa.
O nosso texto mostra-nos a reação negativa de “muitos discípulos”
às propostas que
Jesus faz. Nem todos os discípulos estão dispostos a
identificar-se com Jesus (“comer
a sua carne e beber o seu sangue”) e a oferecer a sua vida
como dom de amor que
deve ser partilhado com toda a humanidade. Temos de situar
esta “catequese” no
contexto em que vivia a comunidade joânica, nos finais do
séc. I… A comunidade
cristã era discriminada e perseguida; muitos discípulos
afastavam-se e trilhavam
outros caminhos, recusando-se a seguir Jesus no caminho do
dom da vida. Muitos
cristãos, confusos e perplexos, perguntavam: para ser
cristão é preciso percorrer um
caminho tão radical e de tanta exigência? A proposta de
Jesus será, efetivamente,
um caminho de vida plena, ou um caminho de fracasso e de
morte? É a estas
questões que o “catequista” João vai tentar responder.
MENSAGEM
A perícopa divide-se em duas partes. A primeira (vers.
60-66) descreve o protesto de
um grupo de discípulos face às exigências de Jesus; a
segunda (vers. 67-69)
apresenta a resposta dos Doze à proposta que Jesus faz.
Estes dois grupos (os
“muitos discípulos” da primeira parte e os “Doze” da
segunda parte) representam duas
atitudes distintas face a Jesus e às suas propostas.
Para os “discípulos” de que se fala na primeira parte do
nosso texto, a proposta de
Jesus é inadmissível, excessiva para a força humana (vers.
60). Eles não estão
dispostos a renunciar aos seus próprios projetos de ambição
e de realização
humana, a embarcar com Jesus no caminho do amor e da
entrega, a fazer da própria
vida um serviço e uma partilha com os irmãos. Esse caminho
parece-lhes, além de
demasiado exigente, um caminho ilógico. Confrontados com a
radicalidade do
caminho do Reino, eles não estão dispostos a arriscar.
Na resposta à objeção desses “discípulos”, Jesus
assegura-lhes que o caminho que
propõe não é um caminho de fracasso e de morte, mas é um
caminho destinado à
glória e à vida eterna. A “subida” do Filho do Homem, após
a morte na cruz, para
reentrar no mundo de Deus, será a “prova provada” de que a
vida oferecida por amor
conduz à vida em plenitude (vers. 61-62). Esses
“discípulos” não estão dispostos a
acolher a proposta de Jesus porque raciocinam de acordo com
uma lógica humana, a
lógica da “carne”; só o dom do Espírito possibilitará aos
crentes perceber a lógica de
Jesus, aderir à sua proposta e seguir Jesus nesse caminho
do amor e da doação que
conduz à vida (vers. 63).
Na realidade, esses discípulos que raciocinam segundo a
lógica da “carne” seguem
Jesus pelas razões erradas (a glória, o poder, a fácil
satisfação das necessidades
materiais mais básicas). A sua adesão a Jesus é apenas
exterior e superficial. Jesus
tem consciência clara dessa realidade. Ele sabe até que um
dos “discípulos” O vai trair
e entregar nas mãos dos líderes judaicos (vers. 64). De
qualquer forma, Jesus encara
a decisão dos discípulos com tranquilidade e serenidade.
Ele não força ninguém;
apenas apresenta a sua proposta – proposta radical e
exigente – e espera que o
“discípulo” faça a sua opção, com toda a liberdade.
Em última análise, a vida nova que Jesus propõe é um dom de
Deus, oferecido a
todos os homens (vers. 65). O termo deste movimento que o
Pai convida o “discípulo”
a fazer é o encontro com Jesus e a adesão ao seu projeto.
Se o homem não está
aberto à ação do Pai e recusa os dons de Deus, não pode
integrar a comunidade dos
discípulos e seguir Jesus.
A primeira parte da cena termina com a retirada de “muitos
discípulos” (vers. 66). O
programa exposto por Jesus, que exige a renúncia às lógicas
humanas de ambição e
de realização pessoal, é recusado… Esses “discípulos”
mostram-se absolutamente
indisponíveis para percorrer o caminho de Jesus.
Confirmada a deserção desses “discípulos”, Jesus pede ao
grupo mais restrito dos
“Doze” que façam a sua escolha: “também vós quereis ir
embora?” (vers. 67). Reparese que Jesus não suaviza as suas exigências, nem
atenua a dureza das suas
palavras… Ele está disposto a correr o risco de ficar sem
discípulos, mas não está
disposto a prescindir da radicalidade do seu projeto. Não é
uma questão de teimosia
ou de não querer dar o braço a torcer; mas Jesus está
seguro que o caminho que Ele
propõe – o caminho do amor, do serviço, da partilha, da
entrega – é o único caminho
por onde é possível chegar à vida plena… Por isso, Ele não
pode mudar uma vírgula
ao seu discurso e à sua proposta. O caminho para a vida em
plenitude já foi
claramente exposto por Jesus; resta agora aos “discípulos”
aceitá-lo ou rejeitá-lo.
Confrontados com esta opção fundamental, os “Doze” definem
claramente o caminho
que querem percorrer: eles aceitam a proposta de Jesus,
aceitam segui-l’O no
caminho do amor e da entrega. Quem responde em nome do
grupo (uso do plural) é
Simão Pedro: “Para quem iremos nós, Senhor? Tu tens
palavras de vida eterna” (vers.
68). A comunidade reconhece, pela voz de Pedro, que só no
caminho proposto por
Jesus encontra vida definitiva. Os outros caminhos só geram
vida efémera e parcial e,
com frequência, conduzem à escravidão e à morte; só no
caminho que Jesus acabou
de propor (e que “muitos” recusaram) se encontra a
felicidade duradoura e a
realização plena do homem (vers. 68).
É porque reconhece em Jesus o único caminho válido para
chegar à vida eterna que a
comunidade dos “Doze” adere ao que ele propõe (“cremos” –
vers. 69a). A “fé”
(adesão a Jesus) traduz-se no seguimento de Jesus, na
identificação com Ele, no
compromisso com a proposta que Ele faz (“comer a carne e
beber o sangue” que
Jesus oferece e que dão a vida eterna).
A resposta posta na boca de Pedro é precisamente a resposta
que a comunidade
joânica (a tal comunidade que vive a sua fé e o seu
compromisso cristão em
condições difíceis e que, por vezes, tem dificuldade em
renunciar à lógica do mundo e
apostar na radicalidade do Evangelho de Jesus) é convidada
a dar: “Senhor, as tuas
propostas nem sempre fazem sentido à luz dos valores que
governam o nosso mundo;
mas nós estamos seguros de que o caminho que Tu nos indicas
é um caminho que
leva à vida eterna. Queremos escutar as tuas palavras,
identificar-nos contigo, viver de
acordo com os valores que nos propões, percorrer contigo
esse caminho do amor e da
doação que conduz à vida eterna.
