MARIOLOGIA
Falar de Maria é sempre uma alegria para os seguidores de
Jesus, mas também é um desafio. Alegria porque compreendemos o papel único
desta mulher na História da Salvação. Um desafio porque sabemos que ao longo da
história da Igreja a compreensão deste papel passou por muitas vicissitudes.
Dentro da Igreja Católica
tivemos um período de maximalismo mariano (1830-1950) que gerou depois um
minimalismo mariano (1960-1974) revertido a partir da Marialis Cultus do papa Paulo VI. Hoje, após o Vaticano
II, há uma tendência a um equilíbrio maior, mais seriedade e profundidade no
estudo da mariologia. Assim podemos afirmar que a mariologia, bem longe de
estar no fim ou de ter alcançado sua meta, encontra-se em um período de
renascimento, com tarefas que envolvem compromissos e novas metas:
“Maria reaparece no
horizonte eclesial como aurora pela sua natureza ligada ao Sol de justiça e
como portadora de vida e de esperança”.[1]
Os bispos em Puebla
colocaram com muita propriedade a figura de Maria relacionada a Cristo e sua
obra redentora: “Deus se fez carne por meio de Maria, começou a fazer parte de
um povo, constituiu o centro da história. Ela é o ponto de encontro entre o céu
e a terra. Sem Maria desencarna-se o Evangelho, desfigura-se e transforma-se em
ideologia, em racionalismo espiritualista”.[2] Aqui é colocada de maneira muito concisa a importância de
Maria na História da Salvação: escolhida por Deus para ser o ponto de encontro entre o céu e a terra, o elo de
ligação é Cristo. Mesmo nos primeiros séculos da Igreja, o significado
simbólico de Maria começara a ultrapassar em muito o conhecimento histórico.[3]
É necessário considerar que
a ligação de Maria com Cristo a liga também à Igreja, esta é uma união
inseparável, assim como são inseparáveis Reino, Cristo e Igreja.[4] Um dos teólogos mais conhecidos do século XX, vai se
exprimir de forma concisa, mas profunda, a respeito da importância de Maria:
“Se Cristo fosse artificialmente separado de sua mãe e da Igreja, perderia na
piedade cristã a sua possibilidade de ser captado e compreendido
historicamente, tornando-se algo abstrato, um aerólito caído do céu para a ele
voltar logo depois, sem introduzir suas raízes na tradição passada e futura dos
homens”.[5]
O testemunho da Escritura
sobre Maria é suficiente para dimensionarmos sua grandeza. Os Evangelhos falam
o suficiente sobre Maria, não pretendem satisfazer nossa curiosidade sobre ela,
mas nos dão a chave para entender e acolher o segredo de sua pessoa.[6] Os Evangelhos nos apresentam Maria num crescendo, à medida
que a comunidade vai se desenvolvendo e se aprofundando no conhecimento de
Jesus, vai descobrindo o papel de Maria. Assim o Evangelho de Marcos começa por
registrar que Jesus é filho de Maria, Lucas e Mateus ressaltam a escolha que
Deus fez de Maria, sua fé, sua virgindade e maternidade e, por fim, João
coloca-a no início da vida pública de Jesus em Caná, e no final no Calvário.
Os Evangelhos deixam patente
que no centro do mistério da encarnação está Jesus, mas Maria também faz parte
deste centro. Escreve o papa João Paulo II: “No centro deste mistério, no mais
vivo dessa admiração de fé, está Maria. Santa Mãe do Redentor, ela foi a primeira
a experimentá-la”.[7] Alude à admiração da criação por ter Maria, criatura,
gerado o Criador.
1ª PARTE–FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA
O PRIMEIRO ANÚNCIO DA BOA NOVA – Gn 3,15
O
Antigo Testamento não fala explicitamente sobre Maria Santíssima. Alguns de
seus textos, porém ao tratar do Messias, referem-se à Mãe do Messias. Tais são
as passagens de Gn 3,15 (o primeiro anuncio da Boa Nova), Is 7,14 (a Profecia
do Emanuel), Mq 5,1-2 (a referência à parturiente).
Outros
textos do Antigo Testamento são vistos pela Tradição como ecos antecipados do
papel que Maria desempenhou na História da Salvação.
Gn
18, 10 -15 – Isaque nasceu de mãe estéril.
Gn
25, 21 – Esaú e Jacó nascerem de mãe estéril.
Gn
30, 22-24 – José nasceu de mãe estéril.
Jz
13, 1-24 – Sansão igualmente.
1
Sm 1, 1-28 – Samuel igualmente.
Também
as grandes mulheres do Antigo Testamento, como Judite e Ester, são tidas como
figuras de Maria Santíssima.
O
Protoevangelho (Gn 3,15)
Depois
do pecado, o Senhor não quis abandonar os primeiros pais, mas logo lhes fez a
promessa de restauração da aliança violada, anunciando-lhes pela primeira vez,
e de maneira ainda pouco distinta, a vitória do Salvador sobre o Tentador e o
pecado.
Gn
3,15 “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a
descendência da mulher. E ela (a descendência da mulher) te atingirá a cabeça.
E tu lhe atingirás o calcanhar”.
Quem
é essa mulher? E qual a sua descendência?
No
texto de Gn só há uma mulher: aquela que com Adão pecou. Em conseqüência, o
texto tomado ao pé da letra – como um judeu o entendia e entende, se refere a
Eva. Quanto à descendência da mulher, seriam todos os homens e mulheres fiéis a
Deus através dos tempos.
Deverão
travar batalha contra o Sedutor e seus seguidores, cabendo a vitória final à
linhagem dos bons. – Tal o sentido estritamente literal do texto bíblico ou
aquilo que se deduz de uma primeira leitura do mesmo.
A
Hermenêutica (explicar a Bíblia pela Bíblia) bíblica reconhece, em alguns
casos, além do sentido literal estrito, o sentido literal pleno.
É preciso não esquecer que a Bíblia, tendo Deus como autor principal e supremo,
deve ser considerada como um só discurso ou uma só mensagem que se vai
explicando aos poucos: daí a necessidade de se compararem os textos bíblicos
entre si; os mais antigos prenunciam os mais recentes e os mais recentes
ilustra, e revelam plenamente o sentido dos mais antigos.
Aplicando
este princípio Gn 3,15, pode-se dizer que o descendente da mulher que
concretamente pisou na cabeça da Serpente ou do Tentador, foi o Messias Jesus.
E a mãe desse Senhor vitorioso foi Maria Santíssima. Por conseguinte, o sentido
literal pleno (ou o sentido que decorre da letra plenamente entendida) aponta
Maria e Jesus Cristo como os protagonistas da luta decisiva contra a serpente.
Com palavras: a Eva (= Mãe da vida, em hebraico) de Gn 3,15 inicia uma tarefa
que só foi realizada plenamente em Maria, pois o texto sagrado nos diz que Eva
foi pecadora ou esteve sob o domínio da Serpente; ao contrário, Maria
Santíssima foi “cheia de graça” e nunca se dobrou sob o jugo do Maligno; ao
contrário colaborou para a vitória sobre ela.
Com
outras palavras: assim como Gn 3, 2-7 apresenta a mulher (Eva) envolvida com o
Tentador e o pecado para a ruína do gênero humano, assim Gn 3,15 apresenta a
mulher (Eva feita Mãe da vida por excelência ou Eva plenamente realizada em
Maria) inteiramente associada ao Messias
na obra da Redenção do gênero humano. Assim a mulher (Eva, Mãe da Vida), que
introduziu o pecado no mundo, será também introdutora da Salvação ou do
Salvador no mundo. O papel de Eva é recapitulado por Maria.
Em
conseqüência, pode-se dizer que na profecia de Gn 3,15 está contido, de modo
ainda pálido, o núcleo de toda a Mariologia, ou seja, é apresentado o nexo
estrito que existe entre o Redentor (= o 2º Adão) e sua Mãe (= a 2ª Eva ou a
Mãe da Vida por excelência).
O
texto de Gn 3,15 é retomado em Ap 12: a Mulher e o Dragão (= a Serpente antiga)
retornam como protagonista de um duelo entre o bem e o mal que perpassa toda a
história da Salvação, tocando a vitória final à linhagem da Mulher.
O
texto de Gn 3,15 ressoa também em Jo 2,4 e Jo19,26, passagem em que Jesus dá a Sua Mãe o
apelativo de Mulher, alusivo ao protoevangelho.
Tradição
O Antigo
Testamento há de ser considerado à luz do Novo Testamento, e vice-versa, pois
constituem um só discurso de Deus aos homens. Acrescentamos que a Escritura
Sagrada como tal há de ser relida à luz da Palavra Viva que a antecede e a
acompanha. Com efeito, a Revelação de Deus aos homens foi feita primeiramente
por via oral e só posteriormente foi escrita. Por isto a leitura católica da
Bíblia sempre leva em consideração o entendimento que aos antigos intérpretes
davam ao texto sagrado.
Ora
o paralelismo entre Eva e Maria ocorre já no século II, sob a pena de S.
Justino (+ 165).
“Entendemos
que se fez homem por meio da Virgem, de sorte a extinguir a desobediência,
oriunda da Serpente, por ali mesmo onde haveria começado. Eva era Virgem e
incorrupta (Eva era virgem ao pecar, porque só depois do pecado teve relações
com Adão, conforme Gn 4,1); concebendo a palavra da serpente, gerou a
descendência da morte. A Virgem Maria, porém, concebeu na fé e alegria quando o
anjo Gabriel lhe anunciou a boa nova de que o Espírito do Senhor viria sobre
ela; a Força do Altíssimo a cobriria com sua sombra, de modo que o Santo que
dela nasceria, seria o Filho de Deus... Da Virgem nasceu, pois, Jesus, de quem
falam tanto as Escrituras... aquele por quem Deus destrói a serpente”.
Note-se
o paralelismo: Eva é portadora da desobediência e da morte; Maria, ao
contrário, traz a fé e a alegria. Importante no texto é a observação: Deus quis
resolver o impasse oriundo do pecado mediante os elementos mesmos que
introduziram o pecado: o anjo (mau) falou à mulher infiel a Deus, o anjo
Gabriel falou à mulher fiel a Deus; no primeiro caso, a mulher colabora para a
morte; no segundo caso, a mulher (a nova Eva, a verdadeira Mãe da Vida)
colabora para a vida.
S.
Irineu (+202) desenvolve o paralelismo: Parte da concepção de que o plano
de Salvação não é simplesmente um conserto ou um reparo feito no projeto
violado por Adão no paraíso; mas é um recomeçar desde as origens; nesse
recomeçar cada qual dos elementos envolvidos na queda é chamado a desenvolver
um papel de “recapitulação” para apagar o pecado, Deus quis voltar às origens
do pecado e recomeçar a história com elementos correspondentes aos da queda:
assim Jesus Cristo é o novo ou segundo Adão (Rm 5,14; 1Cor 15,45-49); a cruz de
Cristo é a nova árvore do paraíso, e Maria é a nova Eva. Da mesma forma que Eva
se seduziu para desobedecer a Deus, Maria se deixou persuadir a obedecer a Deus
para ser ela – a Virgem Maria – a advogada de Eva, de sorte que o gênero
humano, submetido à morte por uma Virgem, fosse dela libertado por uma Virgem,
tornando-se contrabalançada a desobediência de uma Virgem pela obediência de
outra.
S.
Epifânio de Salamina (Chipre), (+403), se faz, de novo, arauto do
paralelismo:
“Eva trouxe ao gênero humano uma
causa de morte: por ela a morte entrou no mundo; Maria trouxe uma causa de
vida; por ela a vida se estendeu a nós. Foi por isso que o Filho de Deus veio a
este mundo: para que, onde abundou o pecado, superabundasse a graça. Onde a
morte havia chegado, aí chegou a vida, para tomar seu lugar; e aquele mesmo que
nasceu da mulher para ser nova vida, haveria de expulsar a morte, introduzida
pela mulher. Quando ainda virgem no paraíso, Eva desagradou a Deus por sua
desobediência. Por isto mesmo emanou da Virgem a obediência própria da graça,
depois que se anunciou o advento do Verbo revestido de corpo, o advento da
eterna Vida do céu”.
Conclusão
O título
de Nova Eva é o primeiro título com o qual Maria Santíssima é venerada pela
Tradição Cristã. É o título de maternidade – Mãe da Vida – em relação a Jesus,
o Messias. Esta prerrogativa foi a primeira a ser definida por um Concílio
Geral, ou seja, pelo Concílio de Éfeso em 431: Maria é Theotóhos, Mãe de Deus,
na medida em que Deus
se quis fazer homem. Deste título decorrem as demais prerrogativas de Maria
Santíssima.
Vê-se que
a consideração de Maria, desde as suas origens, tem caráter cristológica. Longe
de ser independente de Cristo, é suscitada pela definição da identidade de
Jesus Cristo. Assim a autêntica piedade Mariana está relacionada com a fé em Jesus Cristo.
A MÃE DO
MESSIAS (Is 7,14; Mq 5,1-2)
ISAIAS 7,14
Os
antecedentes deste versículo são os seguintes:
Em
930 deu-se o cisma de Israel, donde resultam o reino do Norte ou da Samaria e o
reino do Sul ou de Judá. Este é o da dinastia de Davi, que tem as promessas de
dar ao mundo o Messias, ao passo que o reino do norte é cismático.
Por
volta de 735 reinava em Judá
Acaz (736-716), filho de Joatão e, por conseguinte,
descendente de Davi. Ao Norte, o rei Facéia (737-732) da Samaria e o rei Rasin
da Síria se coligaram para derrubar o pesado jugo da Assíria; queriam ampliar e
fortalecer esta coligação, envolvendo nele o reino de Judá. Acaz, porém,
recusou-se a entrar na campanha. Em conseqüência, os dois reis do Norte
resolveram fazer-lhe a guerra; queriam depô-lo e colocar em seu lugar um
sucessor, filho de Tabael, de origem não davídica; vencendo Judá, os dois reis
abriram caminho para o Egito, um possível aliado, sempre disposto a combater os
mesopotâmicos – assírios e babilônios.
Ora
o exército da Síria e da Samaria invadiu Judá, obrigando Acaz a se recolher em
Jerusalém, ameaçada pelos adversários numa situação angustiante. Diz o texto
sagrado:
“Agitou-se
o coração de Acaz e o coração de seu povo, como se agitam as árvores do bosque
com o vento” (Is 7,2).
A
única saída para Acaz era pedir a intervenção do rei assírio Taglat-Falasar III
(745-727), que não tardaria a atender. Todavia a política de alianças com povos
estrangeiros era proibida a Judá, pois tais alianças acarretavam perigo de
contaminação religiosa para o povo messiânico; (2Rs 16,7-10: 2Cr 28,16-20).
Foi
então que Deus enviou o profeta Isaías ao rei Acaz, para lembrar-lhe a
“política da fé” ou a necessidade de confiar na Providência Divina: “Não temas
nem te acovardes... Se não credes, não subsistireis” (Is 7,4-9). A fé devia ser
o fundamento da existência do povo de Deus, este havia de se apoiar na palavra
de Deus.
Já
que o profeta exigia de Acaz uma atitude de fé muito intensa, ofereceu ao rei
um sinal, penhor da incolumidade do rei de Judá: “Pede para ti um sinal do
Senhor teu Deus nas profundezas do abismo ou no alto do céu” (Is 7,11).
Acaz
não era fiel ao Senhor; mandara imolar seu filho aos deuses, “fazendo-o passar
pelo fogo segundo os costumes abomináveis das nações que o Senhor expulsara de
adiante dos filhos de Israel” (2Rs 16,3). Por isto recusou hipocritamente o
sinal, como quem não quer tentar a Deus pedindo milagres; Is 7,12. Em
conseqüência o profeta, em nome de Deus propôs o sinal:
“Sabei
que o Senhor mesmo vos dará um sinal: Eis que a jovem concebeu e dará à luz um
filho, e por-lhe-á o nome de Emanuel” (Is 7,14).
O
anuncio é solene. Para entendê-lo, é preciso identificar quem seja esse Emanuel
e quem seja a jovem mãe do Emanuel.
Quem
é o Emanuel? Isaías tem em vista, mediata ou imediatamente, o Messias. Este,
sim, é a garantia de que a dinastia de Davi não será destronada; por causa do
Messias, prometido a Davi e à sua descendência. É que Acaz não será desapossado
da realeza; a casa de Acaz (que é casa da Davi) deverá permanecer incólume,
porque a ela foi prometido o Messias como descendente de Davi. Esta
interpretação é confirmada pela consideração, de Is 9, 5s onde aparece um
Menino-Messias, que tem predicados divinos:
“Um
menino nasceu para nós, um filho nos foi dado. Traz o cetro do principado e se
chama Conselheiro Admirável, Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz. O seu
glorioso principado e a paz não tem fim,
no trono de Davi e no seu reino, firmando-o e consolidado-o sobre o
direito e sobre
a justiça” Is 9, 5s).
O
título “Deus Forte” está reservado ao Senhor Javé em Is 45, 21: Dt 10,17; Jr
32,18; Ne 9,32.
