Natal do Senhor Missa da Meia-noite
TEMA
A liturgia desta noite fala-nos
de um Deus que ama os homens; por isso, não os deixa perdidos e abandonados a
percorrer caminhos de sofrimento e de morte, mas envia “um menino” para lhes
apresentar uma proposta de vida e de liberdade. Esse menino será “a luz” para o
povo que andava nas trevas.
A primeira leitura anuncia a
chegada de “um menino”, da descendência de David, dom de Deus ao seu Povo; esse
“menino” eliminará a guerra, o ódio, o sofrimento e inaugurará uma era de
alegria, de felicidade e de paz sem fim.
O Evangelho apresenta a
realização da promessa profética: Jesus, o “menino de Belém”, é o Deus que vem
ao encontro dos homens para lhes oferecer – sobretudo aos pobres e
marginalizados – a salvação. A proposta que Ele traz não será uma proposta que
Deus quer impor pela força; mas será uma proposta que Deus oferece ao homem com
ternura e amor.
A segunda leitura lembra-nos as
razões pelas quais devemos viver uma vida cristã autêntica e comprometida:
porque Deus nos ama verdadeiramente; porque este mundo não é a nossa morada
permanente e os valores deste mundo são passageiros; porque, comprometidos e
identificados com Cristo, devemos realizar as obras dele.
LEITURA I – Is 9,1-6
O povo que andava nas trevas viu uma grande luz;
para aqueles que habitavam nas sombras da morte
uma luz começou a brilhar.
Multiplicastes a sua alegria,
aumentastes o seu contentamento.
Rejubilam na vossa presença,
como os que se alegram no tempo da colheita,
como exultam os que repartem despojos.
Vós quebrastes, como no dia de Madiã,
o jugo que pesava sobre o povo,
o madeiro que ele tinha sobre os ombros
e o bastão do opressor.
Todo o calçado ruidoso da guerra
e toda a veste manchada de sangue
serão lançados ao fogo e tornar-se-ão pasto das chamas.
Porque um menino nasceu para nós,
um filho nos foi dado.
Tem o poder sobre os ombros
e será chamado «Conselheiro Admirável, Deus forte,
Pai eterno, Príncipe da paz».
O seu poder será engrandecido numa paz sem fim,
sobre o trono de David e sobre o seu reino,
para o estabelecer e consolidar por meio do direito e da
justiça, agora e para sempre.
Assim
o fará o Senhor do Universo.
AMBIENTE
No Livro do profeta Isaías aparece um conjunto de oráculos
ditos “messiânicos”, que falam desse mundo de justiça e de paz que Deus, num
futuro sem data marcada, vai oferecer ao seu Povo. No entanto, não é seguro se
esses textos provêm do profeta, ou se são oráculos posteriores, que o editor
final da obra de Isaías enxertou no texto original do profeta… É o caso deste
texto que nos é proposto.
Se for de Isaías, o nosso texto pertence, provavelmente, à
fase final da vida do profeta… Estamos na época do rei Ezequias, no final do
séc. VIII a.C.; o rei, desdenhando as indicações do profeta (para quem as
alianças políticas são sintoma de grave infidelidade para com Jahwéh, pois
significam colocar a confiança e a esperança nos homens), envia embaixadas ao
Egito, à Fenícia e à Babilônia, procurando consolidar uma frente contra a
grande potência da época – a Assíria. A resposta de Senaquerib, rei da Assíria,
não tarda: tendo vencido, sucessivamente, os membros da coligação, volta-se
contra Judá, devasta o país e põe cerco a Jerusalém (701 a .C.). Ezequias tem de
submeter-se e fica a pagar um pesado tributo aos assírios.
Desiludido com os reis e com a política, o profeta teria,
então, começado a sonhar com um tempo novo, sem guerra nem armas, onde reinam a
justiça, o direito e o “temor de Deus”. Este texto pode ser dessa época.
O “menino” aqui referenciado, da descendência de David,
pode também estar relacionado com o “Emanuel” de Is 7,14-17. Trata-se, em
qualquer caso, de um texto que vai alimentar a esperança messiânica e que vai
potenciar o sonho de um futuro novo, de paz e de felicidade para o Povo de
Deus.
MENSAGEM
Para descrever a situação de opressão, de frustração, de
desespero, de falta de perspectivas, de desconfiança em relação ao futuro em
que a comunidade nacional estava mergulhada, o profeta fala de um “povo que
andava nas trevas” e que habitava “nas sombras da morte”. O panorama é sombrio
e parece não haver saída, pois os reis de Judá já provaram ser incapazes de
conduzir o seu Povo em direção à felicidade e à paz.
Mas, de repente, aparece uma “luz”. Essa luz acende a
esperança e provoca uma explosão de alegria. Para descrever essa alegria, o
profeta utiliza duas imagens extremamente sugestivas: é como quando, no fim das
colheitas, toda a gente dança feliz celebrando a abundância dos alimentos; é
como quando, após a caçada, os caçadores dividem a presa abundante.
Mas porquê essa alegria e essa felicidade? Porque o jugo
da opressão que pesava sobre o Povo foi quebrado e a paz deixou de ser uma
miragem para se tornar uma realidade. No quadro que representa a vitória da
paz, vemos os símbolos da guerra (o pesado calçado dos guerreiros e as roupas
ensanguentadas) a serem destruídos pelo fogo. Quem é que provocou a alegria do
Povo, derrotou a opressão, venceu a guerra, restaurou a paz? O autor não o diz
claramente; mas ninguém duvida que tudo isso é ação do Deus libertador.
Como foi que Deus instaurou essa nova ordem? Foi através
de “um menino”, enviado para restaurar o trono de David e para reinar no
direito e na justiça (as palavras “mishpat” e “zedaqa”, utilizadas neste
contexto, evocam uma sociedade onde as decisões dos tribunais fundamentam uma
reta ordem social, onde os direitos dos pobres e dos oprimidos são respeitados
e onde, enfim, há paz). O quádruplo nome desse “menino” evoca títulos de Deus
ou qualidades divinas (o título “conselheiro maravilhoso” celebra a capacidade
de conceber desígnios prodigiosos e é um atributo de Deus – cf. Is 25,1; 28,29;
o título “Deus forte” é um nome do próprio Jahwéh – cf. Dt 10,17; Jr 32,18; Sl
24,8; o título “príncipe da paz” leva também a Jahwéh aquele que é “a paz” –
cf. Is 11,6-9; Mi 5,4; Zc 9,10; Sl 72,3.7). Quanto ao título “Pai eterno”, é um
título do rei – cf. 1 Sm 24,12 – e é um título dado ao faraó nas cartas de Tell
el-Amarna). Fica, assim, claro que esse “menino” é um dom de Deus ao seu Povo e
que, com ele, Deus residirá no meio do seu Povo, oferecendo-lhe cada dia a
justiça, o direito, a paz sem fim.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão deste texto pode fazer-se a partir dos
seguintes elementos:
♦ É Jesus, o “menino de
Belém”, que dá sentido pleno a esta profecia messiânica de Isaías. Ele é
“aquele que veio de Deus” para vencer as trevas e as sombras da morte que
ocultavam a esperança e instaurar o mundo novo da justiça, da paz e da
felicidade. O nascimento de Jesus que celebramos esta noite significa que,
efetivamente, este “Reino” chegou e encarnou no meio dos homens. No entanto:
ele é hoje uma realidade instituída, viva, atuante na história humana? Porquê?
♦ Acolher Jesus,
celebrar o seu nascimento, é aceitar esse projeto de justiça e de paz que Ele
veio trazer aos homens. Esforçamo-nos por tornar realidade o “Reino de Deus”?
Como lidamos com a injustiça, a opressão, a guerra, a violência: com a
indiferença de quem sente que não tem nada a ver com isso, ou com a inquietação
de quem se sente responsável pela instauração do “Reino de Deus”?
♦ Em quê, ou em quem
coloco eu a minha esperança e a minha segurança? Nos políticos que me prometem
tudo e se servem da minha ingenuidade para fins próprios? No dinheiro que se
desvaloriza e que não serve para comprar a paz do meu coração? Na situação
sólida da minha empresa, que pode desfazer-se diante das próximas convulsões
sociais ou durante a próxima crise energética? Isaías diz que só podemos
confiar em Deus e nesse “menino” que Ele mandou ao nosso encontro, se quisermos
encontrar a “luz” e a paz.
♦ Reparemos, ainda, no
“jeito” de Deus: Ele não se serve da força e do poder para intervir na história
e para mudar o mundo; mas é através de um “menino” – símbolo máximo da
fragilidade e da dependência – que Deus propõe aos homens o seu projeto de
salvação. Temos consciência de que é na simplicidade e na humildade que Deus
age no mundo? E nós seguimos os passos de Deus e respeitamos a sua lógica
quando queremos propor algo aos nossos irmãos?
SALMO
RESPONSORIAL – Salmo 95 (96)
Refrão:
Hoje nasceu o nosso Salvador, Jesus Cristo, Senhor.
Cantai
ao Senhor um cântico novo,
cantai
ao Senhor, terra inteira,
cantai
ao Senhor, bendizei o seu nome.
Anunciai
dia a dia a sua salvação,
publicai
entre as nações a sua glória,
em
todos os povos as suas maravilhas.
Alegrem-se
os céus, exulte a terra,
ressoe
o mar e tudo o que ele contém,
exultem
os campos e quanto neles existe,
alegrem-se
as árvores das florestas.
Diante
do Senhor que vem,
que
vem para julgar a terra:
Julgará
o mundo com justiça
e os
povos com fidelidade.
LEITURA II – Tito 2,1-14
Caríssimo:
manifestou-se
a graça de Deus,
fonte
de salvação para todos os homens.
Ele
nos ensina a renunciar à impiedade e aos desejos mundanos
para
vivermos, no tempo presente,
com
temperança, justiça e piedade,
aguardando
a ditosa esperança e a manifestação da glória
do
nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo,
que
Se entregou por nós,
para
nos resgatar de toda a iniquidade
e
preparar para Si mesmo um povo purificado,
zeloso
das boas obras.
AMBIENTE
Tito, o destinatário desta carta, é um cristão convertido
por Paulo (cf. Tt 1,4), que acompanhou o apóstolo em algumas missões
importantes (participou, com Paulo, no concílio de Jerusalém – cf. Gl 2,1-2;
esteve com ele em Éfeso; por duas vezes, foi enviado a Corinto, a fim de
resolver conflitos entre Paulo e essa comunidade – cf. 2 Cor 7,6-7; 8,16-17) e
que foi animador da Igreja de Creta (cf. Tt 1,5).
No entanto, esta carta não parece ser de Paulo; parece,
antes, ser um texto tardio, surgido quando a preocupação fundamental das
comunidades cristãs já não se centrava na vinda iminente do Senhor, mas em
definir a conduta dos cristãos no tempo presente. Estamos numa época de certo
marasmo, em que os cristãos perderam o entusiasmo inicial e em que muitos aparecem
instalados, acomodados numa fé morna e sem grandes exigências. Era preciso
recordar os fundamentos da fé e exortar a uma vida cristã exigente e
comprometida. Neste contexto, a preocupação fundamental do autor desta carta
será apresentar uma série de conselhos práticos que ajudem os cristãos a viver,
com coerência e com verdade, a sua fé no meio do mundo.
MENSAGEM
Neste fragmento, verdadeiro centro e coração de toda a
carta, o autor tenta dar aos cristãos razões válidas para viver uma vida cristã
autêntica e comprometida. Quais são essas razões?
A primeira é o amor (“kharis”) de Deus, que foi oferecido
a todos os homens. É esse amor que possibilita a renúncia à impiedade e aos
desejos deste mundo e a vivência da temperança, da justiça e da piedade; sendo
os destinatários desse amor transformador e renovador, temos de viver uma vida
nova e comprometida com o Evangelho.
A segunda é a esperança na manifestação gloriosa de
Cristo, que convida os homens a perceber que a terra não é a sua pátria
definitiva; quem espera a segunda vinda de Cristo, percebe que só faz sentido
olhar para os bens essenciais; consequentemente, desprezará os bens materiais,
que só interessam a este mundo.
A terceira é a obra redentora levada a cabo por Cristo.
Cristo entregou-se totalmente, até à morte, para nos salvar do egoísmo, do
orgulho, do pecado e para fazer de nós homens novos. Ligados a Ele pelo
batismo, tornamo-nos um com Ele e recebemos vida dele… Se estamos ligados a
Cristo e se recebemos dele vida, essa vida tem de manifestar-se na nossa
existência diária.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão pode fazer-se a partir das seguintes questões:
♦ Temos consciência do
amor de Deus e que a encarnação de Jesus é o sinal mais expressivo desse amor
por nós? Sendo os destinatários de um tal amor, amamos Deus da mesma maneira? A
nossa vida é uma resposta coerente ao amor de Deus – isto é, um compromisso
autêntico com Deus e com os seus valores?
♦ A nossa civilização
ocidental institucionalizou e sacralizou uma série de valores efêmeros (dinheiro,
poder, êxito profissional, “status” social, bens de consumo…) e montou uma
máquina de publicidade eficaz para os apresentar como a chave da verdadeira
felicidade. No entanto, com frequência esses valores estão em absoluta
contradição com os valores do Evangelho… Aprendemos, com Jesus, a ter um olhar
crítico sobre os valores que o mundo nos propõe e a confrontar, dia a dia, a
nossa vida com os valores do Evangelho?
♦ É Cristo a nossa
referência? É dele que recebemos vida? O seu “jeito” de viver (no amor, na
entrega, no dom da vida) foi assumido na nossa vida de todos os dias e na nossa
relação com os irmãos que nos rodeiam?
ALELUIA – Lc 2,10-11
Aleluia.
Aleluia.
Anuncio-vos
uma grande alegria:
Hoje
nasceu o nosso Salvador, Jesus Cristo, Senhor.
EVANGELHO – Lc 2,1-14
Naqueles
dias, saiu um decreto de César Augusto,
para
ser recenseada toda a terra.
Este
primeiro recenseamento efetuou-se
quando
Quirino era governador da Síria.
Todos
se foram recensear, cada um à sua cidade.
José
subiu também da Galiléia, da cidade de Nazaré,
à Judéia,
à cidade de David, chamada Belém,
por
ser da casa e da descendência de David,
a fim
de se recensear com Maria, sua esposa,
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que estava para ser mãe.
Enquanto
ali se encontravam,
chegou
o dia de ela dar à luz
e
teve o seu Filho primogênito.
Envolveu-O
em panos e deitou-O numa manjedoura,
porque
não havia lugar para eles na hospedaria.
Havia
naquela região uns pastores que viviam nos campos
e
guardavam de noite os rebanhos.
O
Anjo do Senhor aproximou-se deles
e a
glória do Senhor cercou-os de luz;
e
eles tiveram grande medo.
Disse-lhes
o Anjo: «Não temais,
porque
vos anuncio uma grande alegria para todo o povo:
nasceu-vos
hoje, na cidade de David, um Salvador,
que é
Cristo Senhor.