ATUALIZAÇÃO
♦ O Evangelho deste domingo põe claramente a questão das
opções que nós,
discípulos de Jesus, somos convidados a fazer… Todos os
dias somos desafiados
pela lógica do mundo, no sentido de alicerçarmos a nossa
vida nos valores do
poder, do êxito, da ambição, dos bens materiais, da moda,
do “politicamente
correto”; e todos os dias somos convidados por Jesus a
construir a nossa
existência sobre os valores do amor, do serviço simples e
humilde, da partilha com
os irmãos, da simplicidade, da coerência com os valores do
Evangelho… É inútil
esconder a cabeça na areia: estes dois modelos de
existência nem sempre podem
coexistir e, frequentemente, excluem-se um ao outro. Temos
de fazer a nossa
escolha, sabendo que ela terá consequências no nosso estilo
de vida, na forma
como nos relacionamos com os irmãos, na forma como o mundo
nos vê e,
naturalmente, na satisfação da nossa fome de felicidade e
de vida plena. Não
podemos tentar agradar a Deus e ao diabo e viver uma vida
“morna” e sem
exigências, procurando conciliar o inconciliável. A questão
é esta: estamos ou não
dispostos a aderir a Jesus e a segui-l’O no caminho do amor
e do dom da vida?
♦ Os “muitos discípulos” de que fala o texto que nos é
proposto não tiveram a
coragem para aceitar a proposta de Jesus. Amarrados aos
seus sonhos de riqueza
fácil, de ambição, de poder e de glória, não estavam
dispostos a trilhar um
caminho de doação total de si mesmos em benefício dos
irmãos. Este grupo
representa esses “discípulos” de Jesus demasiado
comprometidos com os valores
do mundo, que até podem frequentar a comunidade cristã, mas
que no dia a dia
vivem obcecados com a ampliação da sua conta bancária, com
o êxito profissional
a todo o custo, com a pertença à elite que frequenta as
festas sociais, com o
aplauso da opinião pública… Para estes, as palavras de
Jesus “são palavras
duras” e a sua proposta de radicalidade é uma proposta
inadmissível. Esta
categoria de “discípulos” não é tão rara como parece… Em
diversos graus, todos
nós sentimos, por vezes, a tentação de atenuar a
radicalidade da proposta de
Jesus e de construir a nossa vida com valores mais
condizentes com uma visão
“light” da existência. É preciso estarmos continuamente
numa atitude de vigilância
sobre os valores que nos norteiam, para não corrermos o
risco de “virar as costas”
à proposta de Jesus.
♦ Os “Doze” ficaram com Jesus, pois estavam convictos de que
só Ele tem “palavras
que comunicam a vida definitiva”. Eles representam aqueles
que não se
conformam com a banalidade de uma vida construída sobre
valores efêmeros e
que querem ir mais além; representam aqueles que não estão
dispostos a gastar a
sua vida em caminhos que só conduzem à insatisfação e à
frustração;
representam aqueles que não estão dispostos a conduzir a
sua vida ao sabor da
preguiça, do comodismo, da instalação; representam aqueles que
aderem
sinceramente a Jesus, se comprometem com o seu projeto,
acolhem no coração
a vida que Jesus lhes oferece e se esforçam por viver em
coerência com a opção
por Jesus que fizeram no dia do seu Batismo. Atenção: esta
opção pelo
seguimento de Jesus precisa de ser constantemente renovada
e constantemente
vigiada, a fim de que o nível da coerência e da exigência
se mantenha.
♦ Na cena que o Evangelho de hoje nos traz, Jesus não parece
estar tão
preocupado com o número de discípulos que continuarão a segui-l’O,
quanto com
o manter a verdade e a coerência do seu projeto. Ele não
faz credencias fáceis
para ter êxito e para captar a benevolência e os aplausos
das multidões, pois o
Reino de Deus não é um concurso de popularidade… Não
adianta escamotear a
verdade: o Evangelho que Jesus veio propor conduz à vida
plena, mas por um
caminho que é de radicalidade e de exigência. Muitas vezes
tentamos “suavizar”
as exigências do Evangelho, a fim de que ele seja mais
facilmente aceite pelos
homens do nosso tempo… Temos de ter cuidado para não
desvirtuarmos a
proposta de Jesus e para não despojarmos o Evangelho
daquilo que ele tem de
verdadeiramente transformador. O que deve preocupar-nos não
é tanto o número
de pessoas que vão à Igreja; mas é, sobretudo, o grau de
radicalidade com que
vivemos e testemunhamos no mundo a proposta de Jesus.
♦ Um dos elementos que aparece nitidamente no nosso texto é a
serenidade com
que Jesus encara o “não” de alguns discípulos ao projeto
que Ele veio propor.
Diante desse “não”, Jesus não força as coisas, não
protesta, não ameaça, mas
respeita absolutamente a liberdade de escolha dos seus
discípulos. Jesus mostra,
neste episódio, o respeito de Deus pelas decisões (mesmo
erradas) do homem,
pelas dificuldades que o homem sente em comprometer-se,
pelos caminhos
diferentes que o homem escolhe seguir. O nosso Deus é um
Deus que respeita o
homem, que o trata como adulto, que aceita que ele exerça o
seu direito à
liberdade. Por outro lado, um Deus tão compreensivo e
tolerante convida-nos a dar
mostras de misericórdia, de respeito e de compreensão para
com os irmãos que
seguem caminhos diferentes, que fazem opções diferentes,
que conduzem a sua
vida de acordo com valores e critérios diferentes dos
nossos. Essa “divergência”
de perspectivas e de caminhos não pode, em nenhuma
circunstância, afastar-nos
do irmão ou servir de pretexto para o marginalizarmos e
para o excluirmos do
nosso convívio.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 21º DOMINGO DO TEMPO
COMUM
Ao longo dos dias da semana anterior ao 21º Domingo do
Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la
pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a
meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num
grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar,
sobretudo, a semana para viver
em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Não há dúvida que Pedro não tinha compreendido todas as
palavras de Jesus sobre o
Pão da Vida, mas, um dia, ele tinha deixado tudo para seguir
este Mestre que falava e
agia com autoridade. Ele tinha-Lhe dado toda a sua
confiança sem reservas: as suas
palavras eram palavras de vida, os seus gestos eram gestos
de vida. Então porque
não aceitar que toda a sua pessoa fosse doadora de vida
eterna? Pedro não se vê,
pois, a deixar Aquele que promete a vida em nome de Deus.
Imagina-se o sofrimento
de Jesus ao ver alguns dos seus discípulos deixarem de O
seguir. Mas imagina-se
também a sua alegria diante da confiança daqueles que não O
deixarão, mesmo se
vierem a conhecer abandono momentâneo, negação, dúvida…
Estamos prontos a
fazer o ato de fé de Pedro: “Senhor, para quem iremos nós?”