E
quem é a mãe do Emanuel?
São
Mateus 1,23: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe dará o
nome de Emanuel”.
A
virgindade da mãe do Messias põe em revelo o caráter extraordinário do seu
parto. O filho dessa Virgem Mãe é especial dom de Deus aos homens, como a
salvação é dom de Deus. A Bíblia apresenta o caso de outras mulheres que deram
à luz em circunstâncias extraordinárias homens importantes da história da
salvação.
Isaías
garante a Acaz a incolumidade do seu trono prometendo o nascimento do Emanuel ou
do Messias, filho de mãe-virgem. É a
salvação a ser trazida em plenitude pelo Messias que assegura a salvação a Acaz
sete séculos antes do Messias; a grande bênção do Deus-conosco exerce ação
antecipada nos tempos de Acaz.
Para
entender bem o valor do sinal assim dado por Isaías, devemos ponderar o
seguinte: estamos acostumados a ver a história, como algo que se desdobra do
passado para o futuro; é uma sucessão de eventos que dependem de um evento
básico. No caso dos profetas, porém, requer-se outro modo de conceituar a
história; em vez de se desdobrar do passado para o futuro, ela tem seu ponto de
partida no futuro; ela depende do futuro e tem sua justificativa no futuro. Com
outras palavras: a história sagrada tem seu centro no Messias ou em Jesus Cristo e á a
partir deste que os eventos se sucedem e desenvolvem. Ainda: Davi é função de
Jesus Cristo, é explicado por Jesus Cristo, em vez de Jesus Cristo ser função
de Davi, explicável por Davi.
MIQUÉIAS 5,1-2
“E tu,
Belém Efratá, pequena demais para ser contada entre os clãs de Judá, de ti
sairá para mim aquele que deve governar Israel. Suas origens são de tempos
antigos, de dias imensuráveis. Por isto Deus os abandonará até o tempo em que
dará à luz aquela que deve dar à luz. Então o que houver restado de seus
irmãos, se reunirá aos filhos de Israel”.
A
própria tradição judaica, antes dos cristãos, viu nestes versículos uma
profecia messiânica a anunciar a vinda de um novo Davi, que governaria com
firmeza e segurança o povo de Deus. São Mateus dá a ver que tal profecia se
cumpriu por ocasião do nascimento de Jesus (Mt 2,6); os próprios sacerdotes e
escribas de Israel citaram Mq 5,1-2 para indicar o lugar em que o Messias
deveria nascer (Mt 2,4-6).
O
profeta supõe Israel humilhado por seus inimigos. A humilhação, porém, não é
definitiva. Na pequena cidade de Belém aquela que deve dar à luz um soberano,
cheio do poder de Javé, que dará inicio à paz messiânica. – Alguns traços
particulares são importantes:
a)
São Mateus, em vez de dizer: “Belém,... pequena demais...”, prefere dizer:
“Belém... não és o menor entre os clãs de Judá”. O Evangelista atribui aos
sacerdotes e escribas de Herodes um modo de ler que exalta a cidade do
Messias.
b)
As origens desse soberano são “de tempos antigos”. Há aqui uma referência aos
primórdios mais remotos da casa de Davi, de acordo com a genealogia de Rt
4,18-22. Mas pode-se ver aí também uma alusão à origem transcendental ou divina
desse Rei.
c) Chama a
atenção a construção da frase de Miquéias: em vez de dizer simplesmente que
virá o Grande Rei, o profeta escreve:
“... Até o momento em que dará à luz aquela que deve dar à luz”. Por que
essa referência especial à Mãe do Rei-Messias? Essa Mãe já era conhecida dos
contemporâneos de Miquéias através da pregação de Isaías; eis por que ela
estaria em primeiro plano no vasto quadro da profecia messiânica, segundo
Miquéias.
d)
Para se entender o nexo existente entre o Rei Messias e sua Mãe, convém lembrar
que a rainha-mãe gozava de especial veneração nas cortes do Oriente antigo: na
Assíria, na Babilônia, na Fenícia, no Egito... No Antigo Testamento a
rainha-mãe era chamada gebirah, isto é, mãe do Senhor ou Grande Dama;
(1Rs 15,13; 2Rs 10,13; Jr 13, 18; Jr 29,2).
O nome da rainha-mãe é freqüentemente mencionado pelo autor dos livros
dos Reis.
Percebe-se
claramente a eminente posição da rainha-mãe, comparando entre si 1Rs
1,16-17 e 1Rs 2,19; no caso, a esposa de Davi,
Betsabéia, vai pedir ao rei em favor de seu filho Salomão, ajoelhando-se diante
do rei; no segundo caso o rei Salomão recebe a visita de sua mãe Betsabéia,
ergue-se para ir ao seu encontro, prostrando-se diante dela e manda que ela se
sente à direita do rei.
Estes
dados explicam que à expectativa do futuro Rei messiânico em Israel estivesse
associado à figura honrosa da Mãe do Messias, como em Is 7,14 e Mq 5,1-2. A referência à venerável
Mãe do Messias em ambos os casos está de acordo com os costumes das cortes
orientais.
Conclusões
De
quanto foi dito, pode-se deduzir as seguintes conclusões:
A esperança
fundamental do Antigo Testamento é a do Messias. Por isto Maria Santíssima é aí
esboçada estritamente como mãe do Messias. A Mariologia é em função da
Cristologia.
A
prerrogativa principal de Maria é a maternidade messiânica.
Isaías
parece anunciar de algum modo o caráter virginal dessa maternidade. Não é o
homem quem, por sua capacidade gera a salvação.
A
Mãe do Messias não toca apenas a função de parturiente. Cabe-lhe também
cooperar de algum modo na obra da salvação humana. E isto, a três títulos:
1)
Em Gn 3,15 não se espera apenas a vitória do Messias, mas é lógico atribuir à
nova Eva ou Eva plenamente realizada um papel de resgate da primeira Eva.
2)
Não raro no Antigo Testamento compete às mulheres uma função salvífica (ver
Judite, Ester...).
3)
As cortes do Antigo Oriente atribuíam à rainha-mãe um papel privilegiado.
Não
se pode esperar encontrar no Antigo Testamento um quadro mariológico muito
nítido. Importa, porém, verificar que as profecias messiânicas mais antigas já
delineiam alguns traços de Maria, concebida como Mãe do Salvador.
OUTROS
TEXTOS DO ANTIGO TESTAMENTO
A ESPOSA
DO CÂNTICO DOS CÂNTICOS
Este
é um livro de interpretação difícil. Os comentadores sugerem diversos modos de
entender. O mais verossímil afirma que o Cântico apresenta o amor entre um
jovem e uma jovem, desde o início do namoro até o contrato matrimonial, como
tipo ou figura do amor do Senhor Deus pela Filha de Sion; esta é tida pelos
Profetas como Esposa de Javé; Is 54,1-8; Is 62,4-5. Ora a Esposa
de Javé no
Novo Testamento é a Igreja 2Cor 11,2; Ef 5,25-29, da qual
Maria é a miniatura; em Maria a Igreja vê seu protótipo e considera o estado
final que tocará a todos os justos. A alma de Maria Santíssima, cheia de graça,
está unida ao Senhor Deus mais do que qualquer criatura. Daí poderem ser-lhe
aplicados os dizeres que o autor do Cântico dirige à esposa neste livro. Maria
sereia a esposa em sentido pleno.
A SABEDORIA
PERSONIFICADA
Os
livros dos Profetas e do Eclesiástico personificam a Sabedoria. Dir-se-ia que
os respectivos autores não a conceberam como simples atributo de Deus, mas como
pessoas que assistiu a Deus na obra da criação. Tenham-se em vista Pr 8, 22-31 e Eclo
24, 3-21.
A
liturgia aplica estes textos a Maria Santíssima, como se fosse ela a Dama que
fala ou que é apresentada nos textos citados.
Os
cristãos, autores do Novo Testamento (1Cor 1,24; Hb 1,3), desenvolveram os
textos sapienciais antigos, vendo neles uma alusão à segunda Pessoa da
Santíssima Trindade; uma vez revelada a existência de um só Deus em três Pessoas , a
releitura cristã do Antigo Testamento descobriu aí insinuações do Verbo de
Deus. – Ora Maria Santíssima foi a sede ou o tabernáculo da Sabedoria do Pai na
qualidade de Mãe do verbo feito homem. Além disto, ela foi a obra-prima da
Sabedoria Divina. Em conseqüência deste último relacionamento com a Sabedoria,
os predicados podem ser “adaptados” a Maria.
OUTROS TEXTOS
É comum na
Liturgia das festas de Nossa Senhora rezarem-se os “Salmos de Sion” ou salmos
que louvam a cidade de Jerusalém (Sl 43.48.86). A razão deste uso é que a
cidade santa é considerada mãe do povo israelita ou mesmo mãe de todos os povos
(São Paulo fala de Jerusalém celeste, que é nossa mãe em Gl 4,26). Aliás, o
livro do Apocalipse funde entre si os conceitos de Esposa, Mãe e Cidade.
“Vi
descer do céu, de junto de Deus, a Cidade Santa, uma Jerusalém nova, pronta
como esposa que se enfeitou para o seu esposo” (Ap 21,2).
“Um
dos sete anjos... disse-me: Vem! Vou mostrar-te a Esposa, a mulher do Cordeiro!
– Ele então me arrebatou em espírito sobre um grande e alto monte, e mostrou-me
a Cidade Santa, Jerusalém, que descia do céu, de junto de Deus” (Ap 21, 9-10).
Ora,
a Mãe de Deus e Mãe dos homens tem a finidade com a Jerusalém celeste, esposa e
mãe, segundo a linguagem bíblica. Daí aplicarem-se a Maria os louvores que
tocam a Jerusalém, segundo a praxe litúrgica católica.
Merecem
registro ainda duas grandes mulheres do Antigo Testamento, que desempenharam um
papel importante há história da salvação do seu povo: Judite e Éster, a cada
qual é dedicada um livro do Cânon católico.
Judite
é viúva, figura desprotegida e fraca do ponto de vista humano, que fortalecida
pela oração e o jejum, realiza extraordinária façanha; matou um general Holofenes,
que se fazia de grande “deus”. O procedimento de Judite foi lícito, dado que
estava em situação de guerra; o do Holofemes é que foi falho, visto que se
deixou obcecar pela beleza da mulher espiã. A Virgem Santíssima, na Liturgia,
são aplicados os louvores tributados pelo povo a Judite:
“Tu
és a glória de Jerusalém! Tu és o supremo orgulho de Israel! Tu és a grande
honra do nosso povo!. Abençoada sejas tu pelo Senhor na sucessão dos tempos!”
(Jt 15,9-10).
Quanto
a Éster, aparece também como figura frágil, pois é israelita na corte do rei
Assuero, da Pérsia. Todavia, fortalecida pelo Senhor Deus, sabe encaminhar os
acontecimentos de modo a livrar seu povo do grave perigo de extermínio
planejado pelo Primeiro Ministro Amã; foi a grande intercessora junto ao rei em
prol da sua gente. Ora Maria é a intercessora por excelência em favor dos
homens; a história refere vários casos em que a oração de Maria Santíssima,
solícita pelos fiéis, obteve de Deus a salvação; um dos episódios mais famosos
é o da batalha naval de Lepanto, travada em 1571 pelas forças de Veneza e
Espanha contra os turcos maometanos; estes ameaçavam invadir o Ocidente
cristão; o Papa S. Pio V (1566-72), tendo pedido a intercessão de Maira
Santíssima, nessa ocasião, houve por bem instituir a festa do Santo Rosário aos
7 de outubro de cada ano para enfatizar e agradecer a intercessão da Virgem
Santíssima.
As
duas mulheres – Judite e Éster – lembram que é Deus quem salva os homens como
Ele quer, servindo-se dos instrumentos mais precários aos olhos humanos. É este
um traço constante da história da salvação, que São Paulo experimentou muito
vivamente a ponto de dizer: “Eu me comprazo nas fraquezas, nos opróbios, nas
necessidades, nas perseguições, nas angústias por causa de Cristo. Pois, quando
sou fraco, então é que sou forte” 2 Cor 12,10. Ora Maria foi certamente a
humilde serva do Senhor, que a Providência Divina quis elevar à categoria de
nova Eva, intimamente associada à obra de salvação do gênero humano.
JUDITE
“Está
escrito que Judite voltou, depois de ter arriscado a vida, o sumo sacerdote a
abençoou dizendo: Tu és bendita do Senhor, Deus Altíssimo, minha filha entre
todas as mulheres da terra, jamais os homens cessarão o teu louvor” Jt 13,
18-19. Nós dirigimos a Maria as mesmas palavras: “Bendita és tu entre as
mulheres! A coragem que tiveste jamais desaparecerá do coração e da lembrança
da Igreja”. (Ramiro Cantalamessa).
A FILHA DE SIÃO
“As
palavras de Jesus às vezes descrevem algo já presente, às vezes, criam e mandam
existir o que exprimem. A esta segunda ordem pertencem as palavras de Jesus
dirigidas a Maria e a João no momento da morte. Dizendo: “Isto é o meu
corpo”... Jesus transformou o pão em seu corpo; assim também, com as devidas
proporções, dizendo: “Eis aí a tua mãe, e Eis aí o teu Filho”, Jesus constitui
Maria mãe de João e João filho de Maria. Jesus não apenas proclamou a nova
maternidade de Maria, mas a instituiu. Esta, pois, não vem de Maria, mas da
Palavra de Deus; não se baseia no mérito, mas na graça.
Debaixo da
cruz, Maria mostra-se, pois, como a filha de Sião que, depois do luto e da
perda dos seus filhos, recebe de Deus novos filhos, mais numerosos que antes,
não segundo a carne, mas segundo o Espírito. Um salmo que a Liturgia aplica a
Maria, diz: “Tiro, Filistéia e até mesmo a Etiópia: estes ali nasceram. Mas de
Sião se há de dizer: “Estes e aqueles nela nasceram...”. O Senhor há de apontar
no registro dos povos: “Este nela nasceu”. (Sl 86, 4-6). É verdade: todos
nasceram lá!. Dir-se-á também de Maria, a nova Sião: estes e aqueles dela
nasceram. De mim, de ti, de cada um, também daquele que ainda não o sabe, no
livro de Deus está escrito: “Este ali nasceu”.
Mas, por
acaso, não ‘nascemos da Palavra de Deus viva e eterna’ (1Pd 1,23)? Não nascemos de Deus, (Jo 1,13), renascidos
‘d’água e do Espírito’ (Jo 3,5)? É a pura verdade, mas isso não impede que, num
sentido diferente, subordinado e instrumental, tenhamos nascidos também da fé e
do sofrimento de Maria. Se Paulo, que é um servo e um apóstolo de Cristo, pode
dizer aos seus fiéis: Fui eu que vos gerei em Cristo Jesus , por
meio do Evangelho (1Cor 4,15), quanto mais pode dizê-lo Maria, que é a mãe de
Cristo! Quem mais do que ela pode fazer suas palavras do
Apóstolo: Filhinhos meus, por quem de novo sinto as dores do parto (Gl 4,19)?
Ela nos gera ‘de novo’ debaixo da cruz, porque já nos gerou uma primeira vez,
não na dor, mas na alegria, quando deu ao mundo a Palavra viva e eterna que é
Cristo, na qual fomos regenerados.
As
promessas de Deus não se referem a puras abstrações, nem a cidades ou muralhas.
Referem-se as pessoas concretas, das quais todas aquelas coisas são símbolos e
imagens. E, se se referem a pessoas concretas, a quem se referem aquelas
palavras do salmo, em que se realizam de maneira mais clara do que em Maria, a
humilde filha de Sião, início também cronológico daquele ‘resto’, ao qual
pertencem as promessas (Rm 11,5-8)?
Confiantes
nas potencialidades e riquezas inesgotáveis da Palavra de Deus, que vão muito
além dos esquemas exegéticos, aplicamos a Maria o canto de Sião reconstruído
depois do exílio que, cheia de admiração olhando para os seus novos filhos,
exclama: “Quem me gerou estes filhos? Eu não tinha filhos, era estéril, quem os criou?” (Is 49,21).
Não se
trata de uma aplicação subjetiva, mas objetiva; isto é, não se baseia no fato
de Maria ter ou não pensado, naquele momento, nestas palavras – de fato, é mais
provável que não -, mas no fato destas palavras, por disposição divina,
objetivando terem se realizado nela. Isto se descobre por uma leitura
espiritual da Escritura, feita com a Igreja e na Igreja. E como sai perdendo
quem se coloca na impossibilidade de jamais a poder fazer! Perde o Espírito, e
contenta-se com a letra. A moderna ciência da interpretação formulou um
princípio interessante: afirma que para entender um texto não podemos
prescindir do resultado por ele produzido, da ressonância que teve na história.
Isto vale ainda mais para os textos da Sagrada Escritura; estes não se
entendem, em todo o seu conteúdo e virtualidade, se não a partir da história do
que produziram em Israel e depois na Igreja; a partir da vida e da luz que
deles brotam. Isto vale sobre tudo para palavras com as que estamos examinado.
