Domingo de Páscoa
Ano B
A liturgia deste domingo celebra
a ressurreição e garante-nos que a vida em plenitude resulta de uma existência
feita dom e serviço em favor dos irmãos. A ressurreição de Cristo é o exemplo
concreto que confirma tudo isto.
A primeira leitura apresenta
o exemplo de Cristo que “passou pelo mundo fazendo o bem” e que, por amor, se
deu até à morte; por isso, Deus ressuscitou-O. Os discípulos, testemunhas desta
dinâmica, devem anunciar este “caminho” a todos os homens.
O Evangelho coloca-nos
diante de duas atitudes face à ressurreição: a do discípulo obstinado, que se
recusa a aceitá-la porque, na sua lógica, o amor total e a doação da vida não
podem, nunca, ser geradores de vida nova; e a do discípulo ideal, que ama Jesus
e que, por isso, entende o seu caminho e a sua proposta (a esse não o
escandaliza nem o espanta que da cruz tenha nascido a vida plena, a vida
verdadeira).
A segunda leitura convida
os cristãos, revestidos de Cristo pelo batismo, a continuarem a sua caminhada
de vida nova, até à transformação plena (que acontecerá quando, pela morte,
tivermos ultrapassado a última barreira da nossa finitude).
LEITURA I – At
10,34.37-43
Naqueles dias,
Pedro tomou a palavra e disse:
«Vós sabeis o que aconteceu em
toda a Judéia,
a começar pela Galiléia,
depois do batismo que João
pregou:
Deus ungiu com a força do
Espírito Santo a Jesus de Nazaré,
que passou fazendo o bem
e curando a todos os que eram
oprimidos pelo Demônio,
porque Deus estava com Ele.
Nós somos testemunhas de tudo o
que Ele fez
no país dos judeus e em
Jerusalém;
e eles mataram-n’O,
suspendendo-O na cruz.
Deus ressuscitou-O ao terceiro
dia
e permitiu-Lhe manifestar-Se,
não a todo o povo,
mas às testemunhas de antemão
designadas por Deus,
a nós que comemos e bebemos com
Ele,
depois de ter ressuscitado dos
mortos.
Jesus mandou-nos pregar ao povo
e testemunhar que Ele foi
constituído por Deus
juiz dos vivos e dos mortos.
É d’Ele que todos os profetas
dão o seguinte testemunho:
quem acredita n’Ele
recebe pelo seu nome a remissão
dos pecados.
AMBIENTE
A obra de Lucas (Evangelho e Atos dos Apóstolos) aparece
entre os anos 80 e 90, numa fase em que a Igreja já se encontra organizada e
estruturada, mas em que começam a surgir “mestres” pouco ortodoxos, com
propostas doutrinais estranhas e, às vezes, pouco cristãs. Neste ambiente, as
comunidades cristãs começam a necessitar de critérios claros que lhes permitam
discernir a verdadeira doutrina de Jesus da falsa doutrina dos falsos mestres.
Lucas apresenta, então, a Palavra de Jesus, transmitida
pelos apóstolos sob o impulso do Espírito Santo: é essa Palavra que contém a
proposta libertadora que Deus quer apresentar aos homens. Nos Atos, em
especial, Lucas mostra como a Igreja nasce da Palavra de Jesus, fielmente
anunciada pelos apóstolos; será esta Igreja, animada pelo Espírito, fiel à
doutrina transmitida pelos apóstolos, que tornará presente o plano salvador do
Pai e o fará chegar a todos os homens.
Neste texto, em concreto, Lucas propõe-nos o testemunho e a
catequese de Pedro em Cesaréia, em casa do centurião romano Cornélio. Convocado
pelo Espírito (cf. At 10,19-20), Pedro entra em casa de Cornélio, expõe-lhe o
essencial da fé e batiza-o, bem como a toda a sua família (cf. At 10,23b-48). O
episódio é importante porque Cornélio é o primeiro pagão a cem por cento a ser
admitido ao cristianismo por um dos Doze (o etíope de que se fala em At 8,26-40
já era “prosélito”, isto é, simpatizante do judaísmo). Significa que a vida
nova que nasce de Jesus é para todos os homens.
MENSAGEM
O nosso texto é uma composição lucana, onde ecoa o
“kerigma” primitivo. Pedro começa por anunciar Jesus como “o ungido”, que tem o
poder de Deus (vers. 38a); depois, descreve a atividade de Jesus, que “passou
fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos” (vers. 38b); em seguida,
dá testemunho da morte de Jesus na cruz (vers. 39) e da sua ressurreição (vers.
40); finalmente, Pedro tira as conclusões acerca da dimensão salvífica de tudo
isto (vers. 43b: “quem acredita n’Ele, recebe, pelo seu nome, a remissão dos
pecados”). Esta catequese refere também, com alguma insistência, o testemunho
dos discípulos que acompanharam, a par e passo, a caminhada histórica de Jesus
(vers. 39a.41.42).
Repare-se como a ressurreição de Jesus não é apresentada
como um fato isolado, mas como o culminar de uma vida vivida na obediência ao
Pai e na doação aos homens. Depois de Jesus ter passado pelo mundo “fazendo o
bem e libertando todos os que eram oprimidos”; depois de Ele ter morrido na
cruz como consequência desse “caminho”, Deus ressuscitou-O. A vida nova e plena
que a ressurreição significa parece ser o ponto de chegada de uma existência
posta ao serviço do projeto salvador e libertador de Deus. Por outro lado, esta
vida vivida na entrega e no dom é uma proposta transformadora que, uma vez
acolhida, liberta da escravidão do egoísmo e do pecado (vers. 43).
E os discípulos? Eles são aqueles que aderiram a Jesus e
que acolheram a sua proposta libertadora. Se a vida dos discípulos se
identifica com a de Jesus, eles estão a “ressuscitar” (isto é, a renascer para
a vida nova e plena). Além disso, eles são as testemunhas de tudo isto: é
absolutamente necessário que esta proposta de ressurreição, de vida plena, de
vida transfigurada, chegue a todos os homens. Trata-se de uma proposta de
salvação universal que, através dos discípulos, deve atingir, todos os povos da
terra, sem distinção. Os acontecimentos do dia do Pentecostes já haviam, aliás,
anunciado a universalidade da proposta de salvação, apresentada por Jesus e
testemunhada pelos apóstolos.
ATUALIZAÇÃO
♦ A ressurreição de
Jesus é a consequência de uma vida gasta a “fazer o bem e a libertar os
oprimidos”. Isso significa que, sempre que alguém – na linha de Jesus – se
esforça por vencer o egoísmo, a mentira, a injustiça e por fazer triunfar o
amor, está a ressuscitar; significa que, sempre que alguém – na linha de Jesus
– se dá aos outros e manifesta, em gestos concretos, a sua entrega aos irmãos,
está a construir vida nova e plena. Eu estou a ressuscitar (porque caminho pelo
mundo fazendo o bem e libertando os oprimidos), ou a minha vida é um repisar os
velhos esquemas do egoísmo, do orgulho, do comodismo?
♦ A ressurreição de
Jesus significa, também, que o medo, a morte, o sofrimento, a injustiça, deixam
de ter poder sobre o homem que ama, que se dá, que partilha a vida. Ele tem
assegurada a vida plena – essa vida que os poderes do mundo não podem destruir,
atingir ou restringir. Ele pode, assim, enfrentar o mundo com a serenidade que
lhe vem da fé. Estou consciente disto, ou deixo-me dominar pelo medo, sempre
que tenho de agir para combater aquilo que rouba a vida e a dignidade, a mim e
a cada um dos meus irmãos?
♦ Aos discípulos
pede-se que sejam as testemunhas da ressurreição. Nós não vimos o sepulcro
vazio; mas fazemos, todos os dias, a experiência do Senhor ressuscitado, que
está vivo e que caminha ao nosso lado nos caminhos da história. A nossa missão
é testemunhar essa realidade; no entanto, o nosso testemunho será oco e vazio
se não for comprovado pelo amor e pela doação (as marcas da vida nova de
Jesus).
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 117 (118)
Refrão 1: Este é o dia que o Senhor fez:
exultemos e cantemos de alegria.
Refrão 2: Aleluia.
Dai graças ao Senhor, porque ele é bom,
porque é eterna a sua misericórdia.
Diga a casa de Israel:
é eterna a sua misericórdia.
A mão do Senhor fez prodígios,
a mão do Senhor foi magnífica.
Não morrerei, mas hei de viver
para anunciar as obras do Senhor.
A pedra que os construtores rejeitaram
tornou-se pedra angular.
Tudo isto veio do Senhor:
é admirável aos nossos olhos.
LEITURA II – Cl 3,1-4
Irmãos:
Se ressuscitastes com Cristo,
aspirai às coisas do alto,
onde está Cristo, sentado à direita de Deus.
Afeiçoai-vos às coisas do alto e não ás da terra.
Porque vós morrestes
e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus.
Quando Cristo, que é a vossa vida, Se manifestar,
também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória.
AMBIENTE
Quando escreveu a Carta aos Colossenses, Paulo estava na
prisão (em Roma?). Epafras, seu amigo, visitou-o e falou-lhe da “crise” por que
estava a passar a Igreja de Colossos. Alguns doutores locais ensinavam
doutrinas estranhas, que misturavam especulações acerca dos anjos (cf. Cl
2,18), práticas ascéticas, rituais legalistas, prescrições sobre os alimentos e
a observância de determinadas festas (cf. Cl 2,16.21): tudo isso deveria (na
opinião desses “mestres”) completar a fé em Cristo, comunicar aos crentes um
conhecimento superior de Deus e dos mistérios cristãos e possibilitar uma vida
religiosa mais autêntica. Contra este sincretismo religioso, Paulo afirma a
absoluta suficiência de Cristo.
O texto que nos é proposto como segunda leitura é a
introdução à reflexão moral da carta (cf. Cl 3,1-4,6). Depois de apresentar a
centralidade de Cristo no projeto salvador de Deus (cf. Cl 1,13-2,23), Paulo
recorda aos cristãos de Colossos que é preciso viver de forma coerente e
verdadeira o compromisso assumido com Cristo.
MENSAGEM
Neste texto, Paulo apresenta, como ponto de partida e base
da vida cristã, a união com Cristo ressuscitado, na qual o cristão é
introduzido pelo batismo. Ao ser batizado, o cristão morreu para o pecado e
renasceu para uma vida nova; essa vida nova terá a sua manifestação gloriosa
quando o discípulo de Jesus ultrapassar, pela morte, as fronteiras da vida
terrena. Enquanto caminhamos ao encontro desse objetivo último, a nossa vida
tem de tender para Cristo. Em concreto, isso significa despojarmos do “homem
velho” por um processo de conversão que nunca está acabado, e o revestirmos – cada dia mais profundamente – da imagem de
Cristo, de forma a que nos identifiquemos com Ele pelo amor e pela entrega da
vida.
No texto de Paulo está bem presente a ideia de que temos
que viver com os pés na terra, mas com a mente e o coração no céu: é lá que
estão os bens eternos e a nossa meta definitiva (“afeiçoai-vos às coisas do
alto e não às da terra”). Daqui resulta um conjunto de exigências práticas que
Paulo vai enumerar, de forma bem concreta, nos versículos seguintes (cf. Cl
3,5-4,1).
ATUALIZAÇÃO
♦ O batismo
introduz-nos numa dinâmica de comunhão com Cristo ressuscitado. A partir do
batismo, Cristo passa a ser o centro e a referência fundamental à volta da qual
se constrói toda a vida do crente. Qual o lugar que Cristo ocupa na minha vida?
Tenho consciência de que o meu batismo significou um compromisso com Cristo?
♦ A identificação com
Cristo implica o assumir uma dinâmica de vida nova, despojada do egoísmo, do
orgulho, do pecado e feita doação a Deus e aos irmãos. O cristão torna-se
então, verdadeiramente, alguém que “aspira às coisas do alto” – quer dizer,
alguém que, embora vivendo nesta terra e desfrutando as realidades deste mundo,
tem como referência última os valores de Deus. Não se pede ao crente que seja
um alienado, alguém que viva a olhar para o céu, e que se demita do compromisso
com o mundo e com os irmãos; mas pede lhe que não faça dos valores do mundo a
sua prioridade, a sua referência última. A minha vida tem sido uma caminhada
coerente com esta dinâmica de vida nova que começou no dia em que fui batizado?
Esforço-me, realmente, por me despojar do “homem velho”, egoísta e escravo do
pecado, e por me revestir do “homem novo”, que se identifica com Cristo e que
vive no amor, no serviço, na doação aos irmãos?
♦ Paulo, a partir do
exemplo de Cristo, garante-nos que esse caminho de despojamento do “homem
velho” não é um caminho de derrota e de fracasso; mas é um caminho de glória,
no qual se manifesta a realidade da vida eterna, da vida verdadeira.
♦ Quando, de alguma
forma, tenho um papel ativo na preparação ou na celebração do sacramento do
batismo, tenho consciência – e procuro passar essa mensagem – de que o
sacramento não é um ato tradicional ou social (que, por acaso, até proporciona
fotografias bonitas), mas um compromisso sério e exigente com Cristo?
SEQUÊNCIA PASCAL
À Vítima pascal
ofereçam os cristãos
sacrifícios de louvor.
O Cordeiro resgatou as ovelhas:
Cristo, o Inocente,
reconciliou com o Pai os pecadores.
A morte e a vida
travaram um admirável combate:
Depois de morto,
vive e reina o Autor da vida.
Diz-nos, Maria:
Que viste no caminho?
Vi o sepulcro de Cristo vivo
e a glória do Ressuscitado.
Vi as testemunhas dos Anjos,
vi o sudário e a mortalha.
Ressuscitou Cristo, minha esperança:
precederá os seus discípulos na Galiléia.
Sabemos e acreditamos:
Cristo ressuscitou dos mortos:
Ó Rei vitorioso,
tende piedade de nós.
ALELUIA – 1 Cor 5,7b-8a
Aleluia. Aleluia.
Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado:
celebremos a festa do Senhor.
EVANGELHO – Jo 20,1-9
No primeiro dia da semana,
Maria Madalena foi de manhãzinha, ainda escuro, ao
sepulcro
e viu a pedra retirada do sepulcro.
Correu então e foi ter com Simão Pedro
e com o discípulo predileto de Jesus
e disse-lhes:
«Levaram o Senhor do sepulcro
e não sabemos onde O puseram».
Pedro partiu com o outro discípulo
e foram ambos ao sepulcro.
Corriam os dois juntos,
mas o outro discípulo antecipou-se,
correndo mais depressa do que Pedro,
e chegou primeiro ao sepulcro.
Debruçando-se, viu as ligaduras no chão, mas não entrou.
Entretanto, chegou também Simão Pedro, que o seguira.
Entrou no sepulcro
e viu as ligaduras no chão
e o sudário que tinha estado sobre a cabeça de Jesus,
não com as ligaduras, mas enrolado à parte.
Entrou também o outro discípulo
que chegara primeiro ao sepulcro:
viu e acreditou.
Na verdade, ainda não tinham entendido a Escritura,
segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos.
AMBIENTE
O Quarto Evangelho (cf. Jo 4,1-19,42) apresenta duas partes.
Na primeira, João descreve a atividade criadora e vivificadora do Messias, no
sentido de dar vida e de criar um Homem Novo – um homem livre da escravidão do
egoísmo, do pecado e da morte (para João, o último passo dessa atividade
destinada a fazer surgir o Homem Novo foi, precisamente, a morte na cruz: aí,
Jesus apresentou a última e definitiva lição – a lição do amor total, que não
guarda nada para si, mas faz da vida um dom radical ao Pai e aos irmãos). Na
segunda parte do Evangelho (cf. Jo 20,1-31), João apresenta o resultado da ação
de Jesus e mostra essa comunidade de Homens Novos, recriados e vivificados por
Jesus, que com Ele aprenderam a amar com radicalidade e a quem Jesus abriu as
portas da vida definitiva. Trata-se dessa comunidade de homens e mulheres que
se converteram e aderiram a Jesus e que, em cada dia – mesmo diante do sepulcro
vazio – são convidados a manifestar a sua fé n’Ele.
A cena situa-nos na manhã do domingo de Páscoa, em Jerusalém. João
descreve a reação dos discípulos diante da descoberta do sepulcro vazio.
MENSAGEM
O texto começa com uma indicação aparentemente
cronológica, mas que deve ser entendida, sobretudo, em chave teológica: “no
primeiro dia da semana”. Significa que aqui começou um novo ciclo – o da nova
criação, o da libertação definitiva. Este é o “primeiro dia” de um novo tempo e
de uma nova realidade – o tempo do Homem Novo, que nasceu a partir da ação
criadora e vivificadora de Jesus.
A primeira personagem em cena é Maria Madalena: ela é a
primeira a dirigir-se ao túmulo de Jesus, ainda o sol não tinha nascido, na
manhã do “primeiro dia da semana”. Maria Madalena representa, no Quarto
Evangelho, a nova comunidade nascida da ação criadora e vivificadora do
Messias. Inicialmente, os discípulos acreditaram que a morte tinha triunfado e
pensavam que Jesus estava prisioneiro do sepulcro… A comunidade nascida de
Jesus era, em consequência, uma comunidade perdida, desorientada, insegura,
desamparada, que ainda não descobrira que a morte tinha sido derrotada. Por
isso, procurou Jesus no túmulo, mas, diante do sepulcro vazio, tomou
consciência da ressurreição e percebeu que a morte não tinha vencido Jesus.
Na sequência, João apresenta uma catequese sobre a dupla
atitude dos discípulos diante do mistério da morte e da ressurreição de Jesus.
Essa dupla atitude é expressa no comportamento dos dois discípulos que, na
manhã da Páscoa, correram ao túmulo de Jesus: Simão Pedro e um “outro
discípulo” não identificado (mas que parece ser esse “discípulo amado”,
apresentado no Quarto Evangelho como o modelo ideal do discípulo).
João coloca, aliás, estas duas figuras lado a lado em
várias circunstâncias (na última ceia, é o “discípulo amado” que percebe quem
está do lado de Jesus e quem O vai trair – cf. Jo 13,23-25; na paixão, é ele
que consegue estar perto de Jesus no átrio do sumo sacerdote, enquanto Pedro O
trai – cf. Jo 18,15-18.25-27; é ele que está junto da cruz quando Jesus morre –
cf. Jo 19,25-27; é ele quem reconhece Jesus ressuscitado nesse vulto que
aparece aos discípulos no lago de Tiberíades – cf. Jo 21,7). Nas outras vezes,
o “discípulo amado” levou sempre vantagem sobre Pedro. Aqui, isso irá acontecer
outra vez: o “outro discípulo” correu mais e chegou ao túmulo primeiro que
Pedro (o fato de se dizer que ele não entrou logo pode querer significar a sua
deferência e o seu amor, que resultam da sua sintonia com Jesus); e, depois de
ver, “acreditou” (o mesmo não se diz de Pedro).
O que é que estas duas figuras de discípulo representam?
Em geral, Pedro representa, nos Evangelhos, o discípulo
obstinado, para quem a morte significa fracasso e que se recusa a aceitar que a
vida nova passe pela humilhação da cruz (Jo 13,6-8.36-38; 18,16.17.18.25-27;
cf. Mc 8,32-33; Mt 16,22-23). Ele é, em várias situações, o discípulo que tem dificuldade
em entender os valores que Jesus propõe, que raciocina de acordo com a lógica
do mundo e que não entende que a vida eterna e verdadeira possa brotar da cruz.
Na sua perspectiva Jesus fracassou, pois insistiu – contra toda a lógica – em
servir e em dar a vida. Para ele, a doação e a entrega não podem conduzir à
vitória, mas sim à derrota; portanto, Jesus morreu e o caso está encerrado. A
eventual ressurreição de Jesus é, pois, uma hipótese absurda e sem sentido.
Ao contrário, o “outro discípulo” – o “discípulo amado” –
é aquele que está sempre próximo de Jesus, que se identifica com Jesus, que
adere incondicionalmente aos valores de Jesus, que ama Jesus. Nessa comunhão e
intimidade com Jesus, ele aprendeu e interiorizou a lógica de Jesus e percebeu
que a doação e a entrega são um caminho de vida. Para ele, faz todo o sentido
que Jesus tenha ressuscitado (“viu e acreditou” - vers. 8), pois a vitória
sobre a morte é o resultado lógico do dom da vida, do amor até ao extremo.
Esse “outro discípulo” é, portanto, a imagem do discípulo
ideal, que está em sintonia total com Jesus, que percebe e aceita os valores de
Jesus, que está disposto a embarcar com Jesus na lógica do amor e do dom da
vida, que corre ao encontro de Jesus com um total empenho, que compreende os
sinais da ressurreição e que descobre (porque o amor leva à descoberta) que
Jesus está vivo. Ele é o paradigma do Homem Novo, do homem recriado por Jesus.
ATUALIZAÇÃO
♦ Também aqui – como em
várias outras passagens do Evangelho – Pedro desempenha um papel estranho e
infeliz: é o papel de um discípulo que continua a não sintonizar com Jesus e
com a sua lógica. No entanto, não podemos ser demasiado duros com Pedro: ele é,
apenas, o paradigma de uma figura de discípulo que conhecemos bem: o discípulo
que tem dificuldade em
perceber Jesus e os seus valores, pois está habituado a
funcionar de acordo com outros valores e padrões – os valores e padrões dos
homens. A lógica humana ensina-nos que o amor partilhado até à morte, o serviço
simples e sem pretensões, a doação e a entrega da vida, só conduzem ao fracasso
e não são um caminho sólido e consistente para chegar ao êxito, ao triunfo, à
glória; da cruz, do amor radical, da doação de si, não pode resultar
realização, felicidade, vida plena, êxito profissional ou social. Como nos
situamos face a esta lógica?
♦ O “discípulo
predileto” de que fala o texto é o discípulo que vive em comunhão com Jesus,
que se identifica com Jesus e com os seus valores, que interiorizou e absorveu
a lógica da entrega incondicional, do dom da vida, do amor total. Modelo do
verdadeiro discípulo, ele convida-nos à identificação com Jesus, à escuta
atenta e comprometida dos valores de Jesus, ao seguimento de Jesus. Propõe-nos
uma renúncia firme a esquemas de egoísmo, de injustiça, de orgulho, de
prepotência e a realizar gestos que sejam sinais do amor, da bondade, da
misericórdia e da ternura de Deus.
♦ A ressurreição de
Jesus prova, precisamente, que a vida plena, a vida total, a transfiguração
total da nossa realidade finita e das nossas capacidades limitadas, passa pelo
amor que se dá, com radicalidade, até às últimas consequências. Garante-nos que
a vida gasta a amar não é perdida nem fracassada, mas é o caminho para a vida
plena e verdadeira, para a felicidade sem fim. Temos consciência disso? É nessa
direção que conduzimos a caminhada da nossa vida?
♦ Pela fé, pela
esperança, pelo seguimento de Cristo e pelos sacramentos, a semente da
ressurreição (o próprio Jesus) é depositada na realidade do homem/corpo.
Revestidos de Cristo, somos nova criatura: estamos, portanto, a ressuscitar,
até atingirmos a plenitude, a maturação plena, a vida total (quando
ultrapassarmos a barreira da morte física). Aqui começa, pois, a nova
humanidade.
♦ A figura de Pedro
pode também representar, aqui, essa velha prudência dos responsáveis
institucionais da Igreja, que os impede de ir à frente da caminhada do Povo de
Deus, de arriscar, de aceitar os desafios, de aderir ao novo, ao
desconcertante, ao incompreensível. O Evangelho de hoje sugere que é,
precisamente nesse novo, desconcertante, incompreensível à luz da lógica humana
que, tantas vezes, se revela o mistério de Deus e se encontram ecos de
ressurreição e de vida nova.
ALGUMAS SUGESTÕES
PRÁTICAS PARA O DOMINGO DE PÁSCOA
Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo de Páscoa,
procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo central para a fé cristã.
Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia
da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num
grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…
Aproveitar, sobretudo, a Semana Santa para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Demos a morte àquele que, com um olhar, dava dignidade aos
feridos da vida, então Maria Madalena reconhece-O quando Ele a chama pelo seu
nome. Demos a morte àquele que tinha falado do amor como de um dom, então Tomé
reconhece-O nas suas feridas, provas do dom da sua vida. Demos a morte àquele
que tinha declarado «felizes os construtores de paz», então os discípulos
reconhecem-n’O na sua saudação: «A paz esteja convosco!» Demos a morte àquele
que tinha partilhado o pão, então dois dos seus discípulos reconhecem-n’O no
gesto da fração do pão a caminho de Emaús. A morte não teve a última palavra.
Doravante, quem terá a última palavra é a Vida, o Amor, a Paz, a Fé. Tal é na
nossa esperança.
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
«Ele viu e acreditou».
O discípulo que Jesus amava viu aquilo que Simão Pedro
via: um túmulo vazio, com as ligaduras e o sudário… Mas João crê. Porquê esta
diferença na atitude dos dois discípulos? O amor de Pedro por Jesus era grande.
Mas com a tríplice negação, o seu amor tinha necessidade de ser confirmado,
purificado, perdoado. João, ele, o único entre os apóstolos, ficou até ao fim.
Deixou-se invadir por um amor sem falha. Na última Ceia, tinha sentido de mais
perto bater o coração do Senhor. Diante do túmulo vazio, ele sabe que se trata
de algo de infinitamente mais misterioso, mais decisivo. Muitos homens não
tiveram fé no testemunho dos apóstolos. É este amor que nos faz ver para lá das
aparências e que queimava o coração de João. «Para vós, pergunta-nos sempre Jesus,
quem sou Eu?»
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Falar verdade…
Uma maneira simples de testemunhar a nossa fé na
ressurreição de Cristo no «primeiro dia da semana» seria, para nós cristãos,
não falar mais de fim da semana! Porque evidentemente o domingo não é o fim da
semana, mas o seu começo. O domingo é o primeiro dia, o dia do Senhor.
2º Domingo da
Páscoa
A liturgia deste domingo
apresenta-nos essa comunidade de Homens Novos que nasce da cruz e da
ressurreição de Jesus: a Igreja. A sua missão consiste em revelar aos homens a
vida nova que brota da ressurreição.
Na primeira leitura temos,
numa das “fotografia” que Lucas apresenta da comunidade cristã de Jerusalém, os
traços da comunidade ideal: é uma comunidade formada por pessoas diversas, mas
que vivem a mesma fé num só coração e numa só alma; é uma comunidade que
manifesta o seu amor fraterno em gestos concretos de partilha e de dom e que,
dessa forma, testemunha Jesus ressuscitado.