Isto
vos servirá de sinal:
encontrareis
um Menino recém-nascido,
envolto
em panos e deitado numa manjedoura».
Imediatamente
juntou-se ao Anjo
uma
multidão do exército celeste,
que
louvava a Deus, dizendo:
«Glória
a Deus nas alturas
e paz
na terra aos homens por Ele amados».
AMBIENTE
Lucas é o evangelista mais preocupado com as referências
históricas… O seu Evangelho está cheio de indicações que procuram situar com
precisão os acontecimentos… No que diz respeito ao nascimento de Jesus, Lucas
apresenta também algumas indicações que pretendem situar o acontecimento numa
época e num espaço concreto… Dessa forma, Lucas dá a entender que não estamos
diante de um fato lendário, mas de algo perfeitamente integrado na vida e na
história dos homens.
Há, no entanto, um problema… Lucas é um cristão de origem
grega, que não conhece a Palestina e que tem noções muito básicas da história
do Povo de Deus… Por isso, as suas indicações históricas e geográficas são, com
alguma frequência, imprecisas e inexatas. Pode ser o caso das indicações
fornecidas a propósito do nosso texto, já que não é muito fácil explicá-las.
É duvidoso que Quirino, como governador, tenha ordenado um
recenseamento na época em
que Jesus nasceu (só por volta do ano 6 d.C. é que ele se
tornou governador da Síria, embora possa ter sido “legado” romano na Síria
entre 12 e 8 a .C.…
Pode, realmente, nessa altura, ter ordenado um recenseamento que teve efeitos
práticos na Palestina por volta de 6/7 a.C., altura do nascimento de Jesus).
De qualquer forma, convém ter em conta que Lucas não está
a escrever história, mas a fazer teologia e a apresentar uma catequese sobre
Jesus, o Filho de Deus que veio ao encontro dos homens para lhes apresentar uma
proposta de salvação.
MENSAGEM
A primeira indicação importante vem da referência a Belém
como o lugar do nascimento de Jesus… É uma indicação mais teológica do que
geográfica: o objetivo do autor é sugerir que este Jesus é o Messias, da
descendência de David (a família de David era natural de Belém), anunciado
pelos profetas (cf. Mq 5,1). Fica, desta forma, claro que o nascimento de Jesus
se integra no plano de salvação que Deus tem para os homens – plano que os
profetas anunciaram e cuja realização o Povo de Deus aguardava ansiosamente.
Uma segunda indicação importante resulta do “quadro” do
nascimento. Lucas descreve com algum pormenor a pobreza e a simplicidade que
rodeiam a vinda ao mundo do libertador dos homens: a falta de lugar na
hospedaria, a manjedoura dos animais a fazer de berço, os panos improvisados
que envolvem o bebê, a visita dos pastores… É na pobreza, na simplicidade, na
fragilidade, que Deus se manifesta aos homens e lhes oferece a salvação. Os
esquemas de Deus não se impõem pela força das armas, pelo poder do dinheiro ou
pela eficácia de uma boa campanha publicitária; mas Deus escolhe vir ao
encontro dos homens na simplicidade, na fraqueza, na ternura de um menino
nascido no meio de animais, na absoluta pobreza. É assim que Deus entra na
nossa história… É assim a lógica de Deus.
Uma terceira indicação é dada pela referência às
“testemunhas” do nascimento: os pastores. Trata-se de gente considerada rude,
violenta, marginal, que invadiam com os rebanhos as propriedades alheias e que
tinham fama de se apropriar da lã, do leite e das crias do rebanho em benefício
próprio. Eram, com frequência, colocados ao lado dos publicanos e dos
cobradores de impostos pela rígida moral dos fariseus: uns e outros eram
pecadores públicos, incapazes de reparar o mal que tinham feito, tantas eram as
pessoas a quem tinham prejudicado. Ora, Lucas coloca, precisamente, esses
marginais como as “testemunhas” que acolhem Jesus. O evangelista sugere, desta
forma, que é para estes pecadores e marginalizados que Jesus vem; por isso, a
chegada de um tal “salvador” é uma “boa notícia”: a partir de agora, os pobres,
os débeis, os marginalizados, os pecadores, são convidados a integrar a
comunidade dos filhos amados de Deus. Eles vêm ao encontro dessa salvação que
Deus lhes oferece, em Jesus, e são convidados a integrar a comunidade da nova
aliança, a comunidade do “Reino”.
Uma quarta indicação aparece nos títulos dados a Jesus
pelos anjos que anunciam o nascimento: Ele é “o salvador, Cristo Senhor”. O título
“salvador” era usado, na época de Lucas, para designar o imperador ou os deuses
pagãos; Lucas, ao chamar Jesus desta forma, apresenta-o como a única
alternativa possível a todos os absolutos que o homem cria… O título “Cristo”
equivale a “Messias”: aplicava-se, no judaísmo palestinense do séc. I, a um
rei, da descendência de David, que viria restaurar o reino ideal de justiça e
de paz da época davídica; dessa forma, Lucas sugere que o “menino de Belém” é
esse rei esperado. O título “Senhor” expressa o caráter transcendente da pessoa
de Jesus e o seu domínio sobre a humanidade. Com estes três títulos, a
catequese lucana apresenta Jesus aos homens e define o seu papel e a sua
missão.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão sobre este texto pode partir das seguintes
indicações:
♦ O menino de Belém
leva-nos a contemplar o incrível amor de um Deus que se preocupa até ao extremo
com a vida e a felicidade dos homens e que envia o próprio Filho ao mundo para
apresentar aos homens um projeto de salvação/libertação. Nesse menino de Belém,
Deus grita-nos a radicalidade do seu amor por nós.
♦ O presépio
apresenta-nos a lógica de Deus que não é, tantas vezes, igual à lógica dos
homens: a salvação de Deus não se manifesta nos encontros internacionais onde
os donos do mundo decidem o destino dos homens, nem nos gabinetes ministeriais,
nem nos conselhos de administração das multinacionais, nem nos salões onde se
concentram as estrelas do jet-set, mas numa gruta de pastores onde brilha a
fragilidade, a dependência, a ternura, a simplicidade de um bebê recém-nascido.
Qual é a lógica com que abordamos o mundo: a lógica de Deus, ou a lógica dos
homens?
♦ A presença
libertadora de Jesus neste mundo é uma “boa notícia” que devia encher de
felicidade os pobres, os débeis, os marginalizados e dizer-lhes que Deus os
ama, que quer caminhar com eles e que quer oferecer-lhes a salvação. É essa
proposta que nós, os seguidores de Jesus, passamos ao mundo? Nós, Igreja, não
estaremos demasiado ocupados a discutir questões laterais, esquecendo o
essencial – o anúncio libertador aos pobres?
♦ Jesus – o Jesus da
justiça, do amor, da fraternidade e da paz – já nasceu, de forma efetiva, na
vida de cada um de nós, nas nossas casas religiosas, nas nossas comunidades
cristãs?
Natal do Senhor Missa do Dia
TEMA
A liturgia deste dia convida-nos
a contemplar o amor de Deus, manifestado na encarnação de Jesus… Ele é a
“Palavra” que se fez pessoa e veio habitar no meio de nós, a fim de nos
oferecer a vida em plenitude e nos elevar à dignidade de “filhos de Deus”.
A primeira leitura anuncia
a chegada do Deus libertador. Ele é o rei que traz a paz e a salvação,
proporcionando ao seu Povo uma era de felicidade sem fim. O profeta convida,
pois, a substituir a tristeza pela alegria, o desalento pela esperança.
A segunda leitura apresenta,
em traços largos, o plano salvador de Deus. Insiste, sobretudo, que esse
projeto alcança o seu ponto mais alto com o envio de Jesus, a “Palavra” de Deus
que os homens devem escutar e acolher.
O Evangelho desenvolve o
tema esboçado na segunda leitura e apresenta a “Palavra” viva de Deus, tornada
pessoa em Jesus. Sugere
que a missão do Filho/”Palavra” é completar a criação primeira, eliminando tudo
aquilo que se opõe à vida e criando condições para que nasça o Homem Novo, o
homem da vida em plenitude, o homem que vive uma relação filial com Deus.
LEITURA I – Is 52,7-10
Como são belos sobre os
montes
os pés do mensageiro que anuncia a paz,
que traz a boa nova, que proclama a salvação
e diz a Sião: «O teu Deus é Rei».
Eis o grito das tuas sentinelas que levantam a voz.
Todas juntam soltam brados de alegria,
porque vêem com os próprios olhos
o Senhor que volta para Sião.
Rompei todas em brados de alegria, ruínas de Jerusalém,
porque o Senhor consola o seu povo,
resgata Jerusalém.
O Senhor descobre o seu santo braço à vista de todas as
nações
e todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus.
AMBIENTE
Entre 586 e 539 a .C., o Povo de Deus
experimenta a dura prova do Exílio na Babilônia. À frustração pela derrota e
pela humilhação nacional, juntam-se as saudades de Jerusalém e o desespero por
saber a cidade de Deus – orgulho de todo o israelita – reduzida a cinzas. Ao
povo exilado, parece que Deus os abandonou definitivamente e que desistiu de
Judá (alguns perguntam mesmo se Jahwéh será o Deus libertador – como anunciava
a teologia de Israel – ou será um “bluff”, incapaz de proteger o seu Povo e de
salvar Judá). Rodeado de inimigos, perdido numa terra estranha, ameaçado na sua
identidade, sem perspectivas de futuro, com a fé abalada, Judá está
desolado e abandonado e não vê saída para a sua triste situação. Quando, já na
fase final do Exílio, as vitórias de Ciro, rei dos Persas, anunciam o fim da
Babilônia, os exilados começam a ver uma pequenina luz ao fundo do túnel; mas,
então, a libertação aparece-lhes como o resultado da ação de um rei estrangeiro
e não como resultado da ação libertadora de Jahwéh… Ora, isso agrava mais ainda
a crise de confiança em Jahwéh por parte dos exilados.
É neste contexto que aparece o testemunho profético do
Deutero-Isaías. A sua mensagem (cf. Is 40-55) é uma mensagem de consolação e de
esperança (os capítulos que recolhem a palavra do Deutero-Isaías são,
precisamente, conhecidos como “Livro da Consolação”); diz que a libertação está
próxima e é obra de Jahwéh.
O nosso texto está integrado na segunda parte do “Livro da
Consolação” (cf. Is 40-55). Aí, o profeta (que na primeira parte – Is 40-48 –
havia, sobretudo, anunciado a libertação do cativeiro e um “novo êxodo” do Povo
de Deus, rumo à Terra Prometida) fala da reconstrução e da restauração de
Jerusalém. O profeta garante que Deus não se esqueceu da sua cidade em ruínas e
vai voltar a fazer dela uma cidade bela e cheia de vida, como uma noiva em dia
de casamento. É neste ambiente que podemos situar a primeira leitura de hoje.
MENSAGEM
Para revitalizar a esperança dos exilados, o profeta
põe-nos a contemplar um quadro, fictício mas sugestivo quanto ao significado: à
Jerusalém desolada e em ruínas, chega um mensageiro com uma “boa notícia”. Qual
é essa “boa notícia” que o mensageiro traz? Ele anuncia “a paz” (“shalom”: paz,
bem-estar, harmonia, felicidade), proclama a “salvação” e promete o “reinado de
Deus”. A questão é, portanto, esta: Deus assume-se como “rei” de Judá… Ele não
reinará à maneira desses reis que conduziram o Povo por caminhos de egoísmo e
de morte, de desgraça em desgraça até à catástrofe final do Exílio; mas Jahwéh
exercerá a realeza de forma a proporcionar a “salvação” ao seu Povo – isto é,
inaugurando uma era de paz, de bem-estar, de felicidade sem fim.
Num desenvolvimento muito bonito, o profeta/poeta põe as
sentinelas da cidade (alertadas pelo anúncio do “mensageiro”) a olhar na
direção em que deve chegar o Senhor. De repente, soa o grito das sentinelas…
Não é, no entanto, um grito de alarme, mas de alegria contagiante: elas vêem o
próprio Jahwéh regressar ao encontro da sua cidade. Com Deus, Jerusalém voltará
a ser uma cidade bela e harmoniosa, cheia de alegria e de festa. O profeta/poeta
convida as próprias pedras da cidade em ruínas a cantar em coro, porque a
libertação chegou. E a salvação que Deus oferece à sua cidade e ao seu Povo,
será testemunhada por toda a terra, como se o mundo estivesse de olhos postos
na ação vitoriosa de Deus em favor de Judá.
ATUALIZAÇÃO
Para refletir este texto, podemos servir-nos dos seguintes
elementos:
♦ A alegria pela
libertação do cativeiro da Babilônia e pela “salvação” que Deus oferece ao seu
Povo anuncia essa outra libertação, plena e total, que Deus vai oferecer ao seu
Povo através de Jesus. É isso que celebramos hoje: o nascimento de Jesus
significa que a opressão terminou, que chegou a paz definitiva, que o “reinado
de Deus” alcançou a nossa história. Para que essa “boa notícia” se cumpra é, no
entanto, preciso acolher Jesus e aderir ao “Reino” que Ele veio propor.
♦ A alegria contagiante
das sentinelas e os brados de contentamento das próprias pedras da cidade
convidam-nos a acolher com alegria e em festa o Deus que veio libertar-nos… Se temos
consciência da opressão que, dia a dia, nos rouba a vida e nos impede de ser
livres e felizes, certamente sentiremos um grande contentamento ao deparar com
essa proposta de liberdade que Jesus veio trazer. É essa alegria que nos anima,
neste dia em que celebramos a chegada libertadora de Jesus?
♦ As sentinelas atentas
que, nas montanhas em redor de Jerusalém, identificam a chegada do Deus
libertador são um modelo para nós: convidam-nos a ler atentamente os sinais da
presença libertadora de Deus no mundo e a anunciar a todos os homens que Deus
aí está, para reinar sobre nós e para nos dar a salvação e a paz. Somos
sentinelas atentas que descobrem os sinais do Senhor nos caminhos da história e
anunciam o seu “reinado”, ou somos sentinelas negligentes que não vigiam nem
alertam e que fazem com que o Deus libertador seja acolhido com indiferença
pelo povo da “cidade”?
SALMO
RESPONSORIAL – Salmo 97 (98)
Refrão:
Todos os confins da terra
viram
a salvação do nosso Deus.
Cantai
ao Senhor um cântico novo
pelas
maravilhas que Ele operou.
A sua
mão e o seu santo braço
Lhe
deram a vitória.
O
Senhor deu a conhecer a salvação,
revelou
aos olhos das nações a sua justiça.
Recordou-Se
da sua bondade e fidelidade
em
favor da casa de Israel.
Os
confins da terra puderam ver
a
salvação do nosso Deus.
Aclamai
o Senhor, terra inteira,
exultai
de alegria e cantai.
Cantai
ao Senhor ao som da cítara,
ao
som da cítara e da lira;
ao
som da tuba e da trombeta,
aclamai
o Senhor, nosso Rei.