Esta ‘história das realizações’ é o que a Igreja chama de Tradição.
A INFANCIA
DE JESUS LC 1-2
O
evangelista Lucas narra os traços da infância de Jesus, pondo a Virgem Maria em
primeiro plano, ao passo que Mateus 1-2 coloca José em relevo. Todavia
tanto Lucas como Mateus têm em vista realçar o plano de Deus, apresentando os
personagens como protagonistas da história acompanhada pela Providência Divina.
A estrutura de Lc
1-2
Pode-se
dizer que o Evangelho da Infância em Lc 1-2 compreende dois quadros compostos
de duas cenas: o quadro dos anúncios (Lc 1,5-56), e o dos nascimentos (Lc
1,57-2,52).
O quadro dos anúncios
Anúncio do
nascimento de João Batista (Lc 1,5-25)
Anúncio do
nascimento de Jesus (Lc 1,26-38)
Episódio
complementar: a Visitação (Lc 1,39-56)
O quadro dos nascimentos
Nascimento
de João Batista (Lc 1,57)
Circuncisão
e manifestação de João Batista (Lc 1, 58-80)
Nascimento
de Jesus (Lc 2, 1-20)
Circuncisão
e manifestação de Jesus (Lc 2, 21-39)
Jesus no
Templo (Lc 2, 41-52)
O segundo
quadro é mais intenso do que o primeiro; põe sempre em relevo Jesus e Maria
mostrando a superioridade de Cristo sobre o Batista e a de Maria sobre
Zacarias. Com efeito, os elogios a Maria superam os que tocam a Zacarias.
Zacarias é
irrepreensível segundo a Lei de Moisés (Lc 1,6). Maria é cheia de graça (Lc
1,28) – o que muito significa, se leva em conta a antítese Lei x Graça de Jo
1,17.
A
Maria é
lícito interrogar o anjo
(Lc 1,34), ao passo que
Zacarias é punido por fazê-lo (Lc
1,18).
O
anúncio a Maria termina harmoniosamente com a entrega da
serva à vontade
do Senhor (Lc 1,38), ao
passo que o
anúncio a Zacarias
se encerra com o silêncio imposto
ao incrédulo (Lc 1,20).
Isabel
prorrompe em breve ação de graças (Lc 1,25), ao passo que Maria exulta no canto
do Magnificat (Lc 1,47-55).
Alusões às
Escrituras
Além do que foi dito, verifica-se que Lucas quis
narrar os fatos de modo que o leitor perceba neles a realização do plano de
Deus esboçado pelas Escrituras. Os episódios de Lc 1-2 fazem eco permanente a
textos do Antigo Testamento, dos quais dois são preponderantes: Dn 9, 24-26 e
Ml 2-3 o Senhor comparece no Templo.
Examinemos
Lc 1-2 à luz de Dn 9, 24-26:
O
arcanjo Gabriel só aparece em Dm 8, 16; Dn 9,21 e Lc 1, 11-38. O versículo de
Dn 9,24 fala de setenta semanas como de um período definitivo. Pois bem, Lc 1-2
tem por base a cronologia de setenta semanas após as quais o Senhor Jesus é
apresentado no Templo (como prediz Malaquias):
Lc
1, 26-36: no sexto mês (= 180 dias);
Lc
2,7: Jesus nasce nove meses após o anúncio a Maria = 270 dias;
Lc
2,22: Jesus é apresentado no templo, conforme Lv 12,3-4 40 dias após o
nascimento;
Donde:
180+270+40 = 490 dias (= 70 semanas).
O
Evangelho da infância culmina do Templo de Jerusalém, onde Jesus entra para
realizar a obra que Malaquias 3,1-4 atribui ao Senhor Deus:
“Eis
que vou enviar meu mensageiro para que prepare um caminho diante de mim. Então
de repente entrará em seu
Templo o Senhor, que vós procurais; o Anjo da Aliança, que
vós desejais, eis que ele vem, disse o Senhor dos exércitos. Quem poderá
suportar o dia da sua chegada? Quem poderá ficar de pé quando Ele aparecer? Por
que ele é como o fogo do fundidor”.
Merecem
ainda atenção Ml 2,6 e Lc 1,16-17:
Malaquias
Lucas
2,6 – Ele converteu a muitos 1,16
– Converterá muitos filhos de Israel
3,1 – Preparará um caminho diante
de mim 1,17
– Caminhará à frente do Senhor ...
Lucas
identifica o mensageiro-precursor com João Batista (Lc 1,17) e Jesus como
Senhor Deus (Lc 1,17).
O
anúncio a Maria faz eco ao anúncio dirigido pelo profeta Sofonias à Filha de
Sion:
Sofonias Lucas
3,14 – Alegra-se, Filha de Sion... 1,28 –
Alegra-te, tu que foste repleta...
3,15 – O Senhor está no meio de ti 1,28 – O
Senhor está contigo
3,16 – Não tenhas medo, Sion 1,30
– Não tenhas medo, ó Maria
3,17 - O Senhor teu Deus está no teu seio 1,31 – Eis que te
conceberás em teu seio
e darás à luz um Filho, a quem porás o
nome
de Jesus.
3, 15b – Rei de Israel em meio a
ti 1, 32 – Ele reinará
A
comparação assim feita implica uma dupla identificação:
a) Maria é
filha de Sion por excelência, na qual Deus faz morada, morada que toma a
modalidade nova e misteriosa de uma conceição e de um parto.
b) O
Menino que está para nascer desse modo, não é apenas o Messias, mas é o próprio
Deus ou Rei teocrático que vem salvar seu povo.
Os
versículos de Lc 1,32-33 fazem freqüentes alusões à profecia de 2Sm 7,12-16, em que Natã promete a Davi
um descendente cujo trono será firme para sempre: “Estabelecerei para sempre
seu trono... A tua realeza subsistirá para sempre diante de mim”.
O
versículo de Lc 1,35 lembra a grande teofania do Êxodo, quando o Senhor tomou
posse do tabernáculo que Moisés mandara construir; Maria é identificada com a
Arca portadora dos objetos mais preciosos do povo israelitas (as Tábuas da Lei,
a vara de Aarão, o maná).
Êxodo Lucas
40, 35: A nuvem cobriu com a sua
sombra o tabernáculo 1,35:
O poder ao Altíssimo
de cobrirá
e a glória do Senhor encheu a Morada
(Nm 9, 18- com a sua sombra; por isso Aquele
22; 2Cr 5, 7-12).
que nascer de ti, será chamado
Santo, Filho de Deus.
Assim
Deus realiza em Maria o que realizava na Arca da Aliança: a morada de Deus, mas
segundo nova e inaudita modalidade: a conceição Virginal. O paralelismo leva a
identificar Jesus Filho de Deus, com o Deus da aliança. A identificação parece
prolongar-se no relato da Visitação de Maria a Isabel, relato que faz eco ao do
transporte da Arca de Cariat-larim para
Jerusalém, conforme 2Sm 6, 9-11.
O
modo de reescrever adotado por Lc 1-2 e Mt 1-2 Evangelho da infância é chamado midraxe.
Esta palavra deve ser bem entendida: longe de significar lenda ou conto, designa
uma interpretação da Escritura ou uma exegese que procura reler a Escritura à
luz dos acontecimentos da história sagrada. Supõe que a Escritura e a história
sagrada sejam um único discurso de Deus, que se vai desdobrando segundo as
sucessivas épocas; em conseqüência, os relatos posteriores projetam luz sobre
eventos e textos anteriores, e permitem relê-los com mais profundidade. Em
certos casos, o midraxe põe em relevo teológico dos acontecimentos; não é uma
crônica fria, mas uma narrativa vivencial, que abre os olhos do leitor e o
interpela.
Para
nos determos apenas em Mt 1-2 e Lc 1-2, observamos que estes dois evangelistas
têm a preocupação de apresentar a história de Jesus segundo os modos de narrar
da sua época. São Lucas o professa explicitamente no prólogo do seu Evangelho:
“Assim
parece conveniente após, acurada investigação de tudo desde o princípio
escrever-te de modo ordenado, ilustre Teófilo, para que verifiques a solidez
dos ensinamentos que recebeste” (1,3-4).
Quanto
a São Mateus, é de notar que, em vez de narrativas que correspondessem a textos
bíblicos, faz o contrário: adapta livremente os textos bíblicos aos
acontecimentos que ele narra; assim, por exemplo:
Mt 2,15 cita Os
11,1, como se este texto profetizasse a volta, do Menino Jesus, do Egito,
quando na verdade o texto se refere ao êxodo do povo por Moisés;
Mt 2,18 cita Jr
31,15, como se aludisse ao pranto das mães dos inocentes massacrados por
Herodes; na verdade, o texto se refere à terra de Judá enlutada pela deportação
de seus filhos para a Babilônia;
Mt 2,23 cita a
frase: “Ele será chamado Nazareno”, que não se encontra tal qual em nenhum
livro ao Antigo Testamento, mas resulta da combinação de algumas profecias
entre si: Jr 13, 5-7; Is 42, 6; 49,8.
Donde
se vê que, para Mateus, os fatos são reais; são eles que iluminam o
entendimento dos textos antigos.
Em
conseqüência, deve-se dizer que não há oposição entre gênero literário midraxe
e fidelidade à história.
Conclusão
Tem
grande peso na Mariologia a expressão cheia de graça com que Maria é
designada pelo anjo Gabriel em Lc 1,28, ou seja, Maria foi e permanece relata
do favor divino. O conceito de estar preenchida, repleta é muito importante. As
traduções protestantes “agraciadas” e “favorecidas” empalidecem ou anulam a
noção de plenitude do favor ou da graça. A Tradição viu neste apelativo o
fundamento das prerrogativas da Imaculada Conceição e da Assunção corporal de
Maria anos céus, como se dirá oportunamente.
Note-se
Jesus é cheio de graça (Jo 1,14); não foi preenchido; nunca existiu sem estar
cheio de graça. Esta é devida à sua humanidade unida hipostaticamente à
Divindade. Ao contrário, Maria é filha de Adão pecador; tinha o débito do
pecado, mas dele foi preservada, tornando-se cheia de graça. Nenhuma criatura é
moralmente boa antes de receber a graça de Deus; é esta que comunica
gratuitamente valores ao ser humano.
Nenhuma
criatura na Escritura Sagrada é tão elogiada quanto Maria Santíssima:
Lc
1,28: cheia de graça. Lc 1,28: o Senhor está contigo; Lc 1,35: o Espírito Santo
virá sobre ti; Lc 1,42: Maria é a mias bendita de todas as mulheres;
Lc
1,43: Maria é a “Mãe do meu Senhor”. Ora “Senhor” traduz o grego Kýrios, que
por sua vez traduz o hebraico Iahweh. Donde se vê que Isabel exclama:” ... a
mãe do meu Senhor ou do meu Deus”.
Lc
1,49: grandes coisas foram realizadas em Maria; Lc 1,48: por isto todas as
gerações a chamarão bem-aventurada.
MARIA NO
QUARTO EVANGELHO – SÃO JOÃO
O
quarto evangelista apresenta duas passagens muito importantes para se
compreender a figura e o papel de Maria
na obra da salvação humana: a das bodas de Caná (Jo 2,1-11) e a do pé da
cruz (Jo 19, 25-27).
As bodas de Caná
O episódio
é cristológico, ou seja, tende a pôr Jesus em relevo como o Messias que se
apresenta com o seu primeiro sinal, suscitando a fé dos discípulos. Mas Maria
Santíssima aparece aí exercendo um papel de Mãe e Medianeira muito
significativo. Interessa-nos o diálogo entre Jesus e sua Mãe.
Jo
2, 3: “Eles não tem mais vinho”. Trata-se certamente de uma observação
solícita da mulher que compartilha o mal-estar do noivo tido como responsável
pela imprevidência. Maria não apenas verifica, mas pede a seu Divino Filho que
intervenha. A fórmula “Eles não tem mais vinho” é paralela das duas irmãs de
Lázaro: “Senhor, aquele que tu amas, está doente” (Jo 11,3), em ambos os casos
há um pedido discreto.
Pergunta-se:
Maria terá pensado em algo mais do que o suprimento de vinho? Terá sugerido a
Jesus que revelasse a sua identidade messiânica atendendo à penúria do vinho?
Tudo
indica que a revelação inicial da identidade de Jesus devia decorrer
naturalmente da doação de vinho.
Jo
2,4: “Que queres de mim, mulher? Minha hora ainda não chegou”. A primeira
parte da resposta de Jesus corresponde a um semitismo freqüente no Antigo
Testamento, ou seja, que há para mim e para ti? Significa que a hora de Jesus
ainda não chegou.
No
quarto Evangelho, a hora de Jesus é a da sua glorificação final, compreendendo
morte de cruz e ressurreição (Jo 7, 30). Não pode ser antecipada. Todavia Jesus
não se recusará a atender à sua Mãe, antecipando, de certo modo, a grande Hora
ou realizando um sinal que prenuncie a glorificação de Jesus.
Quanto
ao termo mulher, apelativo nos lábios de um filho, há de ser entendido à
luz de Gn 3,15: neste “primeiro Evangelho” o Senhor Deus faz da mulher o
princípio da linhagem dos bons, que lutam contra a serpente; por isto a mulher
é chamada “Mãe dos vivos (Eva)”. Trata-se, pois, de um apelativo nobre que
Jesus usa mais uma vez em Jo 19, 26; Maria é a Mulher “Mãe dos vivos” por
excelência, pois deu à luz o Vencedor da morte.
Jo
2, 5: “sua mãe disse aos servente: Fazei tudo o que ele vos dizer”. Maria
não sabe como Jesus há de proceder, mas tem certeza de que não ficaria
indiferente ao pedido de sua Mãe; daí a ordem dada aos serventes.
Nota-se
o paralelo entre Jo 2, 4-5 e Jo 7, 3-10: os “irmãos de Jesus” incitam o Senhor
a se manifestar como Messias em Jerusalém; Jesus responde que “o seu tempo
ainda não chegou” Jo 7,6; todavia acaba subindo a Jerusalém, onde se põe a
pregar. Registra-se, porém, a diferença seguinte: os “irmãos” de Jesus não têm
fé e, por isto, desafiam Jesus, ao passo que Maria Santíssima se dirige a Jesus
cheia de fé.
A
resposta de Jesus a sua Mãe em Jo 2, 6-11 é realmente messiânica. O Senhor doou
seis talhas de vinho, contendo cada qual duas ou três medidas; (40 litros )- o que
significa que Jesus doou, no mínimo, 6 vezes 180 litros , ou seja 480 litros – quantidade
que ultrapassava longe a necessidade dos convivas. Também a multiplicação dos
pães, em Jo 6,11-13, redundou em excesso de pão, de modo que recolheram doze
cestos de pães de cevada. Em ambos os casos a grande quantidade (seja de pão,
seja de vinho) lembra as profecias relativas aos tempos messiânicos; estes eram
tidos como tempos de fartura, fartura que simbolizava a riqueza dos bens
espirituais trazidos pelo Messias (Jl 4,18).
Que
significado tem as bodas de Caná para a Mariologia?
Certamente,
trata-se de um episódio cristológico, pois o evangelista quer apresentar o
primeiro sinal ou a primeira manifestação da glória de Jesus (Lc 2,11). Não
obstante, é também nitidamente a respeito da figura de Maria; sim, embora
compreende onze versículos apenas, quatro deles se referem a Maria (vv 1.3.4 e
5). E qual o papel que toca aí a Maria? O de Mãe espiritual em duplo sentido:
-
É a mulher previdente e providente, que compartilha as necessidades dos seres
humanos e trata de as minorar, levando-lhes solução: é por ela que Jesus faz
seu primeiro sinal, ela está no limiar da vida pública de Jesus, intercedendo
pelos seres humanos.
- É a fé
de Maria que obtém o sinal que provoca a fé dos discípulos: “Ele manifestou a
sua glória e os discípulos creram nele” (Jo 2,11).
Escreve
o Santo Padre João Paulo II na Encíclica Redemptoris Mater:
´21...
No texto de São João, a partir da descrição dos fatos de Caná, esboça-se aquilo
em que se manifesta concretamente esta maternidade nova, segundo o espírito e
não somente segundo a carne, ou seja, a solicitude de Maria pelos homens, o seu
ir ao encontro deles, na vasta das suas carências e necessidades. Em Caná da
Galiléia, torna-se patente só um aspecto concreto da indigência humana, pequeno
aparentemente e de pouca importância “não tem mais vinho”. Mas é algo que tem
um valor simbólico: aquele ir ao encontro das necessidades do homem significa,
ao mesmo tempo, introduzi-las no âmbito da missão messiânica e do poder
salvífico de Cristo. Dá-se, portanto, uma mediação: Maria põe-se de permeio
entre o seu Filho e os homens na realidade das suas privações, das suas
indigências e dos seus sofrimentos. Põe-se de permeio, isto é, faz de
mediadora, não como uma estranha, mas na sua posição de mãe, consciente de que
como tal pode – ou antes, tem o direito de – fazer presentes ao Filho as necessidades
dos homens. E não é tudo: como Mãe deseja também que se manifeste o poder
messiânico do Filho, ou seja, o seu poder salvífico que se destina a socorrer
as desventuras humanas, a libertar o homem do mal que, sob diversas formas e em
diversas proporções, faz sentir o peso da vida. Precisamente como o profeta
Isaías tinha predito acerca do Messias, no famoso texto a que Jesus se refere
na presença dos seus conterrâneos de Nazaré: “Para anunciar aos pobres a boa
nova me enviou, para proclamar aos prisioneiros a libertação e aos cegos a
vista” (Lc 4,18).