No Evangelho sobressai a
ideia de que Jesus vivo e ressuscitado é o centro da comunidade cristã; é à
volta d’Ele que a comunidade se estrutura e é d’Ele que ela recebe a vida que a
anima e que lhe permite enfrentar as dificuldades e as perseguições. Por outro
lado, é na vida da comunidade (na sua liturgia, no seu amor, no seu testemunho)
que os homens encontram as provas de que Jesus está vivo.
A segunda leitura recorda
aos membros da comunidade cristã os critérios que definem a vida cristã
autêntica: o verdadeiro crente é aquele que ama Deus, que adere a Jesus Cristo
e à proposta de salvação que, através dele, o Pai faz aos homens e que vive no
amor aos irmãos. Quem vive desta forma, vence o mundo e passa a integrar a
família de Deus.
LEITURA – At 4,32-35
A multidão dos que haviam
abraçado a fé
tinha um só coração e uma só
alma;
ninguém chamava seu ao que lhe
pertencia,
mas tudo entre eles era comum.
Os Apóstolos davam testemunho da
ressurreição do Senhor Jesus
com grande poder
e gozavam todos de grande
simpatia.
Não havia entre eles qualquer
necessitado,
porque todos os que possuíam
terras ou casas
vendiam-nas e traziam o produto
das vendas,
que depunham aos pés dos
Apóstolos.
Distribuía-se então a cada um
conforme a sua necessidade.
AMBIENTE
Os “Atos dos Apóstolos” são uma
catequese sobre a “etapa da Igreja”, isto é, sobre a forma como os discípulos
assumiram o continuaram o projeto salvador do Pai e o levaram – após a partida
de Jesus deste mundo – a todos os homens.
O livro divide-se em duas
partes. Na primeira (cf. At 1-12), a reflexão apresenta-nos a difusão do
Evangelho dentro das fronteiras palestinas, por ação de Pedro e dos Doze; a
segunda (cf. At 13-28) apresenta-nos a expansão do Evangelho fora da Palestina
(até Roma), sobretudo por ação de Paulo.
O texto que hoje nos é proposto
pertence à primeira parte do Livro dos Atos dos Apóstolos. Faz parte de um
conjunto de três sumários, através dos quais Lucas descreve aspectos
fundamentais da vida da comunidade cristã de Jerusalém. Um primeiro sumário é
dedicado ao tema da unidade e ao impacto que o estilo cristão de vida
provocou no povo da cidade (cf. At 2,42-47); um segundo sumário (e que é
exatamente o texto que nos é hoje proposto) refere-se sobretudo à partilha dos
bens (cf. At 4,32-35); o terceiro trata do testemunho que a Igreja dá através
da atividade miraculosa dos apóstolos (cf. At 5,12-16).
Naturalmente, estes sumários não são um retrato histórico
rigoroso da comunidade cristã de Jerusalém, no início da década de 30 (embora
possam ter algumas bases históricas). Quando Lucas escreve estes relatos
(década de 80), arrefeceu já o entusiasmo inicial dos cristãos: Jesus nunca
mais veio para instaurar definitivamente o “Reino de Deus” e posicionam-se no
horizonte próximo as primeiras grandes perseguições… Há algum desleixo, falta
de entusiasmo, monotonia, divisão e confusão (até porque começam a aparecer
falsos mestres, com doutrinas estranhas e pouco cristãs). Neste contexto, Lucas
recorda o essencial da experiência cristã e traça o quadro daquilo que a
comunidade deve ser.
MENSAGEM
Como será, então, essa comunidade ideal, que nasce do
Espírito e do testemunho dos apóstolos?
Em primeiro lugar, é uma comunidade formada por pessoas
muito diversas, mas que abraçaram a mesma fé (“a multidão dos que tinham
abraçado a fé” – vers. 32a). A “fé” é, no Novo Testamento, a adesão a Jesus e
ao seu projeto. Para todos os membros da comunidade, o Senhor Jesus Cristo é a
referência fundamental, o cimento que a todos une num projeto comum.
Em segundo lugar, é uma comunidade unida, onde os crentes
têm “um só coração e uma só alma” (vers. 32a). Da adesão a Jesus resulta,
obrigatoriamente, a comunhão e a união de todos os “irmãos” da comunidade. A
comunidade de Jesus não pode ser uma comunidade onde cada um puxa para o seu
lado, preocupado em defender apenas os seus interesses pessoais; mas tem de ser
uma comunidade onde todos caminham na mesma direção, ajudando-se mutuamente,
partilhando os mesmos valores e os mesmos ideais, formando uma verdadeira
família de irmãos que vivem no amor.
Em terceiro lugar, é uma comunidade que partilha os bens.
Da comunhão com Cristo resulta a comunhão dos cristãos entre si; e isso tem
implicações práticas. Em concreto, implica a renúncia a qualquer tipo de
egoísmo, de auto-suficiência, de fechamento em si próprio e uma abertura de
coração para a partilha, para o dom, para o amor. Expressão concreta dessa
partilha e desse dom é a comunhão dos bens: “ninguém chamava seu ao que lhe
pertencia, mas tudo entre eles era comum” – vers. 32b). Num desenvolvimento que
explicita este “pôr em comum”, Lucas conta que “não havia entre eles qualquer
necessitado, porque todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas e traziam
o produto das vendas, que depunham aos pés dos apóstolos. Distribuía-se então a
cada um conforme a sua necessidade” (vers. 34-35). É uma forma concreta de
mostrar que a vida nova de Jesus, assumida pelos crentes, não é “conversa
fiada”; mas é uma efetiva libertação da escravidão do egoísmo e um compromisso
verdadeiro com o amor, com a partilha, com o dom da vida. Num mundo onde a
realização e o êxito se medem pelos bens acumulados e que não entende a
partilha e o dom, a comunidade de Jesus é chamada a dar exemplo de uma lógica
diferente e a propor uma mundo que se baseie nos valores de Deus.
Finalmente, é uma comunidade que dá testemunho: “os
apóstolos davam testemunho da ressurreição de Jesus com grande poder” (vers.
33). Os gestos realizados pelos apóstolos infundiam em todos aqueles que os
testemunhavam a inegável certeza da presença de Deus e dos seus dinamismos de
salvação.
A primitiva comunidade cristã, nascida do dom de Jesus e
do Espírito é, verdadeiramente, uma comunidade de homens e mulheres novos, que
dá testemunho da salvação e que anuncia a vida plena e definitiva. A fé dos
discípulos, a sua união e, mais do que tudo, essa “ilógica” e “absurda”
partilha dos bens eram a “prova provada” de que Cristo estava vivo e a atuar no
mundo, oferecendo aos homens um mundo novo. A Cristo ressuscitado, os
habitantes de Jerusalém não podiam ver; mas o que eles podiam ver era a
espantosa transformação operada no coração dos discípulos, capazes de superar o
egoísmo, o orgulho e a auto-suficiência e de viver no amor, na partilha, no
dom. Viver de acordo com os valores de Jesus é a melhor forma de anunciar e de
testemunhar que Jesus está vivo.
A comunidade cristã de Jerusalém era, de fato, esta
comunidade ideal? Possivelmente, não (outros textos dos Atos falam-nos de
tensões e problemas – como acontece com qualquer comunidade humana); mas a
descrição que Lucas aqui faz, aponta para a meta a que toda a comunidade cristã
deve aspirar, confiada na força do Espírito. Trata-se, portanto, de uma
descrição da comunidade ideal, que pretende servir de modelo à Igreja e
às igrejas de todas as épocas.
ATUALIZAÇÃO
♦ A comunidade cristã é
uma “multidão” que abraçou a mesma fé – quer dizer, que aderiu a Jesus, aos
seus valores, à sua proposta de vida. A Igreja não é um grupo unido por uma
ideologia, ou por uma mesma visão do mundo, ou pela simpatia pessoal dos seus membros;
mas é uma comunidade que agrupa pessoas de diferentes raças e culturas, unidas
à volta de Jesus e do seu projeto de vida e que de forma diversa procuram
encarnar a proposta de Jesus na realidade da sua vida quotidiana. Que lugar e
que papel Jesus e as suas propostas ocupam na minha vida pessoal e na vida da
minha comunidade cristã? Jesus é uma referência distante e pouco real, ou é uma
presença constante, que me interroga, que me questiona e que me aponta
caminhos?
♦ A comunidade cristã é
uma família unida, onde os irmãos têm “um só coração e uma só alma”. Tal fato
resulta da adesão a Jesus: seria um absurdo aderir a Jesus e ao seu projeto e,
depois, conduzir a vida de acordo com mecanismos de divisão, de afastamento, de
egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência… A minha comunidade cristã é uma
comunidade de irmãos que vivem no amor, ou é um grupo de pessoas isoladas, em
que cada um procura defender os seus interesses, mesmo que para isso tenha de
magoar e de espezinhar os outros? No que me diz respeito, esforço-me por amar
todos, por respeitar a liberdade e a dignidade de todos, por potenciar os
contribuição e as qualidades de todos?
♦ A comunidade cristã é
uma comunidade de partilha. No centro dessa comunidade está o Cristo do amor,
da partilha, do serviço, do dom da vida… O cristão não pode, portanto, viver
fechado no seu egoísmo, indiferente à sorte dos outros irmãos. Em concreto, o
nosso texto fala na partilha dos bens… Uma comunidade onde alguns esbanjam os
bens e onde outros não têm o suficiente para viver dignamente, será uma
comunidade que testemunha, diante dos homens, esse mundo novo de amor que Jesus
veio propor? Será cristão aquele que, embora indo à igreja só pensa em acumular
bens materiais, recusando-se a escutar os dramas e sofrimentos dos irmãos mais
pobres? Será cristão aquele que, embora contribuindo com dinheiro para as
necessidades da paróquia, explora os seus operários ou comete injustiças?
♦ A comunidade cristã é
uma comunidade que testemunha o Senhor ressuscitado. Como? Através do discurso
apologético dos discípulos? Através de palavras elegantes e de discursos bem
elaborados, capazes de seduzir e de manipular as massas? O testemunho mais
impressionante e mais convincente será sempre o testemunho de vida dos
discípulos… Se conseguirmos criar verdadeiras comunidades fraternas, que vivam
no amor e na partilha, que sejam sinais no mundo dessa vida nova que Jesus veio
propor, estaremos a anunciar que Jesus está vivo, que está a atuar em nós e
que, através de nós, Ele continua a apresentar ao mundo uma proposta de vida
verdadeira.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 117 (118)
Refrão 1: Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom,
porque é eterna a sua misericórdia.
Refrão 2: Aclamai o senhor, porque Ele é bom:
o seu amor é para sempre.
Refrão 3: Aleluia.
Diga a casa de Israel:
é eterna a sua misericórdia.
Diga a casa de Aarão:
é eterna a sua misericórdia.
Digam os que temem o Senhor:
é eterna a sua misericórdia.
A mão do Senhor fez prodígios,
A mão do Senhor foi magnífica.
Não morrerei, mas hei de viver,
para anunciar as obras do Senhor.
Com dureza me castigou o Senhor,
mas não me deixou morrer.
A pedra que os construtores rejeitaram
tornou-se pedra angular.
Tudo isto veio do Senhor:
é admirável aos nossos olhos.
Este é o dia que o Senhor fez:
exultemos e cantemos de alegria.
LEITURA II – 1 Jo 5,1-6
Caríssimos:
Quem acredita que Jesus é o Messias,
nasceu de Deus,
e quem ama Aquele que gerou
ama também Aquele que nasceu d’Ele.
Nós sabemos que amamos os filhos de Deus
quando amamos a Deus e cumprimos os seus mandamentos,
porque o amor de Deus
consiste em guardar os seus mandamentos.
E os seus mandamentos não são pesados,
porque todo o que nasceu de Deus vence o mundo.
Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé.
Quem é o vencedor do mundo
senão aquele que acredita que Jesus é o Filho de Deus?
Este é o que veio pela água e pelo sangue: Jesus Cristo;
não só com a água, mas com a água e o sangue.
É o Espírito que dá testemunho,
porque o Espírito é a verdade.
AMBIENTE
Não é fácil a identificação do autor da primeira Carta de
João. Ele apresenta-se a si próprio como “o Ancião” (cf. 2Jo 1; 3Jo 1) e como
testemunha da “Vida” manifestada em Jesus (cf. 1Jo 1,1-3; 4,14); mas não refere
o seu nome. A opinião tradicional atribui a primeira Carta de João (como também
a segunda e a terceira Cartas de João) ao apóstolo João; no entanto, essa
atribuição é problemática. Em qualquer caso, o autor da carta é alguém que se
move no mundo joânico e que conhece bem a teologia joânica. Pode ser esse
“João, o Presbítero” conhecido da tradição primitiva e que, aparentemente, era
uma personagem distinta do “João, o apóstolo” de Jesus.
Também não há, na Carta, qualquer referência a um
destinatário, a pessoas ou a comunidades concretas. A missiva parece dirigir-se
a um grupo de igrejas ameaçadas pelo mesmo problema (heresias). Trata-se,
provavelmente, de igrejas da Ásia Menor (à volta de Éfeso), como diz a antiga
tradição.
O autor não se refere, de forma direta, às circunstâncias
que motivaram a composição da carta. Do tom polêmico que atravessa várias
passagens, pode concluir-se que as comunidades às quais a carta se dirige vivem
uma crise grave. A difusão de doutrinas incompatíveis com a revelação cristã
ameaça comprometer a pureza da fé.
Quem são os autores dessas doutrinas heréticas? O autor da
Carta chama-lhes “anti-cristos” (1Jo 2,18.22; 4,3), “profetas da mentira” (1Jo
4,1), “mentirosos” (1Jo 2,22). Diz que eles “são do mundo” (1Jo 4,5) e
deixam-se levar pelo espírito do erro (1Jo 4,6). Até há pouco tempo pertenciam
à comunidade cristã (1Jo 2,19); mas agora saíram e procuram desencaminhar os
crentes que permaneceram fiéis (cf. 1Jo 2,26; 3,7).
Em que consistia este “erro”? Os heréticos em causa
pretendiam “conhecer Deus” (1Jo 2,4), “ver Deus” (1Jo 3,6), viver em comunhão
com Deus (1Jo 2,3) e, não obstante, apresentavam uma doutrina e uma conduta em
flagrante contradição com a revelação cristã. Recusavam-se a ver em Jesus o
Messias (cf. 1Jo 2,22) e o Filho de Deus (cf. 1Jo 4,15), recusavam a encarnação
(cf. 1Jo 4,2). Para estes hereges, o Cristo celeste tinha-se apropriado do
homem Jesus de Nazaré na altura do batismo (cf. Jo 1,32-33), tinha-o utilizado
para levar a cabo a revelação e tinha-o abandonado antes da paixão, porque o
Cristo celeste não podia padecer. O comportamento moral destes hereges não era
menos repreensível: pretendiam não ter pecados (cf. 1Jo 1,8.10) e não guardavam
os mandamentos (cf. 1Jo 2,4), em particular o mandamento do amor fraterno (cf.
1 Jo 2,9). Tudo indica que estejamos diante de um desses movimentos
pré-gnósticos que irá desembocar, mais tarde, nos grandes movimentos gnósticos
do séc. II.
O objetivo do autor da Carta é, portanto, advertir os
cristãos contra as pretensões destes pregadores heréticos e explicar-lhes os
critérios da vida cristã autêntica. Na confusão causada pelas doutrinas
heréticas, o autor da Carta quer oferecer aos crentes uma certeza: são eles e
não esses profetas da mentira que vivem em comunhão com Deus e que possuem a
vida divina.
MENSAGEM
Quais são, então, os critérios da vida cristã autêntica,
que distinguem os verdadeiros crentes dos profetas da mentira?
Antes de mais, os verdadeiros crentes são aqueles que amam
a Deus e que amam, também, Jesus Cristo, o Filho que nasceu de Deus (vers. 1).
Jesus de Nazaré é, ao contrário do que diziam os hereges, Filho de Deus desde a
encarnação e durante toda a sua existência terrena. A sua paixão e morte também
fazem parte do projeto salvador de Deus (Jesus veio apresentar aos homens um
projeto de salvação, “não só pela água, mas com a água e o sangue” – vers. 6).
No entanto, amar a Deus significa cumprir os seus
mandamentos. Quando amamos alguém, procuramos realizar obras que agradem àquele
a quem amamos… Não se pode dizer que se ama a Deus se não se cumprem os seus
mandamentos… E o mandamento de Deus é que amemos os nossos irmãos. Todo aquele
que se considera filho de Deus e que pertence à família de Deus deve amar os
irmãos que são membros da mesma família. Quem não ama os irmãos, não pode
pretender amar a Deus e fazer parte da família de Deus (vers. 2-3).
Quando o crente ama a Deus, acredita que Jesus é o Filho
de Deus e vive de acordo com os mandamentos de Deus (sobretudo com o mandamento
do amor aos irmãos), vence o mundo. Amar Deus, amar Jesus e amar os irmãos
significa construir a própria vida numa dinâmica de amor; e significa,
portanto, derrotar o egoísmo, o ódio, a injustiça que caracterizam a dinâmica
do mundo (vers. 4-5).
Esta vida nova que permite aos crentes vencer o mundo é
oferecida aos homens através de Jesus Cristo. A vida nova que Jesus veio
oferecer chega aos homens pela “água” (batismo – isto é, pela adesão a Cristo e
à sua proposta) e pelo “sangue” (alusão à vida de Jesus, feita dom na cruz por
amor). O Espírito Santo atesta a validade e a verdade dessa proposta trazida
por Jesus Cristo, por mandato de Deus Pai (vers. 6).
Quando o homem responde positivamente ao desafio que Deus
lhe faz (batismo), oferece a sua vida como um dom de amor para os irmãos (a
exemplo de Cristo) e cumpre os mandamentos de Deus, vence o mundo, torna-se
filho de Deus e membro da família de Deus.
ATUALIZAÇÃO
♦ Na perspectiva do
autor da primeira Carta de João, o projeto de salvação que Deus apresentou ao
homem passa por Jesus – o Jesus que encarnou na nossa história, que nos revelou
os caminhos do Pai, que com a sua morte mostrou aos homens o amor do Pai e que
nos ensinou a amar até ao extremo do dom total da vida. Também na paixão e
morte de Jesus se nos revela o caminho para nos tornarmos “filhos de Deus”: o
processo passa por seguir o caminho de Jesus e por fazer da nossa vida um dom
total de amor a Deus e aos nossos irmãos. Que é que Jesus significa para nós?
Ele foi apenas um “homem bom” que a morte derrubou? Ou Ele é o Filho de Deus
que veio ao nosso encontro para nos propor o caminho do amor total, a fim de
chegarmos à vida definitiva? O caminho do amor, do dom, do serviço, da entrega
que Cristo nos propôs é uma proposta que assumimos e procuramos viver?
♦ Amar a Deus e aderir
a Jesus implica, na perspectiva do autor da primeira Carta de João, o amor aos
irmãos. Quem não ama os irmãos, não cumpre os mandamentos de Deus e não segue
Jesus. É preciso que a nossa existência – a exemplo de Jesus – seja cumprida no
amor a todos os que caminham pela vida ao nosso lado, especialmente aos mais
pobres, aos mais humildes, aos marginalizados, aos abandonados, aos sem voz. O
amor total e sem fronteiras, o amor que nos leva a oferecer integralmente a
nossa vida aos irmãos, o amor que se revela nos gestos simples de serviço, de
perdão, de solidariedade, de doação, está no nosso programa de vida?
♦ O autor da primeira
Carta de João ensina, ainda, que o amor a Deus e a adesão a Cristo “vencem o
mundo”. Os cristãos não se conformam com a lógica de egoísmo, de ódio, de
injustiça, de violência que governa o mundo; a esta lógica, eles contrapõem a
lógica do amor, a lógica de Jesus. O amor é um dinamismo que vence tudo aquilo
que oprime o homem e que o impede de chegar à vida verdadeira e definitiva, à
felicidade total. Ainda que o amor pareça, por vezes, significar fragilidade,
debilidade, fracasso, frente à violência dos poderosos e dos senhores do mundo,
a verdade é que o amor terá sempre a última e definitiva palavra. Só ele
assegura a vida verdadeira e eterna, só ele é caminho para o mundo novo e
melhor com que os homens sonham.
ALELUIA – Jo 20,29
Aleluia. Aleluia.
Disse o Senhor a Tomé:
«Porque Me viste, acreditaste;
felizes os que acreditam sem terem visto».
EVANGELHO – Jo 20,19-31
Na tarde daquele dia, o primeiro da semana,
estando fechadas as portas da casa
onde os discípulos se encontravam,
com medo dos judeus,
veio Jesus, colocou-Se no meio deles e disse-lhes:
«A paz esteja convosco».
Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado.
Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor.
Jesus disse-lhes de novo:
«A paz esteja convosco.
Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós».
Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes:
«Recebei o Espírito Santo:
àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhe-ão perdoados;
e àqueles a quem os retiverdes serão retidos».
Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo,
não estava com eles quando veio Jesus.
Disseram-lhe os outros discípulos:
«Vimos o Senhor».
Mas ele respondeu-lhes:
«Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos,
se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu
lado,
não acreditarei».
Oito dias depois,
estavam os discípulos outra vez em casa,
e Tomé com eles.
Veio Jesus, estando as portas fechadas,
apresentou-Se no meio deles e disse:
«A paz esteja convosco».
Depois disse a Tomé:
«Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos;
aproxima a tua mão e mete-a no meu lado;
e não sejas incrédulo, mas crente».
Tomé respondeu-Lhe:
«Meu Senhor e meu Deus!»
Disse-lhe Jesus:
«Porque Me viste acreditaste:
felizes os que acreditam sem terem visto».
Muitos outros milagres fez Jesus na presença dos seus
discípulos,
que não estão escritos neste livro.
Estes, porém, foram escritos
para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus,
e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome.
AMBIENTE
Continuamos na segunda parte do Quarto Evangelho, onde nos
é apresentada a comunidade da Nova Aliança. A indicação de que estamos no
“primeiro dia da semana” faz, outra vez, referência ao tempo novo, a esse tempo
que se segue à morte/ressurreição de Jesus, ao tempo da nova criação.
A comunidade criada a partir da ação criadora e
vivificadora de Jesus está reunida no cenáculo, em Jerusalém. Está
desamparada e insegura, cercada por um ambiente hostil. O medo vem do fato de
não terem, ainda, feito a experiência de Cristo ressuscitado.
João apresenta, aqui, uma catequese sobre a presença de
Jesus, vivo e ressuscitado, no meio dos discípulos em caminhada pela história.
Não lhe interessa tanto fazer uma descrição jornalística das aparições de Jesus
ressuscitado aos discípulos; interessa-lhe, sobretudo, afirmar aos cristãos de
todas as épocas que Cristo continua vivo e presente, acompanhando a sua Igreja.
De resto, cada crente pode fazer a experiência do encontro com o “Senhor”
ressuscitado, sempre que celebra a fé com a sua comunidade.
MENSAGEM
O texto que nos é proposto divide-se em duas partes bem
distintas. Na primeira parte (vers. 19-23), descreve-se uma “aparição” de Jesus
aos discípulos. Depois de sugerir a situação de insegurança e de fragilidade em
que a comunidade estava (o “anoitecer”, as “portas fechadas”, o “medo”), o
autor deste texto apresenta Jesus “no centro” da comunidade (vers. 19b). Ao
aparecer “no meio deles”, Jesus assume-se como ponto de referência, fator de
unidade, videira à volta da qual se enxertam os ramos. A comunidade está
reunida à volta dele, pois Ele é o centro onde todos vão beber essa vida que
lhes permite vencer o “medo” e a hostilidade do mundo.
A esta comunidade fechada, com medo, mergulhada nas trevas
de um mundo hostil, Jesus transmite duplamente a paz (vers. 19 e 21: é o
“shalom” hebraico, no sentido de harmonia, serenidade, tranquilidade,
confiança, vida plena). Assegura-se, assim, aos discípulos que Jesus venceu
aquilo que os assustava (a morte, a opressão, a hostilidade do mundo); e que,
doravante, os discípulos não têm qualquer razão para ter medo.
Depois (vers. 20a), Jesus revela a sua “identidade”: nas
mãos e no lado trespassado, estão os sinais do seu amor e da sua entrega. É
nesses sinais de amor e de doação que a comunidade reconhece Jesus vivo e
presente no seu meio. A permanência desses “sinais” indica a permanência do
amor de Jesus: Ele será sempre o Messias que ama e do qual brotarão a água e o
sangue que constituem e alimentam a comunidade.
Em seguida (vers. 22), Jesus “soprou” sobre os discípulos
reunidos à sua volta. O verbo aqui utilizado é o mesmo do texto grego de Gn 2,7
(quando se diz que Deus soprou sobre o homem de argila, infundindo-lhe a vida
de Deus). Com o “sopro” de Gn 2,7, o homem tornou-se um ser vivente; com este “sopro”,
Jesus transmite aos discípulos a vida nova que fará deles homens novos. Agora,
os discípulos possuem o Espírito, a vida de Deus, para poderem – como Jesus –
dar-se generosamente aos outros. É este Espírito que constitui e anima a
comunidade de Jesus.
Na segunda parte (vers. 24-29), apresenta-se uma catequese
sobre a fé. Como é que se chega à fé em Cristo ressuscitado? João responde:
podemos fazer a experiência da fé em Cristo vivo e ressuscitado na comunidade
dos crentes, que é o lugar natural onde se manifesta e irradia o amor de Jesus.
Tomé representa aqueles que vivem fechados em si próprios (está fora) e que não
faz caso do testemunho da comunidade, nem percebe os sinais de vida nova que
nela se manifestam. Em lugar de integrar-se e participar da mesma experiência,
pretende obter (apenas para si próprio) uma demonstração particular de Deus.
Tomé acaba, no entanto, por fazer a experiência de Cristo
vivo no interior da comunidade. Porquê? Porque no “dia do Senhor” volta a estar
com a sua comunidade. É uma alusão clara ao domingo, ao dia em que a comunidade
é convocada para celebrar a Eucaristia: é no encontro com o amor fraterno, com
o perdão dos irmãos, com a Palavra proclamada, com o pão de Jesus partilhado,
que se descobre Jesus ressuscitado.
A experiência de Tomé não é exclusiva das primeiras
testemunhas; mas todos os cristãos de todos os tempos podem fazer esta mesma
experiência.