LEITURA II – Hb 1,1-6
Muitas vezes e de muitos modos
falou
Deus antigamente aos nossos pais, pelos Profetas.
Nestes
dias, que são os últimos,
falou-nos
por seu Filho,
a
quem fez herdeiro de todas as coisas
e
pelo qual também criou o universo.
Sendo
o Filho esplendor da sua glória
e
imagem da sua substância,
tudo
sustenta com a sua palavra poderosa.
Depois
de ter realizado a purificação dos pecados,
sentou-Se
à direita da Majestade no alto dos Céus e ficou tanto acima dos Anjos
quanto
mais sublime que o deles
é o
nome que recebeu em herança.
A
qual dos Anjos, com efeito, disse Deus alguma vez:
«Tu
és meu Filho, Eu hoje Te gerei»?
E
ainda: «Eu serei para Ele um Pai
e Ele
será para Mim um Filho»?
E de
novo,
quando
introduziu no mundo o seu primogênito, disse:
«Adorem-n’O
todos os Anjos de Deus».
AMBIENTE
A Carta aos Hebreus é um escrito de autor anônimo e cujos
destinatários, em concreto, desconhecemos (o título “aos hebreus” provém das
múltiplas referências ao Antigo Testamento e ao ritual dos “sacrifícios” que a
obra apresenta). É possível que se dirija a uma comunidade cristã constituída
majoritariamente por cristãos vindos do judaísmo; mas nem isso é totalmente
seguro, uma vez que o Antigo Testamento era um patrimônio comum, assumido por
todos os cristãos – quer os vindos do judaísmo, quer os vindos do paganismo.
Trata-se, em qualquer caso, de cristãos em situação difícil, expostos a
perseguições e que vivem num ambiente hostil à fé… São também cristãos que
facilmente se deixam vencer pelo desalento, que perderam o fervor inicial e que
cedem às seduções de doutrinas não muito coerentes com a fé recebida dos
apóstolos… O objetivo do autor é estimular a vivência do compromisso cristão e
levar os crentes a crescer na fé. Para isso, expõe o mistério de Cristo (apresentado,
sobretudo, como “o sacerdote” da Nova Aliança) e recorda a fé tradicional da
Igreja.
O texto que nos é hoje proposto pertence ao prólogo do
sermão. Nesse prólogo, o pregador apresenta a visão global e as coordenadas
fundamentais que ele vai, depois, desenvolver ao longo da obra.
MENSAGEM
Temos aqui esboçadas, em traços largos, as coordenadas
fundamentais da história da salvação. Deus é o protagonista principal
dessa história…
O texto alude ao projeto salvador de Deus. Esse projeto
manifestou-se, numa primeira fase, através dos porta-vozes de Deus – os
profetas; eles transmitiram aos homens a proposta salvadora e libertadora de
Deus.
Veio, depois, uma segunda etapa da história da salvação:
“nestes dias que são os últimos”, Deus manifestou-se através do próprio “Filho”
– Jesus Cristo, o “menino de Belém”, a Palavra plena, definitiva, perfeita,
através da qual Deus vem ao nosso encontro para nos “dizer” o caminho da
salvação e da vida nova. O nosso texto reflete então – sem contudo desenvolver
uma lógica muito ordenada – sobre a relação de Jesus com o Pai, com os homens e
com os anjos (o que nos situa no ambiente de uma comunidade que dava
importância excessiva ao culto dos “anjos” e que lhes concedia um papel
preponderante na salvação do homem).
Como é que se define a relação de Jesus com o Pai? Para o
autor da Carta aos Hebreus, Jesus, o “Filho”, identifica-se plenamente com o
Pai. Ele é o esplendor da glória do Pai, a imagem do ser do Pai, a reprodução
exata e perfeita da substância do Pai: desta forma, o autor da carta afirma que
Jesus procede do Pai e é igual ao Pai. Nele manifesta-se o Pai; quem olha para
Ele, encontra o Pai.
Definida a relação de Jesus com Deus, o autor reflete
sobre a relação de Jesus com o mundo… O Filho está na origem do universo (e,
portanto, também do homem); por isso, Ele tem um senhorio pleno sobre toda a
criação. Essa soberania expressa-se, inclusive,
na encarnação e redenção: Ele veio ao encontro do homem e purificou-o do
pecado: dessa forma, Ele completou a obra começada pela Palavra criadora, no
início. É como “o Senhor” – que possui soberania sobre os homens e sobre o
mundo, que cria e que salva – que os homens O devem ver e acolher.
A igualdade fundamental do “Filho” com o Pai fá-lo muito
superior aos anjos: os anjos não são “filhos”; mas Jesus é “o Filho”e o próprio
Deus proclamou essa relação de filiação plena, real, perfeita. Não são os anjos
que salvam, mas sim “o Filho”.
Sendo a Palavra última e definitiva de Deus, Ele deve ser
escutado pelos homens como o caminho mais seguro para chegar a essa vida nova
que o Pai nos quer propor. É tendo consciência desse fato que devemos acolher o
“menino de Belém”.
ATUALIZAÇÃO
Na reflexão, convém dar atenção aos seguintes dados:
♦ Celebrar o nascimento
de Jesus é, em primeiro lugar, contemplar o amor de um Deus que nunca abandonou
os homens à sua sorte; por isso, rompeu as distâncias, encontrou forma de
dialogar com o homem e enviou o próprio Filho para conduzir o homem ao encontro
da vida definitiva, da salvação plena. No dia de Natal, nunca será demais
insistir nisto: o Deus em quem acreditamos é o Deus do amor e da relação, que
continua a nascer no mundo, a apostar nos homens, a querer dialogar com eles, e
que não desiste de propor aos homens – apesar da indiferença com que as suas
propostas são, às vezes, acolhidas – um caminho para chegar à felicidade plena.
♦ Jesus Cristo é a
Palavra viva e definitiva de Deus, que revela aos homens o verdadeiro caminho
para chegar à salvação. Celebrar o seu nascimento é acolher essa Palavra viva
de Deus… “Escutar” essa Palavra é acolher o projeto que Jesus veio apresentar e
fazer dele a nossa referência, o critério fundamental que orienta as nossas
atitudes e as nossas opções. A Palavra viva de Deus (Jesus) é, de fato, a nossa
referência? O que Ele diz orienta e condiciona as minhas atitudes, os meus
valores, as minhas tomadas de posição? Os valores do Evangelho são os meus
valores? Vejo no Evangelho de Jesus a Palavra viva de Deus, a Palavra plena e
definitiva através da qual Deus me diz como chegar à salvação, à vida
definitiva?
ALELUIA – Jo 1,1-18
Aleluia.
Aleluia.
Santo
é o dia que nos trouxe a luz.
Vinde
adorar o Senhor.
Hoje,
uma grande luz desceu sobre a terra.
EVANGELHO – Jo 1,1-18
No princípio era o Verbo
e o
Verbo estava com Deus
e o
Verbo era Deus.
No
princípio, Ele estava com Deus.
Tudo
se fez por meio dele
e sem
Ele nada foi feito.
Nele
estava a vida
e a
vida era a luz dos homens.
A luz
brilha nas trevas
e as
trevas não a receberam.
Apareceu
um homem enviado por Deus, chamado João.
Veio
como testemunha,
para
dar testemunho da luz,
a fim
de que todos acreditassem por meio dele.
Ele
não era a luz,
mas
veio para dar testemunho da luz.
O
Verbo era a luz verdadeira,
que,
vindo ao mundo, ilumina todo o homem.
Estava
no mundo
e o
mundo, que foi feito por Ele, não O conheceu.
Veio
para o que era seu
e os
seus não O receberam.
Mas,
àqueles que O receberam e acreditaram no seu nome,
deu-lhes
o poder de se tornarem filhos de Deus.
Estes
não nasceram do sangue,
nem
da vontade da carne, nem da vontade do homem,
mas
de Deus.
E o
Verbo fez-Se carne e habitou entre nós.
Nós
vimos a sua glória,
glória
que Lhe vem do Pai como Filho Unigênito,
cheio
de graça e de verdade.
João
dá testemunho dele, exclamando:
«Era
deste que eu dizia:
‘O
que vem depois de mim passou à minha frente,
porque
existia antes de mim’».
Na
verdade, foi da sua plenitude que todos nós recebemos
graça
sobre graça.
Porque,
se a Lei foi dada por meio de Moisés,
a
graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo.
A
Deus, nunca ninguém O viu.
O
Filho Unigênito, que está no seio do Pai,
é que
O deu a conhecer.
AMBIENTE
A Igreja primitiva recorreu, com frequência, a hinos para
celebrar, expressar e anunciar a sua fé. O prólogo ao Evangelho segundo João
(que hoje nos é proposto) é um desses hinos.
Não é certo se este hino foi composto por João, ou se o
autor do Quarto Evangelho usou um primitivo hino cristão conhecido da
comunidade joânica, adaptando-o de forma a que ele servisse de prólogo à sua
obra. O que é certo é que o hino cristológico que chegou até nós expressa, em
forma de confissão, a fé da comunidade joânica em Cristo enquanto Palavra viva
de Deus, a sua origem eterna, a sua procedência divina, a sua influência no
mundo e na história, possibilitando aos homens que O acolhem e escutam
tornarem-se “filhos de Deus”. Essas grandes linhas, enunciadas neste prólogo,
vão depois ser desenvolvidas pelo evangelista ao longo da sua obra. MENSAGEM
O prólogo ao Quarto Evangelho começa com a expressão “no
princípio”: dessa forma, João enlaça o seu evangelho com o relato da criação
(cf. Gn 1,1), oferecendo-nos assim, desde logo, uma chave de interpretação para
o seu escrito… Aquilo que ele vai narrar sobre Jesus está em relação com a obra
criadora de Deus: em Jesus vai acontecer a definitiva intervenção criadora de Deus
no sentido de dar vida ao homem e ao mundo… A atividade de Jesus, enviado do
Pai, consiste em fazer nascer um homem novo; a sua ação coroa a obra criadora
iniciada por Deus “no princípio”.
João apresenta, logo a seguir, a “Palavra” (“Lógos”). A
“Palavra” é – de acordo com o autor do Quarto Evangelho – uma realidade
anterior ao céu e à terra, implicada já na primeira criação. Esta “Palavra”
apresenta-se com as características que o “Livro dos Provérbios” atribuía à
“sabedoria”: pré-existência (cf. Pr 8,22-24) e colaboração com Deus na obra da
criação (cf. Pr 8,24-30). No entanto, essa “Palavra” não só estava junto de
Deus e colaborava com Deus, mas “era Deus”. Identifica-se totalmente com Deus,
com o ser de Deus, com a obra criadora de Deus. É como que o projeto íntimo de
Deus, que se expressa e se comunica como “Palavra”. Deus faz-se inteligível
através da “Palavra”. Essa “Palavra” é geradora de vida para o homem e para o
mundo, concretizando o projeto de Deus.
Essa “Palavra” veio ao encontro dos homens e fez-se
“carne” (pessoa). João identifica claramente a “Palavra” com Jesus, o “Filho
único cheio de amor e de verdade”, que veio ao encontro do homem. Nessa pessoa
(Jesus), podemos contemplar o projeto ideal de homem, o homem que nos é
proposto como modelo, a meta final da criação de Deus.
Essa “Palavra” “montou a sua tenda no meio de nós”. O
verbo “skênéô” (“montar a tenda”) aqui utilizado alude à “tenda do encontro”
que, na caminhada pelo deserto, os israelitas montavam no meio ou ao lado do
acampamento e que era o local onde Deus residia no meio do seu Povo (cf. Ex
27,21; 28,43; 29,4…). Agora, a “tenda de Deus”, o local onde Ele habita no meio
dos homens é o Homem/Jesus. Quem quiser encontrar Deus e receber dele vida em
plenitude (“salvação”), é para Jesus que se tem de voltar.
A função dessa “Palavra” está ligada ao binômio
“vida/luz”: comunicar ao homem a vida em plenitude; ou, por outras palavras,
trata-se de acender a luz que ilumina o caminho do homem, possibilitando-lhe
encontrar a vida verdadeira, a vida plena.
Jesus Cristo vai, no entanto, deparar-se com a oposição à
“vida/luz” que Ele traz. Ao longo do Evangelho, João irá contando essa história
do confronto da “vida/luz” com o sistema injusto e opressor que pretende manter
os homens prisioneiros do egoísmo e do pecado (e que João identifica com a Lei.
Os dirigentes judeus que enfrentam Jesus e o condenam à morte são o rosto
visível dessa Lei). Recusar a “vida/luz” significa preferir continuar a
caminhar nas trevas (que se identificam com a mentira, a escravidão, a
opressão), independentemente de Deus; significa recusar chegar a ser homem
pleno, livre, criação acabada e elevada à sua máxima potencialidade.
Mas o acolhimento da “Palavra” implica a participação na
vida de Deus. João diz mesmo que acolher a “Palavra” significa tornar-se “filho
de Deus”. Começa, para quem acolhe a “Palavra”/Jesus, uma nova relação entre o
homem e Deus, aqui expressa em termos de filiação: Deus dá vida em plenitude ao
homem, oferecendo-lhe, assim, uma qualidade de vida que potencia o seu ser e
lhe permite crescer até à dimensão do homem novo, do homem acabado e perfeito.
Isto é uma “nova criação”, um novo nascimento, que não provém da carne e do
sangue, mas sim de Deus.
A encarnação de Jesus significa, portanto, que Deus
oferece à humanidade a vida em plenitude. Sempre existiu no homem o anseio da
vida plena, conforme o projeto original de Deus; mas, na prática, esse anseio
fica, muitas vezes, frustrado pelo domínio que o egoísmo, a injustiça, a
mentira (o pecado) exercem sobre o homem. Toda a obra de Jesus consistirá em
capacitar o homem para a vida nova, para a vida plena, a fim de que ele possa
realizar em si mesmo o projeto de Deus: a semelhança com o Pai.
ATUALIZAÇÃO
Na reflexão, considerar as seguintes linhas:
♦ A transformação da
“Palavra” em “carne” (em menino do presépio de Belém) é a espantosa aventura de
um Deus que ama até ao inimaginável e que, por amor, aceita revestir-se da
nossa fragilidade, a fim de nos dar vida em plenitude. Neste
dia, somos convidados a contemplar, numa atitude de serena adoração, esse
incrível passo de Deus, expressão extrema de um amor sem limites.
♦ Acolher a “Palavra” é
deixar que Jesus nos transforme, nos dê a vida plena, a fim de nos tornarmos,
verdadeiramente, “filhos de Deus”. O presépio que hoje contemplamos é apenas um
quadro bonito e terno, ou uma interpelação a acolher a “Palavra”, de forma a
crescermos até à dimensão do homem novo?
♦ Hoje, como ontem, a
“Palavra” continua a confrontar-se com os sistemas geradores de morte e a
procurar eliminar, na origem, tudo o que rouba a vida e a felicidade do homem.