Outro
elemento essencial desta função maternal de Maria, pode ser captada nas
palavras dirigidas aos que servem à mesa: “Fazei aquilo que ele vos disser”. A
Mãe de Cristo apresenta-se diante dos homens como porta-voz da vontade do
Filho, como quem indica as exigências que devem ser satisfeitas, para que possa
manifestar-se o poder salvífico do Messias. Em Caná graças à intercessão de
Maria e à obediência dos servos, Jesus dá início à sua hora. Em Caná, Maria
aparece como quem acredita em Jesus: a sua fé provoca da parte dele o primeiro
milagre e contribui para suscitar a fé dos discípulos.
Maria ao
pé da cruz (Jo 19,25-27)
Após
apresentar Maria em Caná, o evangelista a apresenta de novo, desta vez ao pé da
cruz. Lá ficou em companhia de João, o discípulo que Jesus amava, e de duas ou
três mulheres, entre as quais Maria Madalena. Foi nesse momento que Jesus,
tendo em vista João ,
disse a Maria: “eis aí teu filho. Eis aí tua Mãe”.
Maria
não estava, pois, junto da cruz de Jesus, perto dele, só num sentido físico e
geográfico, mas também num sentido espiritual. Ela estava unida à cruz de
Jesus; estava no mesmo sofrimento; sofria com ele. Sofria no seu coração o que
o filho sofria na carne. E quem poderia pensar diversamente, se pelo menos sabe
o que significa ser mãe? Como Cristo grita: Meu Deus, meu Deus, por que me
abandonaste? (Mt 27,46), assim também a Virgem Maria deve ter sido transpassada
por um sofrimento que humanamente correspondia ao do Filho.
Jesus
já não diz: que temos nós com isso, mulher? A minha hora ainda não chegou.
Agora que sua hora chegou, há entre ele e sua mãe algo de grande em comum: o
mesmo sofrimento. Naqueles momentos extremos, restou para Jesus o olhar da mãe
onde procurar refúgio e consolação. Por acaso vai desdenhar esta presença e
esta consolação materna aquele que, no Getsêmani, suplicou aos três discípulos:
Ficai aqui e vigiai comigo (Mt 26,38)?
Estando
ela ereta junto da cruz, o seu rosto encontrava-se, mais ou menos, à altura do
rosto de Cristo, quando lhe disse: Mulher, eis aí o teu filho! Jesus certamente
estava olhando na sua direção, tanto que nem precisou chamá-la pelo nome. Quem
poderia penetrar o mistério daquele olhar entre Mãe e Filho numa hora
semelhante? Em qualquer sofrimento humano, também no de Cristo e de Maria, há
uma dimensão íntima e particular, que se vive em família entre aqueles que
estão unidos pelo vínculo do mesmo sangue.
Uma
alegria imensamente sofredora passava de um para outra, como água entre vasos
comunicantes, alegria porque já não opunham resistência à dor, já não tinham
nenhuma defesa diante do sofrimento, mas deixava-se invadir livremente por ele
até o íntimo.
A
maternidade de Maria em relação ao gênero humano é dolorosa. A ela se aplica,
por excelência, a palavra de Jesus:
“Quando
a mulher está para dar à luz, sente tristeza porque é chegada a sua hora. Mas,
depois que deu à luz, não se lembra mais da sua aflição, mas enche-se de
alegria por ter nascido um homem para o mundo” (Jo 16, 21-22).
Ao
pé da cruz, Maria experimentou a sua hora, como Jesus experimentou a grande
hora predefinida pelo Pai. No sofrimento, ela se tornava Mãe da humanidade. A
imagem das dores do parto é familiar aos escritores do Antigo Testamento, que
assim designam os acontecimentos dolorosos precursores dos tempos messiânicos.
Tal imagem se tornou realidade, em grau máximo, quando a Maria junto à cruz
Jesus foi conferir a maternidade sobre todos os seres humanos, como Mãe da
humanidade, preenche o papel de Nova Sion ou nova Jerusalém, da qual diz o
Salmo 86, 2-5: “O Senhor ama as portas de Sion mais que todas as moradas de
Jacó. Ele conta glórias de ti, ó cidade de Deus... De Sion será dito: Todo
homem ali nasceu e foi o Altíssimo que afirmou”.
Jerusalém,
mãe de todos os homens, porque portadora da Palavra de vida, é figura de Maria
Santíssima, Mãe dos viventes por excelência. Sim, as promessas de Deus não se
dirigem a cidades ou muralhas como tais, mas a pessoas concretas, das quais
aquelas coisas são símbolos ou imagens. Daí dizer-se que as promessas feitas a
Jerusalém se cumprem plenamente em Maria, a humilde representante de Sion por
ocasião de sua estada ao pé da cruz de Jesus.
MARIA
O
Evangelho segundo Marcos é o mais conciso e mais antigo dos quatros Evangelhos.
Sobre Maria Santíssima têm duas passagens, em que nos refere algo a respeito de
Maria. Mc 3,31-35 (sua mãe e seus irmãos procuravam Jesus) e 6, 1-3 Jesus é
Filho de Maria.
EM SÃO MATEUS
Em
Mt 1, 1-17 é proposta a genealogia de Jesus, cheia de significado para quem
sabe ler.
Mt
1,16: “Jacó gerou José, o esposo de
Maria, da qual nasceu Jesus chamado Cristo”.
Ao
afirmar que Maira gerou Jesus, quis o evangelista afirmar que ela o fez sem o
concurso de varão, ou seja, virginalmente, como atestam os vv. 18-23, que
narram o nascimento de Jesus.
O
estilo de Mateus, ao descrever a genealogia de Jesus, tem certo paralelo nos
escritos de São Paulo. Este é muito sóbrio ao falar do Jesus pré-pascal; todavia
refere-se às origens do Senhor em termos que de algum modo podem ser aproximado
aos de Mateus.
Gl 4, 4-5: “Quando
chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher..”
Tem
aí a intenção de aludir à conceição virginal de Jesus, como ocorre em Mt 1,16.
Maria recebeu, no caso, do próprio Deus o Filho ao qual ela deu a carne humana.
Aqui está a natividade de Jesus: a temporal, no seio da Virgem, como verdadeiro
homem.
Em
Mt 1,18-23
“A
origem de Jesus Cristo deu-se do seguinte modo: Maria, sua Mãe, estava
prometida em casamento a José. Ora, antes de terem coabitado, achou-se ela
grávida por obra do Espírito Santo. José, seu esposo, que era um homem justo e
não a queria difamar publicamente, resolveu deixá-la em segredo...”
O
noivado, entre os judeus, equivalia a um contrato, que exigia fidelidade
recíproca dos noivos. Daí a perplexidade de São José, que encontrou Maria
grávida antes mesmo que coabitassem.
O
Evangelho afirma que José era um homem justo e, por isto, quis deixar partir
Maria grávida. Pergunta-se: em que sentido era justo? Justo, porque queria
observar a lei israelita que autorizava o divórcio em caso de adultério? Justo,
porque se mostrou indulgente, deixando Maria partir em vez de mandar
apedrejá-la? Justo, porque não queria ser tido como pai de uma criança cujo
autêntico pai ele desconhecia? Se José acreditava na culpa de Maria, como podia
esconder um crime por ela cometido, despedindo-a secretamente?
Estas
diversas perguntas só se resolvem satisfatoriamente, se se admite que José
reconheceu, por intuição de sua fé, o mistério de Maria. Convicto da sua
virtude, recusou-se a aplicar-lhe as normas da Lei relativas ao adultério e,
por isto, quis que ela seguisse o seu caminho (traçado por Deus) sem que ele se
envolvesse no mistério. O querer despedir Maira, portanto, não significa
vingança ou sanção da parte de José, mas respeito e reverência a um desígnio de
Deus, que sobrepujava seu entendimento.
A
fim de corroborar a notícia de que Maria concebeu virginalmente, o evangelista
acrescentou: “Tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor havia
dito pelo Profeta”.
Como
se vê, o Evangelho segundo Mateus está na linha da tradição atestada pelo
evangelista São Lucas, embora não descreva os mesmos feitos que este quando
trata da infância de Jesus.
A FÉ DE MARIA
Características
são as palavras de Cristo quando uma mulher exclamou entusiasmada: “ Feliz os
seios que te amamentaram!”. (Lc 11,27), ou quando lhe dizem: “tua mãe está aí”.
(Mt 12, 46-50; Mc 3, 31-35; Lc 8,
19-21). Não se deprecia nessa passagem a verdadeira grandeza de
Maria. Ao contrario: ‘ Mais felizes os que ouvem a palavra de Deus e a põem em
prática’ (Lc 11,27-28) é o mais elevado louvor ‘a fé de Maria, ao seu fiat
vivo, expressa na frase: “ Faça-se segundo tua palavra...”.
Minha
mãe são os que ouvem minha palavra e a põem em prática, afirma Jesus (Lc 8,21).
Realmente, Maria é o protótipo de vida cristã de fé.
Crer
fortemente e esperar contra todas as aparências contrárias, é o elemento verdadeiramente
característico da psicologia religiosa de Maria. Às vezes a gente pensa que a
fé de Maria teve a seu favor circunstâncias relativamente fáceis, e que sua
vida decorreu sem dificuldades. Nada disso. Uma santidade maior não implica em
si numa vida mais dura ou mais suave, sem sofrimentos e sem tormentos. É claro
que Maria não estava sujeita às contradições provindas da natureza humana
pecadora e rebelde; mas como Cristo no jardim das Oliveiras, sua natureza
altamente espiritual e afinada por sua inocência desde a conceição, era bem
mais receptiva e sensível. A inocência não a retirava de um mundo de pecado e
de incompreensão. Nem a abrigava dos reveses imprevisíveis e irracionais da
existência humana. A confusão de vida, as intrigas da sociedade, o
desencadeamento cego das paixões humanas podem criar situações críticas e
vítimas inocentes. A inocência de Maria não a afastava dessa situação humana
normal, mas lhe dava uma força que, sem nada retirar do lado difícil das
coisas, fazia-a aceitar no mais santo abandono o lado espinhoso e vivê-lo
interiormente de uma maneira completamente diferente.
Nazaré
é a casa dos que crêem lutando. Dos que enfrentam corajosamente as dificuldades
da vida em pleno abandono à Providência Divina. É a narração sóbria do
Evangelho que fala de Maria. Em nada se assemelha a um conto de fadas, como a
estória da Branca de Neve. Não tem passarinhos encantadores cantando um torno
dela para elevá-la às alturas e subtraí-la de todos os perigos. Para nós que
temos de enfrentar um mundo nada fácil, Maria é um exemplo encorajador. Sua
vida em tudo é semelhante à nossa feita de mil e uma contingências,
dificuldades e aperturas da vida humana e social, inclinando-se diante do vivo,
ela nos dá o exemplo de uma fé mais forte que a vida humana, mais forte que a
morte... mais forte que a própria morte de seu Messias, pois Ele ressuscitou.
MARIA NO
APOCALIPSE
O TEOR DE
AP 12,1-17
Dois
grandes sinais aparecem no céu: a) uma mulher refulgente e gloriosa, que sofre
dores de parto para dar à luz; b) um horrível Dragão, tão pujante que a sua
cauda varre a terça parte das estrelas do céu. Este traço nada tem com a queda
dos anjos no início da história da salvação, mas é mera expressão da grandeza
monstruosa do Dragão.
O Dragão
espreita o filho da Mulher para abocanhá-lo desde que nasça. Não o consegue,
porém, pois o Menino, que tem traços do Rei-Messias, é arrebatado aos céus. Em
conseqüência, trava-se grande batalha no céu entre o arcanjo Miguel e seu
exército de anjos, de um lado, e o Dragão, com seus anjos, do outro lado. A
luta termina com o destronamento do Dragão, que é arremessado para a Terra.
Este fato suscita um hino de louvor no céu em virtude da vitória de Miguel; o
Dragão é projetado sobre a Terra, movido por grande furor, porque sabe que
pouco tempo lhe resta para seduzir os homens.
Entretanto,
a Mulher, após o arrebatamento do Filho, é por Deus abrigada no deserto durante
1260 dias ou um tempo, tempo e metade de um tempo (= 3 anos e meio). Satanás, a
Serpente antiga, o Diabo tudo faz para destruir a Mulher; esta, porém, é
protegida por Deus, de modo que escapa das investidas. Vendo que nada consegue
nessa luta contra a Mulher, “o Dragão vai combater o resto da descendência
dela, os que observam os mandamentos de Deus
e guardam o testemunho de
Jesus” (Ap 12,17).
Apocalipse
12 fala do nascimento do Messias; este é perseguido por Satanás, que o quer
impedir de realizar sua missão; todavia derrota Satanás e é glorificado nos
céus. A vitória de Cristo implica, para o Diabo, a perda do principado que ele
adquiriu seduzindo os primeiros pais. Disse o Senhor Jesus: “Aproxima-se o
príncipe desde mundo. Por certo, ele nada pode contra mim” (Jo 14,30). “Agora é o julgamento desde mundo; agora o
príncipe deste mundo será lançado fora” (Jo 12,31).
Após
a vitória de Cristo, Satanás recebe de Deus a permissão de perseguir a Mulher e
o resto de sua descendência, sendo que a Mulher é preservada pelo Senhor Deus.
O
autor sagrado descreve o esplendor da Mulher, valendo-se de textos do Antigo
Testamento:
Gn
37,9: “José, em segundo sonho, viu o sol, a lua e onze estrelas, que se
prostravam diante dele”.
Ct
6,10: “Quem é essa, que tem o olhar da aurora, bela como a lua, brilhante
como o sol, terrível como esquadrão de bandeiras desfraldadas?”.
Essa
Mulher bela, que deve dar à luz o Messias, é, antes do mais, a Filha de Sion, o
povo messiânico (que é freqüentemente representado no Antigo Testamento como
Mulher). Na plenitude dos tempos, a Filha de Sion se faz muito concreta na
pessoa de Maria Santíssima, que de maneira singular, se tornou a Mãe do
Messias. Tendo este subido aos céus, o papel da Mulher-Mãe (Mãe da vida) não
cessa; continua na Igreja, que, como Mãe e Mestra, gera seus Filhos para vida
eterna mediante os sacramentos (especialmente o Batismo e a Eucaristia). O Maligno jamais poderá suplantar ou
aniquilar a Igreja como tal, mas poderá seduzir os cristãos que lhe quiserem
dar ouvidos.
Vê-se,
pois, que a Mulher de Ap 12 é a Mulher como tal, na sua função específica da
maternidade, já designada pelo nome Eva, a Mulher perpassa toda a história da
salvação; a vida até mesmo a vida do Messias, só vem aos homens através da
Mulher. Em Gn 3,15 o Senhor Deus quis colocar a mulher, e não o homem, como
protagonista mais remota da obra da Redenção; ela é fonte ou origem da linhagem
donde sai o Messias e a vitória do Bem sobre o Mal; é nas entranhas da Mulher
(agraciada por Deus) que está escondida s salvação da humanidade.
A ausência
do nome de Maria nos escritos de São João.
São João,
diferente dos outros três evangelistas, evitou chamar a Mãe de Jesus por sue
nome: Maria. Com efeito, São Marcos refere uma vez o nome Maria; São Mateus,
cinco vezes; São Lucas, treze vezes (doze no seu Evangelho, e uma nos Atos dos
Apóstolos); São João, nunca. A omissão não parece casual, mas, sim, premeditada
e sistemática.
João
conhece o nome Maria, que ele atribui a várias mulheres do Evangelho: Maria de
Cléofas, Maria Madalena, Maria de Betânia. São personagens secundárias no
Evangelho; não obstante, São João as chama por seu próprio nome. O evangelista
faz o mesmo com outras pessoas, cujo nome ele podia ter ignorado sem prejudicar
a clareza do seu Evangelho: Nicodemos, José de Arimatéia...
João
omitiu o nome de Maria, porque lhe parecia um nome muito comum, em vez de
caracterizar ou distinguir a Mãe de Jesus. Havia muitas Marias no povo de
Israel! Se o nome próprio é aquele que distingue uma pessoa, revelando a sua
identidade íntima (como pensavam os israelitas), o nome Maria não preencheria
essa função em relação à Mãe de Jesus. A expressão que designava de modo
singular a realidade de Maria Santíssima, era Mãe de Jesus. Por conseguinte, o
evangelista, ao referir-se à Mãe de Jesus, estaria revelando a razão de ser
mais característica daquela pessoa.