Em Cristo, e somente
n’Ele, nunca ficaremos decepcionados!
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
O escândalo não tardou em rebentar! “Estas palavras são
duras. Quem pode escutá-las?”
Desta vez, não são os escribas e os fariseus que se opõem
violentamente a
Jesus, mas a maior parte dos seus discípulos. No lugar de
Jesus, teríamos, sem
dúvida, tentado acalmar os espíritos dizendo, por exemplo,
que comer o seu corpo,
beber o seu sangue para ter a vida eterna, era uma imagem,
certamente chocante,
mas apenas uma imagem! Nada disso com Jesus! Ele não apenas
não retira nenhuma
das suas palavras, mas provoca os Doze: “Também vós quereis
ir embora?” Ele
aceitaria antes ver partir os seus discípulos mais próximos
do que negar uma só das
suas palavras! O desafio era capital, incontornável. Não
podemos apagar estas
palavras se queremos ser seus discípulos. Tudo à luz do
acontecimento central da
Morte e Ressurreição, celebrado na Eucaristia! Isso exige
uma dupla atitude para
entrarmos no mistério da Eucaristia: Reconhecemos
verdadeiramente neste homem,
Jesus de Nazaré, o Filho de Maria, o verdadeiro Filho único
de Deus, nascido do Pai
antes de todos os séculos, como dizemos no Credo? Cremos
verdadeiramente que
Jesus ressuscitou e é verdadeiramente vencedor da morte? Aí
está o centro da nossa
fé, onde tudo se decide! Quando comungamos o corpo e o
sangue de Cristo, dizemos:
“Amém! Adiro a esta presença de Jesus ressuscitado com
todas as fibras do meu ser!”
Uma fé celebrada na Eucaristia a marcar toda a nossa
existência… Não há meios termos!
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Qual é a minha fé? Cada um de nós pode interrogar-se: posso
sinceramente dizer a
minha fé com as palavras de Pedro? Se sim, terei, nos
próximos dias, a força de a
testemunhar junto de uma pessoa que duvida, que procura, ou
que contesta a fé
cristã? Quais são os meios que tenho para alimentar a minha
fé?
22º Domingo do Tempo Comum
A liturgia do 22º Domingo do Tempo Comum propõe-nos uma reflexão sobre a “Lei”.
Deus quer a realização e a vida plena para o homem e, nesse
sentido, propõe-lhe a
sua “Lei”. A “Lei” de Deus indica ao homem o caminho a
seguir. Contudo, esse
caminho não se esgota num mero cumprimento de ritos ou de
práticas vazias de
significado, mas num processo de conversão que leve o homem
a comprometer-se
cada vez mais com o amor a Deus e aos irmãos.
A primeira leitura garante-nos que as “leis” e
preceitos de Deus são um caminho
seguro para a felicidade e para a vida em plenitude. Por
isso, o autor dessa catequese
recomenda insistentemente ao seu Povo que acolha a Palavra
de Deus e se deixe
guiar por ela.
No Evangelho, Jesus denuncia a atitude daqueles que
fizeram do cumprimento
externo e superficial da “lei” um valor absoluto,
esquecendo que a “lei” é apenas um
caminho para chegar a um compromisso efetivo com o projeto
de Deus. Na
perspectiva de Jesus, a verdadeira religião não se centra
no cumprimento formal das
“leis”, mas num processo de conversão que leve o homem à
comunhão com Deus e a
viver numa real partilha de amor com os irmãos.
A segunda leitura convida os crentes a escutarem e
acolherem a Palavra de Deus;
mas avisa que essa Palavra escutada e acolhida no coração
tem de tornar-se um
compromisso de amor, de partilha, de solidariedade com o
mundo e com os homens.
LEITURA I – Dt 4,1-2.6-8
Moisés falou ao povo, dizendo:
«Agora escuta, Israel,
as leis e os preceitos que vos dou a conhecer
e ponde-os em prática,
para que vivais e entreis na posse da terra
que vos dá o Senhor, Deus de vossos pais.
Não acrescentareis nada ao que vos ordeno,
nem suprimireis coisa alguma,
mas guardareis os mandamentos do Senhor vosso Deus,
tal como eu vo-los prescrevo.
Observai-os e ponde-os em prática:
eles serão a vossa sabedoria e a vossa prudência
aos olhos dos povos,
que, ao ouvirem falar de todas estas leis, dirão:
‘Que povo tão sábio e tão prudente é esta grande nação!’
Qual é, na verdade, a grande nação
que tem a divindade tão perto de si
como está perto de nós o Senhor, nosso Deus,
sempre que O invocamos?
E qual é a grande nação
que tem mandamentos e decretos tão justos
como esta lei que hoje vos apresento?»
AMBIENTE
O Livro do Deuteronômio é aquele “livro da Lei” ou “livro
da Aliança” descoberto no
Templo de Jerusalém no 18º ano do reinado de Josias (622 a .C.) (cf. 2 Rs 22).
Neste
livro, os teólogos deuteronomistas – originários do Norte
(Israel) mas, entretanto,
refugiados no sul (Judá) após as derrotas dos reis do norte
frente aos assírios –
apresentam os dados fundamentais da sua teologia: há um só
Deus, que deve ser
adorado por todo o Povo num único local de culto
(Jerusalém); esse Deus amou e
elegeu Israel e fez com Ele uma aliança eterna; e o Povo de
Deus deve ser um único
Povo, a propriedade pessoal de Jahwéh (portanto, não têm
qualquer sentido as
questões históricas que levaram o Povo de Deus à divisão
política e religiosa, após a
morte do rei Salomão).
Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de
três discursos de Moisés,
pronunciados nas planícies de Moab. Pressentindo a
proximidade da sua morte,
Moisés deixa ao Povo uma espécie de “testamento
espiritual”: lembra aos hebreus os
compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar
a sua aliança com
Jahwéh.
O texto que hoje nos é proposto apresenta-se como parte do
primeiro discurso de
Moisés (cf. Dt 1,6-4,43). Na primeira parte desse discurso
(cf. Dt 1,6-3,29), em estilo
narrativo, o autor deuteronomista põe na boca de Moisés um
resumo da história do
Povo, desde a estadia no Horeb/Sinai, até à chegada ao
monte Pisga, na
Transjordânia; na parte final desse discurso (cf. Dt
4,1-43), o autor apresenta, em
estilo exortativo, um pequeno resumo da Aliança e das suas
exigências. Esta secção
final do primeiro discurso de Moisés começa com a expressão
“e agora, Israel…”, que
enlaça esta secção com a precedente: mostra-se que o
compromisso que agora se
pede a Israel se apoia nos acontecimentos históricos
anteriormente expostos… A
ação de Deus ao longo da caminhada do Povo pelo deserto
deve conduzir ao
compromisso.