Sensíveis à “Palavra”, embarcados na mesma aventura de Jesus – a “Palavra” viva
de Deus – como nos situamos diante de tudo aquilo que rouba a vida do homem?
Podemos pactuar com a mentira, o oportunismo, a violência, a exploração dos
pobres, a miséria, as limitações aos direitos e à dignidade do homem?
♦ Jesus (esse menino do
presépio) é para nós a “Palavra” suprema que dá sentido à nossa vida, ou
deixamos que outras “palavras” nos condicionem e nos induzam a procurar a
felicidade em caminhos de egoísmo, de alienação, de comodismo, de pecado? Quais
são essas “palavras” que às vezes nos seduzem e nos afastam da “Palavra” eterna
de Deus que ecoa no Evangelho que Jesus veio propor?
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DE NATAL
Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo de Natal,
procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma
leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação
comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo
de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…
2. PALAVRA DE VIDA.
É na noite que é belo acreditar na luz… Era a noite para
este casal em viagem e, para mais, no momento em que a mulher devia dar à luz.
Nunca há lugar para aqueles que incomodam. É então, na obscuridade de um
estábulo, que a luz aparece para iluminar não somente este lugar bem sombrio,
mas o mundo inteiro tantas vezes tão mergulhado na noite da dúvida e da
violência. Era a noite para estes pastores em cuja palavra havia tanta
dificuldade em acreditar, por estar muitas vezes longe da verdade. Ora, é a
eles que a boa nova é anunciada para que ela não cesse de seguida de se
transmitir de geração em
geração. Uma luz rasga então a noite da Judéia, é a luz da glória do Senhor e o anúncio da paz sobre a
terra aos homens que Deus ama. Não espanta que esta criança acabada de nascer
proclame mais tarde: «Eu sou a luz do mundo». Esperar é levantar os olhos
quando ainda é noite, para descobrir a luz mais forte que a noite.
3. UM PONTO DE ATENÇÃO.
Valorizar o Glória a Deus.
Pôr em realce o hino de Natal, o Glória a Deus, tomando
tempo para cantá-lo com uma melodia que seja bem conhecida da assembleia.
Outros elementos poderão intervir para dar à celebração um
ar de festa: por exemplo, um acolhimento mais caloroso que o habitual, uma
bonita decoração floral, a iluminação do presépio, um gesto de paz afetuoso,
intenções de oração plenas de esperança, uma oração de louvor mais
desenvolvida, etc. Esta pode ser feita quando os fiéis estiverem reagrupados à
volta do presépio.
Convém ter em atenção que, na missa da manhã de Natal,
muitos não participaram na missa da noite. É, pois, a celebração do nascimento
de Jesus que os reúne. Pode-se escolher, entre todos os textos que as três
missas de Natal propõem, aqueles que são mais acessíveis e invocadores. Por
exemplo, o Evangelho da noite, completado com o da aurora, pode convir mais que
o Evangelho do dia.
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
A presença de Deus diz-se e mostra-se.
A presença de Deus mostra-se através de sinais de
tolerância, de acolhimento, de partilha, que podemos facilmente ter à nossa
volta.
A presença de Deus fala através da ternura para com os
mais pobres, os excluídos, os doentes, todos os que sofrem, as pessoas sós, em
particular nestes dias de festa.
A presença de Deus traduzir-se-á ainda através de toda a
solicitude concedida gratuitamente àqueles que procuram, que duvidam, que têm
necessidade de ser acompanhados na sua procura.
A presença de Deus exprimir-se-á muitas vezes através do
humilde testemunho da nossa vida habitada pelo seu amor: se Ele me enche com a
sua alegria, se Ele me faz viver, se Ele me leva a ajudar os outros, é porque
Ele está bem vivo!
Solenidade da
Sagrada Família
TEMA
A liturgia deste domingo
propõe-nos a família de Jesus como exemplo e modelo das nossas comunidades
familiares… Como a família de Jesus – diz-nos a liturgia deste dia – as nossas
famílias devem viver numa atenção constante aos desafios de Deus e às
necessidades dos irmãos.
O Evangelho põe-nos
diante da Sagrada Família de Nazaré apresentando Jesus no Templo de Jerusalém.
A cena mostra uma família que escuta a Palavra de Deus, que procura
concretizá-la na vida e que consagra a Deus a vida dos seus membros. Nas
figuras de Ana e Simeão, Lucas propõe-nos também o exemplo de dois anciãos de
olhos postos no futuro, capazes de perceber os sinais de Deus e de testemunhar
a presença libertadora de Deus no meio dos homens.
A segunda leitura sublinha
a dimensão do amor que deve brotar dos gestos dos que vivem “em Cristo” e
aceitaram ser “Homem Novo”. Esse amor deve atingir, de forma muito especial,
todos os que conosco partilham o espaço familiar e deve traduzir-se em determinadas
atitudes de compreensão, de bondade, de respeito, de partilha, de serviço.
A primeira leitura apresenta,
de forma muito prática, algumas atitudes que os filhos devem ter para com os
pais… É uma forma de concretizar esse amor de que fala a segunda leitura.
LEITURA I – Sir 3,3-7.14-17a (versão grega: 3,2-6.12-14)
Deus quis honrar os pais nos filhos
e firmou sobre eles a autoridade da mãe.
Quem honra seu pai obtém o perdão dos pecados
e acumula um tesouro quem honra sua mãe.
Quem honra o pai encontrará alegria nos seus filhos
e será atendido na sua oração.
Quem honra seu pai terá longa vida,
e quem lhe obedece será o conforto de sua mãe.
Filho, ampara a velhice do teu pai
e não o desgostes durante a sua vida.
Se a sua mente enfraquece, sê indulgente para com ele
e não o desprezes, tu que estás no vigor da vida,
porque a tua caridade para com teu pai nunca será esquecida
e converter-se-á em desconto dos teus pecados.
AMBIENTE
O Livro de Ben Sira (também
chamado “Eclesiástico”) é um livro de caráter sapiencial que, como todos os
livros sapienciais, tem por objetivo deixar aos candidatos a “sábios” um
conjunto de indicações práticas sobre a arte de bem viver e de ser feliz. O seu
autor é um tal Jesus Ben Sira, um “sábio” israelita que viveu na primeira
metade do séc. II a.C.…
A época de Jesus Ben Sira é uma época conturbada para o
Povo de Deus. Os selêucidas dominavam a Palestina e procuravam impor aos
judeus, com agressividade, a cultura helênica. Muitos judeus, seduzidos pelo
brilho da cultura grega, abandonavam os valores tradicionais e a fé dos pais e
assumiam comportamentos mais consentâneos com a “modernidade”. A identidade
cultural e religiosa do Povo de Deus corria, assim, sérios riscos... Neste
contexto, Jesus Ben Sira – um “sábio” tradicional – escreve para preservar as
raízes do seu Povo. No seu livro, apresenta uma síntese da religião tradicional
e da “sabedoria” de Israel e procura demonstrar que é no respeito pela sua fé,
pelos seus valores, pela sua identidade que os judeus podem descobrir o caminho
seguro para a felicidade.
MENSAGEM
O nosso texto apresenta uma série de indicações práticas
que os filhos devem ter em conta nas relações com os pais.
A palavra que preside a este conjunto de conselhos do
“sábio” Ben Sira, é a palavra “honrar” (repete-se 5 vezes, nestes poucos
versículos). O que é que significa, exatamente, “honrar os pais”?
A expressão leva-nos ao Decálogo do Sinai (“honra teu pai
e tua mãe” – Ex 20,12). Aí, o verbo utilizado é o verbo “kabad”, que costuma
traduzir-se como “dar glória”, “dar peso”, “dar importância”. Assim, “honrar os
pais” é dar-lhes o devido valor e reconhecer a sua importância; é que eles são
os instrumentos de Deus, fonte de vida.
Ora, reconhecer que os pais são os instrumentos através
dos quais Deus concede a vida, deve conduzir os filhos à gratidão; e a gratidão
não é apenas uma declaração de intenções, mas um sentimento que implica certas
atitudes práticas. Jesus Ben Sira aponta algumas: “honrar os pais” significa
ampará-los na velhice e não os desprezar nem abandonar; significa assisti-los
materialmente – sem inventar qualquer desculpa – quando já não podem trabalhar
(cf. Mc 7,10-11); significa não fazer nada que os desgoste; significa
escutá-los, ter em conta as suas orientações e conselhos; significa ser
indulgente para com as limitações que a idade ou a doença trazem…
Dado o contexto da época em que Ben Sira escreve,
é natural que, por detrás destas indicações aos filhos, esteja também a
preocupação com o manter bem vivos os valores tradicionais, esses valores que
os mais antigos preservam cuidadosamente e que os mais novos, às vezes,
negligenciam.
Como recompensa desta atitude de “honrar os pais”, Jesus
Ben Sira promete o perdão dos pecados, a alegria, a vida longa e a atenção de
Deus.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão deste texto pode fazer-se a partir dos
seguintes dados:
♦ Sentimo-nos gratos
aos nossos pais porque eles aceitaram ser, em nosso favor, instrumentos do Deus
criador? Lembramo-nos de lhes demonstrar a nossa gratidão?
♦ Apesar da
sensibilidade moderna aos direitos humanos e à dignidade das pessoas, a nossa
civilização cria, com frequência, situações de abandono, de marginalização, de
solidão, cujas vítimas são, muitas vezes, aqueles que já não têm uma vida
considerada produtiva, ou aqueles a quem a idade ou a doença trouxeram
limitações. Que motivos justificam o desprezo, o abandono, o “virar as costas”
àqueles a quem devemos “honrar”?
♦ É verdade que a vida
de hoje é muito exigente a nível profissional e que nem sempre é possível a um
filho estar presente ao lado de um pai que precisa de cuidados ou de acompanhamento
especializado. No entanto, a situação é muito menos compreensível se o
afastamento de um pai do convívio familiar (e o seu internamento num lar)
resulta do egoísmo do filho, que não está para “aturar o velho”… Sem julgarmos
nem condenarmos ninguém, que sentido é que faz “desfazermo-nos” daqueles que
foram, para nós, instrumentos do Deus criador e fonte de vida?
♦ O capital de
maturidade e de sabedoria de vida que os mais idosos possuem é considerado por
nós uma riqueza ou um desafio ridículo à nossa modernidade e às nossas
certezas?
♦ Face à invasão
contínua de valores estranhos que, tantas vezes, põem em causa a nossa
identidade cultural e religiosa (quando não a nossa humanidade), o que
significam os valores que recebemos dos nossos pais? Avaliamos com maturidade a
perenidade desses valores, ou estamos dispostos a renegá-los ao primeiro aceno
dos “valores da moda”?
SALMO
RESPONSORIAL – Salmo 127 (128)
Refrão
1: Felizes os que esperam no Senhor,
e
seguem os seus caminhos.
Refrão
2: Ditosos os que temem o Senhor,
ditosos
os que seguem os seus caminhos.
Feliz
de ti, que temes o Senhor
e
andas nos seus caminhos.
Comerás
do trabalho das tuas mãos,
serás
feliz e tudo te correrá bem.
Tua
esposa será como videira fecunda
no
íntimo do teu lar;
teus
filhos serão como ramos de oliveira
ao
redor da tua mesa.
Assim
será abençoado o homem que teme o Senhor.
De
Sião te abençoe o Senhor:
vejas
a prosperidade de Jerusalém
todos
os dias da tua vida.
LEITURA II – Cl 3, 12-21
Irmãos:
Como
eleitos de Deus, santos e prediletos,
revesti-vos
de sentimentos de misericórdia,
de
bondade, humildade, mansidão e paciência.
Suportai-vos
uns aos outros e perdoai-vos mutuamente,
se
algum tiver razão de queixa contra outro.
Tal
como o Senhor vos perdoou,
assim
deveis fazer vós também.
Acima
de tudo, revesti-vos da caridade,
que é
o vínculo da perfeição.
Reine
em vossos corações a paz de Cristo,
à
qual fostes chamados para formar um só corpo.
E
vivei em ação de graças.
Habite
em vós com abundância a palavra de Cristo,
para
vos instruirdes e aconselhardes uns aos outros
com
toda a sabedoria;
e com
salmos, hinos e cânticos inspirados,
cantai
de todo o coração a Deus a vossa gratidão.
E
tudo o que fizerdes, por palavras ou por obras,
seja
tudo em nome do Senhor Jesus,
dando
graças, por Ele, a Deus Pai.
Esposas,
sede submissas aos vossos maridos,
como
convém no Senhor.
Maridos,
amai as vossas esposas
e não
as trateis com aspereza.
Filhos,
obedecei em tudo a vossos pais,
porque
isto agrada ao Senhor.
Pais,
não exaspereis os vossos filhos,
para
que não caiam em desânimo.
AMBIENTE
A Igreja de Colossos, destinatária desta carta, foi
fundada por Epafras, um amigo de Paulo, pelos anos 56/57. Tanto quanto sabemos,
Paulo nunca visitou a comunidade…
Hoje, não é claro para todos que Paulo tenha escrito esta
carta (o vocabulário utilizado e o estilo do autor estão longe das cartas
indiscutivelmente paulinas; também a teologia apresenta elementos novos, nunca
usados nas outras cartas atribuídas a Paulo); por isso, é um tanto ou quanto
difícil definirmos o ambiente em que este texto apareceu…
Para os defensores da autoria paulina, contudo, a carta
foi escrita quando Paulo estava prisioneiro, possivelmente em Roma (anos
61/63). Epafras teria visitado o apóstolo na prisão e deixado notícias
alarmantes: os colossenses corriam o risco de se afastar da verdade do
Evangelho, por causa das doutrinas ensinadas por certos doutores de Colossos.
Essas doutrinas misturavam práticas legalistas (o que parece indicar tendências
judaizantes) com especulações acerca do culto dos anjos e do seu papel na
salvação; exigiam um ascetismo rígido e o cumprimento de certos ritos de
iniciação, destinados a comunicar aos crentes um conhecimento mais adequado dos
mistérios ocultos e levá-los, através dos vários graus de iniciação, à vivência
de uma vida religiosa mais autêntica.
Sem refutar essas doutrinas de modo direto, o autor da
carta afirma a absoluta suficiência de Cristo e assinala o seu lugar
proeminente na criação e na redenção dos homens.
O texto que nos é hoje proposto pertence à segunda parte
da carta. Depois de constatar a supremacia de Cristo na criação e na redenção
(1ª parte), o autor avisa os colossenses de que a união com Cristo traz
consequências a nível de vivência prática (2ª parte): implica a renúncia ao
“homem velho” do egoísmo e do pecado e o “revestir-se do Homem Novo”.
MENSAGEM
O que é que significa, concretamente, “revestir-se do
Homem Novo”?