São
João fala muito do Pai de Jesus; Jesus se refere freqüentemente ao Pai que o
enviou e cuja vontade Ele quer realizar.
“O
Pai me ama, porque dou a vida para a retomar. Ninguém ma tira, mas eu a dou por
mim mesmo. Tenho o poder de a dar e o poder de a retomar; esta é a ordem que
recebi do meu Pai” (Jo 10, 17-18).
“O
Pai e eu somos um” (Jo 10,30).
“Filipe,
quem me vê, vê também o Pai” (Jo 14,9).
Ora
a expressão “a Mãe de Jesus” pode ser entendida como um paralelo a “meu Pai (=
o Pai de Jesus)”. Maria seria o eco da
divina Figura do Pai não apenas mediante a maternidade física, mas também
através da comunhão com o Espírito Santo, que é o Espírito do Pai; tenham-se em
vista as palavras do anjo na Anunciação:
“O
Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua
sombra, e por isto Aquele que nascer de ti será Santo e chamado Filho de Deus”
(Lc 1,35).
Este
texto quer dizer que Maria recebe do Pai, por intervenção do Espírito Santo, o
seu Filho. Ela é a Mãe cuja maternidade é dom direto do próprio Pai Celeste.
Na
Transfiguração, o Pai diz aos discípulos: “Este é o meu Filho, ouvi-o” (Lc
9,35). Ora Maria disse aos servidores em Caná: “Fazei tudo o que Ele vos
disser” (Jo 2,5). Ela assim faz eco à voz do Pai, que mandou ouvir (obedecer)
Jesus.
Em
Caná, tendo alegado que sua hora ainda não chegara, não obstante quis fazer o
seu primeiro sinal; reconheceu na voz de Maria o eco muito claro da voz do Pai.
A
omissão do nome de Maria, no Evangelho segundo São João, não desmerece o papel
importante da Mãe de Deus; ela é apresentada em toda a sua grandeza e com o
título que mais a caracteriza e dignifica “Mãe de Deus”.
A ATITUDE
DE JESUS PARA COM MARIA
A
sobriedade dos evangelistas ao se referirem a Maria Santíssima se explica muito
bem, vista a finalidade que se propunham ao escrever; jamais tencionaram
transmitir por escrito uma síntese completa da vida de Cristo, mas apenas
alguns aspectos mais importantes para a catequese. Os Evangelhos são justamente
pequenos compêndios dos ditos e feitos principais de Jesus; entende-se, por
isto, que seus autores chamem a atenção do leitor exclusivamente para a vida
pública do Senhor, apresentando-nos nesta os ensinamentos fundamentais e os
testemunhos da Divindade e Messianidade do Mestre.
Assim
fazendo não tinham ocasião para dissertar muito sobre a figura de Maria
Santíssima, que certamente não estava em primeiro plano durante os anos de
ministério de Jesus (Lc 8, 1-3). São Mateus e São Lucas, que antepuseram ao
esquema habitual da catequese não hesitaram em delinear o papel de Maria; é o
que se verifica principalmente em Lucas, do qual os dois primeiros capítulos
aparecem profundamente marcados pela ação de Maria; nada dizem sobre o
nascimento, a infância e as núpcias da Virgem porque a personalidade de Maria
é, aos seus olhos, toda absorvida pela sua missão de Mãe de Jesus. Por ocasião
da Paixão, reaparece heróica a pessoa de Maria nos quatro Evangelhos.
É preciso, porém, saber ler os
Evangelhos: na sua sobriedade de estilo, exprimem com delicadeza e gosto
literário verdades profundas, mesmo a respeito de Maria. Haja vista, por
exemplo, a notícia sobre o nascimento de Cristo: São Lucas refere que Maria
mesma prestou ao seu Divino Filho os cuidados de que necessitava imediatamente depois
de nascer: “Deu à luz seu filho primogênito, envolveu-O em panos e reclinou-O
numa manjedoura” (Lc 2,7). Com isto insinua respeitosamente, mas com suficiente
clareza, algo que as posteriores gerações cristãs explicitaram: Maria deu à luz
sem dores nem fadigas, isto é, virginalmente.
Lc 2,49: Jesus no
Templo aos doze anos.
Jesus,
após três dias de ausência, foi de novo encontrado no templo por Maria e José,
que, aflitos, lhe perguntaram por que os havia deixado momentaneamente. O
Senhor respondeu: “por que me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em meio
às coisas de meu Pai?”.
Estas
palavras significam que Jesus na terra vivia continuamente voltado para o Pai
Celeste, devolvendo-lhe toda a sua vida na carne. Esta atitude do Senhor não
derrogava ao feto filial que Ele nutria para com sua Mãe Santíssima: até o fim,
e ainda na última hora de sua existência terrestre, pregado à cruz. Ele haveria
de testemunhar a Maria a sua piedade filial, confiando-a ao discípulo
bem-amado. Contudo Jesus, como homem, observa a devida hierarquia em seus
afetos: os laços de família nele não eram extintos nem atenuados pelo fato de
serem subordinados ao amor do Pai Celeste: ao contrário, este pode conferir
valor e solidez especiais a todo e qualquer afeto humano. São Lucas, ao referir
a resposta de Jesus a Maria no Templo, não quis senão incutir esta verdade.
Jo 2, 1-11; Jo
19,26: “Mulher...”
Muito
importante é o fato de Maria ter estado presente e haver interferido no
acontecimento que São João chama explicitamente “o primeiro sinal” do
ministério público de Jesus: o Divino Mestre quis que sua Mãe lhe desse ocasião
para manifestar pela primeira vez a sua glória, associando intimamente a
intercessão de Maria à sua obra de Messias.
O
tratamento “mulher” usado por Jesus, nada tem de irreverente; é outro aramaísmo
equivalente desta vez a um apelativo solene: “Dama”; implicava ternura muito
nobre, pelo que foi repetido por Jesus em outra ocasião solene, ou seja,
quando, pendendo do alto da cruz, quis prover filialmente ao amparo de sua Mãe:
“Mulher, eis teu filho”, disse o Senhor, indicando João como futuro arrimo de
Maria. Além disso, observa-se que o tratamento “Mulher”, no contexto de Jo 19,
faz ecoar as promessas de Gn 3, 15.20 “Mulher”, é nestes dois versículos o título
portador da esperança do mundo; é, sim, pela mulher e pela prole da mulher que
Deus promete restaurar a harmonia violada; Jesus terá, pois, do alto da cruz
não somente providenciado ao amparo de Maria, mas também apresentado sua Mãe
qual nova Eva, Mãe espiritual de todos os viventes, a começar por São João.
Alias,
o título de Nova Eva é o primeiro título com que Maria aparece na teologia e na
piedade Cristã; está bem na linha do pensamento Paulino, que vê em Jesus o Novo
Adão, aquele que com a Nova Eva repara a desgraça causada pelo primeiro homem e
a primeira mulher.
O Senhor
recapitulou por sua obediência sobre o lenho a desobediência antes cometida
mediante o lenho. A sedução de que Eva fora vítima quando ainda virgem
destinada ao seu marido, essa sedução foi dissipada pela boa nova da verdade
magnificamente anunciada pelo anjo a Maria, também despojada, pois, da mesma
forma que aquela fora seduzida pela palavra de um anjo a ponto de se afastar de
Deus e transgredir sua palavra, também esta foi instruída sobre a Boa Nova pela
palavra de um anjo, e, por obediência a Deus, esta se deixou persuadir a
obedecer a Deus, para ser ela, a Virgem Maria – advogada de Eva. Assim o gênero
humano, submetido à morte por uma virgem, foi dela libertado por uma Virgem,
tornando-se contrabalançada a desobediência de uma virgem pela obediência de
outra.
Mt 12,46-50; Mc
3,31-35; Lc 8,19-21: “Quem é minha Mãe ...”
Informado
de que sua Mãe e seus irmãos (primos) O procuravam, Jesus certa vez respondeu:
“Quem é minha Mãe e quem são meus irmãos?”. E, estendendo a mão sobre os seus
discípulos, disse: “Eis minha mãe e meus irmãos: todo aquele que fizer a
vontade de meu Pai Celeste, esse é meu irmão, minha irmã, minha Mãe”. .
Tal
resposta, longe de significar indelicadeza da parte de Jesus, quer apenas
indicar que, acima do parentesco carnal, o Senhor estimava um novo tipo de
parentesco, o parentesco espiritual, o qual se baseia não nos laços do sangue,
mas na fidelidade à Palavra de Deus e à Vontade de Deus. Naturalmente, esta não
se opõe aos vínculos e o amor da família, mas subordina-se a si. Se não
houvesse fidelidade à vontade de Deus nos consangüíneos de Jesus, de nada lhes
adiantaria o parentesco de sangue com Cristo. Ora Maria nutriu desde cedo o
amor aos desígnios do Pai Celeste, como ela mesma atesta ao anjo: “Eis a serva
do Senhor; faça-se em mim segundo a Tua Palavra”. (Lc 1,38). Donde se segue que
Jesus com sua resposta em Mt 12,50 só fez confirmar sua grande ternura para com
Maria Santíssima, dando, porém, simultaneamente a ver qual o título que mais
encarecia Maria ao seu coração de Filho: ela sempre fora (e foi) fiel à vontade
do Pai.
Lc
11,27-28: “Bem-aventurados...!”
Uma
mulher tendo exaltado a grande felicidade de Mãe de Jesus por haver gerado tão
nobre Filho, o Senhor a admoesta a que entenda o verdadeiro título por que
alguém mereça ser felicitado: o título de cumpridor da palavra de Deus; com
efeito, diz Jesus: “Bem-aventurados, antes, os que ouvem a palavra de Deus e a
põem em prática!”. (Lc 11,28). Ora tal motivo de exaltação se aplica
eminentemente a Maria Santíssima, que, sem dúvida, recebeu a graça de se tornar
Mãe do Verbo Encarnado, porque primeiramente se mostrou em tudo a fiel serva do
Senhor; diz Santo Agostinho: “Mais feliz é Maria por ter vivido inteiramente na
fé do Messias do que por ter concebido a carne do Messias”. À luz deste
princípio, entendam-se as palavras de Cristo: o Senhor quer erguer a estima a
Maria sobre o aspecto mais digno e rico que a Mãe de Deus possa apresentar à
consideração dos cristãos.
Gl 4,4: A Mulher
por excelência
O
fato de que São Paulo se refere uma só vez a Maria, afirmando em Gl 4,4 que o
Filho de Deus “nasceu de uma Mulher”, deve-se ao caráter esporádico das suas
cartas: ao escrever, o Apóstolo visava apenas a esclarecer problemas ou
solucionar casos recém-originados entre os fiéis. Ora é de crer a Virgem
Santíssima, provavelmente ainda vivia quando São Paulo escrevia, não devia
causar problemas aos primeiros cristãos. Ademais a expressão “Mulher”, que São
Paulo aplica a Maria, e, no conjunto da Revelação cristã, grandiosa e
alvissareira, como está atrás notado.
2ª PARTE–FUNDAMENTAÇÃO TEOLÓGICA
MÃE DE DEUS - THEOTÓKOS
Tese: Maria é
própria e verdadeiramente Mãe de Deus.
A
tese é de fé definida.
“... Nosso
Senhor Jesus Cristo Filho de Deus, é homem. É Deus pela substância do Pai,
gerado antes dos séculos e homem pela substância da mãe nascido no século...”.
Símbolo
Niceno-Constantinopolitano:
Nicéia
325 Constantinopla 381
“... e se
encarnou pelo Espírito Santo, no seio da virgem Maria, se fez homem”.
Símbolo
dos Apóstolos:
“... que
foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da virgem Maria”.
Concílio
de Éfeso 431 C.I.C. 466:
A
heresia nestoriana via em Cristo uma pessoa humana unida à pessoa divina do
Filho de Deus. Face a ela, São Cirilo de Alexandria e o III Concílio Ecumênico,
reunido em Éfeso em 421, confessaram que “o Verbo, unindo a si na sua pessoa
uma carne animada por uma alma racional, se tornou homem”. A humanidade de Cristo não tem outro sujeito
senão a pessoa divina do Filho de Deus, que a assumiu e a fez sua desde a sua
concepção. Por isso o Concílio de Éfeso proclamou que Maria se tornou de
verdade Mãe de Deus pela concepção humana do Filho de Deus no seu seio: “Mãe de
Deus, não porque o Verbo de Deus tirou dela a sua natureza divina, mas porque é
dela que ele tem o corpo sagrado dotado de uma alma racional, unido ao qual, na
sua pessoa, se diz que o Verbo nasceu segundo a carne”.
Concílio
de Calcedônia (451):
“Na linha
dos santos Padres, ensinamos unanimemente a confessar um só e mesmo Filho,
Nosso Senhor Jesus Cristo, o mesmo perfeito em divindade e perfeito em
humanidade, o mesmo verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, composto de
uma alma racional e de um corpo, consubstancial ao Pai segundo a divindade,
consubstancial a nós segundo a humanidade, “semelhante a nós em tudo, com
exceção do pecado” (Hb 4,15); gerado do Pai antes de todos os séculos segundo a
divindade, e nesses últimos dias, para nós e para nossa salvação, nascido da
Virgem Maira, Mãe de Deus, segundo a humanidade”.
Concílio de Constantinopla (553):
O V
Concílio Ecumênico, em Constantinopla, confessou a propósito de Cristo ”não há
senão uma única hipóstase (pessoa), que é Nosso Senhor Jesus Cristo, Um da
Trindade”. Na humanidade de Cristo, portanto, tudo deve ser atribuído à sua
Pessoa divina como ao seu sujeito próprio. Não somente os milagres, mas também
os sofrimentos, e até a morte: “aquele que foi crucificado na carne, Nosso
Senhor Jesus Cristo, é verdadeiramente Deus, Senhor da glória e Um da
Santíssima Trindade”.
Concílio de Constantinopla (680):
Também definiu a verdade de que Maria é Mãe de
Deus.
Concílio
ecumênico Vaticano II:
O concílio
não definiu, mas ensinou o seguinte:
“Crendo e obedecendo, ela (Maria)
gerou na terra o
próprio filho do Pai, sem
conhecer varão, coberta pela sombra do
Espírito Santo’” LG 63
C.I.C. 724
- “Em Maria, o Espírito Santo
manifesta o Filho do Pai tornado filho da Virgem. Ela é a Sarça ardente a Teofânia definitiva: repleta do Espírito Santo, ela
mostra o Verbo na humanidade de sua carne, e é aos pobres, e às primícias das
nações que ela o dá a conhecer”.
Sagrada
Escritura
Lc 1,30-32
- O anjo, então, disse: “Não
tenhas medo, Maria! Encontraste graça junto de Deus. Conceberás e darás à luz
um filho e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande; será chamado Filho do
Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai”.
Lc 1,35 - “O Espírito Santo descerá sobre ti, e o poder
do Altíssimo te cobrirá com sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer será
chamado Santo, Filho de Deus”.
Lc 1,43 - “...a Mãe
do meu Senhor... “.
Mt 1,16 - “Jacó
gerou José o esposo de Maria da qual nasceu Jesus, que é chamado o Cristo”.
Mt 1,18 - “Ora, o
nascimento de Jesus Cristo, foi assim: Maria, sua mãe, estava prometida em
casamento a José e, antes de passarem a conviver, ela encontrou-se grávida pela
ação do Espírito Santo”.
Mt 2,11- “Quando entraram na casa,
viram o menino com Maria, sua mãe. Ajoelharam-se diante dele e o adoraram”.
Jo 2,1- “No
terceiro dia, houve um casamento em Caná da Galiléia, e a mãe de Jesus estava
lá”.
Jo 2,3 - “Faltando
vinho, a mãe de Jesus lhe disse: ”eles não tem mais vinho”.
At 1,14 - “Todos
eles perseveravam na oração em comum, junto com algumas mulheres – entre elas,
Maria, mãe de Jesus”.
Gl
4,4 - “Quando se completou o tempo previsto, Deus enviou seu Filho, nascido
de mulher... “
Is
7,14 - “... eis que a moça conceberá e dará à luz um filho e lhe porá o
nome de Emanuel (Deus conosco)”.
São João
nunca chamou Nossa Senhora de Maria, mas sempre de Mãe de Jesus.
Tradição
Santo
Inácio de Antioquia: “Deus existiu na carne, nascido de Maria que é Jesus
Cristo Nosso Senhor”.
Santo
Irineu: mais de uma vez afirmou que Jesus nascido de Maria é, na
verdade Cristo Filho de Deus.
São
Gregório Nazianzeno: “se alguém não crê que santa Maria é Mãe de Deus,
está fora da divindade”.
São
Jerônimo: “ a virgem Maria é
Mãe do Filho de Deus”.
Ave-Maria:
Na Ave-Maria, rezamos: “Santa Maria, Mãe de Deus...”.
Liturgia
das Horas: “À vossa proteção recorremos, santa Mãe de Deus; não
desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades, mas livrai-nos sempre de
todos os perigos ó Virgem gloriosa e bendita”.