ATUALIZAÇÃO
♦ Antes de mais, a
catequese que João nos apresenta garante-nos a presença de Cristo no meio da
sua comunidade em marcha pela história. Os discípulos de Jesus vivem no mundo,
numa situação de fragilidade e de debilidade; experimentam, como os outros homens
e mulheres, o sofrimento, o desalento, a frustração, o desânimo; têm medo
quando o mundo escolhe caminhos de guerra e de violência; sofrem quando são
atingidos pela injustiça, pela opressão, pelo ódio do mundo; conhecem a
perseguição, a incompreensão e a morte… Mas são sempre animados pela esperança,
pois sabem que Jesus está presente, oferecendo-lhes a sua paz e apontando-lhes
o horizonte da vida definitiva. O cristão é sempre animado pela esperança que
brota da presença a seu lado de Cristo ressuscitado. Não devemos, nunca,
esquecer esta realidade.
♦ A presença de Cristo
ao lado dos seus discípulos é sempre uma presença renovadora e transformadora.
É esse Espírito que Jesus oferece continuamente aos seus, que faz deles homens
e mulheres novos, capazes de amar até ao fim, ao jeito de Jesus; é esse
Espírito que Jesus oferece aos seus, que faz deles testemunhas do amor de Deus
e que lhes dá a coragem e a generosidade para continuarem no mundo a obra de
Jesus.
♦ A comunidade cristã
gira em torno de Jesus, é construída à volta de Jesus e é de Jesus que recebe
vida, amor e paz. Sem Jesus, estaremos secos e estéreis, incapazes de encontrar
a vida em plenitude; sem Ele, seremos um rebanho de gente assustada, incapaz de
enfrentar o mundo e de ter uma atitude construtiva e transformadora; sem Ele,
estaremos divididos, em conflito, e não seremos uma comunidade de irmãos… Na
nossa comunidade, Cristo é verdadeiramente o centro? É para Ele que tudo tende
e é d’Ele que tudo parte?
♦ A comunidade tem de
ser o lugar onde fazemos, verdadeiramente, a experiência do encontro com Jesus
ressuscitado. É nos gestos de amor, de partilha, de serviço, de encontro, de
fraternidade (no “lado trespassado” e nas chagas de Jesus, expressões do seu amor),
que encontramos Jesus vivo, a transformar e a renovar o mundo. É isso que a
nossa comunidade testemunha? Quem procura Cristo ressuscitado, encontra-o em
nós? O amor de Jesus – amor total, universal e sem medida – transparece nos
nossos gestos?
♦ Não é em experiências
pessoais, íntimas, fechadas, egoístas, que encontramos Jesus ressuscitado; mas
encontramos no diálogo comunitário, na Palavra partilhada, no pão repartido, no
amor que une os irmãos em comunidade de vida. O que é que significa, para mim,
a Eucaristia?
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 2º DOMINGO DE PÁSCOA
Ao longo dos dias da semana anterior ao 2º Domingo de
Páscoa, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la
pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana
para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de
padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…
Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Apenas Jesus viveu a sua passagem da morte à vida. Os seus
discípulos vão passar do medo à alegria e à paz, basta-lhes uma palavra – «a
paz esteja convosco» – e verem as chagas ainda visíveis no Ressuscitado.
Basta-lhes um sopro, o do Espírito de Cristo, para se tornarem embaixadores da
reconciliação. Tomé vai passar da dúvida à fé, basta-lhe ver e tocar o que
Cristo lhe oferece, então ele crê. «Há muitos outros sinais» cumpridos pelo
Ressuscitado, precisa o evangelista, mas os que aqui são referidos são-no para
que nós mesmos passemos do questionamento à afirmação – «Ele ressuscitou
verdadeiramente!» – e para que O reconheçamos hoje, porque Ele não cessa de
fazer sinal ainda e sempre.
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
«Meu Senhor e meu Deus!»
Há a «fé do carvoeiro». Ela não coloca qualquer questão.
Ela é, muitas vezes, em si mesma, muito sólida, não se deixa levar por qualquer
dúvida. E há uma fé «inquieta», que não fica em repouso, que procura
compreender. A dúvida, então, faz parte desta fé. Certamente, pode haver
dúvidas destrutivas, aquela que nasce, por exemplo, de uma inveja, porque se
desconfia da infidelidade do outro. Tal não é a dúvida de Tomé. Ele gostaria de
acreditar no que lhe dizem os companheiros. Mas esta história da ressurreição
de Jesus parece-lhe de tal modo fora da experiência humana mais comum e mais
constante, que ele pede, de qualquer modo, um complemento de informação e para
ver de mais perto. Não recusa crer, ele quer compreender melhor. A sua dúvida
não é fechada, exprime um desejo de ser apoiada na fé. «Deixa de ser incrédulo,
sê crente». Mais do que uma reprovação, Jesus dirige-lhe um convite a ter uma
confiança maior, total. Então, o Tomé da dúvida torna-se o Tomé que proclama a
sua fé como nenhum dos seus discípulos o fez. Ele grita: «Meu Senhor e meu
Deus!» A Igreja não abandonará jamais esta profissão de fé. Hoje ainda, ela
termina grande parte das orações dirigidas ao Pai, dizendo: «Por Jesus Cristo,
vosso Filho, nosso Deus e Senhor». São as próprias palavras de Tomé que
alimentam a fé e a oração da Igreja. Então, bem-aventurado Tomé!
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Com Tomé.
Ao longo da semana que se segue, a partir do grande
encontro que Cristo teve conosco na celebração deste domingo, esforcemo-nos em
lhe dizer, como Tomé, a nossa fé. Somos chamados a um diálogo do coração… Mas
daí jorrará uma verdadeira felicidade, que poderemos então partilhar à nossa
volta.
3º Domingo da Páscoa
Jesus ressuscitou
verdadeiramente? Como é que podemos fazer uma experiência de encontro com Jesus
ressuscitado? Como é que podemos mostrar ao mundo que Jesus está vivo e
continua a oferecer aos homens a salvação? É, fundamentalmente, a estas
questões que a liturgia do 3º Domingo da Páscoa procura responder.
O Evangelho assegura-nos
que Jesus está vivo e continua a ser o centro à volta do qual se constrói a
comunidade dos discípulos. É precisamente nesse contexto eclesial – no encontro
comunitário, no diálogo com os irmãos que partilham a mesma fé, na escuta
comunitária da Palavra de Deus, no amor partilhado em gestos de fraternidade e
de serviço – que os discípulos podem fazer a experiência do encontro com Jesus
ressuscitado. Depois desse “encontro”, os discípulos são convidados a dar
testemunho de Jesus diante dos outros homens e mulheres.
A primeira leitura apresenta-nos,
precisamente, o testemunho dos discípulos sobre Jesus. Depois de terem
mostrado, em gestos concretos, que Jesus está vivo e continua a oferecer aos
homens a salvação, Pedro e João convidam os seus interlocutores a acolherem a
proposta de vida que Jesus lhes faz.
A segunda leitura lembra
que o cristão, depois de encontrar Jesus e de aceitar a vida que Ele oferece,
tem de viver de forma coerente com o compromisso que assumiu… Essa coerência
deve manifestar-se no reconhecimento da debilidade e da fragilidade que fazem
parte da realidade humana e num esforço de fidelidade aos mandamentos de Deus.
LEITURA I – At
3,13-15.17-19
Naqueles dias,
Pedro disse ao povo:
«O Deus de Abraão, de Isaac e de
Jacob,
o Deus de nossos pais,
glorificou o seu Servo Jesus,
que vós entregastes e negastes
na presença de Pilatos,
estando ele resolvido a
soltá-lo.
Negastes o Santo e o Justo
e pedistes a libertação dum
assassino;
matastes o autor da vida,
mas Deus ressuscitou-O dos
mortos,
e nós somos testemunhas disso.
Agora, irmãos, eu sei que
agistes por ignorância,
como também os vossos chefes.
Foi assim que Deus cumpriu
o que de antemão tinha anunciado
pela boca de todos os Profetas:
que o seu Messias havia de
padecer.
Portanto, arrependei-vos e
convertei-vos,
para que os vossos pecados sejam
perdoados».
AMBIENTE
A primeira leitura do 3º Domingo da Páscoa situa-nos em
Jerusalém, à entrada do Templo. Pedro e João (esta “dupla” aparece,
frequentemente associada na primeira parte do Livro dos Atos dos Apóstolos –
cf. At 4,7-8.13.19) tinham subido ao Templo para a oração da “hora nona” (três
da tarde). Um homem, coxo de nascença, que estava à entrada do Templo a
mendigar (junto da porta “chamada Formosa”), dirigiu-se aos dois apóstolos e
pediu-lhes esmola. Pedro avisou-o de que não tinha “ouro nem prata” para lhe
oferecer; mas, “em nome de Jesus Cristo Nazareno”, curou-o. “Cheia de assombro
e estupefata”, a multidão reuniu-se “sob o chamado pórtico de Salomão” para
ouvir da boca de Pedro a explicação para o estranho fato (cf. At 3,1-11). O
“assombro” e a “estupefação” traduzem o estado daqueles que testemunham a ação
de Deus manifestada através dos apóstolos; é a mesma reação com que as
multidões acolheram os gestos libertadores realizados por Jesus. A ação dos
apóstolos aparece, assim, na continuidade da ação de Jesus. O nosso texto é
parte do discurso que, segundo Lucas, Pedro teria feito à multidão (cf. At
3,12-26).
Nas figuras de Pedro e João, Lucas apresenta-nos o
testemunho da primitiva comunidade de Jerusalém, apostada em continuar a missão
de Jesus e em apresentar aos homens o projeto salvador de Deus. Lucas está
convencido de que esse testemunho se concretiza, não só através da pregação,
mas também da ação dos discípulos. As palavras e os gestos das “testemunhas” de
Jesus mostram como o mundo muda quando a salvação chega e como o homem escravo
passa a ser um homem livre. O “testemunho” dos discípulos irá provocar,
naturalmente, a oposição daqueles que, instalados nos velhos esquemas, recusam
os desafios de Deus. Por isso os discípulos de Jesus, arautos desse mundo novo,
irão conhecer a perseguição (cf. At 4,1-22).
MENSAGEM
Pedro, dirigindo-se aos israelitas, dá-lhes a entender que
o gesto libertador que beneficiou o homem coxo foi realizado em nome de Jesus.
Ele mostra que o projeto de Jesus continua a realizar-se e demonstra que Jesus
está vivo. Enquanto percorreu os caminhos da Palestina, Jesus manifestou, em
gestos concretos, a presença da salvação de Deus entre os homens… Se essa
salvação continua a derramar-se sobre os homens doentes e privados de vida e de
liberdade, é porque Jesus continua presente, oferecendo aos homens a vida nova
e definitiva. Os discípulos são os agentes através dos quais Jesus continua a
sua obra libertadora e salvadora no mundo.
No seu “testemunho”, Pedro começa por se referir aos
dramáticos acontecimentos que culminaram na morte de Jesus, explicando-os como
o resultado da rejeição da proposta salvadora de Deus por parte dos israelitas…
Deus ofereceu-lhes a vida e eles escolheram a morte; preferiram preservar a
vida de alguém que trouxe morte e condenar à morte alguém que oferecia a vida
(“negastes o Santo e o Justo e pedistes a libertação de um assassino. Destes a
morte ao Príncipe da vida…” – vers. 14-15a). Deus, no entanto, ressuscitou
Jesus, demonstrando como a proposta que Jesus veio apresentar é uma proposta
geradora de vida. A ressurreição de Jesus é a prova de que o projeto de Deus –
projeto apresentado por Jesus e que os israelitas rejeitaram – é uma proposta
geradora de vida e de vida que a morte não pode vencer (vers. 15b).
Estará tudo terminado para Israel? O Povo não terá mais
oportunidade de corrigir a sua má escolha e de fazer uma nova opção, uma opção
pela vida? A oferta de Deus terá caducado, face à intransigência dos chefes de
Israel em acolher os dons de Deus?
Não. Pedro “sabe” (e se Pedro “sabe” é porque Deus também
o sabe) que o Povo agiu por ignorância. O comportamento do Povo, em geral, e
dos líderes judaicos, em particular, face a Jesus tem, pois, atenuantes. Na
legislação religiosa de Israel, as faltas “involuntárias” tinham um tratamento
especial e mereciam um tratamento diferente das faltas “voluntárias” (cf. Lv
4). Assim Deus, na sua imensa bondade, continua a oferecer ao seu Povo a
possibilidade de corrigir as suas opções erradas e de escolher a vida, aderindo
a Jesus e ao projeto por Ele apresentado. A prova disso é que o homem coxo
recebeu de Deus o dom da vida.
O que é preciso fazer para que essa oferta de salvação que
Deus continua a fazer se torne efetiva? É necessário “arrepender-se” e
“converter-se”. Estes dois verbos definem o movimento de reorientar a vida para
Deus, de forma a que Deus passe a estar no centro da vida do homem e o homem
passe a “dar ouvidos” às propostas de Deus e a viver de acordo com os projetos
de Deus. Ora, uma vez que Cristo é a manifestação de Deus, “arrepender-se” e
“converter-se” significa aderir à pessoa de Cristo, crer n’Ele, acolher o projeto
que Ele traz, entrar no Reino que Ele anuncia e propõe. Os israelitas podem,
portanto, “apanhar a carruagem” da salvação, se deixarem a sua
auto-suficiência, os seus preconceitos, o seu comodismo (que os levaram a
rejeitar as propostas de Deus) e se aderirem a Jesus e à vida que Ele continua
a propor (através do testemunho dos discípulos).
ATUALIZAÇÃO
♦ Para os cristãos,
Jesus não é uma figura do passado, que a morte venceu e que ficou sepultado no
museu da história; mas é alguém que continua vivo, sempre presente nos caminhos
do mundo, oferecendo aos homens uma proposta de vida verdadeira, plena, eterna.
Como é que os nossos irmãos que caminham ao nosso lado podem descobrir que
Jesus está vivo e fazer uma experiência de encontro com Cristo ressuscitado?
Através de documentos históricos que demonstrem cientificamente a realidade da
ressurreição? Para Lucas, o fator decisivo para que os homens descubram que
Cristo está vivo é o testemunho dos discípulos. Jesus está vivo e apresenta-se
aos homens do nosso tempo nos gestos de amor, de partilha, de solidariedade, de
perdão, de acolhimento que os cristãos são capazes de fazer; Jesus está vivo e
atua hoje no mundo, quando os cristãos se comprometem na luta pela paz, pela
justiça, pela liberdade, pelo nascimento de um mundo mais humano, mais
fraterno, mais solidário; Jesus está vivo e continua a realizar aqui e agora o
projeto de salvação de Deus, quando os seus cristãos oferecem aos coxos a
possibilidade de avançar em direção a um futuro de esperança, oferecem aos que
vivem nas trevas a capacidade de encontrar a luz e a verdade, oferecem aos
prisioneiros a possibilidade de ter voz e de decidir livremente o seu futuro.
Os meus gestos anunciam aos irmãos com quem me cruzo nos caminhos deste mundo
que Cristo está vivo?
♦ A existência humana é
uma busca incessante de vida – de vida eterna, plena, verdadeira. Essa busca,
contudo, nem sempre se desenrola em caminhos fáceis e lineares. Por vezes é
cumprida num caminho onde o homem tropeça com equívocos, com falhas, com opções
erradas… Aquilo que parece ser garantia de vida gera morte; e aquilo que parece
ser fracasso e frustração é, afinal, o verdadeiro caminho para a vida. Lucas
garante-nos, neste texto, que a proposta que Jesus veio apresentar é uma
proposta geradora de vida, apesar de passar pelo aparente fracasso da cruz. É
de vida vivida na doação, na entrega, no amor total a Deus e aos irmãos, a
exemplo de Jesus, que brota a vida eterna e verdadeira para nós e para aqueles
que caminham ao nosso lado.
♦ O apelo ao
arrependimento e à conversão que aparece no discurso de Pedro lembra-nos essa
necessidade contínua de reequacionarmos as nossas opções, de deixarmos os
caminhos de egoísmo, de orgulho, de comodismo, de auto-suficiência em que, por
vezes, se desenrola a nossa existência. É preciso que, em cada instante da
nossa vida, nos convertamos a Jesus e aos seus valores, numa disponibilidade
total para acolhermos os desafios de Deus e a sua proposta de salvação.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 4
Refrão: Fazei brilhar sobre nós, Senhor,
A luz do vosso rosto.
Quando Vos invocar, ouvi-me, ó Deus de justiça.
Vós que na tribulação me tendes protegido,
compadecei-vos de mim
e ouvi a minha súplica.
Sabei que o Senhor faz maravilhas pelos seus amigos,
o Senhor me atende quando O invoco.
Muitos dizem: «Quem nos fará felizes?»
Fazei brilhar sobre nós, Senhor, a luz da vossa face.
Em paz me deito e adormeço tranquilo,
porque só Vós, Senhor, me fazeis repousar em segurança.
LEITURA II – 1 Jo 2,1-5a
Meus filhos, escrevo-vos isto, para que não pequeis.
Mas se alguém pecar,
nós temos Jesus Cristo, o Justo,
como advogado junto do Pai.
Ele é a vítima de propiciação pelos nossos pecados,
e não só pelos nossos, mas também pelos do mundo inteiro.
E nós sabemos que O conhecemos,
se guardamos os seus mandamentos.
Aquele que diz conhecê-lo
e não guarda os seus mandamentos
é mentiroso e a verdade não está nele.
Mas se alguém guardar a sua palavra,
nesse o amor de Deus é perfeito.
AMBIENTE
A liturgia do terceiro Domingo da Páscoa continua a propor
à nossa consideração a primeira Carta de João.
Já vimos no passado domingo que este escrito de tom
polêmico – destinado provavelmente às comunidades cristãs da parte ocidental da
Ásia Menor – procura combater doutrinas heréticas pré-gnósticas e apresentar
aos cristãos o caminho da autêntica vida cristã.
Os adeptos das heresias em causa pretendiam “conhecer
Deus” (1 Jo 2,4), “ver Deus” (1 Jo 3,6), viver em comunhão com Deus (1 Jo 2,3)
e, não obstante, apresentavam uma doutrina e uma conduta em flagrante
contradição com a revelação cristã. Recusavam-se a ver em Jesus o Messias (cf.
1 Jo 2,22), o Filho de Deus (cf. 1 Jo 4,15) e recusavam a encarnação (cf. 1 Jo
4,2). Para estes hereges, o Cristo celeste tinha-se apropriado do homem Jesus
de Nazaré na altura do batismo (cf. Jo 1,32-33), tinha-O utilizado para levar a
cabo a revelação e tinha-O abandonado antes da paixão, porque o Cristo celeste
não podia padecer. As doutrinas destes hereges punham em causa a teologia da
encarnação e a cristologia cristã.
O comportamento moral destes hereges não era menos
repreensível: pretendiam não ter pecados (cf. 1 Jo 1,8.10) e não guardavam os
mandamentos (cf. 1 Jo 2,4), em particular o mandamento do amor fraterno (cf. 1
Jo 2,9).
São estas pretensões que o texto que hoje nos é proposto
denuncia. Quem diz que não comete pecados, é mentiroso; e, ao mesmo tempo, faz
Deus mentiroso… Que necessidade teria Deus de enviar ao mundo o seu Filho com
uma proposta de salvação, se o pecado não fosse uma realidade universal (cf. 1
Jo 1,8-10)?
MENSAGEM
Na primeira parte do nosso texto (vers. 1-2), o autor
critica veladamente esses hereges que consideravam não ter pecados e sugere aos
cristãos a atitude correta que Deus espera de cada crente, a propósito desta
questão.
O cristão é chamado à santidade e a viver uma vida de
renúncia ao pecado. Deus chama-o a rejeitar o egoísmo, a auto-suficiência, a
injustiça, a opressão (trevas) e a escolher a luz. No entanto, o pecado é uma
realidade incontornável, que resulta da fragilidade e da debilidade do homem. O
cristão deve ter consciência desta realidade e reconhecer o seu pecado. Não
fazer isto é fechar-se na auto-suficiência, é recusar a salvação que Deus
oferece (quem sente que não tem pecado, também não sente a necessidade de ser
salvo) e é, portanto, “pecar”.
O cristão é aquele que reconhece a sua fragilidade, mas
não desespera. Ele sabe que Deus lhe oferece a sua salvação e que Jesus Cristo
é o “advogado” (literalmente, “paraklètos”, que podemos traduzir por
“defensor”) que o defende. Ele veio ao mundo para eliminar o pecado – o pecado
de todos os homens.
Na segunda parte do nosso texto (vers. 3-5a), o autor da
carta refere-se à pretensão dos hereges de conhecer a Deus, mas sem se
preocuparem em guardar os seus mandamentos. Na linguagem bíblica, “conhecer
Deus” não é ter de Deus um conhecimento teórico e abstrato, mas é viver em
comunhão íntima com Deus, numa relação pessoal de proximidade, de
familiaridade, de amor sem limites. Ora, quem disser que mantém uma relação de
proximidade e de comunhão pessoal com Deus, mas não quer saber das suas
propostas e indicações para nada, está a mentir. Não se pode amar e não
considerar as propostas da pessoa que se ama. O “conhecer Deus” exige atitudes
concretas que passam pelo escutar, acolher e viver as propostas de salvação que
Deus faz, através de Jesus.
ATUALIZAÇÃO
♦ A questão fundamental
que o nosso texto põe é a da coerência de vida. O cristão é uma pessoa que
aceitou o convite de Deus para escolher a luz e que tem de viver, dia a dia, de
forma coerente com o compromisso que assumiu… Não pode comprometer-se com Deus
e conduzir a sua vida por caminhos de orgulho, de auto-suficiência, de
indiferença face a Deus e às suas propostas. A vida do crente não pode ser uma
vida de “meias-tintas”, de comodismo, de opções volúveis, de oportunismos, mas
tem de ser uma vida consequente, comprometida, exigente. Na minha vida procuro
viver, com coerência e honestidade, os meus compromissos com Deus e com os meus
irmãos, ou deixo-me levar ao sabor da corrente, das situações, das
oportunidades?
♦ Essa coerência de
vida deve manifestar-se no reconhecimento da debilidade e da fragilidade que
fazem parte da realidade humana. O pecado não é algo “normal”, para o crente (o
pecado é sempre um “não” a Deus e às suas propostas e isso deve ser visto pelos
crentes como uma “anormalidade”); mas é uma realidade que o crente reconhece e
que sabe que está sempre presente ao longo da sua caminhada pelo mundo. Hoje,
fala-se muito da falta de consciência do pecado… A falta de consciência do
pecado cria homens insensíveis, orgulhosos e auto-suficientes, que acreditam
não precisar de Deus e da sua oferta de salvação. O autor da Carta de João
convida-nos a tomar consciência da nossa realidade de pecadores, a acolher a
salvação que Deus nos oferece, a confiar em Jesus, o “advogado” que nos entende
(porque veio ao nosso encontro, partilhou a nossa natureza, experimentou a
nossa fragilidade) e que nos defende. Reconhecer a nossa realidade pecadora não
pode levar-nos ao desespero; tem de levar-nos a abrir o coração aos dons de
Deus, a acolher humildemente a sua salvação e a caminhar com esperança ao
encontro do Deus da bondade e da misericórdia que nos ama e que nos oferece,
sem condições, a vida eterna.
♦ A coerência que o
autor da primeira Carta de João nos pede deve manifestar-se, também, na
identificação entre a fé e a vida. A nossa religião não é uma bela teoria,
separável da nossa vida concreta. É uma mentira dizer que se ama Deus e, na
vida concreta, desprezar as suas propostas e conduzir a vida de acordo com
valores que contradizem de forma absoluta a lógica de Deus. Um crente que diz
amar Deus e, no dia a dia, cria à sua volta injustiça, conflito, opressão,
sofrimento, vive na mentira; um crente que diz “conhecer Deus” e fomenta uma
lógica de guerra, de ódio, de intransigência, de intolerância, está bem
distante de Deus; um crente que diz ter “a sua fé” e recusa o amor, a partilha,
o serviço, a comunidade, está muito longe dos caminhos onde se revela a vida e
a salvação de Deus… A minha vida concreta, as minhas atitudes para com os
irmãos que me rodeiam, os sentimentos que enchem o meu coração, os valores que
condicionam as minhas ações, são coerentes com a minha fé?
ALELUIA – Lc 24,32
Aleluia. Aleluia.
Senhor Jesus, abri-nos as Escrituras,
falai-nos e inflamai o nosso coração.
EVANGELHO – Lc 24,35-48
Naquele tempo,
os discípulos de Emaús
contaram o que tinha acontecido no caminho
e como tinham reconhecido Jesus ao partir do pão.
Enquanto diziam isto,
Jesus apresentou-Se no meio deles e disse-lhes:
«A paz esteja convosco».
Espantados e cheios de medo, julgavam ver um espírito.
Disse-lhes Jesus:
«Porque estais perturbados
e porque se levantam esses pensamentos nos vossos corações?
Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo;
tocai-Me e vede: um espírito não tem carne nem ossos,
Como vedes que Eu tenho».
Dito isto, mostrou-lhes as mãos e os pés.
E como eles, na sua alegria e admiração, não queriam ainda
acreditar,
perguntou-lhes:
«Tendes aí alguma coisa para comer?»
Deram-Lhe uma posta de peixe assado,
que Ele tomou e começou a comer diante deles.
Depois disse-lhes:
«Foram estas as palavras que vos dirigi,
quando ainda estava convosco:
‘Tem de se cumprir tudo o que está escrito a meu respeito
na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos’».
Abriu-lhes então o entendimento
para compreenderem as Escrituras
e disse-lhes:
«Assim está escrito que o Messias havia de sofrer
e de ressuscitar dos mortos ao terceiro dia,
e que havia de ser pregado em seu nome
o arrependimento e o perdão dos pecados
a todas as nações, começando por Jerusalém.
Vós sois as testemunhas de todas estas coisas».
AMBIENTE
O episódio que Lucas nos relata no Evangelho deste domingo
situa-nos em Jerusalém, pouco depois da ressurreição. Os onze discípulos estão
reunidos e já conhecem uma aparição de Jesus a Pedro (cf. Lc 24,34), bem como o
relato do encontro de Jesus ressuscitado com os discípulos de Emaús (cf. Lc
24,35).
Apesar de tudo, o ambiente é de medo, de perturbação e de
dúvida. A comunidade, cercada por um ambiente hostil, sente-se desamparada e
insegura. O medo e a insegurança vêm do fato de os discípulos não terem, ainda,
feito a experiência de encontro com Cristo ressuscitado.