Para o autor da carta, viver como “Homem Novo” é cultivar
um conjunto de virtudes que resultam da união do cristão com Cristo:
misericórdia, bondade, humildade, mansidão, paciência. Lugar especial ocupa o
perdão das ofensas, a exemplo de Cristo que sempre manifestou uma grande
capacidade de perdão. Estas virtudes que devem ornar a vida do cristão, são
exigências e manifestações da caridade, que é a fonte de onde brotam todas as
virtudes do cristão.
Catálogos de exigências como este, apareciam também nos
discursos éticos dos gregos… O que é novo aqui é a fundamentação: tais
exigências resultam da íntima relação do cristão com Cristo; viver “em Cristo”
implica viver, como Ele, no amor total, no serviço, na disponibilidade, no dom
da vida.
Uma vez apresentado o ideal da vida cristã nas suas linhas
gerais, o autor da carta aplica o que acabou de dizer ao âmbito mais concreto
da vida familiar. Às mulheres, recomenda o respeito para com os maridos (a
referência à submissão das esposas deve ser entendida na perspectiva da
linguagem e da prática da época); aos maridos, convida a amar as esposas,
evitando o domínio tirânico sobre elas; aos filhos, recomenda a obediência aos
pais; aos pais, com intuição pedagógica, pede que não sejam excessivamente
severos para com os filhos, pois isso pode impedir o normal desenvolvimento das
suas capacidades… Para uns e para outros, é essa “caridade” (“agapê”) –
entendida como amor de doação, de entrega, a exemplo de Jesus que amou até ao
dom da vida – que deve presidir às relações entre os membros de uma família.
É desta forma que, no espaço familiar, se manifesta o
Homem Novo, o homem transformado por Cristo e que vive segundo Cristo.
ATUALIZAÇÃO
Na reflexão, considerar os seguintes elementos:
♦ Viver “em Cristo”
implica fazer do amor a nossa referência fundamental e deixar que ele se
manifeste em gestos concretos de bondade, de perdão, de doação, de compreensão,
de respeito pelo outro, de partilha, de serviço… É este o quadro em que se
desenvolvem as nossas relações com aqueles que nos rodeiam?
♦ A nossa primeira
responsabilidade vai, evidentemente, para aqueles que conosco partilham, de
forma mais chegada, a vida do dia a dia (a nossa família). Esse amor que deve
revestir-nos sempre, traduz-se numa atenção contínua àquele que está ao nosso
lado, às suas necessidades e preocupações, às suas alegrias e tristezas?
Traduz-se em gestos sentidos e partilhados de carinho e de ternura? Traduz-se
num respeito absoluto pela liberdade e pelo espaço do outro, por um deixar o
outro crescer sem o sufocar? Traduz-se na vontade de servir o outro, sem nos
servirmos dele?
♦ As mulheres não
gostam de ouvir Paulo pedir-lhes a submissão aos maridos… No entanto, não devem
ser demasiado severas com o autor desta carta: ele é um homem do seu tempo, que
usa a linguagem do seu tempo e que coloca as coisas nos termos à volta dos quais
se organizavam as comunidades familiares da época… Não podemos exigir ao autor
desta carta (que escreve há quase dois mil anos) a mesma linguagem e a mesma
sensibilidade que temos hoje, a propósito destas questões. Apesar de tudo,
convém recordar que o autor da Carta aos Colossenses não se esquece de pedir
aos maridos que amem as suas mulheres e que não as tratem com aspereza: sugere,
desta forma, que a mulher tem, em relação ao marido, igual dignidade.
ALELUIA – Cl 3,15a.16a
Aleluia.
Aleluia.
Reine
em vossos corações a paz de Cristo,
habite
em vós a sua palavra.
EVANGELHO – Lucas 2,22-40
Ao
chegarem os dias da purificação, segundo a Lei de Moisés,
Maria
e José levaram Jesus a Jerusalém,
para
O apresentarem ao Senhor,
como
está escrito na Lei do Senhor:
«Todo
o filho primogênito varão será consagrado ao Senhor»,
e
para oferecerem em sacrifício
um
par de rolas ou duas pombinhas,
como
se diz na Lei do Senhor.
Vivia
em Jerusalém um homem chamado Simeão,
homem
justo e piedoso,
que
esperava a consolação de Israel;
e o
Espírito Santo estava nele.
O
Espírito Santo revelara-lhe que não morreria
antes
de ver o Messias do Senhor;
e
veio ao templo, movido pelo Espírito.
Quando
os pais de Jesus trouxeram o Menino
para
cumprirem as prescrições da Lei no que lhes dizia respeito,
Simeão
recebeu-O em seus braços
e
bendisse a Deus, exclamando:
«Agora,
Senhor, segundo a vossa palavra,
deixareis
ir em paz o vosso servo,
porque
os meus olhos viram a vossa salvação,
que
pusestes ao alcance de todos os povos:
luz
para se revelar às nações
e
glória de Israel, vosso povo».
O pai
e a mãe do Menino Jesus estavam admirados
com o
que dele se dizia.
Simeão
abençoou-os
e
disse a Maria, sua Mãe:
«Este
Menino foi estabelecido
para
que muitos caiam ou se levantem em Israel
e
para ser sinal de contradição;
- e
uma espada trespassará a tua alma -
assim
se revelarão os pensamentos de todos os corações».
Havia
também uma profetiza,
Ana,
filha de Fanuel, da tribo de Aser.
Era
de idade muito avançada
e
tinha vivido casada sete anos após o tempo de donzela
e
viúva até aos oitenta e quatro.
Não
se afastava do templo, servindo a Deus noite e dia, com jejuns e orações.
Estando
presente na mesma ocasião,
começou
também a louvar a Deus
e a
falar acerca do Menino
a
todos os que esperavam a libertação de Jerusalém.
Cumpridas
todas as prescrições da Lei do Senhor,
voltaram
para a Galiléia, para a sua cidade de Nazaré.
Entretanto,
o Menino crescia
e
tornava-Se robusto, enchendo-Se de sabedoria.
E a
graça de Deus estava com Ele.
AMBIENTE
O interesse fundamental dos primeiros cristãos não se
centrou na infância de Jesus, mas na sua mensagem e proposta; por isso,
conservaram especialmente as recordações sobre a vida pública e a paixão do
Senhor.
Só num estádio posterior houve uma certa curiosidade
acerca dos primeiros anos da vida de Jesus. Coligiram-se, então, algumas
escassas informações históricas sobre a infância de Jesus e amassou-se esse
material com reflexões e com a catequese que a comunidade fazia acerca de
Jesus. O chamado “Evangelho da Infância” (de que faz parte o texto que nos é
hoje proposto) assenta nessa base; parte de algumas indicações históricas e
desenvolve uma reflexão teológica para explicar quem é Jesus. Nesta secção do
Evangelho, Lucas está muito mais interessado em dizer quem é Jesus, do que em
fazer uma reportagem histórica sobre a sua infância.
Lucas propõe-nos, hoje, o quadro da apresentação de Jesus
no Templo. Segundo a Lei de Moisés, todos os primogênitos (tanto dos homens
como dos animais) pertenciam a Jahwéh e deviam ser oferecidos a Jahwéh (cf. Ex
13,1-2. 11-16). O costume de oferecer aos deuses os primogênitos é um costume
cananeu que, no entanto, Israel transformou no que dizia respeito aos primogênitos
dos homens… Estes não deviam ser oferecidos em sacrifício, mas resgatados por
um animal, imolado ao Senhor.
De acordo com Lv 12,2-8, quarenta dias após o nascimento
de uma criança, esta devia ser apresentada no Templo, onde a mãe oferecia um
ritual de purificação. Nessa cerimônia, devia ser oferecido um cordeiro de um
ano (para as famílias mais abastadas) ou então duas pombas ou duas rolas (para
as famílias de menores recursos). É neste contexto que o Evangelho de hoje nos
situa.
MENSAGEM
A cena da apresentação de Jesus no Templo de Jerusalém
apresenta uma catequese bem amadurecida e bem refletida, que procura dizer quem
é Jesus e qual a sua missão no mundo.
Antes de mais, o autor sublinha repetidamente a fidelidade
da família de Jesus à Lei do Senhor (vers. 22.23.24), como se quisesse deixar
claro que Jesus, desde o início da sua caminhada entre os homens, viveu na
escrupulosa fidelidade aos mandamentos e aos projetos do Pai. A missão de Jesus
no mundo passa por aí – pelo cumprimento rigoroso da vontade e do projeto do
Pai.
No Templo, duas personagens acolhem Jesus: Simeão e Ana.
Eles representam esse Israel fiel que espera ansiosamente a sua libertação e a
restauração do reinado de Deus sobre o seu Povo.
De Simeão diz-se que era um homem “justo e piedoso, que
esperava a consolação de Israel” (vers. 25). As palavras e os gestos de Simeão
são particularmente sugestivos… Simeão toma Jesus nos braços e apresenta-O ao
mundo, definindo-O como “a salvação” que Deus que oferecer “a todos os povos”,
“luz para se revelar às nações e glória de Israel” (vers. 28-32). Jesus é,
assim, reconhecido pelo Israel fiel como esse Messias libertador e salvador, a
quem Deus enviou – não só ao seu povo, mas a todos os povos da terra. Aqui
desponta um tema muito querido a Lucas: o da universalidade da salvação de
Deus… Deus não tem já um Povo eleito, mas a sua salvação é para todos os povos,
independentemente da sua raça, da sua cultura, das suas fronteiras, dos seus
esquemas religiosos. As palavras que Simeão dirige a Maria (“este menino foi
estabelecido para que muitos caiam ou se levantem em Israel e para ser sinal de
contradição; e uma espada trespassará a tua alma” – vers. 34-35) aludem,
provavelmente, à divisão que a proposta de Jesus provocará em Israel e ao
resultado dessa divisão – o drama da cruz.
Ana é também uma figura do Israel pobre e sofredor
(“viúva”), que se manteve fiel a Jahwéh (não se voltou a casar, após a morte do
marido – vers. 37), que espera a salvação de Deus. Depois de reconhecer em
Jesus a salvação anunciada por Deus, ela “falava do menino a todos os que
esperavam a redenção de Jerusalém” (vers. 38). A palavra utilizada por Lucas
para falar de libertação, é a palavra grega “lustrosis” (“resgate”), utilizada
no Êxodo para falar da libertação da escravidão do Egito (cf. Ex 13,13-15;
34,20; Nm 18,15-16). Jesus é, assim, apresentado por Lucas como o Messias
libertador, que vai conduzir o seu Povo do domínio da escravidão para o domínio
da liberdade. A apresentação no Templo de um primogênito celebrava precisamente
a libertação do Egito e a passagem da escravidão para a liberdade (cf. Ex 13,
11-16).
O texto termina com uma referência ao resto da infância de
Jesus e ao crescimento do menino em “sabedoria” e “graça”. Trata-se de
atributos que lhe vêm do Pai e que atestam, portanto, a sua divindade (vers.
40).
Em conclusão: Jesus é o Deus que vem ao encontro dos
homens com uma missão que lhe foi confiada pelo Pai. O objetivo de Jesus é
cumprir integralmente o projeto do Pai… E esse projeto passa por levar os
homens da escravidão para a liberdade e em apresentar a proposta de salvação de
Deus a todos os povos da terra, mesmo àqueles que não pertencem
tradicionalmente à comunidade do Povo de Deus.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão pode fazer-se a partir das seguintes questões:
♦ Neste episódio do
“Evangelho da Infância”, Lucas apresenta-nos uma família – a Sagrada Família –
que vive atenta aos apelos de Deus e que se empenha em cumprir cuidadosamente
os preceitos do Senhor. Por quatro vezes (vers. 22.23.24.27), Lucas refere, a propósito
da família de Jesus, o cumprimento da Lei de Moisés, da Lei do Senhor ou da
Palavra do Senhor – o que sugere a importância que a Palavra de Deus assume na
vida da família de Nazaré. Trata-se, na perspectiva de Lucas, de uma família
que escuta a Palavra de Deus e que constrói a sua existência ao ritmo da
Palavra de Deus e dos desafios de Deus. Maria e José perceberam provavelmente
que uma família que escuta a Palavra de Deus e que procura responder aos
desafios postos por essa Palavra é uma família feliz, que encontra na Palavra
indicações seguras acerca do caminho que deve percorrer e que se constrói sobre
a rocha firme dos valores eternos. Que importância é que a Palavra de Deus
assume na vida das nossas famílias? Procuramos que cada membro das nossas
famílias cresça numa progressiva sensibilidade à Palavra de Deus e aos desafios
de Deus? Encontramos tempo para reunir a família à volta da Palavra de Deus e
para partilhar, em família, a Palavra de Deus?
♦ Segundo a Lei
judaica, todo o primogênito devia ser consagrado e dedicado ao Senhor. Também
Jesus é apresentado no Templo e consagrado ao Senhor. Nas nossas famílias
cristãs há normalmente uma legítima preocupação com o proporcionar a cada
criança condições ótimas de vida, de educação, de acesso à instrução e aos
cuidados essenciais… Haverá sempre uma preocupação semelhante no que diz
respeito à formação para a fé e em proporcionar aos filhos uma verdadeira
educação para a vida cristã e para os valores de Jesus Cristo? Os pais cristãos
preocupam-se sempre em proporcionar aos seus filhos um exemplo de coerência com
os compromissos assumidos no dia do Batismo? Preocupam-se em ser os primeiros
catequistas dos próprios filhos, transmitindo-lhes os valores do Evangelho?
Preocupam-se em acompanhar e em potenciar a formação e a caminhada catequética
dos próprios filhos, em inseri-los numa comunidade de fé, em integrá-los na
família de Jesus, em consagrá-los ao serviço de Deus?
♦ Simeão e Ana, os dois
anciãos que acolhem Jesus no Templo de Jerusalém, não são pessoas desiludidas
da vida, que vivem voltadas para o passado sonhando com um tempo ideal que já
não volta; mas são pessoas voltadas para o futuro, atentas ao Deus libertador
que vem ao seu encontro, que sabem ler os sinais de Deus naquele menino que chega
e que testemunham diante dos seus conterrâneos a presença salvadora e redentora
de Deus no meio do seu Povo. Os anciãos – quer pela sua maturidade, sabedoria e
equilíbrio, quer pelo tempo de que normalmente dispõem – podem ser testemunhas
privilegiadas dos valores de Deus, intérpretes dos sinais de Deus, profetas
credíveis que obrigam o mundo a confrontar-se com os desafios de Deus. É
preciso que não vivam voltados para o passado, refugiados numa realidade que
aliena, transformados em “estátuas de sal”, mas que vivam de olhos postos no
futuro, de espírito aberto e livre, pondo a sua sabedoria e experiência ao
serviço da comunidade humana e cristã, ensinando os mais jovens a distinguir
entre o que é eterno e importante e o que é passageiro e acessório.