Razão
Teológica
Silogismo: Jesus
Cristo é Deus, ora, Maria é mãe de Jesus Cristo, logo, Maria é Mãe de Deus.
Sabemos
que em Cristo há uma só pessoa (2ª pessoa da Santíssima Trindade) e duas
naturezas: divina (que o Pai lhe concede) e humana (que Maria lhe concedeu).
O sujeito
da geração é a pessoa não a natureza. Gerar é produzir um ser na existência. O
homem gerado por Maria é pessoa divina logo, Maria é Mãe de Deus.
Não há
duas pessoas em Cristo como afirmou Nestório, patriarca de Constantinopla e
condenado pelo concílio de Éfeso (431). Ele disse que em Cristo há duas
pessoas, uma divina outra humana.
Pessoa é o
que subsiste na natureza racional. Natureza é somente a forma pela qual a
pessoa subsiste.
Maria é
Mãe do Verbo segundo a natureza humana dele e segundo sua pessoa divina.
O homem,
como sabemos, é composto de corpo e alma, sendo esta a parte principal do seu
ser, pois comunica ao corpo a vida e o movimento.
A nossa
mãe terrena, todavia, não nos comunica a alma, mas apenas o nosso corpo. A alma
é criada diretamente por Deus. A mãe gera apenas a parte material deste
composto, que é o seu ser. E como é que alguém pode, então, afirmar que a
pessoa que nos dá à luz é nossa mãe?
É certo
que minha mãe gera apenas o meu corpo e não a minha alma, mas a união da alma e
do corpo forma este todo que é a minha pessoa; e a minha mãe é mãe de minha
pessoa. Sendo ela mãe de minha pessoa, composta de corpo e alma, é realmente a
minha mãe.
Apliquemos
estas noções de bom senso ao caso da Maternidade divina de Maria Santíssima.
Há em Jesus Cristo “duas
naturezas”: a natureza divina e a natureza humana. Reunidas constituem elas uma
única pessoa, a pessoa de Jesus Cristo.
Nossa
Senhora é Mãe desta única pessoa que possui ao mesmo tempo a natureza divina e
a natureza humana, como a nossa mãe é a mãe de nossa pessoa. Ela (Maria) deu a
Jesus Cristo a natureza humana; não lhe deu, porém, a natureza divina, que vem
unicamente do Pai.
O sujeito
ou termo da geração não é a natureza, mas, a pessoa que subsiste na natureza.
A pessoa
que Maria gerou é a pessoa do Verbo subsistindo na natureza humana.
O papa Pio
XII escreveu na encíclica “Mediator Dei” (26/11/1947) “a fé da Igreja segundo a
qual é um e o mesmo, o Verbo de Deus é o filho da virgem Maria, que sofreu na
cruz”.
Não há 2
Cristos: um Deus e outro homem, o mesmo que é Deus é também homem.
Maria é
Mãe de Jesus Deus e homem.
Ao
proclamar Maria “Mãe de Deus”, a Igreja professa com uma única expressão a sua
fé acerca do Filho e da Mãe.
Com a
definição da Maternidade divina de Maria, a Igreja quer evidenciar sua fé na
divindade de Cristo. Não obstante as objeções, antigas e recentes, acerca da
oportunidade de atribuir este título a Maria, os cristãos de todos os tempos,
interpretando corretamente o significado dessa maternidade, tornaram-no uma
expressão privilegiada da sua fé na divindade de Cristo e do seu amor para com
a Virgem Maria.
IMACULADA
CONCEIÇÃO
Tese:
Maria foi concebida no estado de graça santificante.
Imaculada: Sem
mancha, sem pecado. Conceição: Concepção
A
tese é de fé definida.
O dogma
foi proclamado pelo papa Pio IX aos 8/12/1854, pela Bula “Ineffabilis Deus”.
Inefável = Que não
se pode exprimir por palavras. “Pela autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo,
dos beatos Apóstolos Pedro e Paulo e nossa, declaramos, pronunciamos e
definimos, a doutrina que afirma, a beatíssima Virgem Maria no primeiro
instante de sua concepção foi por singular graça e privilégio de Deus
onipotente, em virtude dos méritos de Jesus Cristo salvador do gênero humano,
foi imune, preservada de toda a mácula da culpa original, foi querida por Deus
e por isso deve ser crida firmemente e constantemente por todos os fiéis”.
Sagrada Escritura
Gn 3,15 – “Porei
inimizade (ódio) entre ti a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te
ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”. Cristo e Maria são inimigos do
demônio.
Maria a
Mãe de Deus não poderia ficar sob o domínio do demônio. Jesus não poderia ter
nascido de uma mulher sujeita ao pecado.
Lc 1,28 - Ave
cheia de graça.
Não diz
explicitamente a concepção Imaculada, mas implicitamente. A troca do nome de
Maria por “Cheia de Graça” indica uma plenitude tal que exclui qualquer momento
que não esteja coberto pela graça, o que indicaria que em algum momento ela foi
escrava do pecado.
A
plenitude da graça em Maria é total, diferentemente de Santo Estevão (At 6,8)
que é dito “cheio de graça, mas teve o pecado original”.
O texto “Gratia
Plena” é grego, significa a plenitude da graça não transitória, mas,
permanente que exclui toda possibilidade do pecado e toda limitação de tempo.
Portanto,
já no início Maria é plena de graça, com uma plenitude totalmente singular e
única é, pois, “Cheia de Graça desde o primeiro instante da concepção”.
Lc 1,28 - Continua a palavra do anjo: “o Senhor está
contigo”
Deus está com Maria, portanto, assim, Maria está unida a Deus, de modo
que nem no primeiro instante foi dele separada.
Estas
palavras mostram que Maria a Mãe de Deus foi a sede de todas as graças divinas,
e ornada com todas os carismas do Espírito Santo.
Maria foi
preservada do pecado original em vista dos méritos de Cristo, isto é, não fosse
essa graça especial, também ela teria tido o pecado original.
Convinha
que Deus fizesse a exceção; podia fazê-la; portanto a fez!
Convinha:
como ficaria sujeita ao pecado aquela que veio para gerar Jesus Cristo, o
libertador do pecado?
Podia:
nada é impossível para Deus. Deus sabia que seu filho derramaria o sangue para
a salvação de todos. Podia, pois, aplicar em Maria, antecipadamente, (Deus não
tem passado, nem futuro, só presente) os merecimentos que ele obteria para a
humanidade.
E fez:
Maria foi preservada de todo o pecado.
Tradição
Já no
século II encontramos testemunhos de santos padres dizendo que Maria é a nova
Eva, unida a Cristo, o novo Adão, na luta contra o demônio.
Santo
Inácio: “Eva, ainda sendo virgem, foi desobediente e foi feito
causa da morte a si e a todo gênero humano”.
Maria,
virgem obediente, foi causa da salvação a si e a todo o gênero humano.
Santo
Efrém: “Ambas inocentes, ambas simples, Maria e Eva a si
respondem pelo contrário: uma foi causa da nossa morte, outra causa da nossa
vida”.
São
Paulo Crisólogo: “ensinou que Maria estava destinada à santidade por causa
da sua maternidade divina e que esta santidade a acompanhou desde o princípio
de sua existência”.
Razão Teológica
Convinha
que Maria fosse concebida sem o pecado original.
Pela
dignidade de Mãe de Deus, como Cristo tem nos céus um Pai que os Serafins
exaltam três vezes Santo, assim tivesse na terra uma Mãe que nunca careceu de
se apoiar na santidade.
Pelo fato
de Maria ter cooperado na redenção, não convinha que ela tivesse estado sob a
servidão do demônio por nenhum pecado nem mesmo o original.
Vaticano
II LG 59: “Maria Virgem, preservada, imune de toda mancha da culpa
original”.
C.I.C. 491
Ao longo
dos séculos a Igreja tomou consciência de que Maria, “cumulada de graça” por
Deus (Lc 1,28), foi redimida desde a concepção. É isto que confessa o Dogma da
Imaculada Conceição, proclamado em 1854 pelo papa Pio IX.
Nossa
Senhora em Lourdes em 1858 declarou a Santa Bernadete: “Eu sou a Imaculada
Conceição”.
-
Também Maria necessitava da redenção;
-
Era e é virtuosa porque foi privilegiada por Deus em
vista de sua missão singular;
-
Em Maria tudo é graça, e a fonte dessa graça é Deus;
-
Foi livre do pecado no início de sua existência;
livre do pecado ao longo de toda a sua vida;
-
A Igreja afirma que, de maneira absoluta e
permanente, Maria, ao longo de toda a sua vida, continuou livre de todo o
pecado pessoal e até da própria inclinação ao pecado e das feridas do pecado.
Quando se
faz referência ao pecado original, convém lembrar a desordem que ele causou no
ser humano e na natureza:
- Inclinação à auto-afirmação e à auto-suficiência
diante de Deus (o normal seria o
relacionamento paterno-filial)
- Homens e mulheres passam a não se reconhecer
como criaturas de Deus e, por isso mesmo, esquecem sua origem e seu fim; rompem
a aliança; sofrem desequilíbrios (Rm 7,15-23); não se entendem com seu
semelhante, daí multiplicarem-se manifestações de ódio e violência, de
injustiças e guerras; homens e mulheres não compreendem a natureza e a
destroem.
Em
Maria, nada disso aconteceu. Nela, em vez de desordem e confusão, há a ordem.
Não experimentou a concupiscência, isto é, a inclinação ao pecado.
É
uma nova criatura. Isenta do pecado.
Maria
é totalmente de Deus: é um modelo a imitar. É fonte de santidade para a Igreja.
VIRGINDADE
PERPÉTUA
Concílio
Calcedônia: ( 451) “Jesus é
nascido de Maria Virgem”.
Concílio
Constantinopla II: ( 553) “Jesus encarnou-se na gloriosa Theotókos e
sempre Virgem Maria”
Concício
Lateranense IV: (649) “Firmemente cremos e simplesmente confessamos. O
unigênito Filho de Deus Jesus Cristo, encarnado comumente por toda a Trindade,
de Maria sempre Virgem, concebido pela cooperação do Espírito Santo”.
Símbolo
dos Apóstolos: “ ...nasceu da Virgem Maria...”
A
Igreja definiu várias vezes este dogma.
Paulo IV:
(7/8/1555) “Maria foi sempre virgem,
antes do parto, no parto e depois do parto”
Sagrada Escritura
Is 7,14 - “Eis
que a virgem (versão grega) conceberá e dará a luz um filho e lhe porá o nome
de Emanuel”.
Mt 1,22-23 - “Tudo
isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor tinha dito pelo profeta: “Eis que
a virgem ficará grávida e dará à luz um filho. Ele será chamado pelo nome de
Emanuel, que significa: Deus conosco. (Mateus atribuía sentido messiânico)”.
Aqui temos
um princípio de hermenêutica (explicar a Bíblia pela Bíblia).
Lc 1,26-27
- “ ... o anjo Gabriel foi
enviado por Deus a uma virgem prometida em casamento a um homem de nome José,
da casa de Davi, a virgem se chamava Maria”. (virgem antes do parto).
Lc 1,31,32 - “ ...
conceberás e darás a luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será
grande; será chamado Filho do Altíssimo”.
Lc 1,34-35 – “Maria,
então, perguntou ao anjo: como acontecerá isso, já que não convivo com um
homem? O anjo respondeu: “O Espírito Santo descerá sobre ti, e o poder do
Altíssimo te cobrirá com a sua sombra, por isso, aquele que vai nascer será
chamado Santo, Filho de Deus”.
Mt 1,18 - “Maria,
sua mãe, estava prometida em casamento a José e antes de passarem a conviver,
ela encontrou-se grávida pela ação do Espírito Santo”. Até
(passado) Gn 28,15
Mt 1,20-21 - “José, filho de Davi, não tenhas receio de
receber Maria, tua esposa; o que nela foi gerado vem do Espírito Santo”.
Mc 6,3 - Jesus é o filho de Maria, o que indica
unidade: “Não é ele o carpinteiro, o
filho de Maria”.(depois do parto).
Nunca na
Bíblia os irmãos de Jesus são chamados filhos de Maria.
At 1,14 - “Todos eles perseveravam na oração em comum,
junto com algumas mulheres – entre elas, Maria, mãe de Jesus – e com os irmãos
dele”.
Se Maria
tivesse mais filhos, Lucas teria escrito: Maria e seus filhos.
Jo 19,
25-27 - “Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe e a irmã de
sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria madalena. Jesus, ao ver sua mãe e, ao lado
dela, o discípulo que ele amava, disse à mãe: “Mulher, eis o teu filho!”.
Depois disse ao discípulo: “Eis a tua Mãe!”. A partir daquela hora, o discípulo
a acolhe junto de si”.
Se
Maria tivesse mais filhos, Jesus não a entregaria aos cuidados de um estranho e
sim aos seus filhos.
Palavra irmão
A Bíblia
fala de irmãos em diversos lugares, mas, a palavra irmão na Bíblia tem pelo
menos 13 sentidos:
1) Os
irmãos verdadeiros: filhos do mesmo pai e da mesma mãe: Gn 25,24 - 25: Esaú e
Jacó, filhos de Isaac e de Rebeca. Filhos só do mesmo pai ou da mesma mãe: Jz
8,19 “eram meus irmãos, disse ele (Gedeão) filhos da minha mãe”.
2) Tios e
sobrinhos: Taré era o pai de Abrão ( Abrãao) e de Arão (Arãao). Gn 11, 26-27
“Taré tinha setenta anos quando gerou Abrão, Nacos e Arão” Aran foi pai de Ló
(Gn 11,28), portanto Abrão era tio de Ló, pois era irmão de Arão.(Gn 12,5).
Entretanto Abrão chama Ló de irmão, não de sobrinho. Gn 13,8 “pois somos
irmãos”.
3) Primos
irmãos: Eleazar e Cis eram irmãos, filhos de Mooali. 1Cro 23,21-22. As filhas
de Eleazar se casaram com os filhos de Cis. Eram primos, mas algumas Bíblias
(Vulgata, Bíblia de Jerusalém e a protestante dizem que eram irmãos). São
parentes como dizem a Bíblia da CNBB e Ave-Maria.
4) Os
primos segundo: Lv 10,4 Misael e Elisafon eram primos de Nadab e Abiú e Moisés
chama-os de irmãos.
5) Cunhados:
Davi era cunhado de Jônatas, pois era casado com Micol, irmã de Jônatas. Davi o
chama irmão. 2sm 1,26.
6) Pessoas
da mesma tribo: 1Cr 12,29 (Ave-Maria) 3.000 irmãos de Saul da tribo de Benjamin
como Saul.
7) Pessoas
da religião judaica: Neemias, que era judeu, chama os judeus de irmãos: Neemias
5,7-8.
8) Reis
entre si: Hirão, rei de Tiro chama Salomão, rei de Israel com o nome de irmão:
1Reis 9,13.
9) Pessoas
da religião Cristã: Ananias chama Saulo de irmão. At 9,17 “Saulo, meu irmão”
2Cor 2,13 “aí não encontrei meu irmão Tito”.
10) Cristo
chama todos de irmãos: Mt 23,8 “Todos vós sois irmãos”.
11) Cristo
chama os discípulos de irmãos. Jo 20,17 “Mas vai dizer aos meus irmãos”, ele
fala a Maria Madalena.
12) Cristo
chama de irmãos quem faz a vontade do Pai. Mt 12,48-50 “Pois todo aquele que
faz a vontade do meu Pai, que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e
minha mãe”.
13) Cristo
é o primogênito de irmãos predestinados: Rm 8,29 “Também os predestinou a se
configurarem com a imagem de seu filho, para que este seja o primogênito numa
multidão de irmãos”.
Tradição
São
Justino: “A força de Deus sobrevinda à virgem, cobriu-a com sua sombra, e
fez que como fosse virgem engravidasse”
São
Jerônimo: “Dado ao poder de Deus, que nasceu da virgem, e, contudo a
própria Virgem foi virgem depois do parto”.
São Zenon: “Maria,
virgem concebeu, depois de concebido, a virgem deu à luz, depois do parto
permaneceu virgem”.
Razão Teológica
Convinha
que a virgem fosse casada, para conservar a honra dela e do filho, que o
cônjuge da Virgem, guardasse e nutrisse o menino e a mãe, e com virgindade
fosse ao matrimônio, com louvor e exemplo nobilíssimo.
Como o
Verbo (palavra) procede da mente sem corrupção, convinha que o corpo do verbo
divino nascesse do útero incorrupto da Virgem.
Como
Cristo é unigênito do Pai, devia também ser unigênito de Maria.
Irmãos de Jesus
Mt 13,55 - Tiago, José, Judas e Simão eram os “irmãos
de Jesus”
Tiago e
José eram filho de Alfeu ou Cléofas. Alfeu é o nome aramaico que passou ao
grego como Cléofas.
Tiago é
filho de Alfeu (Mt 10,3).
A mãe dos
dois (Tiago e José) e outra Maria (Mt
27,56) e
(Mc 15,40). Esta Maria, mulher de Cléofas (o mesmo Alfeu) é irmã de Nossa Senhora (Jo
19,25).