Nesta última secção do seu Evangelho, Lucas procura
mostrar como os discípulos descobrem, progressivamente, Jesus vivo e
ressuscitado. Ao evangelista não interessa tanto fazer uma descrição
jornalística e fotográfica das aparições de Jesus aos discípulos; interessa-lhe,
sobretudo, afirmar aos cristãos de todas as épocas que Cristo continua vivo e
presente, acompanhando a sua Igreja, e que os discípulos, reunidos em
comunidade, podem fazer uma experiência de encontro verdadeiro com Jesus
ressuscitado.
Para a sua catequese, Lucas vai utilizar diversas imagens
que não devem ser tomadas à letra nem absolutizadas. Elas são, apenas, o
invólucro que apresenta a mensagem. O que devemos procurar, neste texto, é algo
que está para além dos pormenores, por muito reais que eles pareçam: é a
catequese da comunidade cristã sobre a sua experiência de encontro com Jesus
vivo e ressuscitado.
MENSAGEM
A ressurreição de Jesus terá sido uma simples invenção da
Igreja primitiva, ou um piedoso desejo dos discípulos, esperançados em que a
maravilhosa aventura que viveram com Jesus não terminasse no fracasso da cruz e
num túmulo escavado numa rocha em Jerusalém?
É, fundamentalmente, a esta questão que Lucas procura
responder. Na sua catequese, Lucas procura deixar claro que a ressurreição de
Jesus foi um fato real, incontornável que, contudo, os discípulos
descobriram e experimentaram só após um caminho longo, difícil, penoso,
carregado de dúvidas e de incertezas. Todos os relatos das aparições de Jesus
ressuscitado falam das dificuldades que os discípulos sentiram em acreditar e em reconhecer Jesus
ressuscitado (cf. Mt 28,17; Mc 16,11.14; Lc 24,11.13-32.37-38.41; Jo
20,11-18.24-29; 21,1-8). Essa dificuldade deve ser histórica e significa que a
ressurreição de Jesus não foi um acontecimento cientificamente comprovado,
material, captável pela objetiva dos fotógrafos ou pelas câmaras da televisão.
Nos relatos das aparições de Cristo ressuscitado, os discípulos nunca são
apresentados como um grupo crédulo, idealista e ingênuo, prontos a aceitar
qualquer ilusão; mas são apresentados como um grupo desconfiado, crítico,
exigente, que só acabou por reconhecer Jesus vivo e ressuscitado depois de um
caminho mais ou menos longo, mais ou menos difícil.
O caminho da fé não é o caminho das evidências materiais,
das provas palpáveis, das demonstrações científicas; mas é um caminho que se
percorre com o coração aberto à revelação de Deus, pronto para acolher a
experiência de Deus e da vida nova que Ele quer oferecer. Foi esse o caminho
que os discípulos percorreram. No final desse caminho (que, como caminho
pessoal, para uns demorou mais e para outros demorou menos), eles
experimentaram, sem margem para dúvidas, que Jesus estava vivo, que caminhava
com eles pelos caminhos da história e que continuava a oferecer-lhes a vida de
Deus. Eles começaram a percorrer esse caminho com dúvidas e incertezas; mas
fizeram a experiência de encontro com Cristo vivo e chegaram à certeza da
ressurreição. É essa certeza que os relatos da ressurreição, na sua linguagem
muito própria, procuram transmitir-nos.
Na catequese de Lucas há elementos que importa pôr em
relevo:
1. Ao longo da sua caminhada de fé, os discípulos
descobriram a presença de Jesus, vivo e ressuscitado, no meio da sua
comunidade. Perceberam que Ele continua a ser o centro à volta do qual a
comunidade se constrói e se articula. Entenderam que Jesus derrama sobre a sua
comunidade em marcha pela história a paz (o “shalom” hebraico, no sentido de
harmonia, serenidade, tranquilidade, confiança, vida plena – vers. 36).
2. Esse Jesus, vivo e ressuscitado, é o filho de Deus que,
após caminhar com os homens, reentrou no mundo de Deus. O “espanto” e o “medo”
com que os discípulos acolhem Jesus são, no contexto bíblico, a reação normal e
habitual do homem diante da divindade (vers. 37). Jesus não é um homem
reanimado para a vida que levava antes, mas o Deus que reentrou definitivamente
na esfera divina.
3. As dúvidas dos discípulos dão conta dessa dificuldade
que eles sentiram em percorrer o caminho da fé, até ao encontro pessoal com o
Senhor ressuscitado. A ressurreição não foi, para os discípulos, um fato
imediatamente evidente, mas uma caminhada de amadurecimento da própria fé, até
chegar à experiência do Senhor ressuscitado (vers. 38).
4. Na catequese/descrição de Lucas, certos elementos mais
“sensíveis” e materiais (a insistência no “tocar” em Jesus para ver que Ele não
era um fantasma – vers. 39-40; a indicação de que Jesus teria comido “uma posta
de peixe assado” – vers. 41-43) são, antes de mais, uma forma de ensinar que a
experiência de encontro dos discípulos com Jesus ressuscitado não foi uma
ilusão ou um produto da imaginação, mas uma experiência muito forte e marcante,
quase palpável. São, ainda, uma forma de dizer que esse Jesus que os discípulos
encontraram, embora diferente e irreconhecível, é o mesmo que tinha andado com
eles pelos caminhos da Palestina, anunciando-lhes e propondo-lhes a salvação de
Deus. Finalmente, Lucas ensina também, com estes elementos, que Jesus
ressuscitado não está ausente e distante, definitivamente longe do mundo em que
os discípulos têm de continuar a caminhar; mas Ele continua, pelo tempo fora, a
sentar-Se à mesa com os discípulos, a estabelecer laços de familiaridade e de
comunhão com eles, a partilhar os seus sonhos, as suas lutas, as suas
esperanças, as suas dificuldades, os seus sofrimentos.
5. Jesus ressuscitado desvela aos discípulos o sentido
profundo das Escrituras. A Escritura não só encontra em Jesus o seu
cumprimento, mas também o seu intérprete. A comunidade de Jesus que caminha
pela vida deve, continuamente, reunir-se à volta de Jesus ressuscitado para
escutar a Palavra que alimenta e que dá sentido à sua caminhada histórica
(vers. 44-46).
6. Os discípulos, alimentados por essa Palavra, recebem de
Jesus a missão de dar testemunho diante de “todas as nações, começando por
Jerusalém”. O anúncio dos discípulos terá como tema central a morte e
ressurreição de Jesus, o libertador anunciado por Deus desde sempre. A
finalidade da missão da Igreja de Jesus (os discípulos) é pregar o
arrependimento e o perdão dos pecados a todos os homens e mulheres,
propondo-lhes a opção pela vida nova de Deus, pela salvação, pela vida eterna
(vers. 47-48).
Lucas apresenta aqui uma breve síntese da missão da
Igreja, tema que ele desenvolverá amplamente no livro dos Atos dos Apóstolos.
ATUALIZAÇÃO
♦ Jesus ressuscitou
verdadeiramente, ou a ressurreição é fruto da imaginação dos discípulos? Como é
possível ter a certeza da ressurreição? Como encontrar Jesus ressuscitado? É a
estas e a outras questões semelhantes que o Evangelho deste domingo procura
responder. Com a sua catequese, Lucas diz-nos que nós, como os primeiros
discípulos, temos de percorrer o nem sempre claro caminho da fé, até chegarmos
à certeza da ressurreição. Não se chega lá através de deduções lógicas ou
através de construções de caráter intelectual; mas chega-se ao encontro com o
Senhor ressuscitado inserindo-nos nesse contexto em que Jesus Se revela –
no encontro comunitário, no diálogo com os irmãos que partilham a mesma fé, na
escuta comunitária da Palavra de Deus, no amor partilhado em gestos de
fraternidade e de serviço… É nesse “caminho” que vamos encontrando Cristo vivo,
atuante, presente na nossa vida e na vida do mundo.
♦ É que Cristo continua
presente no meio da sua comunidade em marcha pela história. Quando a comunidade
se reúne para escutar a Palavra, Ele está presente e explica aos seus
discípulos o sentido das Escrituras. Não sentimos, tantas vezes, a presença de
Cristo a indicar-nos caminhos de vida nova e a encher o nosso coração de
esperança quando lemos e meditamos a Palavra de Deus? Não sentimos o coração
cheio de paz – a paz que Jesus ressuscitado oferece aos seus – quando escutamos
e acolhemos as propostas de Deus, quando procuramos conduzir a nossa vida de
acordo com o plano de Deus?
♦ Jesus ressuscitado
reentrou no mundo de Deus; mas não desapareceu da nossa vida e não se alheou da
vida da sua comunidade. Através da imagem do “comer em conjunto” (que, para o
Povo bíblico, significa estabelecer laços estreitos, laços de comunhão, de
familiaridade, de fraternidade), Lucas garante-nos que o Ressuscitado continua
a “sentar-se à mesa” com os seus discípulos, a estabelecer laços com eles, a
partilhar as suas inquietações, anseios, dificuldades e esperanças, sempre
solidário com a sua comunidade. Podemos descobrir este Jesus ressuscitado que
se senta à mesa com os homens sempre que a comunidade se reúne à mesa da
Eucaristia, para partilhar esse pão que Jesus deixou e que nos faz tomar
consciência da nossa comunhão com Ele e com os irmãos.
♦ Jesus lembra aos
discípulos: “vós sois as testemunhas de todas estas coisas”. Isto significa,
apenas, que os cristãos devem ir contar a todos os homens, com lindas palavras,
com raciocínios lógicos e inatacáveis que Jesus ressuscitou e está vivo? O
testemunho que Cristo nos pede passa, mais do que pelas palavras, pelos nossos
gestos. Jesus vem, hoje, ao encontro dos homens e oferece-lhes a salvação
através dos nossos gestos de acolhimento, de partilha, de serviço, de amor sem
limites. São esses gestos que testemunham, diante dos nossos irmãos, que Cristo
está vivo e que Ele continua a sua obra de libertação dos homens e do mundo.
♦ Na catequese que
Lucas apresenta, Jesus ressuscitado confia aos discípulos a missão de anunciar
“em seu nome o arrependimento e o perdão dos pecados a todos os povos,
começando por Jerusalém”. Continuando a obra de Jesus, a missão dos discípulos
é eliminar da vida dos homens tudo aquilo que é “o pecado” (o egoísmo, o
orgulho, o ódio, a violência…) e propor aos homens uma dinâmica de vida nova.
4º Domingo da
Páscoa
TEMA
O 4º Domingo da Páscoa é
considerado o “Domingo do Bom Pastor”, pois todos os anos a liturgia propõe,
neste domingo, um trecho do capítulo 10 do Evangelho segundo João, no qual
Jesus é apresentado como “Bom Pastor”. É, portanto, este o tema central que a
Palavra de Deus põe, hoje, à nossa reflexão.
O Evangelho apresenta
Cristo como “o Pastor modelo”, que ama de forma gratuita e desinteressada as
suas ovelhas, até ser capaz de dar a vida por elas. As ovelhas sabem que podem
confiar n’Ele de forma incondicional, pois Ele não busca o próprio bem, mas o
bem do seu rebanho. O que é decisivo para pertencer ao rebanho de Jesus é a
disponibilidade para “escutar” as propostas que Ele faz e segui-l’O no caminho
do amor e da entrega.
A primeira leitura afirma
que Jesus é o único salvador, já que “não existe debaixo do céu outro nome,
dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos” (neste “Domingo do Bom Pastor”
dizer que Jesus é o “único salvador” equivale a dizer que Ele é o único pastor
que nos conduz em direcção à vida verdadeira). Lucas avisa-nos para não nos
deixarmos iludir por outras figuras, por outros caminhos, por outras sugestões
que nos apresentam propostas falsas de salvação.
Na segunda leitura, o
autor da primeira Carta de João convida-nos a contemplar o amor de Deus pelo
homem. É porque nos ama com um “amor admirável” que Deus está apostado em
levar-nos a superar a nossa condição de debilidade e de fragilidade. O
objectivo de Deus é integrar-nos na sua família e tornar-nos “semelhantes” a
Ele.
LEITURA I – Act 4,8-12
Naqueles dias,
Pedro, cheio do Espírito Santo,
disse-lhes:
«Chefes do povo e anciãos,
já que hoje somos interrogados
sobre um benefício feito a um
enfermo
e o modo como ele foi curado,
ficai sabendo todos vós e todo o
povo de Israel:
É em nome de Jesus Cristo, o
Nazareno,
que vós crucificastes e Deus
ressuscitou dos mortos,
é por Ele que este homem
se encontra perfeitamente curado
na vossa presença.
Jesus é a pedra que vós, os
construtores, desprezastes
e que veio a tornar-se pedra
angular.
E em nenhum outro há salvação,
pois não existe debaixo do céu
outro nome, dado aos homens,
pelo qual possamos ser salvos».
AMBIENTE
O testemunho sobre Jesus e sobre
a libertação que Ele veio oferecer aos homens, manifestado nos gestos (cura do
paralítico, à entrada do Templo de Jerusalém – cf. Act 3,1-11) e nas palavras
de Pedro (discurso à multidão, à entrada do Templo – cf. Act 3,12-26), provoca
a imediata reacção das autoridades judaicas e a consequente
prisão de Pedro e de João. É a
reacção lógica dos que pretendem perpetuar os sistemas de escravidão e de
opressão.
Assim, Pedro e João são presos e conduzidos diante do
Sinédrio – a autoridade que superintendia à organização da vida religiosa,
jurídica e económica dos judeus. Presidido pelo sumo-sacerdote em funções, o
Sinédrio era constituído por 70 membros, oriundos das principais famílias do
país. Na época de Jesus, o Sinédrio era, ao que parece, dominado pelo grupo dos
saduceus, os quais negavam a ressurreição. No Sinédrio havia, também, um grupo
significativo de fariseus, os quais aceitavam a ressurreição… No entanto, os
dois grupos vão pôr de lado as suas divergências particulares para fazerem
causa comum contra os discípulos de Jesus. A pergunta posta aos apóstolos pelos
membros do Sinédrio é: “com que poder ou em nome de quem fizestes isto?” (Act
4,7). O texto que a nossa primeira leitura nos apresenta é a resposta de Pedro
à questão que lhe foi posta.
É mais do que provável que o episódio assente, em geral,
em bases históricas… O testemunho sobre esse Messias crucificado pouco antes
pelas autoridades constituídas devia aparecer como uma provocação e provocar
uma natural reacção dos líderes judaicos. No entanto, o episódio, tal como nos
é apresentado, sofreu retoques de Lucas, empenhado em demonstrar que a reacção
negativa do “mundo” não pode nem deve calar o testemunho dos discípulos de
Jesus.
MENSAGEM
O texto que nos é proposto é, sobretudo, uma catequese
destinada aos crentes, mostrando-lhes como se deve concretizar o testemunho dos
discípulos, encarregados por Jesus de levar a sua proposta libertadora a todos
os homens.
Antes de mais, Lucas observa que Pedro está “cheio do
Espírito Santo” (vers. 8). Os cristãos não estão sozinhos e abandonados quando
enfrentam o mundo para lhes anunciar a salvação. É o Espírito que conduz os
discípulos na sua missão e que orienta o seu testemunho. Cumpre-se, assim, a
promessa que Jesus havia feito aos discípulos: “quando vos levarem às
sinagogas, aos magistrados e às autoridades, não vos preocupeis com o que
haveis de dizer em vossa defesa, pois o Espírito Santo vos ensinará, no momento
próprio, o que haveis de dizer (Lc 12,11-12).
“Cheio do Espírito Santo”, Pedro – aqui no papel de
paradigma do discípulo que testemunha Jesus e o seu projecto diante do mundo –
transforma-se de réu em acusador… Os dirigentes judaicos, barricados atrás dos
seus preconceitos e interesses pessoais, catalogaram a proposta de Jesus como
uma proposta contrária aos desígnios de Deus e assassinaram Jesus; mas a
ressurreição demonstrou que Jesus veio de Deus e que o projecto que Ele apresentou
tem o selo de garantia de Deus. Citando um salmo (cf. Sal 118,2), Pedro compara
a insensatez dos dirigentes judaicos à cegueira de um construtor que rejeita
como imprestável uma pedra que vem depois a ser aproveitada por outro
construtor como pedra principal num outro edifício (vers. 11). Jesus é a pedra
base desse projecto de vida nova e plena que Deus quer apresentar aos homens. A
prova é esse paralítico, que adquiriu a mobilidade pela acção de Jesus (“é por
Ele que este homem se encontra perfeitamente curado na vossa presença” – vers.
10).
Na realidade, Jesus é a fonte única de onde brota a
salvação – não só a libertação dos males físicos, mas a salvação entendida como
totalidade, como vida definitiva, como realização plena do homem. Jesus (o nome
hebraico “Jesus” significa “Jahwéh salva”) é o único canal através do qual a
salvação de Deus atinge os homens (vers. 12). Com esta afirmação solene e
radical, Lucas convida os cristãos a serem testemunhas da salvação, propondo
aos homens Jesus Cristo e levando os homens a aderirem, de forma total e
incondicional, ao projecto de vida que Cristo veio oferecer.
Uma nota, ainda, para registar a forma corajosa e
desassombrada como Pedro dá testemunho de Jesus, mesmo num ambiente hostil e
adverso. Lucas sugere que é desta forma que os discípulos hão-de anunciar Jesus
e o seu projecto de salvação.
Nada nem ninguém deverá parar e
calar os discípulos, chamados a colaborar com Jesus no anúncio da salvação.
Em resumo: os discípulos receberam a missão de apresentar,
ao mundo e aos homens, Jesus Cristo, o único Salvador. É o Espírito que os
anima nessa missão e que lhes dá a coragem para enfrentar a oposição dessas
forças da opressão que recusam a proposta libertadora de Jesus.
ACTUALIZAÇÃO
♦ A catequese que Lucas
nos propõe neste trecho do livro dos Actos dos Apóstolos, apresenta Jesus como
o único Salvador, já que “não existe debaixo do céu outro nome, dado aos
homens, pelo qual possamos ser salvos”. Lucas avisa-nos, desta forma, para não
nos deixarmos iludir por outras figuras, por outros caminhos, por outras
sugestões que nos apresentam propostas falsas de salvação. Por vezes, o caminho
de salvação que Jesus nos propõe, está em flagrante contradição com os caminhos
de “salvação” que nos são propostos pelos líderes políticos, pelos líderes
ideológicos, pelos líderes da moda e da opinião pública; e nós temos que fazer
escolhas coerentes com a nossa fé e com o nosso compromisso cristão. Na hora de
optarmos, não esqueçamos que a proposta de Jesus tem o selo de garantia de
Deus; não esqueçamos que o caminho proposto por Jesus (e que, tantas vezes, à
luz da lógica humana, parece um caminho de fracasso e de derrota) é o caminho
que nos conduz ao encontro da vida plena e definitiva, ao encontro do Homem
Novo.
♦ Depois de dois mil
anos de cristianismo, parece que nem sempre se nota a presença efectiva de
Cristo nesses caminhos em que se constrói a história do mundo e dos homens. O
verniz cristão de que revestimos a nossa civilização ocidental não tem impedido
a corrida aos armamentos, os genocídios, os actos bárbaros de terrorismo, as
guerras religiosas, o capitalismo selvagem… Os critérios que presidem à
construção do mundo estão, demasiadas vezes, longe dos valores do Evangelho.
Porque é que isto acontece? Podemos dizer que Cristo é, para os cristãos, a
referência fundamental? Nós cristãos fizemos d’Ele, efectivamente, a “pedra
angular” sobre a qual construímos a nossa vida e a história do nosso tempo?
♦ Através do exemplo de
Pedro, Lucas sugere que o testemunho dos discípulos deve ser desassombrado,
mesmo em condições hostis e adversas. A preocupação dos discípulos não deve ser
apresentar um testemunho politicamente correcto, que não incomode os poderes
instituídos e não traga perseguições à comunidade do Reino; mas deve ser um
discurso corajoso e coerente, que tem como preocupação fundamental apresentar
com fidelidade a proposta de salvação que Jesus veio fazer.
♦ Os discípulos de
Jesus não estão sozinhos, entregues a si próprios, nessa luta contra as forças
que oprimem e escravizam os homens. O Espírito de Jesus ressuscitado está com
eles, ajudando-os, animando-os, protegendo-os em cada instante desse caminho
que Deus lhes mandou percorrer. Nos momentos de crise, de desânimo, de
frustração, os discípulos devem tomar consciência da presença amorosa de Deus a
seu lado e retomar a esperança.
♦ Os líderes judaicos
são, mais uma vez, apresentados como modelos de cegueira e de fechamento face
aos desafios de Deus. São “maus pastores”, preocupados com os seus interesses
pessoais e corporativos, que impedem que o seu Povo adira às propostas de salvação
que Deus faz. O seu exemplo mostra-nos como a auto-suficiência, os
preconceitos, o comodismo, levam o homem a fechar-se aos
desafios de Deus e a
recusar os dons de Deus. Eles são, portanto, modelos a não seguir.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 117 (118)
Refrão 1: A pedra que os construtores rejeitaram
tornou-se pedra angular.
Refrão 2: Aleluia.
Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom,
porque é eterna a sua misericórdia.
Mais vale refugiar-se no Senhor,
do que fiar-se nos homens.
Mais vale refugiar-se no Senhor,
do que fiar-se nos poderosos.
Eu Vos darei graças porque me ouvistes
e fostes o meu Salvador.
A pedra que os construtores rejeitaram
tornou-se pedra angular.
Tudo isto veio do Senhor:
é admirável aos nossos olhos.
Bendito o que vem em nome do Senhor,
da casa do Senhor nós vos bendizemos.
Vós sois o meu Deus: eu Vos darei graças.
Vós sois o meu Deus: eu Vos exaltarei.
Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom,
porque é eterna a sua misericórdia.
LEITURA II – 1 Jo 3,1-2
Caríssimos:
Vede que admirável amor o Pai nos consagrou
em nos chamarmos filhos de Deus.
E somo-lo de facto.
Se o mundo não nos conhece,
é porque não O conheceu a Ele.
Caríssimos, agora somos filhos de Deus
e ainda não se manifestou o que havemos de ser.
Mas sabemos que, na altura em que se manifestar,
seremos semelhantes a Deus,
porque O veremos tal como Ele é.
AMBIENTE
A primeira Carta de João é, como já dissemos nos domingos
anteriores, um escrito polémico, dirigido a comunidades cristãs nascidas no
mundo joânico (trata-se, certamente, de comunidades cristãs de várias cidades
situadas à volta de Éfeso, na parte ocidental da Ásia Menor). Estamos numa
época em que as heresias começavam a perturbar a vida dessas comunidades,
lançando a confusão entre os crentes e ameaçando subverter a identidade cristã.
As principais questões postas pelos hereges
eram de ordem cristológica e
ética. Em termos de doutrina cristológica, negavam que o Filho de Deus tivesse
encarnado através de Maria e que tivesse morrido na cruz; na sua perspectiva, o
Cristo celeste apenas veio sobre o homem Jesus na altura do baptismo,
abandonando-o outra vez antes da paixão… Portanto, a humanidade de Jesus é um
facto irrelevante; o que interessa é a mensagem do Cristo celeste, que se
serviu do homem Jesus para aparecer na terra. Do ponto de vista ético e moral,
estes hereges não cumprem os mandamentos e desprezam especialmente o mandamento
do amor ao irmão. Neste contexto, o autor da carta vai apresentar aos crentes
as grandes coordenadas da vida cristã autêntica.
O texto que nos é proposto integra a segunda parte da
carta (cf. 1 Jo 2,28-4,6). Aí, o autor lembra aos crentes que são filhos de
Deus e exorta-os a viver no dia a dia de forma coerente com essa filiação. O
contexto é sempre o da polémica contra os “filhos do mal” que não fazem as
obras de Deus, porque não vivem de acordo com os mandamentos.
MENSAGEM
Em jeito de introdução à segunda parte da carta, o autor
recorda aos cristãos que Deus os constituiu seus “filhos”. O fundamento para
essa filiação reside no grande amor de Deus pelos homens (vers. 1a). O título
de “filhos de Deus” que os crentes ostentam não é um título pomposo, mas
externo e sem conteúdo; é um título apropriado, que define a situação daqueles
que são amados por Deus com um amor “admirável” e que receberam de Deus a vida
nova. Evidentemente, a condição de “filhos” implica estar em comunhão com Deus
e viver de forma coerente com as suas propostas. Os “filhos de Deus” realizam
as obras de Deus (um pouco mais à frente, num desenvolvimento que não aparece
na leitura que a liturgia de hoje propõe, o autor da carta contrapõe aos
“filhos de Deus” os “filhos do diabo” – que são aqueles que rejeitam a vida
nova de Deus, não praticam “a justiça, nem amam o seu irmão” – cf. 1 Jo
3,7-10).
A condição de “filhos de Deus”, que fazem as obras de
Deus, coloca os crentes numa posição singular diante do “mundo”. Por isso, o
“mundo” irá ignorar ou mesmo perseguir os “filhos de Deus”, recusando a
proposta de vida que eles testemunham. Não é nada de novo nem de surpreendente:
o “mundo” também recusou Cristo e a sua proposta de salvação (vers. 1b).
Apesar de serem já, desde o dia do Baptismo (o dia em que
aceitaram essa vida nova que Deus oferece aos homens), “filhos de Deus”, os
crentes continuam a caminho da sua realização definitiva, do dia em que a
fragilidade e a finitude humanas serão definitivamente superadas. Então,
manifestar-se-á nos crentes a vida plena e definitiva, o Homem Novo plenamente
realizado. Nesse dia, os crentes estarão em total comunhão com Deus e serão,
então, “semelhantes a Ele” (vers. 2). A filiação divina é uma realidade que
atinge o crente ao longo da sua peregrinação por esta terra e que implica uma
vida de coerência com as obras e as propostas de Deus; mas só no céu, após a
libertação da condição de debilidade que faz parte da fragilidade humana, o
crente conhecerá a sua realização plena.
ACTUALIZAÇÃO
♦ Antes de mais, o
nosso texto recorda-nos que Deus nos ama com um amor “admirável” – amor que se
traduz no dom dessa vida nova que faz de nós “filhos de Deus”. Neste 4º Domingo
da Páscoa, o Domingo do Bom Pastor, o autor da primeira Carta de João convida-nos
a contemplar a bondade, a ternura, a misericórdia, o amor de um Deus apostado
em levar o homem a superar a sua condição de debilidade, a fim de chegar à vida
nova e eterna, à plenitudização das suas capacidades, até se tornar
“semelhante” ao próprio Deus. Todos os homens
e mulheres caminham
pela vida à procura da felicidade e da vida verdadeira… O autor desta carta
garante-nos: para alcançar a meta da vida definitiva, é preciso escutar o
chamamento de Deus, acolher o seu dom, viver de acordo com essa vida nova que
Deus nos oferece. É aí – e não noutras propostas efémeras, parciais,
superficiais – que está o segredo da realização plena do homem.