Solenidade Santa
Maria Mãe de Deus Dia Mundial da Paz
1 de Janeiro
TEMA
Neste dia, a liturgia coloca-nos
diante de evocações diversas, ainda que todas importantes. Celebra-se, em
primeiro lugar, a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus: somos convidados a
contemplar a figura de Maria, aquela mulher que, com o seu “sim” ao projeto de
Deus, nos ofereceu Jesus, o nosso libertador. Celebra-se, em segundo lugar, o
Dia Mundial da Paz: em 1968, o Papa Paulo VI propôs aos homens de boa vontade
que, neste dia, se rezasse pela paz no mundo. Celebra-se, finalmente, o primeiro
dia do ano civil: é o início de uma caminhada percorrida de mãos dadas com esse
Deus que nos ama, que em cada dia nos cumula da sua bênção e nos oferece a vida
em plenitude.
As leituras que hoje nos são
propostas exploram, portanto, estas diversas coordenadas. Elas evocam esta
multiplicidade de temas e de celebrações.
Na primeira leitura,
sublinha-se a dimensão da presença contínua de Deus na nossa caminhada e
recorda-se que a sua bênção nos proporciona a vida em plenitude.
Na segunda leitura, a liturgia
evoca, outra vez, o amor de Deus, que enviou o seu Filho ao encontro dos homens
para os libertar da escravidão da Lei e para os tornar seus “filhos”. É nessa
situação privilegiada de “filhos” livres e amados que podemos dirigir-nos a
Deus e chamar-lhe “abbá” (“papá”).
O Evangelho mostra como a
chegada do projeto libertador de Deus (que se tornou realidade plena no nosso
mundo através de Jesus) provoca alegria e felicidade naqueles que não têm outra
possibilidade de acesso à salvação: os pobres e os marginalizados. Convida-nos
também a louvar a Deus pelo seu amor e a testemunhar o desígnio libertador de
Deus no meio dos homens.
Maria, a mulher que proporcionou
o nosso encontro com Jesus, é o modelo do crente que é sensível aos projetos de
Deus, que sabe ler os seus sinais na história, que aceita acolher a proposta de
Deus no coração e que colabora com Deus na concretização do projeto divino de
salvação para o mundo.
LEITURA I – Num 6,22-27
O Senhor disse a Moisés:
«Fala a Aarão e aos seus filhos e diz-lhes:
Assim abençoareis os filhos de Israel, dizendo:
‘O Senhor te abençoe e te proteja.
O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face
e te seja favorável.
O senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz’.
Assim invocarão o meu nome sobre os filhos de Israel
e Eu os abençoarei».
página
1
AMBIENTE
O nosso texto situa-nos no Sinai, frente à montanha onde
se celebrou a aliança entre Deus e o seu Povo… No contexto das últimas
instruções de Jahwéh a Moisés, antes de Israel levantar o acampamento e iniciar
a caminhada em direção à Terra Prometida, é apresentada uma fórmula de bênção,
que os “filhos de Aarão” (sacerdotes) deviam pronunciar sobre a comunidade.
Provavelmente, trata-se de uma fórmula litúrgica utilizada
no Templo de Jerusalém para abençoar a comunidade, no final das celebrações
litúrgicas, antes de o Povo regressar a suas casas… Essa bênção é aqui
apresentada como um dom de Deus, no Sinai.
A “bênção” (“beraka”) é concebida, no universo dos povos
semitas, como uma comunicação de vida, real e eficaz, que atinge o “abençoado”
e que lhe transmite vigor, força, êxito, felicidade. É um dom que, uma vez
pronunciado, não pode ser retirado nem anulado. Aqui, essa comunicação de vida
– fruto da generosidade e do amor de Deus – derrama-se sobre os membros da
comunidade por intermédio dos sacerdotes (no Antigo Testamento, os
intermediários entre o mundo de Jahwéh e a comunidade israelita).
MENSAGEM
Esta “bênção” apresenta-se numa tríplice fórmula, sempre
em crescendo (no texto hebraico, a primeira afirmação tem três palavras; a
segunda, cinco; a terceira, sete). Em cada uma das fórmulas, é pronunciado o
nome de Jahwéh… Ora, pronunciar três vezes o nome do Deus da aliança é dar uma
nova atualidade à aliança, às suas promessas e às suas exigências; é lembrar
aos israelitas que é do Deus da aliança que recebem a vida nas suas múltiplas
manifestações e que tudo é um dom de Deus.
A cada uma das invocações, correspondem dois pedidos de
bênção: “que Jahwéh te abençoe (isto é, que te comunique a sua vida) e te
proteja”; “que Jahwéh faça brilhar sobre ti a sua face (hebraísmo que se pode
traduzir como ‘que te mostre um rosto sorridente e favorável’) e te conceda a
sua graça”; que Jahwéh dirija para ti o seu olhar (hebraísmo que significa
‘olhar para ti com benevolência’, ‘acolher-te’) e te conceda a paz” (em
hebraico: ‘shalom’ – no sentido de bem-estar, harmonia, felicidade plena).
Este texto lembra ao israelita que tudo é um dom do amor
de Jahwéh e que o Deus da aliança está ao lado do seu Povo em cada dia do ano,
oferecendo-lhe a vida plena e a felicidade em abundância.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão pode fazer-se a partir dos seguintes dados:
♦ Em primeiro lugar,
somos convidados a tomar consciência da generosidade do nosso Deus, que nunca
nos abandona, mas que continua a sua tarefa criadora derramando sobre nós,
continuamente, a vida em plenitude.
♦ É de Deus que tudo
recebemos: vida, saúde, força, amor e aquelas mil e uma pequeninas coisas que
enchem a nossa vida e que nos dão instantes plenos. Tendo consciência dessa
presença contínua de Deus ao nosso lado, do seu amor e do seu cuidado, somos
gratos por isso? No nosso diálogo com Ele, sentimos a necessidade de O louvar e
de Lhe agradecer por tudo o que Ele nos oferece? Agradecemos todos os dons que
Ele derramou sobre nós no ano que acaba de terminar?
♦ É preciso ter
consciência de que a “bênção” de Deus não cai do céu como uma chuva mágica que
nos molha, quer queiramos, quer não (magia e Deus não combinam); mas a vida de
Deus, derramada sobre nós continuamente, tem de ser acolhida com amor e
gratidão e, depois, transformada em gestos concretos de amor e de paz. É
preciso que o nosso coração diga “sim”, para que a vida de Deus nos atinja e
nos transforme.
SALMO
RESPONSORIAL – Salmo 66 (67)
Refrão:
Deus Se compadeça de nós
e
nos dê a sua bênção.
Deus
Se compadeça de nós e nos dê a sua bênção,
resplandeça
sobre nós a luz do seu rosto.
Na
terra se conhecerão os seus caminhos
e
entre os povos a sua salvação.
Alegrem-se
e exultem as nações,
porque
julgais os povos com justiça
e
governais as nações sobre a terra.
Os
povos Vos louvem, ó Deus,
todos
os povos Vos louvem.
Deus
nos dê a sua bênção
e
chegue o seu temor aos confins da terra.
LEITURA II – Gl 4,4-7
Irmãos:
Quando
chegou a plenitude dos tempos,
Deus
enviou o seu Filho,
nascido
de uma mulher e sujeito à Lei,
para
resgatar os que estavam sujeitos à Lei
e nos
tornar seus filhos adotivos.
E
porque sois filhos,
Deus
enviou aos nossos corações
o
Espírito de seu Filho, que clama:
«Abbá!
Pai!»
Assim,
já não és escravo, mas filho.
E, se
és filho, também és herdeiro, por graça de Deus.
AMBIENTE
Entre as comunidades cristãs do norte da Galácia
manifestou-se, pelos anos 55/56, uma grave crise… À região gálata chegaram
pregadores cristãos de origem judaica, que punham em causa a validade e a
legitimidade do Evangelho anunciado por Paulo. Este era acusado de pregar um
Evangelho mutilado, distante do Evangelho pregado pelos apóstolos de Jerusalém…
Para estes pregadores (“judaizantes”), a fé em Cristo devia ser complementada
pelo cumprimento rigoroso da Lei de Moisés, nomeadamente pelo rito da
circuncisão.
Paulo foi avisado da situação quando estava em Éfeso. Não
o preocupava que a sua pessoa fosse posta em causa; preocupava-o o dano que
este tipo de discurso podia trazer às comunidades cristãs… Paulo estava
convencido que o movimento religioso iniciado por Jesus de Nazaré, não era uma
religião formalista e ritual, uma religião de práticas exteriores, como o
judaísmo farisaico do seu tempo, que se preocupava com questões formais e
secundárias; além disso, estava convencido de que a salvação não tinha a ver
com conquistas humanas (como se a salvação fosse conseguida à custa dos atos heróicos
do homem), mas era um dom de Deus.
Alarmado pela gravidade da situação, Paulo escreveu aos
gálatas. Com alguma dureza (justificada pela gravidade do problema), Paulo diz
aos gálatas que o cristianismo é liberdade e que a ação de Cristo libertou os homens
da escravidão da Lei… Os gálatas devem, portanto, fazer a sua escolha: pela
escravidão, ou pela liberdade; no entanto – não deixa de observar Paulo – é uma
estupidez ter experimentado a liberdade e querer voltar à escravidão…
No texto que nos é proposto, Paulo recorda aos gálatas a encarnação
de Cristo e o objetivo da sua vinda ao mundo: fazer dos que a Ele aderem
“filhos de Deus” livres.
MENSAGEM
Paulo recorda aqui aos gálatas algo de fundamental: Cristo
veio a este mundo para libertá-los, definitivamente, do jugo da Lei; a
consequência da ação redentora de Cristo é que os homens deixaram de ser
escravos e passaram a ser “filhos” que partilham a vida de Deus.
A palavra-chave é, aqui, a palavra “filho”, aplicada tanto
a Cristo como aos cristãos. Cristo, o “Filho”, foi enviado ao mundo pelo Pai
com uma missão concreta: libertar os homens de uma religião de ritos estéreis e
inúteis, que não potenciava o encontro entre Deus e os homens; e Cristo,
identificando os homens com Ele, levou-os a um novo tipo de relacionamento com
Deus e fê-los “filhos” de Deus. Por ação de Cristo, os homens deixaram de ser
escravos (que cumprem obrigatoriamente regras e leis) e passaram a
relacionar-se com Deus como “filhos” livres e amados, herdeiros com Cristo da
vida eterna. Depois desta “promoção”, fará algum sentido querer voltar a ser
escravo da religião das leis e dos ritos?
A nova situação dos homens dá-lhes o direito de chamar a
Deus “abbá” (“papá”). Paulo utiliza esta palavra aqui (bem como na Carta aos
Romanos), apesar de os judeus nunca designarem Deus desta forma. Ela expressa
uma relação muito próxima, muito íntima, do gênero daquela que uma criança tem
com o seu pai: exprime a confiança absoluta, a entrega total, o amor sem
limites. A insistência de Paulo nesta palavra deve ter a ver com o Jesus
histórico: Jesus adoptou-a para expressar a sua confiança filial em Deus e a
sua entrega total à sua causa. Ora, é este tipo de relação que os cristãos,
identificados com Cristo, são convidados a estabelecer com Deus.
Gl 4,4 é o único lugar em que Paulo se refere à
mãe de Jesus (“Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher”); no entanto,
Paulo não parece interessado, aqui, em falar de Nossa Senhora, mas em sublinhar
a solidariedade de Cristo com o gênero humano.
ATUALIZAÇÃO
Considerar, na reflexão, as seguintes questões:
♦ A experiência cristã
é fundamentalmente uma experiência de encontro com um Deus que é “abbá” – isto
é, que é um “papá” muito próximo, com quem nos identificamos, a quem amamos, a
quem nos entregamos e em quem confiamos plenamente. É esta proximidade
libertadora e confiante que temos com o nosso Deus?
♦ A nossa experiência
cristã leva-nos a sentirmo-nos “filhos” amados, ou ao cumprimento de regras e
de obrigações? Na Igreja não se põe, às vezes, a ênfase em cumprir leis e ritos
externos, esquecendo o essencial – a experiência de “filhos” livres e amados de
Deus?
♦ A importante
constatação de que somos “filhos” de Deus leva-nos a uma descoberta
fundamental: estamos unidos a todos os outros homens – “filhos” de Deus como
nós – por laços fraternos. É a mesma vida de Deus que circula em todos nós… O
que é que esta constatação implica, em termos concretos? A que é que ela nos
obriga? Faz algum sentido marginalizar alguém por causa da sua raça ou estatuto
social? Aquilo que acontece aos outros – de bom e de mau – não nos diz
respeito?
ALELUIA
– Hb 1,1-2
Aleluia.
Aleluia.
Muitas
vezes e de muitos modos
falou
Deus antigamente aos nossos pais pelos Profetas.
Nestes
dias, que são os últimos,
Deus
falou-nos por seu Filho.
EVANGELHO – Lc 2,16-21
Naquele
tempo,
os
pastores dirigiram-se apressadamente para Belém
e encontraram
Maria, José
e
o Menino deitado na manjedoura.
Quando
O viram, começaram a contar
o
que lhes tinham anunciado sobre aquele Menino.
E
todos os que ouviam
admiravam-se
do que os pastores diziam.
Maria
conservava todas estas palavras,
meditando-as
em seu coração.
Os
pastores regressaram, glorificando e louvando a Deus
por
tudo o que tinham ouvido e visto,
como
lhes tinha sido anunciado.
Quando
se completaram os oito dias
para
o Menino ser circuncidado,
deram-Lhe
o nome de Jesus,
indicado
pelo Anjo,
antes
de ter sido concebido no seio materno.
AMBIENTE
O texto do Evangelho de hoje é a continuação daquele que
foi lido na noite de Natal: após o anúncio do “anjo do Senhor”, os pastores
(destinatários desse anúncio) dirigiram-se a Belém e encontraram o menino,
deitado numa manjedoura de uma gruta de animais. Mais uma vez, Lucas não está
interessado em fazer a reportagem do nascimento de Jesus, ou a crônica social
das “visitas” que, então, o menino de Belém recebeu; mas está, sobretudo, interessado
em apresentar uma catequese que dê a entender (aos cristãos a quem o texto se
destina) quem é esse menino e qual a missão de que ele foi investido por Deus.
Nesta catequese fica bem claro que Jesus é o Messias libertador, enviado a
trazer a paz; e há também uma reflexão sobre a resposta que Deus espera do
homem.
MENSAGEM
Como pano de fundo do nosso texto está, portanto, a idéia
de que, com a chegada de Jesus, atingimos o centro do tempo salvífico…
Em Jesus, a proposta libertadora que Deus tinha para nos oferecer veio ao nosso
encontro e materializou-se no meio dos homens; o próprio nome (“Jesus”
significa “Jahwéh salva”) que foi dado ao menino por indicação do anjo que
anunciou o seu nascimento aponta nesse sentido. Por outro lado, o fato de essa “boa
notícia” ser dada, em primeiro lugar, aos pastores (classe marginalizada,
considerada impura, pecadora e muito longe de Deus e da salvação) significa que
a proposta de Jesus se destina, de forma especial, aos pobres e marginalizados,
àqueles que a teologia oficial excluía e condenava. Diz-lhes que Deus os ama,
que conta com eles e que os convoca para fazer parte da sua família.