O capítulo 4 do Livro do Deuteronômio é um texto redigido,
muito provavelmente, na
fase final do Exílio do Povo de Deus na Babilônia. Perdido
numa terra estrangeira e
mergulhado numa cultura estranha, hostilizado quando
tentava afirmar a sua fé em
Jahwéh e celebrá-la através do culto, impressionado com o
esplendor ritual e as
solenidades do culto babilônico, o Povo bíblico corria o
risco de trocar Jahwéh pelos
deuses babilônicos. É neste contexto que os teólogos da
escola deuteronomista vão
convidar o Povo a olhar para a sua história (cf. Dt
1,6-3,29), a redescobrir nela a
presença salvadora e amorosa de Jahwéh e a comprometer-se
de novo com Deus e
com a Aliança.
MENSAGEM
Esse Deus que, no passado, interveio na história para
salvar e libertar Israel é o
mesmo Deus que agora oferece ao seu Povo leis e preceitos.
Porque é que Israel deve acolher e praticar essas leis e
preceitos que Deus lhe
propõe? Em primeiro lugar, como forma de gratidão: é a
resposta de Israel a esse
Deus libertador, que mil vezes agiu no passado para salvar
o seu Povo… Em segundo
lugar, porque as leis e preceitos do Senhor são
inquestionavelmente um caminho que
conduz o Povo pela estrada da felicidade e da liberdade. Em
qualquer caso, o viver de
acordo com as leis e os preceitos de Jahwéh ajudará o Povo
a concretizar todos os
seus sonhos e esperanças – nomeadamente o grande sonho de
se estabelecer numa
terra, escapando aos perigos da vida nômade (vers. 1).
Israel deve, contudo, ter cuidado para não adulterar as
leis e preceitos que Deus lhe
propõe. Há sempre o perigo de os homens adaptaram a Palavra
de Deus, de forma a
que ela sirva os seus interesses; há sempre o perigo de os
homens suavizarem a
Palavra de Deus, de forma a que ela não seja tão exigente;
há sempre o perigo de os
homens suprimirem da Palavra de Deus aquilo que os
incomoda; há sempre o perigo
de os homens acrescentarem algo à Palavra de Deus,
atribuindo a Deus ideias e
propostas com as quais Deus não tem nada a ver… Israel tem
de resistir a estas
tentações: a Palavra de Deus deve ser uma proposta sagrada,
que o Povo se
esforçará por cumprir integralmente (vers. 2).
Na parte final do texto que nos é proposto, o catequista
deuteronomista manifesta o
seu orgulho pelo fato de Israel ser um Povo especial, o
Povo eleito de Deus. Essa
eleição manifesta-se na presença amorosa e libertadora de
Jahwéh junto do seu Povo
(“qual a grande nação que tem a divindade tão perto de si
como está perto o Senhor
nosso Deus sempre que O invocamos?” – vers. 7), no dom da
Lei e na “sabedoria”
presente nessas leis e preceitos que o Senhor deu a Israel,
a fim de o conduzir pelos
caminhos da história (“qual é a grande nação que tem
mandamentos e decretos tão
justos como esta lei que hoje vos apresento?” – vers. 8).
Israel, Povo “de dura cerviz”, nem sempre acolheu e cumpriu
as leis e os preceitos que
o Senhor lhe propôs; mas os círculos religiosos de Israel
preocuparam-se sempre em
mostrar ao Povo que essa Lei era uma proposta segura para
chegar à vida plena, à
felicidade. É essa convicção que o nosso catequista
deuteronomista deixa
transparecer nesta “homilia” que nos propõe.
ATUALIZAÇÃO
♦ O autor deste texto é, antes de mais, um crente com um
enorme apreço pela
Palavra de Deus. Ele vê nas leis e preceitos de Deus um
caminho seguro para a
felicidade e para a vida em plenitude. Por
isso, recomenda insistentemente ao seu
Povo que acolha a Palavra de Deus e se deixe guiar por ela.
Que importância é
que a Palavra de Deus assume na minha existência? Consigo
encontrar tempo e
disponibilidade para escutar, para meditar e interiorizar a
Palavra de Deus, de
forma a que ela informe os meus valores, os meus
sentimentos e as minhas
ações?
♦ Para muitos dos nossos contemporâneos, as leis e preceitos
de Deus são um
caminho de escravidão, que condicionam a autonomia e que
limitam a liberdade
do homem; para outros, as leis e preceitos de Deus são uma
moral ultrapassada,
que não condiz com os valores do nosso tempo e que deve
permanecer, coberta
de pó, no museu da história. Em contrapartida, para o
catequista que nos oferece
esta reflexão do Livro do Deuteronômio, a Palavra de Deus é
um caminho sempre
atual, que liberta o homem da escravidão do egoísmo e que o
conduz ao
encontro da verdadeira vida e da verdadeira liberdade. De
fato, a escuta atenta e
o compromisso firme com a Palavra de Deus é, para os
crentes, uma experiência
libertadora: salva-nos do egoísmo, do orgulho, da
auto-suficiência e projeta-nos
para o amor, para a partilha, para o serviço, para o dom da
vida.
♦ Uma das insistentes recomendações do nosso texto é a de não
adulterar a Palavra
de Deus, ao sabor dos interesses pessoais dos homens.
Existe sempre o perigo,
quer na nossa reflexão pessoal, quer na nossa partilha
comunitária, de torcermos
a Palavra ao sabor dos nossos interesses, de limarmos a sua
radicalidade, de lhe
cortarmos os aspectos mais questionantes, ou de a fazermos
dizer coisas que não
vêm de Deus… É preciso perguntarmo-nos constantemente se a
Palavra que
vivemos e anunciamos é a Palavra de Deus ou é a nossa
“palavra”, se ela
transmite os valores de Deus ou os nossos valores pessoais,
se ela testemunha a
lógica de Deus ou a nossa lógica humana. Este processo de
discernimento é mais
fácil quando é feito em comunidade, no diálogo e no
confronto com os irmãos que
caminham conosco, que nos questionam e que partilham
conosco a sua
perspectiva das coisas.
♦ Nós os crentes comprometidos andamos sempre muito ocupados
a fazer coisas
bonitas no sentido de mudar o mundo, num ativismo por vezes
exagerado e que,
aos poucos, nos vai fazendo perder o sentido da nossa ação
e do nosso
testemunho. No meio dessa atividade frenética, temos de
encontrar tempo para
escutar Deus, para meditar as suas propostas, para repensar
as suas leis e
preceitos, para descobrir o sentido da nossa ação no mundo.
Sem a escuta da
Palavra, a nossa ação torna-se um “fazer coisas” estéril e
vazio que, mais tarde
ou mais cedo, nos leva a perder o sentido do nosso testemunho
e do nosso
compromisso.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 14 (15)
Refrão 1: Quem habitará, Senhor, no vosso santuário?
Refrão 2: Ensinai-nos, Senhor:
quem habitará em vossa casa?