♦ Como é que os “filhos
de Deus” devem responder a este desafio que Deus lhes faz? No texto que nos é
hoje proposto, este problema não é desenvolvido; contudo, a questão é abordada
e reflectida noutras passagens da primeira Carta de João. Para o autor da
carta, o “filho de Deus” é aquele que responde ao amor de Deus vivendo de forma
coerente com as propostas de Deus (cf. 1 Jo 5,1-3) – isto é, no respeito pelos
mandamentos de Deus. De forma especial, recomenda-se aos crentes que vivam no
amor aos irmãos, a exemplo de Jesus Cristo.
♦ O autor da carta
avisa também os cristãos para o inevitável choque com a incompreensão do
“mundo”… Viver como “filho de Deus” implica fazer opções que, muitas vezes,
estão em contradição com os valores que o mundo considera prioritários; por
isso, os discípulos são objecto do desprezo, da irrisão, dos ataques daqueles
que não estão dispostos a conduzir a sua vida de acordo com os valores de Deus.
Jesus Cristo conheceu e enfrentou a mesma realidade; mas a sua história mostra
que viver como “filho de Deus” não é um caminho de fracasso, mas um caminho de
vida plena e eterna. Os cristãos não devem, por isso, ter medo de percorrer o
mesmo caminho.
ALELUIA – Jo 10,14
Aleluia. Aleluia.
Eu sou o bom pastor, diz o Senhor:
conheço as minhas ovelhas
e as minhas ovelhas conhecem-Me.
EVANGELHO – Jo 10,11-18
Naquele tempo, disse Jesus.
«Eu sou o Bom Pastor.
O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas.
O mercenário, como não é pastor, nem são suas as ovelhas,
logo que vê vir o lobo, deixa as ovelhas e foge,
enquanto o lobo as arrebata e dispersa.
O mercenário não se preocupa com as ovelhas.
Eu sou o Bom Pastor:
conheço as minhas ovelhas
e as minhas ovelhas conhecem-Me,
do mesmo modo que o Pai Me conhece e Eu conheço o Pai;
Eu dou a minha vida pelas minhas ovelhas.
Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil
e preciso de as reunir;
elas ouvirão a minha voz
e haverá um só rebanho e um só Pastor.
Por isso o Pai Me ama:
porque dou a minha vida, para poder retomá-la.
Ninguém Ma tira, sou Eu que a dou espontaneamente.
Tenho o poder de a dar e de a retomar:
foi este o mandamento que recebi de meu Pai».
AMBIENTE
O capítulo 10 do 4º Evangelho é dedicado à catequese do
“Bom Pastor”. O autor utiliza esta imagem para propor uma catequese sobre a
missão de Jesus: a obra do “messias” consiste em conduzir o homem às pastagens
verdejantes e às fontes cristalinas de onde brota a vida em plenitude.
A imagem do “Bom Pastor” não foi inventada pelo autor do
4º Evangelho. Literariamente falando, este discurso simbólico está construído
com materiais provenientes do Antigo Testamento. Em especial, este discurso tem
presente Ez 34 (onde se encontra a chave para compreender a metáfora do
“pastor” e do “rebanho”). Falando aos exilados da Babilónia, Ezequiel constata
que os líderes de Israel foram, ao longo da história, maus “pastores”, que
conduziram o Povo por caminhos de morte e de desgraça; mas – diz Ezequiel – o
próprio Deus vai agora assumir a condução do seu Povo; Ele porá à frente do seu
Povo um “Bom Pastor” (o “messias”), que o livrará da escravidão e o conduzirá à
vida. A catequese que o 4º Evangelho nos oferece sobre o “Bom Pastor” sugere
que a promessa de Deus – veiculada por Ezequiel – se cumpre em Jesus.
O contexto em
que João coloca o “discurso do Bom Pastor” (cf. Jo 10) é um
contexto de polémica entre Jesus e alguns líderes judaicos, principalmente
fariseus (cf. Jo 9,40; 10,19-21.24.31-39). Depois de ver a pressão que os
líderes judaicos colocaram sobre o cego de nascença para que ele não abraçasse
a luz (cf. Jo 9,1-41), Jesus denuncia a forma como esses líderes tratam o Povo:
eles estão apenas interessados em proteger os seus interesses pessoais e usam o
Povo em benefício próprios; são, pois, “ladrões e salteadores” (Jo 10,1.8.10),
que se apossam de algo que não lhes pertence e roubam ao seu Povo qualquer
possibilidade de vida e de libertação.
MENSAGEM
O nosso texto começa com uma afirmação lapidar, posta na
boca de Jesus: “Eu sou o Bom Pastor”. O adjectivo “bom” deve, neste contexto,
entender-se no sentido de “modelo”, de “ideal”: “Eu sou o modelo de pastor, o
pastor ideal”. E Jesus explica, logo de seguida, que o “pastor modelo” é aquele
que é capaz de se entregar a si mesmo para dar a vida às suas ovelhas (vers.
11).
Depois da afirmação geral, Jesus põe em paralelo duas
figuras de pastor: o “pastor mercenário” e o “verdadeiro pastor” (vers. 12-13).
Aquilo que distingue o “verdadeiro pastor” do “pastor
mercenário” é a diferente atitude diante do “lobo”. O “lobo” representa, nesta
“parábola”, tudo aquilo que põe em perigo a vida das ovelhas: os interesses dos
poderosos, a opressão, a injustiça, a violência, o ódio do mundo.
O “pastor mercenário” é o pastor contratado por dinheiro.
O rebanho não é dele e ele não ama as ovelhas que lhe foram confiadas.
Limita-se a cumprir o seu contrato, fugindo de tudo aquilo que o pode pôr em
perigo a ele próprio e aos seus interesses pessoais. Limita-se a cumprir
determinadas obrigações, sem que o seu coração esteja com o rebanho. Ele tem
uma função de enquadrar o rebanho e de o dirigir, mas a sua acção é sempre
ditada por uma lógica de egoísmo e de interesse. Por isso, quando sente que há
perigo, abandona o rebanho à sua sorte, a fim de salvaguardar os seus
interesses egoístas e a sua posição.
O verdadeiro pastor é aquele que presta o seu serviço por
amor e não por dinheiro. Ele não está apenas interessado em cumprir o contrato,
mas em fazer com que as ovelhas tenham vida e se sintam felizes. A sua
prioridade é o bem das ovelhas que lhe foram confiadas. Por isso, ele arrisca
tudo em benefício do rebanho e está, até, disposto a dar a própria vida por
essas ovelhas que ama. Nele as ovelhas podem confiar, pois sabem que ele não
defende interesses pessoais mas os interesses do seu rebanho.
Ora, Jesus é o modelo do
verdadeiro pastor (vers. 14-15). Ele conhece cada uma das suas ovelhas, tem com
cada uma relação pessoal e única, ama cada uma, conhece os seus sofrimentos,
dramas, sonhos e esperanças. Esta relação que Jesus, o verdadeiro pastor, tem
com as suas ovelhas é tão especial, que Ele até a compara à relação de amor e
de intimidade que tem com o próprio Deus, seu Pai. É este amor, pessoal e
íntimo, que leva Jesus a pôr a própria vida ao serviço das suas ovelhas, e até
a oferecer a própria vida para que todas elas tenham vida e vida em abundância. Quando
as ovelhas estão em perigo, Ele não as abandona, mas é capaz de dar a vida por
elas. Nenhum risco, dificuldade ou sofrimento O faz desanimar. A sua atitude de
defesa intransigente do rebanho é ditada por um amor sem limites, que vai até
ao dom da vida.
Depois de definir desta forma a sua missão e a sua atitude
para com o rebanho, Jesus explica quem são as suas ovelhas e quem pode fazer
parte do seu rebanho. Ao dizer “tenho ainda outras ovelhas que não são deste
redil e preciso de as reunir” (vers. 16a), Jesus deixa claro que a sua missão
não se encerra nas fronteiras limitadas do Povo judeu, mas é uma missão
universal, que se destina a dar vida a todos os povos da terra. A comunidade de
Jesus não está encerrada numa determinada instituição nacional ou cultural. O
que é decisivo, para integrar a comunidade de Jesus, é acolher a sua proposta,
aderir ao projecto que Ele apresenta, segui-l’O. Nascerá, então, uma comunidade
única, cuja referência é Jesus e que caminhará com Jesus ao encontro da vida
eterna e verdadeira (“elas ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só
pastor” – vers. 16b).
Finalmente, Jesus explica que a sua missão se insere no
projecto do Pai para dar vida aos homens (vers. 17-18). Jesus assume esse
projecto do Pai e dedica toda a sua vida terrena a cumprir essa missão que o
Pai lhe confiou. O que O move não é o seu interesse pessoal, mas o cumprimento
da vontade do Pai. Ao cumprir o projecto de amor do Pai em favor dos homens,
Ele está a realizar a sua condição de Filho.
Ao dar a sua vida, Jesus está consciente de que não perde
nada. Quem gasta a vida ao serviço do projecto de Deus, não perde a vida, mas
está a construir para si e para o mundo a vida eterna e verdadeira. O seu dom
não termina em fracasso, mas em glorificação. Para quem ama, não há morte, pois o
amor gera vida verdadeira e definitiva.
A entrega de Jesus não é um acidente ou uma inevitável
fatalidade, mas um gesto livre de alguém que ama o Pai e ama os homens e
escolhe o amor até às últimas consequências. O dom de Jesus é um dom livre,
gratuito e generoso. Na decisão de Jesus em oferecer livremente a vida por
amor, manifesta-se o seu amor pelo Pai e pelos homens.
ACTUALIZAÇÃO
♦ Todos nós temos as
nossas figuras de referência, os nossos heróis, os nossos mestres, os nossos
modelos. É a uma figura desse tipo que, utilizando a imagem do Evangelho do 4º
Domingo da Páscoa, poderíamos chamar o nosso “pastor”… É Ele que nos aponta
caminhos, que nos dá segurança, que está ao nosso lado nos momentos de
fragilidade, que condiciona as nossas opções, que é para nós uma espécie de
modelo de vida. O Evangelho deste domingo diz-nos que, para o cristão, o
“Pastor” por excelência é Cristo. É n’Ele que devemos confiar, é à volta d’Ele
que nos devemos juntar, são as suas indicações e propostas que devemos seguir.
O nosso “Pastor” é, de facto, Cristo, ou temos outros “pastores” que nos
arrastam e que são as referências fundamentais à volta das quais construimos a
nossa existência? O que é que nos conduz e condiciona as nossas opções: Jesus
Cristo? As directrizes do chefe do departamento? A conta bancária? A voz da
opinião pública? A perspectiva do presidente do partido? O comodismo e a
instalação? O êxito e o triunfo profissional a qualquer custo? O herói mais
giro da
telenovela? O programa
de maior audiência da estação televisiva de maior audiência?
♦ Reparemos na forma
como Cristo desempenha a sua missão de “Pastor”: Ele não actua por interesse
(como acontece com outros pastores, que apenas procuram explorar o rebanho e
usá-lo em benefício próprio), mas por amor; Ele não foge quando as ovelhas
estão em perigo, mas defende-as, preocupa-se com elas e até é capaz de dar a
vida por elas; Ele mantém com cada uma das ovelhas uma relação única, especial,
pessoal, conhece os seus sofrimentos, dramas, sonhos e esperanças. As
“qualidades” de Cristo, o Bom Pastor, aqui enumeradas, devem fazer-nos perceber
que podemos confiar integral e incondicionalmente n’Ele e entregar, sem receio,
a nossa vida nas suas mãos. Por outro lado, este “jeito” de actuar de Cristo
deve ser uma referência para aqueles que têm responsabilidades na condução e
animação do Povo de Deus: aqueles que receberam de Deus a missão de presidir a
um grupo, de animar uma comunidade, exercem a sua missão no dom total, no amor
incondicional, no serviço desinteressado, a exemplo de Cristo?
♦ No “rebanho” de
Jesus, não se entra por convite especial, nem há um número restrito de vagas a
partir do qual mais ninguém pode entrar… A proposta de salvação que Jesus faz
destina-se a todos os homens e mulheres, sem excepção. O que é decisivo para entrar
a fazer parte do rebanho de Deus é “escutar a voz” de Cristo, aceitar as suas
indicações, tornar-se seu discípulo… Isso significa, concretamente, seguir
Jesus, aderir ao projecto de salvação que Ele veio apresentar, percorrer o
mesmo caminho que Ele percorreu, na entrega total aos projectos de Deus e na
doação total aos irmãos. Atrevemo-nos a seguir o nosso “Pastor” (Cristo) no
caminho exigente do dom da vida, ou estamos convencidos que esse caminho é
apenas um caminho de derrota e de fracasso, que não leva aonde nós pretendemos
ir?
♦ O nosso texto acentua
a identificação total de Jesus com a vontade do Pai e a sua disponibilidade
para colocar toda a sua vida ao serviço do projecto de Deus. Garante-nos também
que é dessa entrega livre, consciente, assumida, que resulta vida eterna,
verdadeira e definitiva. O exemplo de Cristo convida-nos a aderir, com a mesma
liberdade mas também com a mesma disponibilidade, às propostas de Deus e ao
cumprimento do projecto de Deus para nós e para o mundo. Esse caminho é,
garantidamente, um caminho de vida eterna e de realização plena do homem.
♦ Nas nossas
comunidades cristãs, temos pessoas que presidem e que animam. Podemos aceitar,
sem problemas, que elas receberam essa missão de Cristo e da Igreja, apesar dos
seus limites e imperfeições; mas convém igualmente ter presente que o nosso
único “Pastor”, aquele que somos convidados a escutar e a seguir sem condições,
é Cristo. Os outros “pastores” têm uma missão válida, se a receberam de Cristo;
e a sua actuação nunca pode ser diferente do jeito de actuar de Cristo.
♦ Para que distingamos
a “voz” de Jesus de outros apelos, de propostas enganadoras, de “cantos de
sereia” que não conduzem à vida plena, é preciso um permanente diálogo íntimo
com “o Pastor”, um confronto permanente com a sua Palavra e a participação
activa nos sacramentos onde se nos comunica essa vida que “o Pastor” nos
oferece.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS
PARA O 4º DOMINGO DE PÁSCOA
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
Ao longo dos dias da semana anterior ao 4º Domingo de
Páscoa, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la
pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana
para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de
padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…
Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
O que distingue um mercenário de um pastor é a relação que
eles têm com as suas ovelhas. Para o pastor, cada ovelha é única aos seus olhos
e cada uma reconhece o seu pastor. Ele está pronto a tudo para que as suas
ovelhas vivam, indo mesmo ao ponto de a arriscar a sua própria vida. Enfim, ele
tem cuidado mesmo das que não são do seu rebanho. Mas Jesus, que se compara a
este bom pastor, dá o significado desta relação, que é reflexo da sua relação
com o Pai: «conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-Me, do mesmo
modo que o Pai Me conhece e Eu conheço o Pai». Neste domingo em que os cristãos
são convidados a rezar pelas vocações, que a sua oração seja dirigida, em
primeiro lugar, para o único Pastor, Jesus Cristo, depois que se peça para que
Ele dê à sua Igreja pastores que procurem conhecer cada vez melhor os homens,
amá-los, e que tenham o cuidado daqueles que não são ainda da Igreja.
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
«Eu sou o Bom Pastor».
Jesus retoma uma imagem tradicional na Bíblia para
designar os chefes do povo judeu. Porque estes pastores são muitas vezes maus
pastores, é o próprio Deus que pastoreará o seu rebanho. E o salmista gritará:
«O Senhor é meu pastor!» Jesus atribui a si próprio este título e esta missão,
que confia em seguida a Pedro. Por seu lado, este recorre ao vocabulário
pastoral para designar a função dos «anciãos», dos «presbíteros», na comunidade
cristã. Estamos, de facto, muito longe da estrutura «sacerdotal», sobre a qual
estava fundada toda a vida cultual do povo judeu. O serviço do templo estava
reservado à tribo de Levi e às famílias sacerdotais. Ora, na Igreja, o «pastor»
não é um homem do «sagrado», «separado» do resto do povo. O próprio Jesus não
era uma «especialista do sagrado»! O pastor só tem sentido se ligado a um
rebanho. Ele «conhece as suas ovelhas e as suas ovelhas conhecem-no». Elas
«contam verdadeiramente para ele». Ele ama as ovelhas e cuida delas. Vigia-as.
Condu-las a boas pastagens, dando-lhes o bom alimento da Palavra de Deus. Ele
vai ao ponto de dar a sua vida pelas suas ovelhas. Nunca se deve cessar de
pedir ao Senhor que suscite sempre bons pastores para a sua Igreja!
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Discernir em Igreja.
Não é fácil saber em que ponto realmente estamos em
matéria de vocação: o discernimento nunca se faz só, seja para um acompanhador
espiritual, seja num pequeno grupo que saberia praticar esta entreajuda
fraterna que permita a cada um fazer o ponto da situação sobre aquilo que o
Senhor espera dele. Não seria a ocasião, nesta semana, para se pensar em fazer
um tal encontro?
5º Domingo da
Páscoa
TEMA
A liturgia do 5º Domingo da
Páscoa convida-nos a reflectir sobre a nossa união a Cristo; e diz-nos que só
unidos a Cristo temos acesso à vida verdadeira.
O Evangelho apresenta
Jesus como “a verdadeira videira” que dá os frutos bons que Deus espera.
Convida os discípulos a permanecerem unidos a Cristo, pois é d’Ele que eles
recebem a vida plena. Se permanecerem em Cristo, os discípulos serão
verdadeiras testemunhas no meio dos homens da vida e do amor de Deus.
A primeira leitura diz-nos
que o cristão é membro de um corpo – o Corpo de Cristo. A sua vocação é seguir
Cristo, integrado numa família de irmãos que partilha a mesma fé, percorrendo
em conjunto o caminho do amor. É no diálogo e na partilha com os irmãos que a
nossa fé nasce, cresce e amadurece e é na comunidade, unida por laços de amor e
de fraternidade, que a nossa vocação se realiza plenamente.
A segunda leitura define
o ser cristão como “acreditar em Jesus” e “amar-nos uns aos outros como Ele nos
amou”. São esses os “frutos” que Deus espera de todos aqueles que estão unidos
a Cristo, a “verdadeira videira”. Se praticarmos as obras do amor, temos a
certeza de que estamos unidos a Cristo e que a vida de Cristo circula em nós.
LEITURA I – Act 9,26-31
Naqueles dias,
Saulo chegou a Jerusalém e
procurava juntar-se aos discípulos.
Mas todos os temiam, por não
acreditarem que fosse discípulo.
Então, Barnabé tomou-o consigo,
levou-o aos Apóstolos
e contou-lhes como Saulo, no
caminho,
tinha visto o Senhor, que lhe
tinha falado,
e como em Damasco tinha pregado
com firmeza
em nome de Jesus.
A partir desse dia, Saulo ficou
com eles em Jerusalém
e falava com firmeza no nome do
Senhor.
Conversava e discutia também com
os helenistas,
mas estes procuravam dar-lhe a
morte.
Ao saberem disto, os irmãos
levaram-no para Cesareia
e fizeram-no seguir para Tarso.
Entretanto, a Igreja gozava de
paz
por toda a Judeia, Galileia e
Samaria,
edificando-se e vivendo no temor
do Senhor
e ia crescendo com a assistência
do Espírito Santo.
AMBIENTE
A secção de Act 9,1-31 é
dedicada a um acontecimento muito importante na história do cristianismo: a
vocação/conversão de Paulo. Tal facto é o ponto de partida para o caminho que o
cristianismo vai percorrer, desde os limites geográficos do mundo judaico, até
ao coração do mundo greco-romano.
A primeira parte da secção (cf.
Act 9,1-9) apresenta os acontecimentos do “caminho de Damasco” e o decisivo
encontro de Paulo com Jesus ressuscitado; a segunda (cf. Act 9,10-19a) descreve
o encontro de Paulo com a comunidade cristã de Damasco; a terceira (cf. Act
9,19b-25) fala da actividade apostólica de Paulo em Damasco; e,
finalmente, a quarta (cf. Act
9,26-30) mostra a forma como Paulo, depois de deixar Damasco, foi recebido
pelos cristãos de Jerusalém.
A maior parte dos autores pensa que a conversão de Paulo
aconteceu por volta do ano 36. Depois da sua conversão, Paulo ficou três anos
em Damasco, colaborando com a comunidade cristã dessa cidade. Após esse tempo,
a oposição dos judeus forçou Paulo a abandonar a cidade. Uma vez que as portas
da cidade estavam guardadas, os cristãos desceram Paulo pelas muralhas abaixo,
dentro de um cesto (cf. Act 9,23-25). Depois, Paulo dirigiu-se para Jerusalém.
A chegada de Paulo a Jerusalém deve ter acontecido por volta do ano 39 (cf. Gal
1,18).
O texto que nos é proposto é a quarta parte desta secção
dedicada a Paulo e refere-se à estadia de Paulo em Jerusalém, depois de ter
abandonado Damasco (inclui, além disso, num versículo final, um breve sumário
da vida da Igreja: é um dos tantos sumários típicos de Lucas, através dos quais
ele faz um balanço da situação e prepara os temas que vai tratar nas secções
seguintes).
MENSAGEM
A narração de Lucas mistura elementos de carácter
histórico com outros elementos de carácter teológico. Para simplificar a
apresentação, vamos apontar as coordenadas principais da catequese apresentada
por Lucas em vários pontos:
2. O esforço de Paulo em integrar-se (“chegou a Jerusalém
e procurava juntar-se aos discípulos” – vers. 26) mostra a importância que ele
dava ao viver em comunidade, à partilha da fé com os irmãos. O cristianismo não
é apenas um encontro pessoal com Jesus Cristo; mas é também uma experiência de
partilha da fé e do amor com os irmãos que aderiram ao mesmo projecto e que são
membros da grande família de Jesus. É só no diálogo e na partilha comunitária
que a experiência da fé faz sentido.
3. O papel de Barnabé na integração de Paulo é muito
significativo: ele não só acredita em Paulo, como consegue que o resto da
comunidade cristã o aceite (vers. 27a). Mostra-nos o papel que cada cristão
pode ter na integração comunitária dos irmãos; e mostra, sobretudo, que é
tarefa de cada crente questionar a sua comunidade e ajudá-la a descobrir os
desafios de Deus.
4. Outro elemento sublinhado por Lucas é o entusiasmo com
que Paulo dá testemunho de Jesus e a coragem com que ele enfrenta as
dificuldades e oposições (vers. 27b-28). Trata-se, aliás, de uma atitude que
vai caracterizar toda a vida apostólica de Paulo. O apóstolo está consciente de
que foi chamado por Jesus, que recebeu de Jesus a missão de anunciar a salvação
a todos os homens; por isso, nada nem ninguém será capaz de arrefecer o seu
zelo no anúncio do Evangelho.
6. O sumário final (vers. 31) recorda um elemento que está
sempre presente no horizonte da catequese de Lucas: é o Espírito Santo que
conduz a Igreja na sua marcha pela história. É o Espírito que lhe dá
estabilidade (“como um edifício”), que lhe alimenta o dinamismo (“caminhava no
temor do Senhor”) e que a faz crescer (“ia
aumentando”). A certeza da
presença e da assistência do Espírito Santo deve fundamentar a nossa esperança.
ACTUALIZAÇÃO
♦ O cristão não é um
ser isolado, mas uma pessoa que é membro de um corpo – o corpo de Cristo. A sua
vocação é seguir Cristo, integrado numa família de irmãos que partilha a mesma
fé, percorrendo em conjunto o caminho do amor. Por isso, a vivência da fé é sempre
uma experiência comunitária. É no diálogo e na partilha com os irmãos que a
nossa fé nasce, cresce e amadurece e é na comunidade, unida por laços de amor e
de fraternidade, que a nossa vocação se realiza plenamente. A comunidade,
contudo, é constituída por pessoas, vivendo numa situação de fragilidade e de
debilidade… Por isso, a experiência de caminhada em comunidade pode ser marcada
por tensões, por conflitos, por divergências; mas essa experiência não pode
servir de pretexto para abandonar a comunidade e para passar a agir
isoladamente.
♦ A dificuldade da
comunidade de Jerusalém em
acolher Paulo (e que é compreensível, do ponto de vista
humano), pode fazer-nos pensar nesses esquemas de fechamento, de preconceito,
de instalação, que às vezes caracterizam a vida das nossas comunidades cristãs
e que as impedem de acolher os desafios de Deus. Uma comunidade fechada, com
medo de arriscar, é uma comunidade instalada no comodismo e na mediocridade,
com dificuldade em responder aos desafios proféticos e em descobrir os caminhos
nos quais Deus se revela. Há, neste texto, um convite a abrirmos
permanentemente o nosso coração e a nossa mente à novidade de Deus. Como é a
nossa comunidade? É uma comunidade fechada, instalada, cheia de preconceitos,
criadora de exclusão, ou é uma comunidade aberta, fraterna, solidária, disposta
a acolher?
♦ Barnabé é o homem que
questiona os preconceitos e o fechamento da comunidade, convidando-a a ser mais
fraterna, mais acolhedora, mais “cristã”. Faz-nos pensar no papel que Deus
reserva a cada um de nós, no sentido de ajudarmos a nossa comunidade a crescer,
a sair de si própria, a viver com mais coerência o seu compromisso com Jesus
Cristo e com o Evangelho. Nenhum membro da comunidade é detentor de verdades
absolutas; mas todos os membros da comunidade devem sentir-se responsáveis para
que a comunidade dê, no meio do mundo, um verdadeiro testemunho de Jesus e do
seu projecto de salvação.
♦ O encontro com Jesus
ressuscitado no “caminho de Damasco” constituiu, para Paulo, um momento
decisivo. A partir desse encontro, Paulo tornou-se o arauto entusiasta e
imparável do projecto libertador de Jesus. A perseguição dos judeus, a oposição
das autoridades, a indiferença dos não crentes, a incompreensão dos irmãos na
fé, os perigos dos caminhos, as incomodidades das viagens, não conseguiram
desencorajá-lo e desarmar o seu testemunho. O exemplo de Paulo recorda-nos que
ser cristão é dar testemunho de Jesus e do Evangelho. A experiência que fazemos
de Jesus e do seu projecto libertador não pode ser calada ou guardada apenas
para nós; mas tem de se tornar um anúncio libertador que, através de nós, chega
a todos os nossos irmãos.