Este
Cléofas (Alfeu) é pai de Tiago menor (Mt 10,3), portanto, Tiago e José eram
primos de Jesus.
Judas
Tadeu diz que ele era irmão de Tiago o servo de Jesus (Jd 1,1), portanto Judas
também era primo de Jesus.
Tiago,
José, Judas eram irmãos, logo, por paralelismo, Simão e irmãos eram também
primos e não irmãos de Jesus.
Tiago
também se chama servo de Deus e servo de Jesus, não irmão (Tg 1,1).
C.I.C
499 “O
aprofundamento da sua fé na maternidade virginal levou a Igreja a confessar a
virgindade real e perpétua de Maria, mesmo no parto do filho de Deus feito
homem. Com efeito, o nascimento de Cristo não lhe violou, mas sagrou a
integridade virginal da sua mãe”.
501 “Jesus é
o filho único de Maria”.
503 “Jesus
tem um só Pai: Deus por natureza filho do Pai segundo a divindade, por natureza
filho da Mãe (Maria) segundo a humanidade: mas propriamente filho de Deus na
suas duas naturezas”.
510 “Maria
permaneceu virgem concebendo seu filho, virgem ao dá-lo à luz, virgem do
carregá-lo, virgem ao alimentá-lo do seu seio, virgem sempre”. (santo Agostinho).
Vaticano II
LG 52 “Os fiéis
devem venerar também a memória, primeiramente da gloriosa sempre virgem Maria,
Mãe de Deus e de Nosso Senhor Jesus Cristo”.
João Paulo II
“Cristo ao morrer conferiu à ‘sempre’ virgem Maria uma nova maternidade
- espiritual e universal”.
ASSUNÇÃO DE MARIA
Tese: A
Imaculada Mãe de Deus sempre Virgem Maria, terminado o curso de sua vida
terrestre, foi Assunta de corpo e alma à glória celeste. (Pio XII).
É tese de
fé definida.
Dogma proclamado pelo papa Pio XII
aos 1/11/1950. (Bula Magnificentissimus Deus = generoso Deus).
Definição
“Com a
autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e
Paulo e com a nossa, proclamamos, declaramos e definimos ser dogma de revelação
divina que a Imaculada Mãe de Deus sempre Virgem Maria, terminado o curso de
sua vida terrestre, foi Assunta em corpo e alma à glória celeste”.
Análise do texto
Deus
revelou ao papa Pio XII a Assunção de Maria (e com a nossa).
“A
Imaculada Mãe de Deus sempre Virgem Maria: designada com os novos dos seus
principais privilégios: ‘Imaculada e sempre Virgem’”.
“Terminado
o curso da vida terrestre” sem dizer que ela morreu ou não, não quis definir
isso.
“Corpo e
alma: unidos, não separados na glória celeste: é o fim e o prêmio do justo.
Ninguém, exceto a natureza humana de Jesus Cristo, atingiu tão alto grau de
glória como Maria”.
“Assunta”:
foi elevada ao céu.
A
constituição nada fala do modo de translação nem do lugar do céu
“Alguns
teólogos, porém, comentam admitirem que ‘céu’ não significa somente um estado,
mas também um lugar: o lugar onde se entra justamente o Cristo Ressuscitado e
glorioso, em alma e corpo e onde se encontra Maria junto dele”.
Trata-se
da “passagem de condição da existência terrena à condição de existência própria
da bem-aventurança celeste”.
Histórico
Não existe
nenhum documento do magistério anterior a Pio XII no qual se declara
oficialmente a Assunção corporal da Virgem aos céus.
O papa Pio
XII é o primeiro que na Encíclica sobre o Corpo Místico (1943) fala claramente
da presença de Nossa Senhora no céu não só em alma, senão também em corpo.
Desde
tempos remotos e através da história, tem havido sempre testemunhos e
indicações desta crença na igreja.
Vários
papas se pronunciaram a favor da assunção de Maria entre os quais os últimos
papas: Leão XIII, São Pio X, Bento XV e Pio XI.
O papa Pio
XII enviou uma carta a todos os bispos do mundo, a “Deiporae Virginís Nance”
(1/5/1946) para perguntar qual a devoção do clero e do povo com a assunção da
virgem Maria e se os bispos acham que a assunção corporal de Maria pode ser
proposta como dogma de fé definida e se eles querem a definição juntamente com
o clero e o povo.
As
respostas dos bispos revelaram o acordo total entre os bispos e os fiéis.
Resposta
de 1191 Dioceses entre 1277 Dioceses = 93 % entre as respostas positivas.
Prova da Revelação
Divina
Senso
da fé:
LG 12 “O
conjunto dos fiéis, ungidos que são pela unção do santo (1Jo 2, 20.27) não pode enganar-se no ato de fé. E manifesta
esta sua peculiar propriedade mediante o senso sobrenatural da fé de todo o
povo quando, desde os bispos até os últimos fiéis leigos, apresenta um consenso
universal sobre questões de fé e costumes”.
Jamais na
história da Igreja os fiéis duvidarem da verdade da assunção de Nossa Senhora.
A união
entre Cristo e Nossa Senhora triplica a vitória de Cristo sobre o pecado, e a
concupiscência porque sendo Deus, não teve pecado nem a inclinação para o
pecado e venceu a morte pela sua ressurreição.
Assim
também Nossa Senhora, pela sua união perfeitíssima a Cristo, não teve pecado
nem a inclinação para o pecado e venceu a morte pela sua ressurreição e como
Cristo venceu a morte também pela ascensão, Maria venceu a morte pela Assunção.
Sagrada Escritura
Ap 12,1 “Então
apareceu no céu um grande sinal: uma mulher revestida de sol, tendo a lua
debaixo dos pés e, sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas”.
João Paulo II
15/08/1995:
“Uma mulher revestida de sol”
“Na
solenidade da assunção, a Igreja aplica estas palavras do Apocalipse de São
João a Maria: elas contam-nos, num certo sentido, a parte conclusiva de
história da ‘mulher revestida de sol’: falam-nos de Maria elevada ao céu. Já na
glória do céu, contempla face a face o mistério que penetrou a sua existência
terrena.
Na entrada
da casa de Zacarias nasce o hino mariano do magnificat. Maria louva Deus e é
louvada por ele.
A
Assunção de Maria constitui uma particular participação na ressurreição de
Cristo. Se a morte não tem poder sobre ele (Cristo), ou seja, sobre o Filho –
tampouco o pode ter sobre a Mãe, isto é, sobre aquela que lhe deu a vida
terrena. No mistério da Assunção, Maria é a primeira a receber a glória. A
Solenidade da Assunção apresenta-nos o reinar do nosso Deus e o poder de Cristo
sobre toda a criação.
Tradição
Há muitos
séculos a Igreja fala sobre a Assunção de Maria.
São Sérgio
I (687 – 701) São Leão IV (849 – 855)
Inocêncio
IV (1243 – 1572)
São Pio V (1566 – 1572)
Teólogos:
Santo Alberto Magno – 1280 Santo
Tomás de Aquino - 1274
São Boaventura –
1274 João Duns Scotus – 1308
Vaticano II
LG 59
“Finalmente, a Imaculada Virgem, preservada imune de toda a mancha da culpa
original, foi Assunta em corpo e alma à glória celeste”.
Silogismo
Lc 24, 50-53 - Ascensão
Lc
1, 30-38 - Maria é serva
Jo 12,26 - Onde ele estiver...
Jo 17,24 - Ver a glória de Jesus
Ap 12,1-6 - Igreja e Maria
1Cro 15,3-4.15-16; 16, 1-2 - Arca da Aliança.
Resumo
Sendo
Maria a Cheia de Graça, sem sombra alguma de pecado, quis o Pai associá-la à
Ressurreição de Jesus.
Maria
------------ “A nova Arca da Aliança” - A Arca da Aliança continha a lei
(Mandamentos)
A Arca da
Aliança foi colocada no centro da tenda (Jerusalém) - símbolo do céu e o povo - faziam pedidos a Deus através da Arca.
Maria está
no centro do céu e contem a Lei (Jesus) – e nós fazemos pedidos a ela –
(intercessão).
Maria é
imagem e início da Igreja no futuro; uma mulher participa da glória do Deus
vivo; a dignidade da mulher é reconhecida pelo criador; nosso corpo, templo do
Espírito Santo, é para a santidade, não para o pecado;
Maria está no céu porque foi
serva.
III. MARIA, IGREJA E MINISTÉRIOS
Para falarmos de Maria
relacionada ao ministério Batismal e Sacerdotal, é necessário fazermos menção
ao relacionamento de Maria com a Igreja, dado que estes ministérios são
ministérios eclesiais, pois se desenvolvem no âmbito da Igreja. São, sobretudo,
serviços. Ministério aponta para o serviço, dado que o ministro é o servidor da
comunidade, (ministerium =
serviço, vem da raíz minus
= menor, o que está em
posição abaixo para servir à mesa e minister
= servo ou servente). É
importante notar que o primeiro e mais fundamental na Igreja é a comunidade e
não o ministério, pois o ministério existe em função da comunidade. Por isso,
quando os ministros se sobrepõem à comunidade com espírito de dominação e
mando, é uma aberração.[8]
E quando falamos em
comunidade, comunhão, nos reportamos ao que é nuclear no cristianismo: ao amor.
O único valor que permanecerá para sempre, a única meta da vida cristã, é o
amor. Mas dizer amor parece um lugar comum, a palavra amor serve para tantas
coisas, por isso o amor compreendido cristãmente é serviço: amor-serviço:
“coloquem-se a serviço uns dos outros através do amor” (Gl 5,13). A grandeza de
Maria, portanto, está neste amor único e perfeito com o qual ela amou Jesus,
cumprindo a vontade do Pai que é a aceitação de Jesus em nossa vida: A vontade
do Pai é que aceiteis aquele que Ele enviou e assim tenham a vida eterna (cf.
Jo 6,40).
A Igreja é comunidade
de amor, é Igreja da Caridade[9] e nela Maria refulge como a que mais amou. Porque estava
imersa no amor, tinha o espírito de serviço: “Eis aqui a serva do Senhor,
faça-se em mim segundo a tua vontade” (Lc 1,38). Mas o amor da Igreja, e o de
Maria também, não é amor primeiro, só Deus ama primeiro, portanto é um amor que
brota da fé.
O ponto fundamental do
relacionamento de Maria com a Igreja é sua primazia na fé: “bem-aventurada você
que acreditou...” (Lc 1, 45). O concílio Vaticano II diz: “A todos aqueles que
olham com fé para Jesus, como autor da salvação e princípio de unidade e de
paz, Deus convocou-os e constituiu com eles a Igreja, a fim de que ela seja
para todos e cada um, sacramento visível desta unidade salvífica”.[10] Podemos afirmar que a fé é fundamento e condição para tudo
o mais dentro do cristianismo. É atitude fundamental como resposta a uma
proposta. Podemos afirmar até que: “O cristianismo não é propriamente uma
religião, mas antes uma experiência de fé”.[11]
Existe, portanto, uma proto-bem-aventurança, uma bem-aventurança que precede todas
aquelas enumeradas no Sermão da Montanha. É a bem-aventurança da Fé proclamada
por Isabel (Lc 1,45) e confirmada por Jesus: “Felizes, antes, os que ouvem a
Palavra de Deus e a observam (Lc 11,17-28; cf. tb.: Mc 16,16; Jo 20,29).
Maria cooperou de modo singular com a obra da redenção, pela fé, obediência,
esperança e caridade, por tudo isso ela é mãe da Igreja na ordem da graça.[12] Ela é assim reconhecida como modelo extraordinário da
Igreja na ordem da fé: “Maria reúne em si e reflete as maiores exigências da
fé”.[13] Os bispos da América Latina por isso vêem em Maria a
educadora na fé: “Enquanto peregrinamos, Maria será a mãe educadora na fé, ela
cuida que o Evangelho nos penetre intimamente, plasme nossa vida de cada dia e
produza em nós frutos de santidade”.[14]
O papa João Paulo II faz uma
consideração significativa a respeito da fé de Maria, dizendo que no cenáculo,
através da vinda do Espírito Santo, começou a caminhada da fé da Igreja. Porém,
a caminhada da fé de Maria é mais longa que a da Igreja, pois a de Maria
começou na Anunciação: “No cenáculo, o itinerário de Maria encontra-se com a
caminhada da fé da Igreja (...) esta sua fé heróica precede o testemunho apostólico
da Igreja e permanece no coração da mesma Igreja”.[15]
De Pentecostes nasce a
Igreja com sua missão e serviço apostólico. Missão que podemos associar ao batismo,
e serviço apostólico o qual podemos associar ao sacerdócio ministerial. Maria
não recebeu diretamente esta missão apostólica e nem precisou ser batizada com
água como nós, mas ela é a grande testemunha que confere historicidade ao
mistério da encarnação e redenção:
· “Esse primeiro núcleo daqueles que se
voltaram com fé para Jesus Cristo, autor da salvação, estava consciente de que
o mesmo Jesus era o Filho de Maria e que ela era sua Mãe; e como tal, desde o
momento da concepção e do nascimento, ela era uma testemunha especial do
mistério de Jesus, daquele mistério que tinha sido expresso e confirmado diante
dos seus olhos com a cruz e a Ressurreição. A Igreja, portanto, desde o
primeiro momento, olhou para Maria através de Jesus, como também olhou para
Jesus através de Maria. Ela foi para a Igreja de então e de sempre uma
testemunha singular (...) foi quem primeiro acreditou”.[16]
Por tudo isto, podemos falar
de um “princípio mariano”, que perpassa toda a fé da Igreja e que se pode
exprimir da seguinte maneira: “O ato de fé mariano-eclesial perfeito completa e
aperfeiçoa o ato de fé que fazemos de modo incompleto e imperfeito”.[17] Assim podemos falar de Maria relacionando-a ao ministério
Batismal e Sacerdotal, porque relacionada intimamente a Jesus no mistério
Pascal. Maria recebe no Templo, uma profecia especial: terá participação
privilegiada nos sofrimentos do Salvador, “uma espada transpassará sua
alma” (Lc 2,25-38).
IV. SACRAMENTOS E MINISTÉRIOS
A
vida da Igreja que, como tal, é sacramento na expressão marcante da Lumen Gentium no seu primeiro capítulo, é
constituída pelos sacramentos. Sem Igreja não seria possível celebrar os
sacramentos, pois foi à comunidade que Jesus mandou batizar, celebrar a ceia,
entregou o serviço apostólico. Os sacramentos são expressões do mistério=mysterionmanifestado
em Cristo. O
auge da história da salvação é o evento Cristo, o mistério por excelência, que
Deus torna acessível através de mistérios mediadores e secundários que são a
celebração dos mistérios litúrgicos na Igreja.
Os sacramentos podem
ser entendidos como atos sinalizadores nos quais o evento sinalizado
(Cristo/Salvação) toca e transforma a realidade presente. Esta é a visão
patrística dos sacramentos da Igreja Oriental. Na Igreja do Ocidente o conceito
bíblico mysterion será traduzido pelo termo latino sacramentum = sacramento. No idioma romano,
sacramento tem um significado especial: designa o juramento à bandeira prestado
por soldados quando convocados para a guerra. Assim se expressa Tertuliano (cf. Ad martyres 3,1): “Somos convocados ao serviço militar
do Deus vivo, quando repetimos as palavras do juramento à bandeira – cum insacramenti verba respondemus) ”.[18]
O Vaticano II vai recuperar
de forma abrangente a compreensão dos sacramentos. Neles se processa por força
do Espírito Santo a obra da redenção realizada por Cristo, possibilitando a
participação no mistério pascal. Os sacramentos têm sua força eficaz no ato
memorial que “nutre a vida cristã” e capacita os fiéis para “exercerem o amor”.[19]
A consideração sobre os
sacramentos pode adquirir uma dimensão ampla e pluriforme, com uma imensa
riqueza que poderíamos resumir da seguinte maneira: os sacramentos são a
maneira como as pessoas encontram seu lugar em Cristo (Rm 8,1), eles permitem
que já não vivam elas próprias, mas Cristo nelas (Gl 2,20), a fim de que Deus
seja tudo em todos (1Cor 15,28). Esta configuração a Cristo que provém do
Batismo e da Ordem, traz em si uma exigência de servir como Cristo.
Aqui, porém, vamos partir da
consideração feita acima no sentido de falar do Batismo como sacramento que
torna os batizados ministros no sentido em que respondem ao anúncio-kérigma, tornando-se discípulos e
missionários. O sacramento da Ordem faz do batizado um servidor do Povo
de Deus, para criar a solidariedade entre os homens e Deus e dos homens entre
si. Ambos fazem um juramento, se engajam numa tarefa de vida como Maria que
ouviu o Anjo que lhe anunciou Jesus. Ela acreditou, respondeu com a fé de
discípula e se tornou missionária indo levar Jesus a Isabel. E por toda a sua
vida esteve a serviço da causa de Jesus, o Reino, como mostram os Evangelhos.