O que vive sem mancha e pratica a justiça
e diz a verdade que tem no seu coração
e guarda a sua língua da calúnia.
O que não faz mal ao seu próximo nem ultraja o seu
semelhante,
o que tem por desprezível o ímpio,
mas estima os que temem o Senhor.
O que não falta ao juramento, mesmo em seu prejuízo,
e não empresta dinheiro com usura,
nem aceita presentes para condenar o inocente.
Quem assim proceder jamais será abalado.
LEITURA II – Tg 1,17-18.21-22.27
Caríssimos irmãos:
Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vêm do alto,
descem do Pai das luzes,
no qual não há variação nem sombra de mudança.
Foi Ele que nos gerou pela palavra da verdade,
para sermos como primícias das suas criaturas.
Acolhei docilmente a palavra em vós plantada,
que pode salvar as vossas almas.
Sede cumpridores da palavra e não apenas ouvintes,
pois seria enganar-vos a vós mesmos.
A religião pura e sem mancha,
aos olhos de Deus, nosso Pai,
consiste em visitar os órfãos e as viúvas nas suas
tribulações
e conservar-se limpo do contágio do mundo.
AMBIENTE
A carta de onde foi extraída a nossa segunda leitura de
hoje é um escrito de um tal
Tiago (cf. Tg 1,1), que a tradição liga a esse Tiago
“irmão” do Senhor, que presidiu à
Igreja de Jerusalém e do qual os Evangelhos falam
acidentalmente como filho de certa
Maria (cf. Mt 13,55; 27,56). Teria morrido decapitado em
Jerusalém no ano 62… No
entanto, a atribuição deste escrito a tal personagem
levanta bastantes dificuldades. O
mais certo é estarmos perante um outro qualquer Tiago,
desconhecido até agora (o
“Tiago, filho de Alfeu” – de que se fala em Mc 3,18 e par.
– e o “Tiago, filho de
Zebedeu” e irmão de João – de que se fala em Mc 1,19 e par.
– também não se
encaixam neste perfil). É, de qualquer forma, um autor que
escreve em excelente
grego, recorrendo até, com frequência, à “diatribe” – um
gênero muito usado pela
filosofia popular helênica. Inspira-se particularmente na
literatura sapiencial, para
extrair dela lições de moral prática; mas depende também
profundamente dos
ensinamentos do Evangelho. Trata-se de um sábio
judeu-cristão que repensa, de
maneira original, as máximas da sabedoria judaica, em
função do cumprimento que
elas encontraram na boca e no ensinamento de Jesus.
A carta foi enviada “às doze tribos que vivem na Diáspora”
(Tg 1,1). Provavelmente, a
expressão alude a cristãos de origem judaica, dispersos no
mundo greco-romano,
sobretudo nas regiões próximas da Palestina – como a Síria
ou o Egito; mas, no
geral, a carta parece dirigir-se a todos os crentes,
exortando-os a que não percam os
valores cristãos autênticos herdados do judaísmo através
dos ensinamentos de Cristo.
Denuncia, sobretudo, certas interpretações consideradas
abusivas da doutrina paulina
da salvação pela fé, sublinhando a importância das obras; e
ataca com extrema
severidade os ricos (cf. Tg 1,9-11; 2,5-7; 4,13-17; 5,1-6).
O nosso texto pertence à primeira parte da carta (cf. Tg
1,2-27). Aí, o autor apresenta,
num conjunto de desenvolvimentos e de sentenças
aparentemente sem ordem nem
lógica, uma síntese ou guia breve da carta, pois oferece um
breve panorama dos
problemas que o preocupam e que ele vai tratar nos
capítulos seguintes.
MENSAGEM
Os versículos da Carta de Tiago que nos são propostos como
segunda leitura
refletem sobre a Palavra de Deus. O autor da carta não
desenvolve um raciocínio
continuada, mas vai elencando vários aspectos relacionados
com a forma como os
crentes devem ver e acolher a Palavra de Deus…
1. Deus oferece continuamente ao homem os seus dons, a fim
de lhe proporcionar
vida e felicidade (vers. 17). A Palavra de Deus é um dom
que o “Pai das luzes” oferece
ao homem e destina-se a gerar uma nova humanidade. Os
crentes, iluminados pela
“Palavra da verdade” que lhes vem de Deus, podem caminhar
em segurança em
direção à vida plena, à felicidade sem fim (vers. 18).
2. Os crentes devem estar sempre disponíveis para acolher a
Palavra de Deus. Não
podem fechar-se no seu orgulho e auto-suficiência,
ignorando as propostas de Deus;
mas devem abrir o coração para que a Palavra lançada por
Deus aí encontre lugar, aí
possa lançar raízes e desenvolver-se (vers. 21b).
da Palavra de Deus tem de conduzir à conversão, à mudança,
ao abandono da vida
velha do egoísmo e do pecado, a fim de abraçar uma vida
segundo Deus. A escuta da
Palavra de Deus também não pode fechar o homem num
espiritualismo alienante e
estéril, mas tem de conduzir a um compromisso efetivo com a
transformação do
mundo (vers. 22).
4. No último versículo da nossa leitura (vers. 27), o autor
da carta descreve a religião
autêntica (por oposição à religião vazia, inoperante,
morta, daqueles que falam muito
mas não praticam ações coerentes com as suas palavras –
vers. 26): “visitar os
órfãos e as viúvas nas suas tribulações e conservar-se
limpo do contágio do mundo”.
Ligando este versículo com o tema central do resto da
leitura (a Palavra de Deus),
podemos dizer que é a escuta atenta da Palavra de Deus que
nos projeta para a
ação e para o compromisso. A escuta da Palavra de Deus leva
o crente a passar de
uma religião ritual, legalista, externa, superficial, para
uma religião de efetivo
compromisso com a realização do projeto de Deus e com o
amor dos irmãos.
ATUALIZAÇÃO
♦ Na nossa sociedade, há uma tal superabundância de palavras,
que a palavra se
desvalorizou. Todos dizem o que muito bem entendem, às
vezes de uma forma
pouco serena e pouco equilibrada, sem pesar as
consequências. Habituamo-nos,
portanto, a não levar demasiado a sério as palavras que
escutamos e a não lhes
conceder um crédito absoluto. O nosso texto, contudo,
valoriza a Palavra de Deus
e sublinha a sua importância no sentido de nos conduzir ao
encontro da vida
verdadeira e eterna. É preciso darmos à Palavra que Deus
nos dirige um peso
infinitamente superior às palavras sem nexo que todos os
dias enchem os nossos
ouvidos e que intoxicam a nossa mente… A Palavra de Deus é
Palavra geradora
de vida, de eternidade, de felicidade; por isso, deve ser
por nós valorizada.