♦ A Igreja é uma
comunidade formada por homens e mulheres e, portanto, marcada pela debilidade e
fragilidade; mas é, sobretudo, uma comunidade que marcha pela história
assistida, animada e conduzida pelo Espírito Santo. O “caminho” que percorremos
como Igreja pode ter avanços e recuos, infidelidades e vicissitudes várias; mas
é um caminho que conduz a Deus, à realização plena do homem, à vida definitiva.
A presença do Espírito dirigindo a caminhada dá-nos essa garantia.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo
21 (22)
Refrão 1: Eu Vos louvo, Senhor, na assembleia dos
justos.
Refrão 2: Eu Vos louvo, Senhor, no meio da multidão.
Cumprirei a minha promessa na presença dos vossos fiéis.
Os pobres hão-de comer e serão saciados,
louvarão o Senhor os que O procuram:
vivam para sempre os seus corações.
Hão-de lembrar-se do Senhor e converter-se a Ele
todos os confins da terra;
e diante d’Ele virão prostrar-se
todas as famílias das nações.
Só a Ele hão-de adorar
todos os grandes do mundo,
diante d’Ele se hão-de prostrar
todos os que descem ao pó da terra.
Para Ele viverá a minha alma,
há-de servi-l’O a minha descendência.
Falar-se-á do Senhor às gerações vindouras
e a sua justiça será revelada ao povo que há-de vir:
«Eis o que fez o Senhor».
LEITURA II – 1 Jo 3,18-24
Meus filhos,
não amemos com palavras e com a língua,
mas com obras e em verdade.
Deste modo saberemos que somos da verdade
e tranquilizaremos o nosso coração diante de Deus;
porque, se o nosso coração nos acusar,
Deus é maior que o nosso coração
e conhece todas as coisas.
Caríssimos, se o coração não nos acusa,
tenhamos confiança diante de Deus
e receberemos d’Ele tudo o que Lhe pedirmos,
porque cumprimos os seus mandamentos
e fazemos o que Lhe é agradável.
É este o seu mandamento:
acreditar no nome de seu Filho, Jesus Cristo,
e amar-nos uns aos outros, como Ele nos mandou.
Quem observa os seus mandamentos
permanece em Deus e Deus nele.
E sabemos que permanece em nós
pelo Espírito que nos concedeu.
AMBIENTE
Já vimos, nos domingos anteriores, que a primeira Carta de
João é um escrito polémico surgido nas Igrejas joânicas da Ásia Menor,
destinado a intervir na controvérsia levantada por certas seitas heréticas
pré-gnósticas a propósito de pontos fundamentais da teologia cristã
(nomeadamente, a propósito da encarnação de Cristo e de alguns elementos
essenciais da moral cristã). Nesse contexto, o autor da Carta procura fornecer
aos cristãos (algo confusos diante das proposições heréticas) uma espécie de
síntese da vida cristã autêntica.
Uma questão essencial abordada na primeira Carta de João é
a questão do amor ao próximo. Os hereges pré-gnósticos, cujas doutrinas este
escrito denuncia, afirmavam que o essencial da fé residia na vida de comunhão
com Deus; mas, ocupados a olhar para o céu, negligenciavam o amor ao próximo
(cf. 1 Jo 2,9). A sua experiência religiosa era uma experiência voltada para o
céu, mas alienada das realidades do mundo. Ora, de acordo com o autor da
primeira Carta de João, o amor ao próximo é uma exigência central da
experiência cristã. A essência de Deus é amor; e ninguém pode dizer que está em
comunhão com Ele se não se deixou contagiar e embeber pelo amor. Jesus
demonstrou isso mesmo ao amar os homens até ao extremo de dar a vida por eles,
na cruz; e exigiu que os seus discípulos O seguissem no caminho do amor e do
dom da vida aos irmãos (cf. 1 Jo 3,16). Em última análise, é o amor aos irmãos
que decide o acesso à vida: só quem ama alcança a vida verdadeira e eterna (cf.
1 Jo 3,13-15). A realização plena do homem depende da sua capacidade de amar os
irmãos.
MENSAGEM
No versículo que antecede o texto que nos é hoje proposto
como segunda leitura (um versículo que a liturgia deste domingo não apresenta),
o autor da Carta coloca aos crentes uma questão muito concreta: “se alguém
possuir bens deste mundo e, vendo o seu irmão com necessidade, lhe fechar o seu
coração, como é que o amor de Deus pode permanecer nele?” (1 Jo 3,17). E, logo
de seguida, o nosso “catequista” conclui (e é aqui que começa o nosso texto): o
amor aos irmãos não é algo que se manifesta em declarações solenes de boas
intenções, mas em gestos concretos de partilha e de serviço. É com atitudes
concretas em favor dos irmãos que se revela a autenticidade da vivência cristã
e se dá testemunho do projecto salvador de Deus (vers. 18).
Quando, efectivamente, deixamos que o amor conduza a nossa
vida, podemos estar seguros de que estamos no caminho da verdade; quando temos
o coração aberto ao amor, ao serviço e à partilha, podemos estar tranquilos
porque estamos em comunhão com Deus. Na verdade, a nossa consciência pode
acusar-nos dos erros passados e reprovar algumas das nossas opções; mas, se
amarmos, sabemos que estamos perto de Deus, pois Deus é amor (vers. 19). O amor
autêntico liberta-nos de todas as dúvidas e inquietações, pois dá-nos a certeza
de que estamos no caminho de Deus; e se Deus “é maior do que o nosso coração e
conhece tudo” (vers. 20), nada temos a recear. Viver no amor é viver em Deus e
estar entregue à bondade e à misericórdia de Deus.
Com a consciência em paz, e sabendo que Deus nos aceita e
nos ama (porque nós aceitamos o amor e vivemos no amor), podemos dirigir-lhe a
nossa oração com a certeza de que Ele nos escuta. Deus atende a oração daquele
que cumpre os seus mandamentos (vers. 21-22).
Os dois versículos finais apenas recapitulam e resumem
tudo o que atrás ficou dito… A exigência fundamental do caminho cristão é
“acreditar em Jesus” e amar os irmãos (vers. 23). “Acreditar” deve ser aqui
entendido no sentido de aderir à sua proposta e segui-l’O; ora, seguir Jesus é
fazer da vida um dom total de amor aos irmãos. “Acreditar em Jesus” e cumprir o
mandamento do amor são a mesma e única questão.
Quem guarda os mandamentos
(especialmente o mandamento do amor, que tudo resume) vive em comunhão com Deus
e já possui algo da natureza divina (o Espírito). É o Espírito de Deus que dá
ao crente a possibilidade de produzir obras de amor (vers. 24).
ACTUALIZAÇÃO
♦ Na perspectiva do
autor do texto que nos é hoje proposto como segunda leitura, ser cristão é
“acreditar em Jesus” e “amar-nos uns aos outros como Ele nos amou”. Jesus
“passou pelo mundo fazendo o bem” (Act 10,38), testemunhou o amor de Deus aos
pobres e excluídos, foi ao encontro dos pecadores e sentou-Se à mesa com eles
(cf. Lc 5,29-30; 19,5-7), lavou os pés aos discípulos (cf. Jo 13,1-17),
assegurou a todos que “o Filho do Homem não veio para ser servido mas para
servir e dar a sua vida” (Mt 20,28), deixou-se matar para nos ensinar o amor
total, morreu na cruz pedindo ao Pai perdão para os seus assassinos (cf. Lc
23,34)… Quem adere a Jesus e à sua proposta de vida, não pode escolher um outro
caminho; o caminho do cristão só pode ser o caminho do amor total, do dom da
própria vida, do serviço simples e humilde aos irmãos ao jeito de Jesus. O amor
aos irmãos é o distintivo dos seguidores de Jesus.
♦ O autor da Carta
observa ainda que o amor não se vive com “conversa fiada”, mas com acções
concretas em favor dos irmãos. Não chega condenar a guerra, mas é preciso ser
construtor da paz; não chega fazer discursos sobre justiça social, mas é
preciso realizar gestos autênticos de partilha; não chega assinar petições para
defender os direitos dos explorados, mas é preciso lutar objectivamente contra
as leis e sistemas que geram exploração; não chega fazer discursos contra as
leis que restringem a imigração, mas é preciso acolher os irmãos estrangeiros
que vêm ao nosso encontro à procura de uma vida melhor; não chega dizer mal de
toda a gente que trabalha na nossa paróquia, mas é preciso um empenho sério na
construção de uma comunidade cristã que dê cada vez mais testemunho do amor de
Jesus…
♦ Às vezes sentimo-nos
frágeis e pecadores e, apesar do nosso esforço e da nossa vontade em acertar,
sentimo-nos indignos e longe de Deus. Como é que sabemos se estamos no caminho
certo? Qual é o critério para avaliarmos a força da nossa relação e da nossa
proximidade com Deus? A vida de uma árvore vê-se pelos frutos… Se realizamos
obras de amor, se os nossos gestos de bondade e de solidariedade transmitem
alegria e esperança, se a nossa acção torna o mundo um pouco melhor, é porque
estamos em comunhão com Deus e a vida de Deus circula em nós. Se a vida de Deus
está em nós, ela manifesta-se, inevitavelmente, nos nossos gestos.
♦ Muitas vezes somos
testemunhas de espantosos gestos proféticos realizados por pessoas que fizeram
opções religiosas diferentes das nossas ou até por parte de pessoas que assumem
uma aparente atitude de indiferença face a Deus… No entanto, não tenhamos dúvidas:
onde há amor, aí está Deus. O Espírito de Deus está presente até fora das
fronteiras da Igreja e actua no coração de todos os homens de boa vontade. De
resto, certos testemunhos de amor e de solidariedade que vemos surgir nos mais
variados quadrantes constituem uma poderosa interpelação aos crentes,
convidando-os a uma maior fidelidade a Jesus e ao seu projecto.
ALELUIA –
Jo 15,4a-5a
Aleluia. Aleluia.
Diz o Senhor:
«Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós;
quem permanece em Mim dá muito fruto».
EVANGELHO – Jo 15,1-8
Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Eu sou a verdadeira vide e meu Pai é o agricultor.
Ele corta todo o ramo que está em Mim e não dá fruto
e limpa todo aquele que dá fruto,
para que dê ainda mais fruto.
Vós já estais limpos, por causa da palavra que vos
anunciei.
Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós.
Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo,
se não permanecer na videira,
assim também vós, se não permanecerdes em Mim.
Eu sou a videira, vós sois os ramos.
Se alguém permanece em Mim e Eu nele,
esse dá muito fruto,
porque sem Mim nada podeis fazer.
Se alguém não permanece em Mim,
será lançado fora, como o ramo, e secará.
Esses ramos, apanham-nos, lançam-nos ao fogo e eles ardem.
Se permanecerdes em Mim
e as minhas palavras permanecerem em vós,
pedireis o que quiserdes e ser-vos-á concedido.
A glória de meu Pai é que deis muito fruto.
Então vos tornareis meus discípulos».
AMBIENTE
O Evangelho do 5º domingo da Páscoa situa-nos em Jerusalém,
numa noite de quinta-feira, um dia antes da festa da Páscoa do ano 30. Jesus
está reunido com os seus discípulos à volta de uma mesa, numa ceia de
despedida. Ele está consciente de que os dirigentes judaicos decidiram dar-lhe
a morte e que a cruz está no seu horizonte próximo.
Os gestos e as palavras de Jesus, neste contexto,
representam as suas últimas indicações, o seu “testamento”. Os discípulos
recebem aqui as coordenadas para poderem continuar no mundo a missão de Jesus.
Nasce, assim, a comunidade da Nova Aliança, alicerçada no serviço (cf. Jo
13,1-17) e no amor (cf. Jo 13,33-35), que pratica as obras de Jesus animada
pelo Espírito Santo (cf. Jo 14,15-26). O “discurso de despedida” de Jesus vai
de 13,1 a
17,26.
O texto que a liturgia deste domingo nos propõe
apresenta-nos uma instrução de Jesus sobre a identidade e a situação da
comunidade dos discípulos no meio do mundo.
MENSAGEM
Para definir a situação dos discípulos face a Jesus e face
ao mundo, Jesus usa a sugestiva metáfora da videira, dos ramos e dos frutos… É
uma imagem com profundas conotações vétero-testamentárias e com um significado
especial no universo religioso judaico.
No Antigo Testamento (e de forma especial na mensagem
profética), a “videira” e a “vinha” eram símbolos do Povo de Deus. Israel era
apresentado como uma “videira” que Jahwéh arrancou do Egipto, que transplantou
para a Terra Prometida e da qual cuidou sempre com amor (cf. Sal 80,9.15); era
também apresentado como “a vinha”, que Deus plantou com cepas escolhidas, que
Ele cuidou e da qual esperava frutos abundantes, mas que só produziu frutos
amargos e impróprios (cf. Is 5,1.7; Jer 2,21; Ez 17,5-10; 19,10-12; Os 10,1). A
antiga “videira” ou “vinha” de Jahwéh revelou-se como uma verdadeira desilusão.
Israel nunca produziu os frutos que Deus esperava.
Agora, Jesus apresenta-se como a verdadeira “videira”
plantada por Deus (vers. 1). É Jesus que irá produzir os frutos que Deus
espera. E, de Jesus, a verdadeira “videira”, irá nascer um novo Povo de Deus.
Hoje, como ontem, Deus continua a ser o agricultor que escolhe as cepas, que as
planta e que cuida da sua vinha.
Qual é o lugar e o papel dos discípulos de Jesus, neste
contexto? Os discípulos são os “ramos” que estão unidos à “videira” (Jesus) e
que dela recebem vida. Estes “ramos”, no entanto, não têm vida própria e não
podem produzir frutos por si próprios; necessitam da seiva que lhes é
comunicada por Jesus. Por isso, são convidados a permanecer em Jesus
(vers. 4). O verbo permanecer (“ménô”) é a palavra-chave do nosso texto
(do vers. 4 ao vers. 8, aparece sete vezes). Expressa a confirmação ou
renovação de uma atitude já anteriormente assumida. Supõe que o discípulo tenha
já aderido anteriormente a Jesus e que essa adesão adquira agora estatuto de
solidez, de estabilidade, de constância, de continuidade. É um convite a que o
discípulo mantenha a sua adesão a Jesus, a sua identificação com Ele, a sua
comunhão com ele… Se o discípulo mantiver a sua adesão, Jesus, por sua vez, permanece
no discípulo – isto é, continuará fielmente a oferecer ao discípulo a sua
vida.
O que é, para o discípulo, estar unido a Jesus? Em Jo 6,56
Jesus avisou: “Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue permanece
em Mim e Eu nele”… A “carne” de Jesus é a sua vida; o “sangue” de Jesus é a sua
entrega por amor até à morte; assim, “comer a carne e beber o sangue” de Jesus
é assimilar a existência de Jesus, feita serviço e entrega por amor, até ao dom
total de si mesmo. Está unido a Jesus e permanece n’Ele quem acolhe no
coração essa proposta de vida e se compromete com uma existência feita entrega
a Deus e aos irmãos, até à doação completa da vida por amor. A união com Jesus
não é, no entanto, algo automático, que de forma automática atingiu o homem e
que foi adquirida de uma vez e para sempre; mas é algo que depende da decisão
livre e consciente do discípulo – uma decisão que tem de ser, aliás,
continuamente renovada (vers. 4).
Para os discípulos (“os ramos”), interromper a relação com
Jesus significa cortar a relação com a fonte de vida e condenar-se à
esterilidade. Quem se recusa a acolher essa vida que Jesus propõe e prefere
conduzir a sua existência por caminhos de egoísmo, de auto-suficiência, de
fechamento, é um ramo seco que não responde à vida que recebe da “videira”. Não
produz frutos de amor, mas frutos de morte.
Ora, a comunidade de Jesus (os “ramos”) não pode
condenar-se à esterilidade. A sua missão é dar frutos. Por isso, o “agricultor”
(Deus) actua no sentido de que o “ramo” (o discípulo) se identifique cada vez
mais com a “videira” (Jesus Cristo) e produza frutos de amor, de doação, de
serviço, de libertação dos irmãos. A acção de Deus vai no sentido de “limpar” o
“ramo” a fim de que ele dê mais fruto. “Limpar” significa chamá-lo a um
processo de conversão contínua que o leve a recusar caminhos de egoísmo e de
fechamento, para se abrir ao amor. Dito de outra forma: a limpeza dos “ramos”
faz-se através de uma adesão cada vez mais fiel a Jesus e à sua proposta de
amor (vers. 2b). Os discípulos de Jesus estão “limpos” (vers. 3), pois aderiram
a Jesus, são a cada
instante confrontados com a sua
proposta de vida e respondem positivamente ao desafio que lhes é feito.
Se, apesar do esforço de Deus e do seu contínuo chamamento
à conversão, o “ramo” se obstina em não produzir frutos condizentes com a vida
que lhe é comunicada, ficará à margem da comunidade de Jesus, da comunidade da
salvação. É um “ramo” que não pertence a essa “videira” (vers. 2a).
ACTUALIZAÇÃO
♦ Jesus é “a verdadeira
videira”, de onde brotam os frutos da justiça, do amor, de verdade e da paz; é
n’Ele e nas suas propostas que os homens podem encontrar a vida verdadeira.
Muitas vezes os homens, seguindo lógicas humanas, buscam a verdadeira vida noutras
“árvores”; mas, com frequência, essas “árvores” só produzem insatisfação,
frustração, egoísmo e morte… João garante-nos: na nossa busca de uma vida com
sentido, é para Cristo que devemos olhar. Temos consciência de que é em Cristo
que podemos encontrar uma proposta de vida autêntica? Ele é, para nós, a
verdadeira “árvore da vida”, ou preferimos trilhar caminhos de auto-suficiência
e colocamos a nossa confiança e a nossa esperança noutras “árvores”?
♦ Hoje, Jesus, “a
verdadeira videira”, continua a oferecer ao mundo e aos homens os seus frutos;
e fá-lo através dos seus discípulos. A missão da comunidade de Jesus, que hoje
caminha pela história, é produzir esses mesmos frutos de justiça, de amor, de verdade
e de paz que Jesus produziu. Trata-se de uma tremenda responsabilidade que nos
é confiada, a nós, os seguidores de Jesus. Jesus não criou um gueto fechado
onde os seus discípulos podem viver tranquilamente sem “incomodarem” os outros
homens; mas criou uma comunidade viva e dinâmica, que tem como missão
testemunhar em gestos concretos o amor e a salvação de Deus. Se os nossos
gestos não derramam amor sobre os irmãos que caminham ao nosso lado, se não
lutamos pela justiça, pelos direitos e pela dignidade dos outros homens e
mulheres, se não construímos a paz e não somos arautos da reconciliação, se não
defendemos a verdade, estamos a trair Jesus e a missão que Ele nos confiou. A
vida de Jesus tem de transparecer nos nossos gestos e, a partir de nós, atingir
o mundo e os homens.
♦ No entanto, o
discípulo só pode produzir bons frutos se permanecer unido a Jesus. No dia do
nosso Baptismo, optámos por Jesus e assumimos o compromisso de O seguir no
caminho do amor e da entrega; quando celebramos a Eucaristia, acolhemos e
assimilamos a vida de Jesus – vida partilhada com os homens, feita entrega e
doação total por amor, até à morte. O cristão tem em Jesus a sua referência,
identifica-se com Ele, vive em comunhão com Ele, segue-O a cada instante no
amor a Deus e na entrega aos irmãos. O cristão vive de Cristo, vive com Cristo
e vive para Cristo.
♦ O que é que pode
interromper a nossa união com Cristo e tornar-nos ramos secos e estéreis? Tudo
aquilo que nos impede de responder positivamente ao desafio de Jesus no sentido
do O seguir provoca em nós esterilidade e privação de vida… Quando conduzimos a
nossa vida por caminhos de egoísmo, de ódio, de injustiça, estamos a dizer não
a Jesus e a renunciar a essa vida verdadeira que Ele nos oferece; quando nos
fechamos em esquemas de auto-suficiência, de comodismo e de instalação, estamos
a recusar o convite de Jesus e a cortar a nossa relação com a vida plena que
Jesus oferece; quando para nós o dinheiro, o êxito, a moda, o poder, os
aplausos, o orgulho, o amor próprio, são mais importantes do que os valores de
Jesus, estamos a secar essa corrente de vida eterna que deveria correr
entre Jesus e nós… Para
que não nos tornemos “ramos” secos, é preciso renovarmos cada dia o nosso “sim”
a Jesus e às suas propostas.
♦ A comunidade cristã é
o lugar privilegiado para o encontro com Cristo, “a verdadeira videira” da qual
somos os “ramos”. É no âmbito da comunidade que celebramos e experimentamos –
no Baptismo, na Eucaristia, na Reconciliação – a vida nova que brota de Cristo.
A comunidade cristã é o Corpo de Cristo; e um membro amputado do Corpo é um membro
condenado à morte… Por vezes, a comunidade cristã, com as suas misérias,
fragilidades e incompreensões, decepciona-nos e magoa-nos; por vezes sentimos
que a comunidade segue caminhos onde não nos revemos… Sentimos, então, a
tentação de nos afastarmos e de vivermos a nossa relação com Cristo à margem da
comunidade. Contudo, não é possível continuar unido a Cristo e a receber vida
de Cristo, em ruptura com os nossos irmãos na fé.
♦ O que são os “ramos
secos”? São, evidentemente, aqueles discípulos que um dia se comprometeram com
Cristo, mas depois desistiram de O seguir… Mas os “ramos secos” podem também
ser aquelas pequenas misérias e fragilidades que existem na vida de cada um de
nós. Atenção: é preciso “limpar” esses pequenos obstáculos que impedem que a
vida de Cristo circule abundantemente em nós. Chama-se a isso
“conversão”.
♦ Como podemos “limpar”
os “ramos secos”? Fundamentalmente, confrontando a nossa vida com Jesus e com a
sua Palavra. Precisamos de escutar a Palavra de Jesus, de a meditar, de
confrontar a nossa vida com ela… Então, por contraste, vão tornar-se nítidas as
nossas opções erradas, os valores falsos e essas mil e uma pequenas
infidelidades que nos impedem de ter acesso pleno à vida que Jesus oferece.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 5º DOMINGO DE PÁSCOA
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
Ao longo dos dias da semana anterior ao 5º Domingo de
Páscoa, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la
pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana
para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de
padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…
Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Como seriam as nossas relações humanas se em cada um dos
nossos encontros exclamássemos: «eu não faço senão passar!» sem permanecer?
Como seria a nossa relação com Deus se na nossa oração não fizéssemos senão
passar, sem permanecer? Algumas horas antes da sua morte, Jesus emprega várias
vezes o verbo «permanecer», «morar». Não esqueçamos que, pela sua incarnação,
Ele veio morar no meio dos homens, escutando-os, olhando-os, caminhando diante
ou no meio deles, parando para fazer milagres. Ele permaneceu com o seu Pai,
rezando-Lhe e fazendo a sua vontade até ao fim. Ele pode, então, pedir-nos para
permanecer n’Ele, pondo em prática o seu mandamento do amor e rezando. É uma
questão de vida ou de morte, porque, não o esqueçamos, «sem Ele nada podemos
fazer».
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
«Eu sou a vinha e meu Pai o vinhateiro».
Eis outra imagem muito presente no Antigo Testamento.
Desta parábola, retivemos muitas vezes as palavras «ameaçadoras»: «Os ramos
secos, apanham-nos, lançam-nos ao fogo e eles ardem». Mas isso é para quem «não
permanece em Jesus». É o verbo «permanecer» que é o mais importante. Ele
aparece mais de dez vezes neste capítulo de João. Trata-se, antes de mais, de
«estar com» o Senhor, porque Ele, o primeiro, é «Emanuel – Deus connosco». Esta
presença não é fugitiva. Inscreve-se na duração, na fidelidade. Quando Deus se
une à humanidade no seu Filho feito homem, é para sempre. A Ressurreição de
Jesus é garante de que este «estar com os homens» não acabará jamais. Se
aceitamos permanecer com Jesus, Ele introduz-nos na sua intimidade. Segundo a
imagem dos sarmentos, Ele faz correr em nós a seiva da sua própria vida. Então
podemos dar frutos que terão o sabor de Jesus. Isso cumpre-se de modo pleno na
Eucaristia. Jesus alimenta-nos com o seu corpo e o seu sangue de Ressuscitado.
Ele coloca em nós o poder da sua Vida. Esta passa pelo pão e pelo vinho, que
vão vivificar cada célula do nosso corpo, isto é, finalmente, cada detalhe da
nossa vida, cada uma das relações que criamos com os outros. Tornamo-nos assim
seus discípulos. É assim que se constrói e cresce a Vinha do Senhor, o Corpo de
Cristo, que é a Igreja.
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
É por vezes difícil…
O acto de amor mais difícil a praticar é sem dúvida o
perdão. Mas perdoar é amar em verdade… Se vivemos uma situação «bloqueada», em
que o perdão é necessário, não será a ocasião de o praticar nesta semana? Não
seria um belo fruto da vida de Cristo em nós?
6º Domingo da
Páscoa
TEMA
A liturgia do 6º Domingo da
Páscoa convida-nos a contemplar o amor de Deus, manifestado na pessoa, nos
gestos e nas palavras de Jesus e dia a dia tornado presente na vida dos homens
por acção dos discípulos de Jesus.
A segunda leitura apresenta
uma das mais profundas e completas definições de Deus: “Deus é amor”. A vinda
de Jesus ao encontro dos homens e a sua morte na cruz revelam a grandeza do
amor de Deus pelos homens. Ser “filho de Deus” e “conhecer a Deus” é deixar-se
envolver por este dinamismo de amor e amar os irmãos.
No Evangelho, Jesus
define as coordenadas do “caminho” que os seus discípulos devem percorrer, ao
longo da sua marcha pela história… Eles são os “amigos” a quem Jesus revelou o
amor do Pai; a sua missão é testemunhar o amor de Deus no meio dos homens.
Através desse testemunho, concretiza-se o projecto salvador de Deus e nasce o
Homem Novo.
A primeira leitura afirma
que essa salvação oferecida por Deus através de Jesus Cristo, e levada ao mundo
pelos discípulos, se destina a todos os homens e mulheres, sem excepção. Para
Deus, o que é decisivo não é a pertença a uma raça ou a um determinado grupo
social, mas sim a disponibilidade para acolher a oferta que ele faz.
LEITURA I – Act
10,25-26.34-35.44-48
Naqueles dias,
Pedro chegou a casa de Cornélio.
Este veio-lhe ao encontro
e prostrou-se a seus pés.
Mas Pedro levantou-o, dizendo:
«Levanta-te, que eu também sou
um simples homem».