Tanto no Batismo como na
Ordem existe um sim fundamental que nos reporta ao sim de Maria: “O sim de Maria é a porta através da qual
Deus pôde entrar no mundo, fazer-se homem. Assim, Maria está real e
profundamente comprometida com o mistério da Encarnação, da nossa salvação...
Assim, sacrifício, sacerdócio, Encarnação caminham juntos e Maria está no
centro deste mistério”.[20]
V. MINISTÉRIO BATISMAL: DISCIPULADO E MISSÃO A EXEMPLO DE MARIA
1. Batismo
como inserção em Cristo
O batismo
acontece como resposta a uma proposta. Quando Deus em Jesus se torna manifesto
a nós, devemos responder com a fé e sermos batizados. Este é o caminho conforme
nos mostra os Atos dos Apóstolos (2,14-41). O kérigma é fundamental, é o que vem
primeiro e gera a fé e, consequentemente, o batismo.
Com o batismo de crianças
que se tornou a norma em
nossa Igreja , perdeu-se muito do verdadeiro significado do
batismo e suas consequências. A Igreja tem se empenhado para recuperar o kérigma como momento primeiro
de proposta, chamado, anúncio de Jesus que fundamenta o batismo e a vida
cristã, mas até hoje não tem conseguido. A V Conferência dos Bispos da América
Latina em Aparecida ressalta a importância do Kérigma: “A iniciação cristã que inclui o kérigma, é a maneira prática de
colocar alguém em contato com Jesus Cristo e iniciá-lo no discipulado”.[21]
Ao ser batizado, recebe-se a
vida nova em Cristo, a participação na vida de amor da Trindade. Incorporado à
comunidade, participa do sacerdócio comum dos fiéis (sacerdote, pastor e
profeta) e em contato constante com Cristo, o cristão vai se formando como
discípulo em vista da missão. Ser ouvinte da Palavra, ser discípulo é o que é
simbolizado no rito do batismo, quando o celebrante toca os ouvidos do que está
sendo batizado, augurando que logo possa dedicar-se a ouvir a Palavra.
O Batismo é inserção em
Cristo que é a Palavra de Deus Viva, a ser ouvida (discípulo) e anunciada
(missão). O batismo tem muito a ver com o profetismo de Jesus, por isso Pedro
no dia de Pentecostes, anunciando o kérigma, diz que chegou o tempo de todos
profetizarem (At 2, 17-18). Os que são batizados assumem a missão profética de
Jesus no mundo, missão que ele deixa clara ao falar na sinagoga de Nazaré (Lc
4, 18-20).
A mensagem distintiva do
cristianismo é que o Pai estabeleceu que as palavras e as ações de seu Filho
encarnado, cheio do Espírito Santo, sirvam como instrumentos privilegiados de
sua justificação definitiva do mundo por meio da sua extensão na história
(Igreja), até que chegue à nova criação. Assim o batismo pode ser visto como
prolongamento do ato profético de Jesus em favor da vida e da justiça do Reino.
“Concretamente, os batizados deveriam promover a procura dos direitos humanos,
da justa distribuição, da justiça racial, da fraternidade internacional e da
responsabilidade global, e deveriam fazer isso explicitamente em nome de Jesus,
que é “justiça de Deus” (1Cor 1,30).[22]
A água batismal é sinal da
vida nova em Cristo, porque a água dá vida; o batismo nos faz construtores do
mundo novo da graça. Mas a água também tem força para matar, e assim no batismo
morremos para o pecado e nos comprometemos em anunciar o fim do mundo do
pecado. No rito do batismo a missão é sinalizada quando o celebrante toca os
lábios do que está sendo batizado e almeja que ele possa logo anunciar a
Palavra.
2. Maria: Discípula perfeita e missionária, paradigma para os batizados
Podemos relacionar Maria ao
ministério batismal, percebendo como ela se tornou ouvinte da Palavra e ajudou
os outros a se tornarem ouvintes também. Maria é aquela que sabe ouvir, é a
grande ouvinte que “guardava tudo e meditava em seu coração” (Lc 2,19).
Poderíamos falar muito sobre este aspecto do ouvir e do silêncio, como algo
revolucionário na nossa vida de cristãos e no nosso relacionamento com Deus;
penso ser desnecessário. Limito-me a transcrever o que dizem os bispos em
Aparecida: “A máxima realização da existência cristã como um viver trinitário
de filhos no Filho, nos é dada na Virgem Maria que, através de sua fé (cf. Lc
1,45) e obediência à vontade de Deus (cf. Lc 1,38), assim como por sua
constante meditação da palavra e das ações de Jesus (cf. Lc 2,19.51), é a
discípula mais perfeita do Senhor”.[23]
Maria discípula ouve a vida
toda e ajuda os outros a ouvirem Jesus. Ao levar Jesus a Isabel que “sentiu” a
presença do “seu senhor”, como em Caná quando recomenda que façam o que Ele
diz, como no Cenáculo rezando com os apóstolos. Para Lucas, Maria é a mãe de
Jesus (At 1,14). Mas por tudo que aconteceu no seu itinerário de vida, ela teve
de se fazer sua discípula, de tal forma que aparece neste começo da Igreja como
irmã entre os irmãos (At 1,15); no cenáculo, a comunidade dos discípulos de
Jesus forma um grupo de irmãos e entre eles está Maria, colocando à disposição
da Igreja nascente seus dons de oração e seu testemunho de fé.[24]
Podemos relacionar Maria com
o ministério batismal de ser missionário, percebendo que Maria o foi, levando
Jesus e anunciando pelo Magnificat o
cumprimento das promessas de Deus (Lc 1, 46-56). Maria aqui é profetiza no
sentido em que anuncia a seu modo a justiça de Deus. “Profeta é aquele que diz
algo aberta e coerentemente, que tem algo a dizer com toda a sua vida, algo que
só pode ser dito neste mundo por meio dele”.[25] Maria aí nos mostra que é a partir da fé e da aceitação de
Jesus Cristo e sua missão em favor do Reino, que podemos assumir em nossa vida
a missão de Jesus em sua dimensão libertadora no plano individual e social. “É
para ela, pois, que a Igreja, da qual ela é Mãe e Modelo, deve olhar para
compreender, na sua integridade, o sentido de sua missão”.[26]
Maria é a grande
missionária, continuadora da missão de seu Filho e formadora de missionários,
dizem os bispos em
Aparecida. Ela , da mesma forma como deu à luz o Salvador do
mundo, trouxe o Evangelho à nossa América, referindo-se ao acontecimento de
Guadalupe. Por isso hoje, quando se quer enfatizar o discipulado e a missão, é
ela quem brilha diante de nossos olhos como imagem acabada e fiel do seguimento
de Jesus Cristo.[27]
A Igreja gera de modo virginal
seus filhos nascidos da água e do sopro do Espírito Santo para serem discípulos
e missionários. Aquilo que acontece em nós no batismo tem sua originalidade e
sua força inicial no seio da virgem Maria. “Junto a toda fonte batismal da mãe
Igreja, está a Mãe de Jesus”.[28]
VI. MINISTÉRIO SACERDOTAL: SERVIÇO E SOLIDARIEDADE EM UNIÃO COM MARIA
1. Sacerdócio ministerial: configuração a
Cristo Servo
Neste ano sacerdotal que tem
como tema “fidelidade a Cristo, fidelidade sacerdotal”, a reflexão sobre o
sacramento da ordem é abundante, porém para lembrar a missão do sacerdote basta
uma palavra: servir. O
serviço foi idéia vital do concílio Vaticano II. Firmando-se na idéia bíblica
fundamental de serviço, o concílio relembra aos cristãos aquilo que segundo as
Escrituras é a atitude religiosa básica de Cristo, e que deve ser também a
atitude de cada cristão perante seus irmãos e toda a família humana.[29]
O documento sobre a formação
dos futuros sacerdotes deixa claro: “Saibam com muita clareza os candidatos ao
sacerdócio, que seu destino não é o domínio nem as honras; ao contrário,
deverão eles colocar-se inteiramente a serviço de Deus e do ministério
pastoral”.[30] Habilitados pelo caráter e pela graça do sacramento da
ordem, os sacerdotes como ministros de Jesus Cristo, se comprometam
voluntariamente a servir a todos na Igreja. Enfim, o ministério sacerdotal foi
instituído num contexto, a última ceia, onde Jesus encenou o lava-pés como
recurso extremo para exortar e deixar claro qual o cerne do ministério
apostólico na Igreja: o serviço em vista da solidariedade ou unidade de Deus
com os homens e dos homens entre si.[31]
Se o presbítero deve
configurar-se a Cristo, a forma humana de Cristo é a forma de servo: “Como
subsistisse na natureza de Deus... despojou-se a si mesmo, tomando a condição
de servo” (Fl 2,6). Servo, esta é a condição “incômoda” de vida, o modus vivendi do Verbo encarnado em vista de se
fazer solidário com a humanidade em tudo, menos no pecado.
O serviço do sacerdote assim
como o de Jesus Cristo tem como finalidade a realização “antecipada” do Reino
na história, prolongando os gestos proféticos de Cristo. Mesmo havendo
diferenças nos graus do sacramento da Ordem (bispo - supervisor, o presbítero -
mais velho/superior e diácono - servidor), há um fio condutor que perpassa
estas funções: o serviço. O que está fora do serviço é dominação e não pertence
ao espírito de Cristo. O serviço exercido pelo sacerdote expressa-se de várias
maneiras: no testemunho de pertença a Deus, na função de santificar, no anúncio
da Palavra de Deus, na guarda do amor, na defesa da vida, na opção pelos
pobres, enfim: no empenho pela justiça do Reino.[32]
Tem-se falado muito na
“caridade pastoral” que é expressão da vida de serviço do presbítero à
comunidade, no exercício de seu papel específico que é garantir a unidade da
comunidade eclesial.[33] Porém, redescobre-se hoje a importante tarefa do sacerdote
como mediador: “Uma tarefa importante do presbítero hoje é ser mistagogo, educador para a
oração, mestre da oração. Ele não é realmente mediador entre Deus e os homens.
Há um só mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus (1Tm 2,5). Só
ele é o mediador da Nova Aliança (Hb 8,6; 9,15; 12,24). O sacerdote pode, sim,
participar dessa função, como, aliás, todo cristão ou cristã, e de modo
particularíssimo Maria, Mãe de Jesus (cf. LG 60,1;62)... Ele é o paraninfo que leva a noiva ao noivo, como
sugere Paulo (cf. 2Cor 11, 2). Ele não é o noivo, mas apenas o amigo do noivo...”.[34]
2. Maria: Serva solidária e mistagoga, paradigma para os sacerdotes
Se o amor-serviço é o
fundamento da missão sacerdotal e seu exercício se dá na caridade pastoral que
se desdobra em várias funções, podemos auferir que todas as funções sacerdotais
têm relação com Maria.[35] Associada como mãe a Cristo redentor, Maria embora não
participando do sacramento da Ordem, adquire missão com características
sacerdotais e de oferta sacrifical, que estão em estreita relação com Cristo
sacerdote.[36]
O sacerdócio de Cristo
não era clerical, tanto Jesus como Maria foram leigos. O sacerdotal em Cristo
pertence à sua realidade existencial e situa-se no nível da teologia, como o
mostra a carta aos Hebreus, que tem como categoria de fundo o sacerdócio como mediação. Esta mediação do
Cristo Sacerdote começa com sua existência terrena, culmina na cruz e permanece
para sempre na sua existência de Ressuscitado glorioso.
“Maria e o sacerdote são
ambos instrumentos de comunicação salvífica entre Deus e os homens, a primeira
mediante a encarnação, o segundo mediante os poderes da ordem”, afirma Paulo VI,[37] aquela que está no ápice da economia da salvação “precede e
supera o sacerdócio”.[38] O sacerdote está unido ao ministério de Cristo e, como
Maria esteve associada à sua missão, ela o está também associada à ação
ministerial de cada sacerdote. Por isso Maria é a mãe dos sacerdotes de modo
especial.[39]
A Carta aos Hebreus propõe
duas condições requeridas para ser sacerdote: fidelidade e compaixão (Hb.
3,1-5,10 ). Em Maria a fidelidade aparece de forma perfeita na sua adesão ao
Plano de Deus manifestado em
Cristo. Sua compaixão se expressa na sua união íntima a
Cristo e associação à obra da redenção: estava junto à cruz. É claro que o
único mediador é Cristo, mas em João a mediação de Maria junto a Jesus é
destacada em texto muito concreto: o de Caná (2, 1-12). “Quando o episódio de
Caná chega ao fim, Jesus já realizou o primeiro sinal, os discípulos crêem e
Maria já está associada à hora de Jesus com missão e função concretas”.[40] Esta mediação está conectada também com a ação do Espírito
Santo simbolizado na água. Maria tem relação com o Espírito que transforma a
História e renova todas as coisas em ordem ao Reinado de Deus. Como ressalta
João, uma das funções de Maria na Igreja é servir aos irmãos, conduzindo-os à
fé: Maria leva à fé: é mistagoga.[41]
Assim a espiritualidade
sacerdotal é essencialmente eclesial e mariana, porque brota do fato de ser o
sacerdote, sinal pessoal de Cristo que está presente na Igreja, associando
Maria à sua missão. Vivendo o mistério de Maria, entra-se mais profundamente no
mistério de Cristo sacerdote.[42] Enfim, a maternidade de Maria deve ser compreendida não só
no plano do afeto, como amor materno, mas também no plano de formar e educar
para a vida, que é tarefa própria da mãe e que, na Igreja, é exercida de modo
especial pelo ministro ordenado que chamamos de padre, “pai”.
Maria “mulher Eucarística”[43] ensina ao sacerdote a oferecer sua vida na Missa. Sobre o
altar ele fará seu o sim com o qual Maria se ofereceu a si mesma
na Anunciação, para ser a fiel colaboradora com a obra redentora de Cristo. Se
Maria tem relação com a hora de nossa morte, como a invocamos na Ave Maria, não
é somente porque é a hora mais angustiante, é também porque é a hora do nosso
eterno nascimento para a vida definitiva. É o momento do parto em que a mãe
Maria, primeira entre os redimidos, qual sacerdote, se faz presente para nos
consignar à Trindade que nos acolherá como Pátria dos
redimidos.
CONCLUSÃO
É evidente a partir das Escrituras o papel importante de Maria na História da
Salvação: Jesus a associou à sua missão. Se Maria está associada a
Cristo, está também associada à Igreja e nela tem presença destacada, pelo que
podemos chamá-la de “Mãe da Igreja”, como o declarou solenemente o Papa Paulo
VI no encerramento da terceira fase do Concílio Vaticano II: “Para a glória da
Virgem e para o nosso consolo, proclamamos Maria Santíssima Mãe da Igreja, isto é de todo o
Povo de Deus, tanto dos fiéis como dos pastores”.[44]
A força
original do papel que Maria ocupa na Igreja brota da fé (sim) e do serviço
(amor). Já ao ser apresentada no Evangelho (Anunciação), ela é aquela que
acredita e, por amor, se coloca a serviço: “Eis a serva do Senhor...” A partir
de sua Fé podemos ver nela o modelo dos batizados, que devem ser discípulos e
missionários, entregando-se continuamente na adesão fiel ao seguimento de
Jesus.
A partir
de seu espírito de amor-serviço podemos ver nela um paradigma para os
sacerdotes como mediadores: servidores da solidariedade entre Deus e os homens
e dos homens entre si: “O Concílio Vaticano II convida os sacerdotes a olhar
para Maria como o modelo perfeito da sua existência, invocando-a como Mãe do
Sumo e eterno Sacerdote, Rainha dos Apóstolos, Auxílio dos presbíteros em seu
ministério”.[45]
Minha
alma engrandece ao Senhor porque Ele fez em mim grandes coisas e doravante
todas as gerações me chamarão de Bendita (cf. Lc 1, 46-55). A canção
libertadora de Maria segundo a tradição vétero-testamentária (Miriam, Débora,
Ana, Judite), indica a nova ordem da criação, que é boa nova para os pobres e
marginalizados da sociedade. Este é o cântico de Maria na assembléia dos
batizados - discípulos e missionários - a Igreja, que por intermédio de seus
ministros ordenados na sucessão dos apóstolos, proclama a Palavra e celebra a Eucaristia,
tornando Jesus presente no mundo, assim como ela o fez.
Fontes de consulta
Bíblia -
Ave Maria e CNBB
Com Maria a Mãe de Jesus -
Dom Murilo S. R. Krieger, scj
Carta encíclica A Mãe do Redentor - João Paulo II
Maria, a Bem-aventura porque acreditou - Ed. Loyola
A Figura de Maria através dos Evangelhos - Ed. Loyola
Curso de Mariologia -
Escola “Mater Ecclesiae”
Vaticano II -
Lumen Gentium
Diácono Neves
Diácono Neves
João Evangelista omitiu o nome de Maria porque havia muitas Marias ? porque era um nome comum ?
ResponderExcluirJoão já não sabia que ela era Maria Santíssima ?
Voces católicos...