♦ O excesso de palavras (autêntica poluição sonora!) leva
também à dificuldade em
escutar com atenção. Não temos tempo nem paciência para
escutar todos os
disparates, todas as conversas sem sentido, toda a
verborréia daqueles que
gostam de se ouvir a si próprios, embora não digam nada de
importante. Por outro
lado, as exigências da vida moderna, o trabalho excessivo,
o corre-corre do dia a
dia, limitam muito a nossa disponibilidade para escutar.
Criamos hábitos de não
escuta e tornamo-nos surdos aos apelos que chegam até nós
através da palavra.
A nossa leitura convida-nos, entretanto, a encontrar tempo
e disponibilidade para
escutar o Deus que nos fala e que, através da Palavra que
nos dirige, nos
apresenta as suas propostas para nós e para o mundo.
♦ A Palavra de Deus que escutamos e que acolhemos no coração
deve conduzir-nos
à ação. Se ficamos apenas pela escuta e pela contemplação
da Palavra, ela
torna-se estéril e inútil. É preciso transformar essa
Palavra que escutamos em
gestos concretos, que nos levem à conversão e que tragam um
acréscimo de vida
para o mundo. A Palavra de Deus que escutamos tem de
levar-nos ao
compromisso – à luta pela justiça, pela paz, pela dignidade
dos nossos irmãos,
pelos direitos dos pobres, por um mundo mais fraterno e mais
cristão.
♦ A nossa religião, sem a escuta atenta e comprometida da
Palavra de Deus, pode
facilmente tornar-se o mero cumprimento de ritos, a
fidelidade a certas práticas de
piedade, uma tradição que herdamos e na qual nos
instalamos, uma prática que
torna mais fácil a nossa inserção num determinado meio
social, uma alienação que
nos faz esquecer certos dramas da nossa vida… É a Palavra
de Deus que,
propondo-nos uma escuta contínua de Deus e dos seus
projetos e um
compromisso continuamente renovado com a construção do
mundo, dá sentido a
toda a nossa experiência religiosa, transformando-a numa
verdadeira experiência
de vida nova, de vida autêntica.
ALELUIA – Tg 1,18
Aleluia. Aleluia.
Deus Pai nos gerou pela palavra da verdade,
para sermos como primícias das suas criaturas.
EVANGELHO – Mc 7,1-8.14-15.21-23
Naquele tempo,
reuniu-se à volta de Jesus
um grupo de fariseus e alguns escribas
que tinham vindo de Jerusalém.
Viram que alguns dos discípulos de Jesus
comiam com as mãos impuras, isto é, sem as lavar.
– Na verdade, os fariseus e os judeus em geral
não comem sem terem lavado cuidadosamente as mãos,
conforme a tradição dos antigos.
Ao voltarem da praça pública,
não comem sem antes se terem lavado.
E seguem muitos outros costumes
a que se prenderam por tradição,
como lavar os copos, os jarros e as vasilhas de cobre –.
Os fariseus e os escribas perguntaram a Jesus:
«Porque não seguem os teus discípulos a tradição dos
antigos,
e comem sem lavar as mãos?»
Jesus respondeu-lhes:
«Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas,
como está escrito:
‘Este povo honra-Me com os lábios,
mas o seu coração está longe de Mim.
É vão o culto que Me prestam,
e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos
humanos’.
Vós deixais de lado o mandamento de Deus,
para vos prenderdes à tradição dos homens».
Depois, Jesus chamou de novo a Si a multidão
e começou a dizer-lhe:
«Ouvi-Me e procurai compreender.
Não há nada fora do homem
que ao entrar nele o possa tornar impuro.
O que sai do homem é que o torna impuro;
porque do interior dos homens é que saem os maus
pensamentos:
imoralidades, roubos, assassínios,
adultérios, cobiças, injustiças,
fraudes, devassidão, inveja,
difamação, orgulho, insensatez.
Todos estes vícios saem lá de dentro
e tornam o homem impuro».
AMBIENTE
Na primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc
1,14-8,30), o autor apresenta
Jesus como o Messias que proclama o Reino de Deus.
Deslocando-se por toda a
Galileia, Jesus anuncia a Boa Nova do Reino de Deus com as
suas palavras e os seus
gestos, propondo um mundo novo de vida, de liberdade, de
fraternidade para todos os
homens. A sua proposta provoca as reações e as respostas
mais diversas nos
líderes judaicos, no povo e nos próprios discípulos.
A cena que nos é hoje proposta no Evangelho mostra-nos,
precisamente, a reação
dos fariseus e dos doutores da Lei à ação de Jesus. Pouco
antes, Jesus tinha
realizado a multiplicação dos pães e dos peixes (cf. Mc
6,34-44), propondo, com o seu
gesto, um mundo novo de fraternidade, de serviço e de
partilha (o “Reino de Deus”); e
os líderes judaicos, sem coragem para enfrentar-se
diretamente com Jesus e para
pôr em causa a sua proposta, escolhem os discípulos como
alvo das suas críticas…
Naturalmente esses fariseus, fanáticos da Lei, vão
questionar os discípulos de Jesus
acerca da forma deficiente como eles cumprem a “tradição
dos antigos”.
Para os fariseus, a “tradição dos antigos” não se cingia às
normas escritas contidas na
Lei (Torah), mas abrangia um imenso conjunto de leis orais
onde apareciam as
decisões e as sentenças dos rabis acerca dos mais diversos
temas. Na época de
Jesus, essa “tradição dos antigos” constava de 613 leis
(tantas quantas as letras do
Decálogo dado a Moisés no Monte Sinai), das quais 248 eram
preceitos de formulação
positiva e 365 eram preceitos de formulação negativa. Essas
leis – que o Povo tinha
dificuldade em conhecer na sua totalidade e que tinha,
ainda mais, dificuldade em
praticar – eram, para os fariseus, o caminho para tornar
Israel um Povo santo e para
apressar a vinda libertadora do Messias. Vai ser, precisamente,
à volta desta temática
que se vai centrar a polemica entre Jesus e os fariseus que
o Evangelho de hoje nos
relata.
Quando Marcos escreveu o seu Evangelho (durante a década de
60), a questão do
cumprimento da Lei judaica ainda era uma questão “quente”.
Para os cristãos vindos
do judaísmo, a fé em Jesus devia ser complementada com o
cumprimento rigoroso
das leis judaicas… No entanto, a imposição dos costumes
judaicos levaria,
certamente, ao afastamento dos cristãos vindos do
paganismo. A questão que era
preciso equacionar era a seguinte: o cumprimento da Lei de
Moisés era importante,
para a comunidade cristã? Para que o Reino que Jesus propôs
se concretizasse, era
necessário o cumprimento integral da Lei judaica? O
Concílio de Jerusalém (por volta
do ano 49) já havia dado uma primeira resposta à questão:
para os cristãos, o
fundamental é a pessoa de Jesus e o seu Evangelho; não é
lícito impor aos cristãos
vindos do paganismo o fardo da Lei de Moisés. No entanto, o
problema continuou a
colocar-se durante algumas décadas mais, nomeadamente a
propósito dos tabus
alimentares hebraicos e que os cristãos vindos do judaísmo
pretendiam impor a toda a
Igreja (cf. Rom 14,1-15,6).