Pedro disse-lhe ainda:
«Na verdade, eu reconheço
que Deus não faz acepção de
pessoas,
mas, em qualquer nação,
aquele que O teme e pratica a
justiça é-Lhe agradável».
Ainda Pedro falava,
quando o Espírito desceu
sobre todos os que estavam a
ouvir a palavra.
E todos os fiéis convertidos do
judaísmo,
que tinham vindo com Pedro,
ficaram maravilhados ao verem
que o Espírito Santo
se difundia também sobre os
gentios,
pois ouviam-nos falar em
diversas línguas e glorificar a Deus.
Pedro então declarou:
«Poderá alguém recusar a água do
Baptismo
aos que receberam o Espírito
Santo, como nós?»
E ordenou que fossem baptizados
em nome de Jesus Cristo.
Então, pediram-lhe que ficasse
alguns dias com eles.
AMBIENTE
O episódio do livro dos Actos dos Apóstolos que a leitura
de hoje nos propõe faz parte de uma secção (cf. 9,32-11,18) cujo protagonista é
Pedro. O tema central desta secção é a chegada do cristianismo aos pagãos.
A cena situa-nos em Cesareia, a grande cidade da costa
palestina onde residia, habitualmente, o procurador romano da Judeia. No centro
da cena está Cornélio, um centurião romano, que era “piedoso e temente a Deus”.
O episódio refere-se à visita que Pedro faz a Cornélio, durante a qual lhe
anuncia Jesus. Como resultado desse anúncio, dá-se a conversão de Cornélio e de
toda a sua família.
Este episódio tem uma especial importância no esquema
imaginado por Lucas para a expansão da Igreja… Cornélio é o primeiro pagão
oficialmente admitido na comunidade de Jesus (em Act 8,26-40 fala-se de um
etíope que foi baptizado por Filipe; mas esse etíope era já “prosélito” – isto
é, simpatizante do judaísmo). Em relação ao pagão Cornélio, não há indicação de
que ele estivesse ligado à religião judaica. A sua conversão marca uma viragem
decisiva na proclamação do Evangelho que, a partir deste momento, se abre
também aos pagãos.
Para os primeiros cristãos (oriundos do mundo judaico),
não era claro que os pagãos tivessem acesso à salvação e que pudessem entrar na
Igreja de Jesus. O pagão era um ser impuro, em casa de quem o bom judeu estava
proibido de entrar, a fim de não se contaminar. Quereria Deus que a salvação
fosse também anunciada aos pagãos?
Para Lucas, é perfeitamente claro que Deus também quer
oferecer a salvação aos pagãos. Para deixar isso bem claro, Lucas põe Deus a
dirigir toda a trama… É Deus que, numa visão, pede a Cornélio que mande chamar
Pedro (cf. Act 10,1-8); e é Deus que arrebata Pedro “em êxtase” e o prepara
para ir ao encontro de Cornélio (cf. Act 10,9-23). A conversão de Cornélio
será, basicamente, histórica; as “visões” e os detalhes são, provavelmente, o
cenário que Lucas monta para apresentar a sua catequese. Fundamentalmente,
Lucas está interessado em deixar claro que Deus quer que a sua proposta de
salvação chegue a todos os homens, sem excepção.
MENSAGEM
Depois de descrever a recepção de Pedro em casa de
Cornélio, Lucas põe na boca de Pedro um discurso (do qual, no entanto, a
leitura que nos é proposta só apresenta um pequeno extracto) onde ecoa o
kerigma primitivo. Nesse discurso, Pedro anuncia Jesus (vers. 38a) a sua
actividade (“andou de lugar em lugar fazendo o bem e curando todos os que eram
oprimidos pelo diabo, porque Deus estava com ele” – vers. 38b), a sua morte
(vers. 39b), a sua ressurreição (vers. 40) e a dimensão salvífica da acção de
Jesus (vers. 43b). É este o anúncio que Jesus encarregou os primeiros
discípulos de testemunharem ao mundo inteiro.
O nosso texto acentua, especialmente, o facto de a
mensagem da salvação se destinar a todas as nações, sem distinção de pessoas,
de raças ou de povos. Logo no início do discurso, Pedro reconhece que “Deus não
faz acepção de pessoas; em qualquer nação, aquele que O teme e pratica a
justiça é-Lhe agradável” (vers. 34-35). Portanto, o anúncio sobre Jesus deve
chegar a todos os cantos da terra.
Depois do anúncio feito por Pedro, há a efusão do Espírito
“sobre quantos ouviam a Palavra” (vers. 44), sem distinção de judeus ou pagãos
(vers. 45). O resultado do dom do Espírito é descrito com os mesmos elementos
que apareceram no relato do dia do Pentecostes: todos “falavam línguas” e
“glorificavam a Deus” (vers. 46). É a confirmação directa de que Deus oferece a
salvação a todos os homens e mulheres, sem qualquer excepção. Pedro é o
primeiro a tirar daí as devidas conclusões e a baptizar Cornélio e toda a sua
família.
Os primeiros cristãos, oriundos do mundo judaico e
marcados pela mentalidade judaica, consideravam que a salvação era, sobretudo,
um dom de Deus para os judeus; os pagãos poderiam eventualmente ter acesso à
salvação, desde que se
convertessem ao judaísmo,
aceitassem a Lei de Moisés e a circuncisão. O Espírito Santo veio, contudo,
mostrar que a salvação oferecida por Deus, trazida por Cristo e testemunhada
pelos discípulos, não é património ou monopólio dos judeus ou dos cristãos
oriundos do judaísmo, mas um dom oferecido a todos os homens e mulheres que têm
o coração aberto às propostas de Deus.
ACTUALIZAÇÃO
♦ O nosso texto
pretende deixar claro que a salvação oferecida por Deus através de Jesus Cristo
é um dom destinado a todos os homens e mulheres. Para Deus, o que é decisivo
não é a pertença a uma raça ou a um determinado grupo social, mas sim a
disponibilidade para acolher a oferta que Ele faz. A salvação só não chega
àqueles que se fecham no orgulho e na auto-suficiência, recusando os dons de
Deus. O Baptismo foi, para todos nós, o momento do nosso “sim” a Deus e à
salvação que Ele oferece; mas é preciso que, em cada instante, renovemos esse
primeiro “sim” e que vivamos numa permanente disponibilidade para acolher Deus,
as suas propostas, os seus dons.
♦ Para nós, a ideia de
que Deus não exclui ninguém da salvação e não faz acepção de pessoas parece um
dado perfeitamente lógico e evidente. No entanto, a lógica universalista de
Deus deve convidar-nos a reflectir acerca da forma como, na prática, acolhemos
os irmãos que caminham ao nosso lado… O Deus que ama todos os homens, sem
excepção, convida-nos a acolher todos os irmãos – mesmo os “diferentes”, mesmo
os incómodos – com bondade, com compreensão, com amor; o Deus que derrama sobre
todos a sua salvação convida-nos a não discriminar “bons” e “maus”, “santos” e
“pecadores” (frequentemente, os nossos juízos acerca da “bondade” ou da
“maldade” dos outros falham redondamente); o Deus que convida cada homem e cada
mulher a integrar a comunidade da salvação diz-nos que temos de acolher e amar
todos, independentemente da sua raça, da cor da sua pele, da sua origem, da sua
preparação cultural, do seu lugar na escala social. Não apenas em teoria, mas
sobretudo nos nossos gestos concretos, somos chamados a anunciar esse mundo de
Deus, sem exclusão, sem marginalização, sem intolerância, sem preconceitos.
♦ Quando Pedro chega a
casa de Cornélio, este veio-lhe ao encontro e prostrou-se a seus pés… Mas Pedro
disse-lhe imediatamente: «levanta-te, que eu também sou um simples homem»
(vers. 25-26). A atitude humilde de Pedro faz-nos pensar como são ridículas e desprovidas
de sentido certas tentativas de afirmação pessoal diante dos irmãos, certas
poses de superioridade, a busca de privilégios e de honras, as lutas pelos
primeiros lugares… Aqueles a quem, numa comunidade, foi confiada a
responsabilidade de presidir, de coordenar, de organizar, de animar, devem
sentir-se “simples homens”, humildes instrumentos de Deus. A sua missão é
testemunhar Jesus e não procurar privilégios ou a adoração dos irmãos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 97 (98)
Refrão 1: O Senhor manifestou a salvação a todos os
povos.
Refrão 2: Diante dos povos manifestou Deus a salvação.
Cantai ao Senhor um cântico novo
pelas maravilhas que Ele operou.
A sua mão e o seu santo braço
Lhe deram a vitória.
página
3
O Senhor deu a conhecer a
salvação,
revelou aos olhos das nações a sua justiça.
Recordou-Se da sua bondade e fidelidade
em favor da casa de Israel.
Os confins da terra puderam ver
a salvação do nosso Deus.
Aclamai o Senhor, terra inteira,
exultai de alegria e cantai.
LEITURA II – 1 Jo 4,7-10
Caríssimos:
Amemo-nos uns aos outros,
porque o amor vem de Deus
e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus.
Quem não ama não conhece a Deus,
porque Deus é amor.
Assim se manifestou o amor de Deus para connosco:
Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito,
para que vivamos por Ele.
Nisto consiste o amor:
não fomos nós que amámos a Deus,
mas foi Ele que nos amou
e enviou o seu Filho
como vítima de expiação pelos nossos pecados.
AMBIENTE
A primeira Carta de João é, como vimos nos domingos
anteriores, um escrito destinado às Igrejas joânicas da Ásia Menor, afectadas
pelos ensinamentos de certas seitas heréticas. Essas seitas (que negavam
elementos fundamentais da proposta cristã a propósito da encarnação de Cristo e
do “mandamento do amor”) traziam os cristãos confusos e baralhados, sem saberem
o caminho da verdadeira fé. Nesse contexto, o autor da carta vai apresentar uma
espécie de síntese da doutrina cristã, detendo-se especialmente a esclarecer as
questões mais polémicas.
Uma dessas questões polémicas (e à qual o autor da
primeira Carta de João dá grande importância) é a questão do amor ao próximo.
Os hereges pré-gnósticos afirmavam que o essencial da fé residia na vida de
comunhão com Deus e negligenciavam as realidades do mundo. Achavam que se podia
descobrir “a luz” e estar próximo de Deus, mesmo odiando o próximo (cf. 1 Jo
2,9). Ora, de acordo com o autor da primeira Carta de João, o amor ao próximo é
uma exigência central da experiência cristã. A essência de Deus é amor; e
ninguém pode dizer que está em comunhão com Ele se não se deixou contagiar e
embeber pelo amor.
O texto que nos é proposto pertence à terceira parte da
carta (cf. 1 Jo 4,7-5,12). Aí, o autor estabelece como critério da vida cristã
autêntica a relação entre o amor a Deus e o amor aos irmãos. É nessa dupla
dimensão que os cristãos devem encontrar a sua identidade.
MENSAGEM
Como cenário de fundo da reflexão que o autor da primeira
Carta de João apresenta, está a convicção de que “Deus é amor”. A expressão
sugere que a característica mais marcante do ser de Deus é o amor; a actividade
mais específica de Deus é amar. A prova indesmentível de que Deus é amor é o
facto de Ele ter enviado o seu único Filho ao encontro dos homens, para os
libertar do egoísmo, do sofrimento e da morte (vers. 9). Jesus Cristo, o Filho,
cumprindo o plano do Pai, mostrou em gestos concretos, visíveis, palpáveis, o
amor de Deus pelos homens, sobretudo pelos mais pobres, pelos excluídos, pelos
marginalizados… Lutou até à morte para libertar os homens da escravidão, da
opressão, do egoísmo, do sofrimento; aceitou morrer para nos indicar que o
caminho da vida eterna e verdadeira é o caminho do dom da vida, da entrega a
Deus e aos irmãos, do amor que se dá completamente sem guardar nada para si.
Mais ainda: esse amor derrama-se sobre o homem mesmo quando ele segue caminhos
errados e recusa Deus e as suas propostas. O amor de Deus é um amor
incondicional, gratuito, desinteressado, que não exige nada em troca (vers.
10).
Os crentes são “filhos de Deus”. É a vida de Deus que
circula neles e que deve transparecer nos seus gestos… Ora, se Deus é amor (e
amor total, incondicional, radical), o amor deve ser uma realidade sempre
presente na vida dos “filhos de Deus. Quem “conhece” Deus – isto é, quem vive
numa relação próxima e íntima com Deus – tem de manifestar em gestos concretos
essa vida de amor que lhe enche o coração (vers. 8). Os que “nasceram de Deus”
devem, pois, amar os irmãos com o mesmo amor incondicional, desinteressado e gratuito
que caracteriza o ser de Deus (vers. 7). O amor aos irmãos não é, pois, algo de
acessório, de secundário, para o crente; mas é algo de essencial, de
obrigatório. Ser “filho de Deus” e viver em comunhão com Deus, exige que o amor
transpareça nos gestos de todos os dias e nas relações que estabelecemos uns
com os outros.
ACTUALIZAÇÃO
♦ “Deus é amor”. O
autor da primeira Carta de João não chegou a esta definição de Deus através de
raciocínios académicos e abstractos, mas através da constatação do modo de
actuar de Deus em relação aos homens. Sobretudo, ele “viu” o que aconteceu com
Jesus e como Jesus mostrou, em gestos concretos, esse incrível amor de Deus
pela humanidade. João convida-nos a contemplar Jesus e a tirar conclusões sobre
o amor de Deus; convida-nos, também, a reparar nessas mil e uma pequenas coisas
que trazem à nossa existência momentos únicos de alegria, de felicidade, de paz
e a perceber nelas sinais concretos do amor de Deus, da sua presença ao nosso
lado, da sua preocupação connosco. A certeza de que “Deus é amor” e que Ele nos
ama com um amor sem limites, é o melhor caminho para derrubar as barreiras de
indiferença, de egoísmo, de auto-suficiência, de orgulho que tantas vezes nos
impedem de viver em comunhão com Deus.
♦ O que é “nascer de
Deus” ou ser “filho de Deus”? É ter sido baptizado e ter passado, por um acto
institucional, a pertencer à Igreja? “Nascer de Deus” é receber vida de Deus e
deixar que a vida de Deus circule em nós e se transforme em gestos. Não somos
“filhos de Deus” porque um dia fomos baptizados; mas somos “filhos de Deus”
porque um dia optámos por Deus, porque continuamos dia a dia a acolher essa
vida que Ele nos oferece, porque vivemos em comunhão com Ele e porque damos
testemunho desse Deus que é amor através dos nossos gestos.
♦ Se somos “filhos”
desse Deus que é amor, “amemo-nos uns aos outros” com um amor igual ao de Deus
– amor incondicional, gratuito, desinteressado. Um crente não pode passar a
vida a olhar para o céu, ignorando as dores, as necessidades e
as lutas dos irmãos que
caminham pela vida ao seu lado… Também não pode fechar-se no seu egoísmo e
comodismo e ignorar os dramas dos pobres, dos oprimidos, dos marginalizados…
Não pode, tampouco, ser selectivo e amar só alguns, excluindo os outros… A vida
de Deus que enche os corações dos crentes deve manifestar-se em gestos
concretos de solidariedade, de serviço, de dom, em benefício de todos os
irmãos.
ALELUIA – Jo 14,23
Aleluia. Aleluia.
Se alguém Me ama, guardará a minha palavra.
Meu Pai o amará e faremos nele a nossa morada.
EVANGELHO – Jo 15,9-17
Naquele tempo,
Disse Jesus aos seus discípulos:
«Assim como o Pai Me amou, também Eu vos amei.
Permanecei no meu amor.
Se guardardes os meus mandamentos,
permanecereis no meu amor.
Se guardardes os meus mandamentos,
permanecereis no meu amor,
Assim como Eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai
e permaneço no seu amor.
Disse-vos estas coisas,
para que a minha alegria esteja em vós
e a vossa alegria seja completa.
É este o meu mandamento:
que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei.
Ninguém tem maior amor
do que aquele que dá a vida pelos amigos.
Vós sois meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando.
Já não vos chamo servos,
porque o servo não sabe o que faz o seu senhor;
mas chamo-vos amigos,
porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi a meu Pai.
Não fostes vós que Me escolhestes;
fui eu que vos escolhi e destinei,
para que vades e deis fruto
e o vosso fruto permaneça.
E assim, tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome,
Ele vo-lo concederá.
O que vos mando é que vos ameis uns aos outros».
AMBIENTE
O Evangelho deste domingo situa-nos, outra vez, em
Jerusalém, numa noite de Quinta-feira do mês de Nisan do ano trinta. A festa da
Páscoa está muito próxima e a cidade está cheia de forasteiros. Jesus também
está na cidade com o seu grupo de discípulos.
Há já alguns dias que as
autoridades judaicas tinham decidido eliminar Jesus (cf. Jo 11,45-57). A morte
na cruz é agora mais do que uma probabilidade: é o cenário imediato; e Jesus está
plenamente consciente disso. Os discípulos também já perceberam que estão num
momento decisivo e que, nas próximas horas, Jesus lhes vai ser tirado. Estão
apreensivos e com medo. Será que a aventura com Jesus chegou ao fim?
É neste contexto que podemos situar a última ceia de Jesus
com os discípulos. Trata-se de uma “ceia de despedida” e tudo o que aí é dito
por Jesus soa a “testamento final”… Jesus sabe que vai partir para o Pai e que
os discípulos ficarão no mundo, continuando e testemunhando o projecto do
“Reino”. Nesse momento de despedida, as palavras de Jesus recordam aos
discípulos o essencial da mensagem e apresentam-lhes as grandes coordenadas
desse projecto que eles devem continuar a concretizar no mundo.
No texto que nos é proposto, Jesus procura apontar à sua
comunidade (de ontem, mas também de hoje e de sempre) o verdadeiro “caminho do
discípulo” – o caminho da união a Jesus e ao Pai. Na perícopa anterior (cf. Jo
15,1-8) Jesus tinha usado, para tratar este tema, a imagem dos ramos (discípulos)
que hão-de dar fruto (missão) pela sua união com a videira (Jesus), plantada
pelo agricultor (Deus); agora, Jesus fala dos discípulos como “os amigos” que
Ele escolheu para colaborarem com Ele na missão.
MENSAGEM
Neste discurso de despedida de Jesus aos discípulos, João
propõe-nos uma catequese onde são apresentadas as principais coordenadas desse
“caminho” que os discípulos devem percorrer, após a partida de Jesus deste
mundo. João refere-se, de forma especial, à relação de Jesus com os discípulos
e à missão que os discípulos serão chamados a desempenhar no mundo.
2. Quais são esses mandamentos do Pai que Jesus
procurou cumprir com total fidelidade e obediência? João refere-se aqui,
evidentemente, ao cumprimento do projecto de salvação que Deus tinha para os
homens e que confiou a Jesus. Jesus, com absoluta fidelidade, cumpriu os
“mandamentos” do Pai e apresentou aos homens uma proposta de salvação… Libertou
os homens da opressão da Lei, lutou contra as estruturas que escravizavam os
homens e os mantinham prisioneiros das trevas; ensinou os homens a viver no
amor – no amor que se faz serviço, doação, entrega até às últimas consequências.
Apresentou-lhes, dessa forma, um caminho de liberdade e de vida plena. Da acção
de Jesus nasceu o Homem Novo, livre do egoísmo e do pecado, capaz de
estabelecer novas relações com os outros homens e com Deus.
Os discípulos são o fruto da obra de Jesus. Eles formam
uma comunidade de homens livres, que acolheram e assimilaram a proposta
salvadora que o Pai lhes apresentou em Jesus. Eles nasceram do amor do Pai, amor que se
fez presente na acção, nos gestos, nas palavras de Jesus.
3. Agora os discípulos, nascidos da acção de Jesus,
estão vinculados a Jesus. Devem, portanto, cumprir os “mandamentos” de Jesus
como Jesus cumpriu os “mandamentos” do Pai. Eles devem, como Jesus, ser
testemunhas da salvação de Deus e levar a libertação aos irmãos. Essa proposta
que Jesus faz aos discípulos é uma proposta que conduz à vida, à realização
plena, à alegria (vers. 11).
5. Como é a relação entre Jesus e esta comunidade
de Homens Novos que aprenderam com Jesus a viver no amor e que são as
testemunhas no mundo da salvação de Deus?
Esta comunidade de homens novos, que ama sem medida e que
aceita fazer da própria vida um dom total aos irmãos, é a comunidade dos
“amigos” de Jesus (vers. 14). A relação que Jesus tem com os membros dessa
comunidade não é uma relação de “senhor” e de “servos”, mas uma relação de
“amigos”, pois o amor colocou Jesus e os discípulos ao mesmo nível. Jesus
continua a ser o centro do grupo, mas não se põe acima do grupo.
Estes “amigos” colaboram todos numa tarefa comum. Têm
todos a mesma missão (testemunhar, através do amor, a salvação de Deus) e são
todos responsáveis para que a missão se concretize. Os discípulos não são
servos a soldo de um senhor, mas amigos que, voluntariamente e cheios de
alegria e entusiasmo, colaboram na tarefa.
Entre esses “amigos”, há total comunicação e confiança (o
“servo” não conhece os planos do “senhor”; mas o “amigo” partilha com o outro
“amigo” os seus planos e projectos). Aos seus “amigos”, Jesus comunicou-lhes o
projecto de salvação que o Pai tinha para os homens e também a forma de
realizar esse projecto (através do amor, da entrega, do dom da vida). Jesus
revela Deus aos “amigos”, não através de enunciados sobre o ser de Deus, mas
mostrando, com a sua pessoa e a sua actividade, que o Pai é amor sem limites e
trabalha em favor do homem.
6. Os discípulos (os “amigos”) são os eleitos de
Jesus, aqueles que Ele escolheu, chamou e enviou ao mundo a dar fruto (vers.
16a). Tal não significa que Jesus chame uns e rejeite outros; significa que a
iniciativa não é dos discípulos e que a sua aproximação à comunidade do Reino é
apenas uma resposta ao desafio que Jesus apresenta.
O objectivo desse chamamento é a missão (“escolhi-vos e
destinei-vos para que vades e deis fruto” – vers. 16b). Jesus não quer
constituir uma comunidade fechada, isolada, voltada para si própria, mas uma
comunidade que vá ao encontro do mundo, que continue a sua obra, que testemunhe
o amor, que leve a todos os homens o projecto libertador e salvador de Deus. O
resultado da acção dos discípulos de Jesus será o nascimento do Homem Novo –
isto é, de homens adultos, livres, responsáveis, animados pelo Espírito, que
reproduzem os gestos de amor de Jesus no meio do mundo. Dessa forma,
concretizar-se-á o projecto salvador de Deus. Esse “fruto” deve permanecer –
quer dizer, deve tornar-se uma realidade efectivamente presente no mundo, capaz
de transformar o mundo e a vida dos homens. Quanto mais forte for a intensidade
do vínculo que une os discípulos a Jesus, mais frutos nascerão da acção dos
discípulos.
Nessa acção, os discípulos não estarão sozinhos. O amor do
Pai e a união com Jesus sustentarão os discípulos que, no meio do mundo, se
empenham em realizar o projecto de salvar o homem (16c).
7. O nosso texto termina com uma nova referência ao
mandamento de Jesus: “amai-vos uns aos outros” (vers. 17). O amor partilhado é
a condição para estar vinculado a Jesus e para dar fruto. Se este mandamento se
cumpre, Jesus estará sempre
presente ao lado dos seus
discípulos; e, essa presença impulsionará a comunidade e sustentá-la-á na sua
actividade em favor do homem.
ACTUALIZAÇÃO
♦ As palavras de Jesus
aos discípulos na “ceia de despedida” deixam claro, antes de mais, que os
discípulos não estão sozinhos e perdidos no mundo, mas que o próprio Jesus
estará sempre com eles, oferecendo-lhes em cada instante a sua vida. Este é o
primeiro grande ensinamento do nosso texto: a comunidade de Jesus continuará,
ao longo da sua marcha pela história, a receber vida de Jesus e a ser
acompanhada por Jesus. Nos momentos de crise, de desilusão, de frustração, de
perseguição, não podemos esquecer que Jesus continua ao nosso lado, dando-nos
coragem e esperança, lutando connosco para vencer as forças da opressão e da
morte.
♦ Os discípulos são os
“amigos” de Jesus. Jesus escolheu-os, chamou-os, partilhou com eles o
conhecimento e o projecto do Pai, associou-os à sua missão; estabeleceu com
eles uma relação de confiança, de proximidade, de intimidade, de comunhão. Este
tipo de relação que Jesus quis estabelecer com os discípulos não exclui, no
entanto, que Ele continue a ser o centro e a referência, à volta da qual se
constrói a comunidade dos discípulos. Jesus é, de facto, o centro à volta do
qual se articula a vida das nossas comunidades? Que lugar é que Ele ocupa na
nossa vida? Como é que no dia a dia desenvolvemos e aprofundamos o nosso
encontro e a nossa comunhão com Ele?
♦ Fazer parte da
comunidade dos “amigos” de Jesus não é ficar “a olhar para o céu”, contemplando
e admirando Jesus; mas é aceitar o convite que Jesus faz no sentido de
colaborar na missão que o Pai lhe confiou e que consiste em testemunhar no
mundo o projecto salvador de Deus para os homens. Compete-nos a nós, os
“amigos” de Jesus, mostrar em gestos concretos que Deus ama cada homem e cada
mulher – e de forma especial os pobres, os marginalizados, os débeis, os
pequenos, os oprimidos; compete-nos a nós, os “amigos” de Jesus, eliminar o
sofrimento, o egoísmo, a miséria, a injustiça, tudo o que oprime e escraviza os
irmãos e desfeia o mundo; compete-nos a nós, os “amigos” de Jesus, sermos
arautos da justiça, da paz, da reconciliação, do amor; compete-nos a nós,
“amigos” de Jesus, denunciarmos os pseudo-valores que oprimem e escravizam os
homens… Nós, os “amigos” de Jesus, temos de ser testemunhas desse mundo novo
que Deus quer oferecer aos homens e que Jesus anunciou na sua pessoa, nas suas
palavras e nos seus gestos. Estamos, de facto, disponíveis para colaborar com
Jesus nessa missão?