Definida a questão essencial, atentemos nas atitudes dos
intervenientes e na forma como eles respondem à chegada de Jesus…
Em primeiro lugar, repare-se como os pastores, depois de
escutarem a “boa nova” do nascimento do libertador, se dirigem “apressadamente”
ao encontro do menino. A palavra “apressadamente” sublinha a ânsia com que os
pobres e os marginalizados esperam a ação libertadora de Deus em seu favor.
Aqueles que vivem numa situação intolerável de sofrimento e de opressão
reconhecem Jesus como o único salvador e apressam-se a ir ao seu encontro. É dele
e de mais ninguém que brota a libertação por que os oprimidos anseiam. A
disponibilidade de coração para acolher a sua proposta é a primeira coisa que
Deus pede.
Em segundo lugar, repare-se como os pastores reagem ao
encontro com Jesus… Começam por glorificar e louvar a Deus por tudo o que
tinham visto e ouvido: é a alegria pela libertação que se converte em ação de
graças ao Deus libertador. Depois, esse louvor torna-se testemunho: quem faz a
experiência do encontro com Deus libertador tem obrigatoriamente de dar
testemunho, a fim de que os outros homens possam participar da mesma
experiência gratificante.
Finalmente, atentemos na atitude de Maria: ela “conservava
todas estas palavras, meditando-as no seu coração”. É a atitude de quem é capaz
de abismar-se com as ações do Deus libertador, com o amor que Ele manifesta nos
seus gestos em favor dos homens. “Observar”, “conservar” e “meditar” significa
ter a sensibilidade para entender os sinais de Deus e ter a sabedoria da fé
para saber lê-los à luz do plano de Deus. É precisamente isso que faziam os
profetas.
A atitude meditativa de Maria, que interioriza e aprofunda
os acontecimentos, complementa a atitude “missionária” dos pastores, que
proclamam a ação salvadora de Deus, manifestada no nascimento de Jesus. Estas
duas atitudes definem duas coordenadas essenciais daquilo que deve ser a
existência do crente.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão pode partir dos seguintes elementos:
♦ No Evangelho que nos
é, hoje, proposto, fica claro o fio condutor da história da salvação: Deus
ama-nos, quer a nossa plena felicidade e, por isso, tem um projeto de salvação
para levar-nos a superar a nossa fragilidade e debilidade; e esse projeto
foi-nos apresentado na pessoa, nas palavras e nos gestos de Jesus. Temos
consciência de que a verdadeira libertação está na proposta que Deus nos
apresentou em Jesus e não nas ideologias, ou no poder do dinheiro, ou na
posição que ocupamos na escala social? Porque é que tantos dos nossos irmãos
vivem afogados no desespero e na frustração? Porque é que tanta gente procura
“salvar-se” em programas de televisão que lhes dê uns minutos de fama, ou num
consumismo alienante? Não será porque não fomos capazes de lhes apresentar a
proposta libertadora de Jesus?
♦ Diante da “boa nova”
da libertação, reagimos – como os pastores – com o louvor e a ação de graças?
Sabemos ser gratos ao nosso Deus pelo seu amor e pelo seu empenho em nos
libertar da escravidão?
♦ Os pastores, após
terem tomado contacto com o projeto libertador de Deus, fizeram-se
“testemunhas” desse projeto. Sentimos também o imperativo do testemunho? Temos
consciência de que a experiência da libertação é para ser passada aos nossos
irmãos que ainda a desconhecem?
♦ Maria “conservava
todas estas palavras e meditava-as no seu coração”. Quer dizer: ela era capaz
de perceber os sinais do Deus libertador no acontecer da vida. Temos, como ela,
a sensibilidade de estar atentos à vida e de perceber a presença – discreta,
mas significativa, atuante e transformadora – de Deus, nos acontecimentos mais
ou menos banais do nosso dia a dia?
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA A SOLENIDADE DE SANTA
MARIA, MÃE DE DEUS
Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo da
Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, procurar meditar a Palavra de Deus
deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo…
Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da
paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa
comunidade religiosa…
2. PALAVRA DE VIDA.
Existe melhor cumprimento que dizer a uma mãe: “o seu
filho é parecido consigo?” Maria preferia seguramente que lhe dissessem: “É
parecida com o seu Filho!” Na Anunciação, ao dizer “seja feito segundo a tua
Palavra”, Maria falava a língua do seu Filho que afirmará: “Eu vim para fazer a
vontade de meu Pai!” Ao cantar o Magnificat, Maria rezava como o seu Filho
Jesus que exclamará: “Pai, Eu te dou graças, porque escondeste estas coisas aos
sábios e as revelaste aos mais pequeninos!” Pela sua atenção aos casados de
Canã, Maria levava o olhar do seu Filho Jesus às pessoas que terão necessidade
de salvação. Ao pé da cruz, Maria sentia os sofrimentos do seu Filho que dava a
maior prova de amor. A sua oração com os apóstolos na manhã de Pentecostes
juntava-se ao dom do Espírito concedido pelo seu Filho à sua Igreja.
Decididamente, Maria assemelha-se bem ao seu Filho e, assim, a Deus de quem ela
é Mãe.
3. UM PONTO DE ATENÇÃO.
Desenvolver a oração universal.
Visto que é o primeiro domingo do ano, fazer da oração de
intercessão (a oração universal) um momento de memória. Pode-se recordar juntos
os acontecimentos importantes do ano decorrido. Podem ser evocados, quer para
dizer obrigado ao Senhor se foram sinais ou portadores de fraternidade, de paz,
de partilha, quer para pedir perdão quando provocaram violência, ódio,
injustiça, no mundo. No final desta oração, pode-se ler o texto da antiga
segunda leitura (Cl 3,12-19), apresentando-o como um convite feito a cada um
para praticar as virtudes evangélicas.
página
7
4. PARA A SEMANA QUE SE
SEGUE…
Com Maria, aprender a contemplar e bendizer.
Voltemo-nos para Maria que festejamos hoje. Maria, nosso
modelo e nossa Mãe. Maria não cessou de “dizer bem”, ela era incapaz de dizer
mal! Maria dizia bem, sem cessar, ela louvava Deus, ela bendizia-O no seu
Magnificat. E mesmo sem compreender, Maria tinha confiança. Maria ensina-nos a
contemplar e a bendizer: por ela, com ela, desejemos um ano em que saibamos
contemplar a obra de Deus e bendizê-lo.
Solenidade da
Epifania
TEMA
A liturgia deste domingo celebra
a manifestação de Jesus a todos os homens… Ele é uma “luz” que se acende na
noite do mundo e atrai a si todos os povos da terra. Cumprindo o projeto
libertador que o Pai nos queria oferecer, essa “luz” encarnou na nossa
história, iluminou os caminhos dos homens, conduziu-os ao encontro da salvação,
da vida definitiva.
A primeira leitura anuncia
a chegada da luz salvadora de Jahwéh, que transfigurará Jerusalém e que atrairá
à cidade de Deus povos de todo o mundo.
No Evangelho, vemos a
concretização dessa promessa: ao encontro de Jesus vêm os “magos” do oriente,
representantes de todos os povos da terra… Atentos aos sinais da chegada do
Messias, procuram-n’O com esperança até O encontrar, reconhecem n’Ele a
“salvação de Deus” e aceitam-n’O como “o Senhor”. A salvação rejeitada pelos
habitantes de Jerusalém torna-se agora um dom que Deus oferece a todos os
homens, sem exceção.
A segunda leitura apresenta
o projeto salvador de Deus como uma realidade que vai atingir toda a
humanidade, juntando judeus e pagãos numa mesma comunidade de irmãos – a
comunidade de Jesus.
LEITURA I – Is 60,1-6
Levanta-te e resplandece, Jerusalém,
porque chegou a tua luz
e brilha sobre ti a glória do Senhor.
Vê como a noite cobre a terra
e a escuridão os povos.
Mas sobre ti levanta-Se o Senhor
e a sua glória te ilumina.
As nações caminharão à tua luz
e os reis ao esplendor da tua aurora.
Olha ao redor e vê:
todos se reúnem e vêm ao teu encontro;
os teus filhos vão chegar de longe
e as tuas filhas são trazidas nos braços.
Quando o vires ficarás radiante,
palpitará e dilatar-se-á o teu coração,
pois a ti afluirão os tesouros do mar,
a ti virão ter as riquezas das nações.
Invadir-te-á uma multidão de camelos,
de dromedários de Madiã e Efá.
Virão todos os de Sabá,
trazendo ouro e incenso
e proclamando as glórias do Senhor.
AMBIENTE
Aos capítulos 56-66 do Livro de
Isaías, convencionou-se chamar “Isaías”. Trata-se de um conjunto de textos cuja
proveniência não é totalmente consensual… Para
página
1
alguns, são textos de um
profeta anônimo, pós-exílico, que exerceu o seu ministério em Jerusalém após o
regresso dos exilados da Babilônia, nos anos 537/520 a.C.; para a maioria,
trata-se de textos que provêm de diversos autores pós-exílicos e que foram
redigidos ao longo de um arco de tempo relativamente longo (provavelmente,
entre os sécs. VI e V a.C.). De qualquer forma, estamos na época a seguir ao
Exílio e numa Jerusalém em reconstrução… As marcas do passado ainda se notam
nas pedras calcinadas da cidade; os judeus que se estabeleceram na cidade são
ainda poucos; a pobreza dos exilados faz com que a reconstrução seja lenta e
muito modesta; os inimigos estão à espreita e a população está desanimada… Sonha-se,
no entanto, com esse dia futuro em que vai chegar Deus para trazer a salvação
definitiva ao seu Povo. Então, Jerusalém voltará a ser uma cidade bela e
harmoniosa, o Templo será reconstruído e Deus habitará para sempre no meio do
seu Povo.
O texto que nos é proposto é uma glorificação de
Jerusalém, a cidade da luz, a “cidade dos dois sóis” (o sol nascente e o sol
poente: pela sua situação geográfica, a cidade é iluminada desde o nascer do
dia, até ao pôr do sol).
MENSAGEM
Inspirado, sem dúvida, pelo sol nascente que ilumina as
belas pedras brancas das construções de Jerusalém e faz a cidade
transfigurar-se pela manhã (e brilhar no meio das montanhas que a rodeiam), o
profeta sonha com uma Jerusalém muito diferente daquela que os retornados do
Exílio conhecem; essa nova Jerusalém levantar-se-á quando chegar a luz
salvadora de Deus, que dará à cidade um novo rosto. Nesse dia, Jerusalém vai
atrair os olhares de todos os que esperam a salvação. Como consequência, a
cidade será abundantemente repovoada (com o regresso de muitos “filhos” e
“filhas” que, até agora, assustados pelas condições de pobreza e de
instabilidade ainda não se decidiram a regressar); além disso, povos de toda a
terra – atraídos pela promessa do encontro com a salvação de Deus – convergirão
para Jerusalém, inundando-a de riquezas (nomeadamente incenso, para o serviço
do Templo) e cantando os louvores de Deus.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão pode fazer-se a partir das seguintes linhas:
♦ Como pano de fundo
deste texto (e da liturgia deste dia) está a afirmação da eterna preocupação de
Deus com a vida e a felicidade desses homens e mulheres a quem Ele criou. Sejam
quais forem as voltas que a história dá, Deus está lá, vivo e presente,
acompanhando a caminhada do seu Povo e oferecendo-lhe a vida definitiva. Esta
“fidelidade” de Deus aquece-nos o coração e renova-nos a esperança… Caminhamos
pela vida de cabeça levantada, confiando no amor infinito de Deus e na sua
vontade de salvar e libertar o homem.
♦ É preciso, sem
dúvida, ligar a chegada da “luz” salvadora de Deus a Jerusalém (anunciada pelo
profeta) com o nascimento de Jesus. O projeto de libertação que Jesus veio
apresentar aos homens será a luz que vence as trevas do pecado e da opressão e
que dá ao mundo um rosto mais brilhante de vida e de esperança. Reconhecemos em
Jesus a “luz” libertadora de Deus? Estamos dispostos a aceitar que essa “luz”
nos liberte das trevas do egoísmo, do orgulho e do pecado? Será que, através de
nós, essa “luz” atinge o mundo e o coração dos nossos irmãos e transforma tudo
numa nova realidade?
♦ Na catequese cristã
dos primeiros tempos, esta Jerusalém nova, que já “não necessita de sol nem de
lua para a iluminar, porque é iluminada pela glória de Deus”, é a Igreja – a
comunidade dos que aderiram a Jesus e acolheram a luz salvadora que ele veio trazer
(cf. Ap 21,10-14.23-25). Será que nas nossas comunidades cristãs e religiosas
brilha a luz libertadora de Jesus? Elas são, pelo seu brilho, uma luz que atrai
os homens? As nossas desavenças e conflitos, a nossa falta de amor e de
partilha, os nossos ciúmes e rivalidades, não contribuirão para embaciar o
brilho dessa luz de Deus que devíamos refletir?
♦ Será que na nossa
Igreja há espaço para todos os que buscam a luz libertadora de Deus? Os irmãos
que têm a vida destroçada ou que não se comportam de acordo com as regras da
Igreja, são acolhidos, respeitados e amados? As diferenças próprias da diversidade
de culturas são vistas como uma riqueza que importa preservar, ou são
rejeitadas porque ameaçam a uniformidade?
SALMO
RESPONSORIAL – Salmo 71 (72)
Refrão:
Virão adorar-Vos, Senhor,
todos
os povos da terra.
Ó
Deus, concedei ao rei o poder de julgar
e a
vossa justiça ao filho do rei.
Ele
governará o vosso povo com justiça
e os
vossos pobres com equidade.
Florescerá
a justiça nos seus dias
e uma
grande paz até ao fim dos tempos.
Ele
dominará de um ao outro mar,
do
grande rio até aos confins da terra.
Os
reis de Társis e das ilhas virão com presentes,
os
reis da Arábia e de Sabá trarão suas ofertas.
Prostrar-se-ão
diante dele todos os reis,
todos
os povos o hão de servir.
Socorrerá
o pobre que pede auxílio
e o
miserável que não tem amparo.
Terá
compaixão dos fracos e dos pobres
e
defenderá a vida dos oprimidos.
LEITURA
II – Ef 3,2-3a.5-6
Irmãos:
Certamente
já ouvistes falar
da
graça que Deus me confiou a vosso favor:
por
uma revelação,
foi-me
dado a conhecer o mistério de Cristo.
Nas
gerações passadas,
ele
não foi dado a conhecer aos filhos dos homens
como
agora foi revelado pelo Espírito Santo
aos
seus santos apóstolos e profetas:
os
gentios recebem a mesma herança que os judeus,
pertencem
ao mesmo corpo e participam da mesma promessa,
AMBIENTE
A Carta aos Efésios (cuja autoria paulina alguns discutem
por questões de linguagem, de estilo e de teologia) apresenta-se como uma
“carta de cativeiro”, escrita por Paulo da prisão (os que aceitam a autoria
paulina desta carta discutem qual o lugar onde Paulo está preso, nesta altura,
embora a maioria ligue a carta ao cativeiro de Paulo em Roma entre 61/63).