É, provavelmente, a esta temática que o evangelista Marcos
quer responder.
MENSAGEM
Os povos antigos, em geral, e os judeus, em particular,
sentiam um grande
desconforto quando tinham de lidar com certas realidades
desconhecidas e
misteriosas (quase sempre ligadas à vida e à morte) que não
podiam controlar nem
dominar. Criaram, então, um conjunto abundante de regras
que interditavam o
contacto com essas realidades (por exemplo, os cadáveres, o
sangue, a lepra, etc.) ou
que, pelo menos, regulamentavam a forma de lidar com elas,
de forma a torná-las
inofensivas. No contexto judaico, quem infringia – mesmo
involuntariamente – essas
regras colocava-se a si próprio numa situação de
marginalidade e de indignidade que
o impedia de se aproximar do mundo divino (o culto, o
Templo) e de integrar a
comunidade do Povo santo de Deus. Dizia-se então que a
pessoa ficava “impura”.
Para readquirir o estado de “pureza” e poder reintegrar a
comunidade do Povo santo,
o crente necessitava de realizar um rito de “purificação”,
cuidadosamente estipulado
na “Lei”.
Na época de Jesus, as regras da “pureza” tinham sido
absurdamente ampliadas pelos
doutores da Lei. Na opinião dos rabis de Israel, existia
uma lista imensa de coisas que
tornavam o homem “impuro” e que o afastavam da comunidade
do Povo santo de
Deus. Daí a obsessão com os rituais de “purificação”, que
deviam ser cumpridos a
cada passo da vida diária.
Um desses ritos consistia na lavagem das mãos antes das
refeições. Na sua origem
está, provavelmente, a universalização do preceito que
mandava os sacerdotes
lavarem os pés e as mãos, antes de se aproximarem do altar
para o exercício do culto
(cf. Ex 30,17-21). Na perspectiva dos doutores da Lei, a
purificação das mãos antes
das refeições não era uma questão de higiene, mas uma
questão religiosa… Em cada
momento o crente corria o risco, mesmo sem o saber, de
tropeçar com uma realidade
impura e de lhe tocar; para evitar que a “impureza” (que
lhe ficara agarrada às mãos)
se introduzisse, juntamente com os alimentos, no corpo
exigia-se a lavagem das mãos
antes das refeições.
Na Galiléia, terra em permanente contacto com o mundo pagão
e onde as normas de
“pureza” não eram tão rígidas como em Jerusalém, não se
dava demasiada
importância ao ritual de lavar as mãos antes das refeições
para evitar a ingestão da
“impureza”. Os fariseus vindos de Jerusalém, testemunhando
como os discípulos
comiam sem realizar o gesto ritual de purificação das mãos,
ficaram escandalizados e
referiram o caso a Jesus. Provavelmente a história serviu
aos fariseus para sondar
Jesus e para averiguar a sua ortodoxia e o seu respeito
pela tradição dos antigos.
Para Jesus, a obsessão dos fariseus com os ritos externos
de purificação é sintoma de
uma grave deficiência quanto à forma de ver e de viver a
religião; por isso, Jesus
responde ao reparo dos fariseus com alguma dureza… Partindo
da Escritura (vers. 6-
8) e da análise da práxis dos judeus (vers. 9-13), Jesus
denuncia essa vivência
religiosa que aposta apenas na repetição de práticas
externas e formalistas, mas que
não se preocupa com a vontade de Deus (“este povo honra-Me
com os lábios, mas o
seu coração está longe de mim” – vers. 6) ou com o amor aos
irmãos. Trata-se de
uma religião vazia e estéril (“é vão o culto que me
prestam” – vers. 7), que não vem de
Deus mas foi inventada pelos homens (“as doutrinas que
ensinam não passam de
preceitos humanos” – vers. 7). Àqueles que apostam na
religião dos ritos estéreis,
Jesus chama “hipócritas” (vers. 6): interessa-lhes mais o
“parecer” do que o “ser”, a
materialidade do que a essência das coisas… Eles cumprem as
regras, mas não
amam; vestem com fingimento a máscara da religião, mas não
se preocupam
minimamente com a vontade de Deus. Esta religião é uma
mentira, uma hipocrisia,
ainda que se revista de ares muito santos e muito piedosos.
Depois, Jesus dirige-se à multidão e formula o princípio
decisivo da autêntica
moralidade: “não há nada fora do homem que ao entrar nele o
possa tornar impuro; o
que sai do homem é que o torna impuro” (vers. 15). Este
princípio geral, à primeira
vista enigmático e passível de várias interpretações, será
explicado mais à frente: “do
interior do homem é que saem os maus pensamentos:
imoralidades, roubos,
assassínios, adultérios, cobiças, injustiças, fraudes,
devassidão, inveja, difamação,
orgulho, insensatez. Todos estes vícios saem lá de dentro e
tornam o homem impuro”
(vers. 22-23). O dito de Jesus refere-se, naturalmente, a
dois “circuitos” diversos: o do
estômago (onde entram os alimentos que se ingerem) e o do
coração (de onde saem
os pensamentos, os sentimentos e as ações). Os alimentos
que entram no estômago
não são fonte de “impureza”; os pensamentos e as ações más
que saem do coração
do homem é que são fonte de “impureza”: afastam o homem de
Deus e da
comunidade do Povo santo.
Na antropologia judaica, o “coração” é o “interior do
homem” em sentido amplo; é aí
que está a sede dos sentimentos, dos desejos, dos
pensamentos, dos projetos e das
decisões do homem. É nesse “centro vital” de onde tudo
parte que é preciso atuar. A
verdadeira religião não passa, portanto, pelo cumprimento
de regras externas, que
regulam o que o homem come ou não come; mas passa por uma
autêntica conversão
do coração, que leve o homem a deixar a vida velha e a
transformar-se num Homem
Novo, que assume e que vive os valores do Reino. A
preocupação com as regras
externas de “pureza” é uma preocupação estéril, que não
toca com o essencial – o
coração do homem; pode até servir para distrair o crente do
essencial, dando-lhe uma
falsa segurança e uma falsa sensação de estar em regra com
Deus. A verdadeira
preocupação do crente deve ser moldar o seu coração, a fim
de que os seus
sentimentos, os seus desejos, os seus pensamentos, os seus
projetos, as suas
decisões se concretizem, no dia a dia, na escuta atenta dos
desafios de Deus e no
amor aos irmãos.
ATUALIZAÇÃO
♦ O que é que é decisivo na experiência religiosa? Será o
estrito cumprimento das
leis definidas pela Igreja? Serão as manifestações
exteriores de religiosidade que
definem quem é bom ou mau, santo ou pecador, amigo ou
inimigo de Deus?
♦ As “leis” têm o seu lugar numa experiência religiosa, enquanto
sinais indicadores
de um caminho a percorrer. No entanto, é preciso que o
crente tenha o
discernimento suficiente para dar à “lei” um valor justo,
vendo-a apenas como um
meio para chegar mais além no compromisso com Deus e com os
irmãos. A
finalidade da nossa experiência religiosa não é cumprir
leis, mas aprofundar a
nossa comunhão com Deus e com os outros homens sendo,
eventualmente,
ajudados nesse processo por “leis” que nos indicam o
caminho a seguir.
♦ Se fizermos das leis algo de absoluto, elas podem tornar-se
para nós um fim e não
um caminho. Nesse caso, as “leis” serão, em última análise,
uma forma de acalmar
a nossa consciência, de nos julgarmos em regra com Deus, de
sentirmos que
Deus nos deve algo porque nós cumprimos todas as regras
estabelecidas.
Tornamo-nos orgulhosos e auto-suficientes, pois sentimos
que somos nós que,
com o nosso esforço para estar em regra, conquistamos a
nossa salvação.
Deixamos de precisar de Deus, ou só precisamos d’Ele para
apreciar o nosso
esforço e para nos dar aquilo que julgamos ser uma “justa
recompensa”. O culto
que prestamos a Deus pode tornar-se, nesse caso, um
processo interesseiro de
compra e venda de favores e não uma manifestação do amor
que nos enche o
coração. A nossa religião será, nesse caso, uma mentira,
uma negociata, que
Deus não aprecia nem pode caucionar.
♦ De acordo com os ensinamentos de Jesus, não é muito
religioso ou muito cristão
quem aceita todas as “leis” propostas pela Igreja, ou quem
cumpre
escrupulosamente todos os ritos; mas é cristão verdadeiro
aquele que, no seu
coração, aderiu a Jesus e procura segui-l’O no caminho do
amor e da entrega, que
aceita integrar a comunidade dos discípulos, que acolhe com
gratidão os dons de
Deus, que celebra a fé em comunidade, que aceita fazer com
os irmãos uma
experiência de amor partilhado.
♦ É isso que Jesus quer dizer quando convida os seus
discípulos a não se
preocuparem com as leis e os ritos externos, mas a
preocuparem-se com o que
lhes sai do coração. É no interior do homem que se definem
os sentimentos, os
desejos, os pensamentos, as opções, os valores, as ações do
homem. É daí que
nascem os nossos gestos injustos, as discórdias e
violências que destroem a
relação, as tentativas de humilhar os irmãos, os rancores
que nos impedem de
perdoar e de aceitar os outros, as opções que nos fazem
escolher caminhos
errados e que nos escravizam a nós e àqueles que caminham
ao nosso lado… A
verdadeira religião passa por um processo de contínua
conversão, no sentido de
nos parecermos cada vez mais com Jesus e de acolhermos a
proposta de Homem
Novo que Ele nos veio fazer.
♦ É preciso mantermo-nos livres e críticos em relação às
“leis” que nos são
propostas, sejam elas leis civis ou religiosas... Elas
servem-nos e devem ser
consideradas se nos ajudarem a ser mais humanos, mais
fraternos, mais justos,
mais comprometidos, mais coerentes, mais “família de Deus”;
elas deixam de
servir se geram escravidão, dependência, injustiça,
opressão, marginalização,
divisão, morte. O processo de discernimento das “leis” boas
e más não pode,
contudo, ser um processo solitário; mas deve ser um
processo que fazemos, com
o Espírito Santo, na partilha comunitária, no confronto
fraterno com os irmãos,
numa procura coerente e interessada do melhor caminho para
chegarmos à vida
plena e verdadeira.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 21º DOMINGO DO TEMPO
COMUM
Ao longo dos dias da semana anterior ao 21º Domingo do
Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la
pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a
meditação comunitária da
Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num
grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar,
sobretudo, a semana para viver
em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Só Deus pode ver o coração, enquanto os homens, esses, vêem
as aparências. É,
pois, com toda a confiança filial que podemos deixar Deus
olhar-nos. Mas isso é
exigente para nós, porque todas as nossas palavras e todos
os nossos gestos devem
estar em harmonia com o que o nosso coração quer exprimir.
As nossas palavras e
orações devem ser a expressão do nosso amor filial e
fraternal. A lei de Deus está
inscrita no nosso coração, conhecemos a sua vontade,
sabemos muito bem o que Lhe
agrada: cabe a nós pormo-nos de acordo sobre os nossos
comportamentos e sobre
esta vontade de Deus. Aliás, falta-nos pedir-Lhe: “Que a
tua vontade seja feita!” Então,
talvez Deus dir-nos-á: “Honras-Me com os lábios, fazes a
minha vontade, mas o teu
coração está longe de Mim”.
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Os escribas e fariseus tinham enchido a Lei de Moisés com
tantas interpretações que
se acabou por sacralizá-la e torná-la intocável, sob o nome
de “tradições dos antigos”.
A lei tinha-se tornado, em todos os detalhes da vida quotidiana,
um fardo insuportável
denunciado pelo próprio Jesus. Assim, era contrário à
tradição dos antigos comer sem
ter lavado as mãos. Regra de higiene elementar, sem dúvida,
mas que se tinha
intitulado de “purificação”. Não se submeter a essa regra
era tornar-se impuro aos
olhos de Deus! O que faziam precisamente alguns discípulos
de Jesus. Jesus
aproveita para dar uma lição de moral… A palavra de Jesus
tem todo o seu valor e
vigor. Quantas interpretações dadas em Igreja, ao longo dos
séculos, que acabamos
por identificar com a Palavra de Deus! Multiplicaram-se
leis, obrigações e proibições,
dizendo: “É a tradição!” Nem pensar em mudar uma vírgula
das regras litúrgicas ou
morais! É, sem dúvida, uma atitude tranquilizadora, mas
esconde muitas vezes medos
e inseguranças. É a mesma reação que a dos escribas e dos
fariseus! Ora, não é
protegendo a nossa fé com uma carapaça de leis que a
tornamos mais sólida, mas por
uma escuta sem cessar nova daquilo que “o Espírito diz às
Igrejas”. Mas é verdade
que o Espírito Santo sempre teve tendência para mexer com
os homens e provocá-los, para fazê-los avançar para o grande largo! O Espírito
de Jesus quer construir-nos
como seres vivos, com uma coluna vertebral interior e não
com uma carapaça exterior,
para que possamos manter-nos de pé, como ressuscitados!
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Ter um objetivo… Não fiquemos pelas boas intenções… Não
tenhamos demasiadas
ambições… Cristo não nos pede grandes façanhas, Ele prefere
a sinceridade do
coração e a vontade de servir o nosso próximo. Vale mais
ter um objetivo razoável
(visitar determinada pessoa que está só, ajudar outra nas
suas preocupações
materiais) e tudo fazer para o atingir.
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