É, de qualquer forma, uma apresentação sólida de uma
catequese bem elaborada e amadurecida. A carta (talvez uma “carta circular”,
enviada a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor) parece
apresentar uma espécie de síntese do pensamento paulino.
O tema mais importante da Carta aos Efésios é aquilo que o
autor chama “o mistério”: trata-se do projeto salvador de Deus, definido e
elaborado desde sempre, escondido durante séculos, revelado e concretizado
plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos e, nos “últimos tempos”, tornado
presente no mundo pela Igreja.
Na parte dogmática da carta (cf. Ef 1,3-3,19), Paulo
apresenta a sua catequese sobre “o mistério”: depois de um hino que põe em
relevo a ação do Pai, do Filho e do Espírito Santo na obra da salvação (cf. Ef
1,3-14), o autor fala da soberania de Cristo sobre os poderes angélicos e do
seu papel de cabeça da Igreja (cf. Ef 1,15-23); depois, reflete sobre a
situação universal do homem, mergulhado no pecado e afirma a iniciativa
salvadora e gratuita de Deus em favor do homem (cf. Ef 2,1-10); expõe, ainda,
como é que Cristo – realizando “o mistério” – levou a cabo a reconciliação de
judeus e pagãos num só corpo, que é a Igreja (cf. 2,11-22)… O texto que nos é
proposto vem nesta sequência: nele, Paulo apresenta-se como testemunha do
“mistério” diante dos judeus e diante dos pagãos (cf. Ef 3,1-13).
MENSAGEM
A Paulo, apóstolo como os Doze, também foi revelado “o
mistério”. É esse “mistério” que Paulo aqui desvela aos crentes da Ásia Menor…
Paulo insiste que, em Cristo, chegou a salvação definitiva para os homens; e
essa salvação não se destina exclusivamente aos judeus, mas destina-se a todos
os povos da terra, sem exceção. Paulo é, por chamamento divino, o arauto desta
novidade… Percebemos, assim, porque é que Paulo se fez o grande arauto da “boa
nova” de Jesus entre os pagãos…
Agora, judeus e gentios são membros de um mesmo e único
“corpo” (o “corpo de Cristo” ou Igreja), partilham o mesmo projeto salvador que
os faz, em igualdade de circunstâncias com os judeus, “filhos de Deus” e todos
participam da promessa feita por Deus a Abraão (cf. Gn 12,3) – promessa cuja
realização Cristo levou a cabo.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão pode fazer-se a partir dos seguintes elementos:
♦ A perspectiva de que
Deus tem um projeto de salvação para oferecer ao seu Povo – já enunciada na
primeira leitura – tem aqui novos desenvolvimentos. A primeira novidade é que
Cristo é a revelação e a realização plena desse projeto. A segunda novidade é que
esse projeto não se destina apenas “a Jerusalém” (ao mundo judaico), mas é para
ser oferecido a todos os povos, sem exceção.
♦ A Igreja, “corpo de
Cristo”, é a comunidade daqueles que acolheram “o mistério”. Nela, brancos e
negros, pobres e ricos, ucranianos ou moldavos – beneficiários todos da ação
salvadora e libertadora de Deus – têm lugar em igualdade de circunstâncias.
Temos, verdadeiramente, consciência de que é nesta comunidade de crentes que se
revela hoje no mundo o projeto salvador que Deus tem para oferecer a todos os
homens? Na vida das nossas comunidades transparece, realmente, o amor de Deus?
As nossas comunidades são verdadeiras comunidades fraternas, onde todos se amam
sem distinção de raça, de cor ou de estatuto social?
♦ Destinatários, todos,
do mistério, somos “filhos de Deus” e irmãos uns dos outros. Essa fraternidade
implica o amor sem limites, a partilha, a solidariedade… Sentimo-nos solidários
com todos os irmãos que partilham conosco esta vasta casa que é o mundo? Sentimo-nos
responsáveis pela sorte de todos os nossos irmãos, mesmo aqueles que estão
separados de nós pela geografia, pela diversidade de culturas e de raças?
ALELUIA – Mt 2,2
Aleluia.
Aleluia.
Vimos
a sua estrela no Oriente
e
viemos adorar o Senhor.
EVANGELHO – Mt 2,1-12
Tinha
Jesus nascido em Belém da Judéia,
nos
dias do rei Herodes,
quando
chegaram a Jerusalém uns Magos vindos do Oriente.
«Onde
está – perguntaram eles –
o rei
dos judeus que acaba de nascer?
Nós
vimos a sua estrela no Oriente
e
viemos adorá-lo».
Ao
ouvir tal notícia, o rei Herodes ficou perturbado
e,
com ele, toda a cidade de Jerusalém.
Reuniu
todos os príncipes dos sacerdotes e escribas do povo
e
perguntou-lhes onde devia nascer o Messias.
Eles
responderam: «Em Belém da Judéia,
porque
assim está escrito pelo profeta:
‘Tu,
Belém, terra de Judá,
não
és de modo nenhum a menor
entre
as principais cidades de Judá,
pois
de ti sairá um chefe,
que
será o Pastor de Israel, meu povo’».
Então
Herodes mandou chamar secretamente os Magos
e
pediu-lhes informações precisas
sobre
o tempo em que lhes tinha aparecido a estrela.
Depois
enviou-os a Belém e disse-lhes:
«Ide
informar-vos cuidadosamente acerca do Menino;
e,
quando O encontrardes, avisai-me,
para
que também eu vá adorá-lo».
Ouvido
o rei, puseram-se a caminho.
E eis
que a estrela que tinham visto no Oriente seguia à sua frente
e
parou sobre o lugar onde estava o Menino.
Ao
ver a estrela, sentiram grande alegria.
Entraram
na casa,
viram
o Menino com Maria, sua Mãe,
e,
prostrando-se diante dele,
adoraram-no.
Depois,
abrindo os seus tesouros,
ofereceram-Lhe
presentes:
ouro,
incenso e mirra.
E,
avisados em sonhos
para
não voltarem à presença de Herodes,
regressaram
à sua terra por outro caminho.
AMBIENTE
O episódio da visita dos magos ao menino de Belém é um
episódio simpático e terno que, ao longo dos séculos, tem provocado um impacto
considerável nos sonhos e nas fantasias dos cristãos… No entanto, convém
recordar que estamos ainda no âmbito do “Evangelho da Infância”; e que os fatos
narrados nesta secção não são a descrição exata de acontecimentos históricos,
mas uma catequese sobre Jesus e a sua missão… Por outras palavras: Mateus não
está aqui interessado em apresentar uma reportagem jornalística que conte a
visita oficial de três chefes de estado estrangeiros à gruta de Belém; mas está
interessado em (recorrendo a símbolos e imagens bem expressivos para os
primeiros cristãos) apresentar Jesus como o enviado de Deus Pai, que vem
oferecer a salvação de Deus aos homens de toda a terra.
MENSAGEM
A análise dos vários detalhes do relato confirma que a
preocupação do autor (Mateus) não é de tipo histórico, mas catequético.
Notemos, em primeiro lugar, a insistência de Mateus no
fato de Jesus ter nascido em Belém de Judá (cf. vers. 1.5.6.7). Para entender
esta insistência, temos de recordar que Belém era a terra natal do rei David e
que era a Belém que estava ligada a família de David. Afirmar que Jesus nasceu
em Belém é ligá-lo a esses anúncios proféticos que falavam do Messias como o
descendente de David que havia de nascer em Belém (cf. Mi 5,1.3; 2 Sm 5,2) e
restaurar o reino ideal de seu pai. Com esta nota, Mateus quer aquietar aqueles
que pensavam que Jesus tinha nascido em Nazaré e que viam nisso um obstáculo
para o reconhecerem como o Messias libertador.
Notemos, em segundo lugar, a referência a uma estrela
“especial” que apareceu no céu por esta altura e que conduziu os “magos” para
Belém. A interpretação desta referência como histórica levou alguém a cálculos
astronômicos complicados para concluir que no ano 6 a .C., uma conjunção de
planetas explicaria o fenômeno luminoso da estrela refulgente mencionada por
Mateus; outros andaram à procura de um cometa que, por esta época, devia ter
sulcado os céus do antigo Médio Oriente… Na realidade, é inútil procurar nos
céus a estrela ou cometa em causa, pois Mateus não está a narrar fatos
históricos. Segundo a crença popular da época, o nascimento de uma personagem
importante era acompanhado da aparição de uma nova estrela. Também a tradição
judaica anunciava o Messias como a estrela que surge de Jacob (cf. Nm 24,17).
Ora, é com estes elementos que a imaginação de Mateus, posta ao serviço da
catequese, vai inventar a “estrela”. Mateus está, sobretudo, interessado em
fornecer aos cristãos da sua comunidade argumentos seguros para rebater aqueles
que negavam que Jesus era esse Messias esperado. Temos ainda as figuras dos
“magos”. A palavra grega “mágos”, usada por Mateus, abarca um vasto leque de
significados e é aplicada a personagens muito diversas: mágicos, feiticeiros,
charlatães, sacerdotes persas, propagandistas religiosos… Aqui, poderia
designar astrólogos mesopotâmios, em contacto com o messianismo judaico. Seja
como for, esses “magos” representam, na catequese de Mateus, esses povos
estrangeiros de que falava a primeira leitura (cf. Is 60,1-6), que se põem a
caminho de Jerusalém com as suas riquezas (ouro e incenso) para encontrar a luz
salvadora de Deus que brilha sobre a cidade santa. Jesus é, na opinião de Mateus
e da catequese da Igreja primitiva, essa “luz”.
Além de uma catequese sobre Jesus, este relato recolhe, de
forma paradigmática, duas atitudes que se vão repetir ao longo de todo o
Evangelho: o Povo de Israel rejeita Jesus, enquanto que os “magos” do oriente
(que são pagãos) O adoram; Herodes e Jerusalém “ficam perturbados” diante da
notícia do nascimento do menino e planeiam a sua morte, enquanto que os pagãos
sentem uma grande alegria e reconhecem em Jesus o seu salvador.
Mateus anuncia, desta forma, que Jesus vai ser rejeitado
pelo seu Povo; mas vai ser acolhido pelos pagãos, que entrarão a fazer parte do
novo Povo de Deus. O itinerário seguido pelos “magos” reflete a caminhada que
os pagãos percorreram para encontrar Jesus: estão atentos aos sinais (estrela),
percebem que Jesus é a luz que traz a salvação, põem-se decididamente a caminho
para O encontrar, perguntam aos judeus – que conhecem as Escrituras – o que
fazer, encontram Jesus e adoram-n’O como “o Senhor”. É muito possível que um
grande número de pagão-cristãos da comunidade de Mateus descobrisse neste
relato as etapas do seu próprio caminho em direção a Jesus.
ATUALIZAÇÃO
Considerar as seguintes questões:
♦ Em primeiro lugar,
meditemos nas atitudes das várias personagens que Mateus nos apresenta em
confronto com Jesus: os “magos”, Herodes, os príncipes dos sacerdotes e os
escribas do povo… Diante de Jesus, o libertador enviado por Deus, estes
distintos personagens assumem atitudes diversas, que vão desde a adoração (os
“magos”), até à rejeição total (Herodes), passando pela indiferença (os
sacerdotes e os escribas: nenhum deles se preocupou em ir ao encontro desse
Messias que eles conheciam bem dos textos sagrados). Identificamo-nos com algum
destes grupos? Não é fácil “conhecer as Escrituras”, como profissionais da
religião e, depois, deixar que as propostas e os valores de Jesus nos passem ao
lado?
♦ Os “magos” são
apresentados como os “homens dos sinais”, que sabem ver na “estrela” o sinal da
chegada da libertação… Somos pessoas atentas aos “sinais” – isto é, somos
capazes de ler os acontecimentos da nossa história e da nossa vida à luz de
Deus? Procuramos perceber nos “sinais” que aparecem no nosso caminho a vontade
de Deus?
♦ Impressiona também,
no relato de Mateus, a “desinstalação” dos “magos”: viram a “estrela”, deixaram
tudo, arriscaram tudo e vieram procurar Jesus. Somos capazes da mesma atitude
de desinstalação, ou estamos demasiado agarrados ao nosso sofá, ao nosso
colchão especial, à nossa televisão, à nossa aparelhagem? Somos capazes de
deixar tudo para responder aos apelos que Jesus nos faz através dos irmãos?
♦ Os “magos”
representam os homens de todo o mundo que vão ao encontro de Cristo, que
acolhem a proposta libertadora que Ele traz e que se prostram diante d’Ele. É a
imagem da Igreja – essa família de irmãos, constituída por gente de muitas
cores e raças, que aderem a Jesus e que O reconhecem como o seu Senhor.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DA EPIFANIA
Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo da
Epifania, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la
pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana
para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de
padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…
2. PALAVRA DE VIDA.
A caminho da estrela… Os magos tinham o hábito de
perscrutar os astros. Eles viram uma estrela, sem dúvida nova para os seus
olhos, então puseram-se a caminho… Aquele que procuravam parece querer fazer-se
conhecer, um sinal basta para estes magos. Param, experimentam uma grande
alegria, prostram-se e oferecem os seus presentes. A criança que eles descobrem
não é uma criança como as outras: é rei, então oferecem-lhe oiro; é Deus, então
queimam incenso; passará pela morte antes de ressuscitar, então apresentam a
mirra. Para o regresso, não têm necessidade de estrela. Deus convida-os a
regressar por outro caminho. O verdadeiro rei não é Herodes, mas esta criança
que acaba de nascer.
3. UM PONTO DE ATENÇÃO.
Um convite ao acolhimento e à abertura.
Festa da salvação para todos os povos, a Epifania convida
as comunidades cristãs ao acolhimento e à abertura. Como viver isso
concretamente hoje na celebração? Por exemplo, dando a cada um, ao chegar à
igreja, uma pequena estrela. Em cada uma, está escrito o nome de um dos
continentes: África, América, Ásia, Europa, Oceânia. No fim da primeira leitura
que descreve em imagens de Jerusalém como o cruzamento das nações, o animador
diz o nome África, depois América, e os outros; a cada apelo, aqueles que têm o
nome escrito na estrela levantam a estrela e mantêm-na levantada durante o
salmo responsorial. Em seguida, vão colocá-la no presépio.
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Aceitar pôr-se a caminho.
Erguer os olhos: tal é o convite que nos é feito hoje. Uma
estrela brilha sempre na noite, se nós a perscrutamos com atenção. Erguer os
olhos: descentrar-se de si mesmo, procurar ajuda da parte de qualquer outro, de
Deus. Depois de ver a estrela, aceitar pôr-se a caminho. Nos próximos dias,
esta estrela será talvez uma caminhada a empreender para sair, encontrar ajuda
ou levar ajuda a alguém, tomar uma decisão até aqui adiada…
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