♦ Sobretudo, os
“amigos” de Jesus devem amar como ele amou. Jesus cumpriu os “mandamentos” do
Pai – isto é, o projecto de Deus para salvar e libertar os homens – fazendo da
sua vida um dom total de amor, sem limites nem condições; a cruz é a expressão
máxima dessa vida vivida exclusivamente para os outros. É esse o caminho que
Jesus propõe aos seus discípulos (“é este o meu mandamento: que vos ameis uns
aos outros como Eu vos amei”). É aqui que reside a “identidade” dos discípulos
de Jesus… Os cristãos são aqueles que testemunham diante do mundo, com palavras
e com gestos, que o mundo novo que Deus quer oferecer aos homens, se constrói
através do amor. O que é que condiciona a nossa vida, as nossas opções, as
nossas tomadas de posição: o amor, ou o egoísmo? As nossas comunidades são,
realmente, cartazes vivos que anunciam o amor, ou são espaços de conflito, de
divisão, de luta pelos próprios interesses, de realização de projectos
egoístas?
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS
PARA O 6º DOMINGO DE PÁSCOA
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
Ao longo dos dias da semana anterior ao 6º Domingo de
Páscoa, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la
pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana
para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de
padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…
Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Jesus não se contentou em dizer: «amai-vos uns aos
outros». Antes e depois dele, muitos recomendaram isso. Mas Jesus precisa:
«Como o Pai Me amou, também Eu vos amei». Tudo está nesta conjunção «como»,
porque Jesus pede para vivermos o que Ele próprio viveu. É isso um verdadeiro
testemunho. É o testemunho que Ele dá algumas horas antes da sua última
refeição, quando lava os pés aos seus discípulos, dizendo-lhes: «é um exemplo
que vos dei a fim de que vós façais também como Eu fiz». Isso chama-se
coerência. Jesus manifestou sempre a coerência entre as suas palavras e os seus
actos. Se Ele chama os discípulos «amigos» e não «servos», é porque os faz
confidentes do seu pensamento e convivas da sua refeição, e é pelo seu
testemunho, o do amor mútuo, que eles serão, por sua vez, autênticos
testemunhos.
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
O amor, sempre o amor.
Não haverá exagero, na Igreja, em falar sempre de amor?
Muitos cristãos hoje, incluindo muitos jovens, têm saudade de uma religião
forte, que ensine a lei, os mandamentos e a exigência da moral, recorrendo a
uma estrita disciplina. Evidentemente, para que isso seja eficaz, é preciso
falar mais do pecado e insistir na ameaça das punições divinas! Porém… Nestes
nove versículos de São João, as palavras «amar», «amor», «amigo» aparecem doze
vezes! Como fugir a isso? Jesus faz depender tudo de uma fonte primeira: «Assim
como o Pai Me amou, também Eu vos amei. Permanecei no meu amor». Falando do
amor de Deus, cometemos muito facilmente o erro de transpor para Deus a nossa
maneira humana de amar. O amor que conhecemos implica sempre uma reciprocidade:
ser amado para amar, receber para dar. Imaginamos então que o amor de Deus por
nós depende da nossa maneira de o receber e de lhe responder. Ora, fazendo
assim, esquecemos a palavra de São João: «não fomos nós que amámos Deus, foi
Ele que primeiro nos amou». O amor de Deus por nós existe antes de nós. Eu
posso recusar este amor, mas Deus jamais deixará de me amar. Nunca poderei
esgotar o seu amor. Somente deixando-me amar por Ele, chegarei, pouco a pouco,
a amar como Ele nos ama!
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Ser verdadeiro.
Tenhamos, nesta semana, a coragem de responder em verdade
à declaração de amor que o Senhor nos faz. A cada um de nós, Ele diz:
«Escolhi-te». Sinceramente, no fundo de mim mesmo, o que respondo? Sou
verdadeiramente feliz por isso? Como é que esta escolha do Senhor dá fruto?
7º Domingo da
Páscoa Solenidade da Ascensão do Senhor
TEMA
A Solenidade da Ascensão de
Jesus que hoje celebramos sugere que, no final do caminho percorrido no amor e
na doação, está a vida definitiva, a comunhão com Deus. Sugere também que Jesus
nos deixou o testemunho e que somos nós, seus seguidores, que devemos continuar
a realizar o projecto libertador de Deus para os homens e para o mundo.
No Evangelho, Jesus
ressuscitado aparece aos discípulos, ajuda-os a vencer a desilusão e o
comodismo e envia-os em missão, como testemunhas do projecto de salvação de
Deus. De junto do Pai, Jesus continuará a acompanhar os discípulos e, através
deles, a oferecer aos homens a vida nova e definitiva.
Na primeira leitura,
repete-se a mensagem essencial desta festa: Jesus, depois de ter apresentado ao
mundo o projecto do Pai, entrou na vida definitiva da comunhão com Deus – a mesma
vida que espera todos os que percorrem o mesmo “caminho” que Jesus percorreu.
Quanto aos discípulos: eles não podem ficar a olhar para o céu, numa
passividade alienante; mas têm de ir para o meio dos homens continuar o
projecto de Jesus.
A segunda leitura convida
os discípulos a terem consciência da esperança a que foram chamados (a vida
plena de comunhão com Deus). Devem caminhar ao encontro dessa “esperança” de
mãos dadas com os irmãos – membros do mesmo “corpo” – e em comunhão com Cristo,
a “cabeça” desse “corpo”. Cristo reside no seu “corpo” que é a Igreja; e é nela
que se torna hoje presente no meio dos homens.
LEITURA I – Act 1,1-11
No meu primeiro livro, ó
Teófilo,
narrei todas as coisas que Jesus
começou a fazer e a ensinar,
desde o princípio até ao dia em
que foi elevado ao Céu,
depois de ter dado, pelo
Espírito Santo,
as suas instruções aos Apóstolos
que escolhera.
Foi também a eles que, depois da
sua paixão,
aparecendo-lhes durante quarenta
dias
e falando-lhes do reino de Deus.
Um dia em que estava com eles à
mesa,
mandou-lhes que não se
afastassem de Jerusalém,
mas que esperassem a promessa do
Pai,
«da Qual – disse Ele – Me
ouvistes falar.
Na verdade, João baptizou com
água;
vós, porém, sereis baptizados no
Espírito Santo,
dentro de poucos dias».
Aqueles que se tinham reunido
começaram a perguntar:
«Senhor, é agora que vais
restaurar o reino de Israel?»
Ele respondeu-lhes:
«Não vos compete saber os tempos
ou os momentos
que o Pai determinou com a sua
autoridade;
mas recebereis a força do
Espírito Santo,
que descerá sobre vós,
e sereis minhas testemunhas
em Jerusalém e em toda a Judeia
e na Samaria
e até aos confins da terra».
Dito isto, elevou-Se à vista deles
e uma nuvem escondeu-O a seus olhos.
E estando de olhar fito no Céu, enquanto Jesus se
afastava,
apresentaram-se-lhes dois homens vestidos de branco,
que disseram:
«Homens da Galileia, porque estais a olhar para o Céu?
Esse Jesus, que do meio de vós foi elevado para o Céu,
virá do mesmo modo que O vistes ir para o Céu».
AMBIENTE
O livro dos “Actos dos apóstolos” dirige-se a comunidades
que vivem num certo contexto de crise. Estamos na década de 80, cerca de
cinquenta anos após a morte de Jesus. Passou já a fase da expectativa pela
vinda iminente do Cristo glorioso para instaurar o “Reino” e há uma certa
desilusão. As questões doutrinais trazem alguma confusão; a monotonia favorece
uma vida cristã pouco comprometida e as comunidades instalam-se na
mediocridade; falta o entusiasmo e o empenho… O quadro geral é o de um certo
sentimento de frustração, porque o mundo continua igual e a esperada
intervenção vitoriosa de Deus continua adiada. Quando vai concretizar-se, de
forma plena e inequívoca, o projecto salvador de Deus?
É neste ambiente que podemos inserir o texto que hoje nos
é proposto como primeira leitura. Nele, o catequista Lucas avisa que o projecto
de salvação e de libertação que Jesus veio apresentar passou (após a ida de
Jesus para junto do Pai) para as mãos da Igreja, animada pelo Espírito. A
construção do “Reino” é uma tarefa que não está terminada, mas que é preciso
concretizar na história, e exige o empenho contínuo de todos os crentes. Os
cristãos são convidados a redescobrir o seu papel, no sentido de testemunhar o
projecto de Deus, na fidelidade ao “caminho” que Jesus percorreu.
MENSAGEM
O nosso texto começa com um prólogo (vers. 1-2) que
relaciona os “Actos” com o 3º Evangelho – quer na referência ao mesmo Teófilo a
quem o Evangelho era dedicado, quer na alusão a Jesus, aos seus ensinamentos e
à sua acção no mundo (tema central do 3º Evangelho). Neste prólogo são também
apresentados os protagonistas do livro – o Espírito Santo e os apóstolos,
vinculados com Jesus.
Depois da apresentação inicial, vem o tema da despedida de
Jesus (vers. 3-8). O autor começa por fazer referência aos “quarenta dias” que
mediaram entre a ressurreição e a ascensão, durante os quais Jesus falou aos
discípulos “a respeito do Reino de Deus” (o que parece estar em contradição com
o Evangelho, onde a ressurreição e a ascensão são apresentados no próprio dia
de Páscoa – cf. Lc 24). O número quarenta é, certamente, um número simbólico: é
o número que define o tempo necessário para que um discípulo possa aprender e
repetir as lições do mestre. Aqui define, portanto, o tempo simbólico de
iniciação ao ensinamento do Ressuscitado.
As palavras de despedida de Jesus (vers. 4-8) sublinham
dois aspectos: a vinda do Espírito e o testemunho que os discípulos vão ser
chamados a dar “até aos confins do mundo”. Temos resumida aqui a experiência
missionária da comunidade de Lucas: o Espírito irá derramar-se sobre a
comunidade crente e dará a força para testemunhar Jesus em todo o mundo, desde
Jerusalém a Roma. Na realidade, trata-se do programa que Lucas vai apresentar
ao longo do livro, posto na boca de Jesus ressuscitado. O autor quer mostrar
com a sua obra que o testemunho e a pregação da Igreja estão entroncados no
próprio Jesus e são impulsionados pelo Espírito.
O último tema é o da ascensão
(vers. 9-11). Evidentemente, esta passagem necessita de ser interpretada para
que, através da roupagem dos símbolos, a mensagem apareça com toda a claridade.
Temos, em primeiro lugar, a elevação de Jesus ao céu
(vers. 9a). Não estamos a falar de uma pessoa que, literalmente, descola da
terra e começa a elevar-se; estamos a falar de um sentido teológico (não é o
“repórter”, mas sim o “teólogo” a falar): a ascensão é uma forma de expressar
simbolicamente que a exaltação de Jesus é total e atinge dimensões
supra-terrenas; é a forma literária de descrever o culminar de uma vida vivida
para Deus, que agora reentra na glória da comunhão com o Pai.
Temos, depois, a nuvem (vers. 9b) que subtrai Jesus aos
olhos dos discípulos. Pairando a meio caminho entre o céu e a terra, a nuvem é,
no Antigo Testamento, um símbolo privilegiado para exprimir a presença do
divino (cf. Ex 13,21.22; 14,19.24; 24,15b-18; 40,34-38). Ao mesmo tempo,
simultaneamente esconde e manifesta: sugere o mistério do Deus escondido e
presente, cujo rosto o Povo não pode ver, mas cuja presença adivinha nos
acidentes da caminhada. Céu e terra, presença e ausência, luz e sombra, divino
e humano, são dimensões aqui sugeridas a propósito de Cristo ressuscitado,
elevado à glória do Pai, mas que continua a caminhar com os discípulos.
Temos ainda os discípulos a olhar para o céu (vers. 10a).
Significa a expectativa dessa comunidade que espera ansiosamente a segunda
vinda de Cristo, a fim de levar ao seu termo o projecto de libertação do homem
e do mundo.
Temos, finalmente, os dois homens vestidos de branco
(vers. 10b). O branco sugere o mundo de Deus, o que indica que o seu testemunho
vem de Deus. Eles convidam os discípulos a continuar no mundo, animados pelo
Espírito, a obra libertadora de Jesus; agora, é a comunidade dos discípulos que
tem de continuar, na história, a obra de Jesus, embora com a esperança posta na
segunda e definitiva vinda do Senhor.
O sentido fundamental da ascensão não é que fiquemos a
admirar a elevação de Jesus; mas é convidar-nos a seguir o “caminho” de Jesus,
olhando para o futuro e entregando-nos à realização do seu projecto de salvação
no meio do mundo.
ACTUALIZAÇÃO
♦ A
ressurreição/ascensão de Jesus garante-nos, antes de mais, que uma vida vivida na
fidelidade aos projectos do Pai é uma vida destinada à glorificação, à comunhão
definitiva com Deus. Quem percorre o mesmo “caminho” de Jesus subirá, como Ele,
à vida plena.
♦ A ascensão de Jesus
recorda-nos, sobretudo, que Ele foi elevado para junto do Pai e nos encarregou
de continuar a tornar realidade o seu projecto libertador no meio dos homens
nossos irmãos. É essa a atitude que tem marcado a caminhada histórica da
Igreja? Ela tem sido fiel à missão que Jesus, ao deixar este mundo, lhe
confiou?
♦ O nosso testemunho
tem transformado e libertado a realidade que nos rodeia? Qual o real impacto
desse testemunho na nossa família, no local onde desenvolvemos a nossa
actividade profissional, na nossa comunidade cristã ou religiosa?
♦ É relativamente frequente
ouvirmos dizer que os seguidores de Jesus gostam mais de olhar para o céu, do
que comprometerem-se na transformação da terra. Estamos, efectivamente, atentos
aos problemas e às angústias dos homens, ou vivemos de olhos postos no céu, num
espiritualismo alienado? Sentimo-nos questionados pelas inquietações, pelas
misérias, pelos sofrimentos, pelos sonhos, pelas esperanças que enchem o
coração dos que nos rodeiam? Sentimo-nos solidários com todos os homens,
particularmente com aqueles que sofrem?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo
46 (47)
Refrão 1: Por entre aclamações e ao som da trombeta,
ergue-Se Deus, o Senhor.
Refrão 2: Ergue-se, Deus, o Senhor,
em júbilo e ao som da trombeta.
Povos todos, batei palmas,
aclamai a Deus com brados de alegria,
porque o Senhor, o Altíssimo, é terrível,
o Rei soberano de toda a terra.
Deus subiu entre aclamações,
o Senhor subiu ao som da trombeta.
Cantai hinos a Deus, cantai,
cantai hinos ao nosso Rei, cantai.
Deus é Rei do universo:
cantai os hinos mais belos.
Deus reina sobre os povos,
Deus está sentado no seu trono sagrado.
LEITURA II – Ef 1,17-23
Irmãos:
O Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória,
vos conceda um espírito de sabedoria e de luz
para O conhecerdes plenamente
e ilumine os olhos do vosso coração,
para compreenderdes a esperança a que fostes chamados,
os tesouros de glória da sua herança entre os santos
e a incomensurável grandeza do seu poder
para nós os crentes.
Assim o mostra a eficácia da poderosa força
que exerceu em Cristo,
que Ele ressuscitou dos mortos
e colocou à sua direita nos Céus,
acima de todo o Principado, Poder, Virtude e Soberania,
acima de todo o nome que é pronunciado, não só neste
mundo,
mas também no mundo que há-de vir.
Tudo submeteu aos seus pés e pô-l’O acima de todas as
coisas
como Cabeça de toda a Igreja, que é o seu Corpo,
a plenitude d’Aquele que preenche tudo em todos.
AMBIENTE
A Carta aos Efésios é, provavelmente, um dos exemplares de
uma “carta circular” enviada a várias igrejas da Ásia Menor, numa altura em que Paulo está na prisão
(em Roma?). O seu portador é um tal Tíquico. Estamos por volta dos anos 58/60.
Alguns vêem nesta carta uma
espécie de síntese da teologia paulina, numa altura em que a missão do apóstolo
está praticamente terminada no oriente.
Em concreto, o texto que nos é proposto aparece na
primeira parte da carta e faz parte de uma acção de graças, na qual Paulo
agradece a Deus pela fé dos efésios e pela caridade que eles manifestam para
com todos os irmãos na fé.
MENSAGEM
À acção de graças, Paulo une uma fervorosa oração a Deus,
para que os destinatários da carta conheçam “a esperança a que foram chamados”
(vers. 18). A prova de que o Pai tem poder para realizar essa “esperança” (isto
é, conferir aos crentes a vida eterna como herança) é o que Ele fez com Jesus
Cristo: ressuscitou-O e sentou-O à sua direita (vers. 20), exaltou-O e deu-Lhe
a soberania sobre todos os poderes angélicos (Paulo está preocupado com a
perigosa tendência de alguns cristãos em dar uma importância exagerada aos
anjos, colocando-os até acima de Cristo – cf. Col 1,6). Essa soberania
estende-se, inclusive, à Igreja – o “corpo” do qual Cristo é a “cabeça”.
O mais significativo deste texto é, precisamente, este
último desenvolvimento. A ideia de que a comunidade cristã é um “corpo” – o
“corpo de Cristo” – formado por muitos membros, já havia aparecido nas “grandes
cartas”, acentuando-se, sobretudo, a relação dos vários membros do “corpo”
entre si (cf. 1 Cor 6,12-20; 10,16-17; 12,12-27; Rom 12,3-8); mas, nas “cartas
do cativeiro”, Paulo retoma a noção de “corpo de Cristo” para reflectir sobre a
relação que existe entre a comunidade e Cristo.
Neste texto, em concreto, há dois conceitos muito
significativos para definir o quadro da relação entre Cristo e a Igreja: o de
“cabeça” e o de “plenitude” (em grego, “pleroma”).
Dizer que Cristo é a “cabeça” da Igreja significa, antes
de mais, que os dois formam uma comunidade indissolúvel e que há entre os dois
uma comunhão total de vida e de destino; significa também que Cristo é o centro
à volta do qual o “corpo” se articula, a partir do qual e em direcção ao qual o
“corpo” cresce, se orienta e constrói, a origem e o fim desse “corpo”;
significa ainda que a Igreja/corpo está submetida à obediência a Cristo/cabeça:
só de Cristo a Igreja depende e só a Ele deve obediência.
Dizer que a Igreja é a “plenitude” (“pleroma”) de Cristo
significa dizer que nela reside a “plenitude”, a “totalidade” de Cristo. Ela é
o receptáculo, a habitação, onde Cristo se torna presente no mundo; é através
desse “corpo” onde reside, que Cristo continua todos os dias a realizar o seu
projecto de salvação em favor dos homens. Presente nesse “corpo”, Cristo enche
o mundo e atrai a Si o universo inteiro, até que o próprio Cristo “seja tudo em
todos” (vers. 23).
ACTUALIZAÇÃO
♦ Na nossa peregrinação
pelo mundo, convém termos sempre presente “a esperança a que fomos chamados”. A
ressurreição/ascensão/glorificação de Jesus é a garantia da nossa própria
ressurreição/glorificação. Formamos com Ele um “corpo” destinado à vida plena.
Esta perspectiva tem de dar-nos a força de enfrentar a história e de avançar –
apesar das dificuldades – nesse “caminho” do amor e da entrega total que Cristo
percorreu.
♦ Dizer que fazemos
parte do “corpo de Cristo” significa que devemos viver numa comunhão total com
ele e que nessa comunhão recebemos, a cada instante, a vida que nos alimenta.
Significa também viver em comunhão, em solidariedade total com todos os nossos
irmãos, membros do mesmo “corpo”, alimentados pela mesma vida. Estas duas
coordenadas estão presentes na nossa existência?
♦ Dizer que a Igreja é
o “pleroma” de Cristo significa que temos a obrigação de testemunhar Cristo, de
torná-l’O presente no mundo, de levar à plenitude o projecto de libertação que
Ele começou em favor dos homens. Essa tarefa só estará acabada quando, pelo
testemunho e pela acção dos crentes, Cristo for “um em todos”.
(Nota: em vez desta leitura, pode-se escolher a
seguinte leitura facultativa: Ef 4,1-13)
ALELUIA – Mt 28,19a.20b
Aleluia. Aleluia.
Ide e ensinai todos os povos, diz o Senhor:
Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos.
EVANGELHO – Mc 16,15-20
Naquele tempo,
Jesus apareceu aos Doze e disse-lhes:
«Ide por todo o mundo
e pregai o Evangelho a toda a criatura.
Quem acreditar e for baptizado será salvo;
mas quem não acreditar será condenado.
Eis os milagres que acompanharão os que acreditarem:
expulsarão os demónios em meu nome;
falarão novas línguas;
se pegarem em serpentes ou beberem veneno,
não sofrerão nenhum mal;
e quando impuserem as mãos sobre os doentes,
eles ficarão curados».
E assim o Senhor Jesus, depois de ter falado com eles,
foi elevado ao Céu e sentou-Se à direita de Deus.
Eles partiram a pregar por toda a parte
e o Senhor cooperava com eles,
confirmando a sua palavra
com os milagres que a acompanhavam.
AMBIENTE
A perícopa de Mc 16,9-20 distingue-se, no conjunto do
Evangelho segundo Marcos, por se apresentar com um estilo e com vocabulário
muito diferentes do resto do texto. Aliás, os manuscritos mais importantes e
mais antigos que conservaram este Evangelho concluíam o texto de Marcos em
16,8, com o medo das mulheres que, na manhã de Páscoa, encontraram o túmulo
vazio. Provavelmente, foi assim que Marcos terminou o seu Evangelho, dando-lhe
um final “aberto” e como que convidando o leitor a completar o relato com a sua
própria experiência pessoal de seguimento de Jesus, superando o medo, “vendo”
Jesus e dando testemunho d’Ele.
No entanto, este final pareceu deixar insatisfeitos os
leitores de Marcos e apareceram várias tentativas de dar ao Evangelho segundo
Marcos um final mais satisfatório. Algumas dessas tentativas estão, aliás,
atestadas em diversos documentos antigos que nos transmitiram o texto do segundo
Evangelho. De entre os diversos “finais” que apareceram, houve um que se impôs
aos outros… Trata-se de um texto de meados do séc. II, que apresenta um resumo
das aparições de Jesus ressuscitado contadas por
outros evangelistas. Embora
tardio e não redigido por Marcos, este “final” é, contudo, parte integrante da
Escritura Sagrada. A Igreja reconhece-o como canónico, como inspirado por Deus
e como Palavra de Deus.
O texto que nos é proposto é parte da perícopa em causa. Os elementos
apresentados no texto são pequenos resumos de relatos feitos por outros
evangelistas. Assim, a aparição de Jesus ressuscitado aos Onze depende de Lc
24,36-43 e de Jo 20,19-29; a definição da missão dos apóstolos depende de Mt
28,16-20 e de Lc 24,44-49; o relato da Ascensão depende de Lc 24,50-53 e de Act
1,4-11.
O quadro traçado pelo autor da perícopa apresenta os
discípulos a reagir de uma forma muito negativa ao facto de Jesus já não estar
com eles. Na manhã da ressurreição, eles estavam “em luto e em pranto”, (Mc 16,10);
depois, receberam o testemunho das mulheres que encontraram Jesus ressuscitado,
com incredulidade e com um coração obstinado (cf. Mc 16,14). Num caso e noutro,
negam-se a ir em frente e a continuar a aventura que começaram com Jesus. Têm
medo de arriscar e preferem ficar comodamente instalados a “lamber as feridas”.
É o anti-seguimento… O encontro com Jesus ressuscitado vai, porém, obrigá-los a
sair do seu letargo e a assumir os seus compromissos e responsabilidades, como
membros da comunidade do Reino.
MENSAGEM
A questão central abordada no nosso texto é a do papel dos
discípulos no mundo, após a partida de Jesus ao encontro do Pai. O texto consta
de três cenas: Jesus ressuscitado define a missão dos discípulos; Jesus parte
ao encontro do Pai; os discípulos partem ao encontro do mundo, a fim de
concretizar a missão que Jesus lhes confiou.
Na primeira cena (vers. 15-18), Jesus ressuscitado aparece
aos discípulos, acorda-os da letargia em que se tinham instalado e define a
missão que, doravante, eles serão chamados a desempenhar no mundo…
A primeira nota do envio e do mandato que Jesus dá aos
discípulos é a da universalidade… A missão dos discípulos destina-se a “todo o
mundo” e não deverá deter-se diante de barreiras rácicas, geográficas ou
culturais. A proposta de salvação que Jesus fez e que os discípulos devem
testemunhar, destina-se a toda a terra.
Depois, Jesus define o conteúdo do anúncio: o “Evangelho”.
O que é o “Evangelho? No Antigo Testamento (sobretudo no Deutero-Isaías e no
Trito-Isaías), a palavra “evangelho” está ligada à “boa notícia” da chegada da
salvação para o Povo de Deus. Depois, na boca de Jesus, a palavra “Evangelho”
designa o anúncio de que o “Reino de Deus” chegou à vida dos homens,
trazendo-lhes a paz, a libertação, a felicidade. Para os catequistas das
primeiras comunidades cristãs, o “Evangelho” é o anúncio de um acontecimento
único, capital, fundamental: em
Jesus Cristo , Deus veio ao encontro dos homens,
manifestou-lhes o seu amor, inseriu-os na sua família, convidou-os a integrar a
comunidade do Reino, ofereceu-lhes a vida definitiva. Tal é o único e exclusivo
“evangelho”, a “boa notícia” que muda o curso da história e que transforma o
sentido e os horizontes da existência humana.
O anúncio do “Evangelho” obriga os homens a uma opção.
Quem aderir à proposta que Jesus faz, chegará à vida plena e definitiva (“quem
acreditar e for baptizado será salvo”); mas quem recusar essa proposta, ficará
à margem da salvação (“quem não acreditar será condenado” – vers. 16).
O anúncio do Evangelho que os discípulos são chamados a
fazer vai atingir não só os homens, mas “toda a criatura”. Muitas vezes o
homem, guiado por critérios de egoísmo, de cobiça e de lucro, explora a
criação, destrói esse mundo “bom” e harmonioso que Deus criou… Mas a proposta
de salvação que Deus apresenta destina-se a transformar o coração do homem,
eliminando o egoísmo e a maldade. Ao transformar o coração do homem, o
“Evangelho” apresentado por Jesus e anunciado pelos discípulos vai propor uma
nova relação do homem com todas as outras criaturas
– uma relação não mais marcada
pelo egoísmo e pela exploração, mas pelo respeito e pelo amor. Dessa forma,
nascerá uma nova humanidade e uma nova natureza.
A presença da salvação de Deus no mundo tornar-se-á uma realidade
através dos gestos dos discípulos de Jesus… Comprometidos com Jesus, os
discípulos vencerão a injustiça e a opressão (“expulsarão os demónios em meu
nome”), serão arautos da paz e do entendimento dos homens (“falarão novas
línguas”), levarão a esperança e a vida nova a todos os que sofrem e que são
prisioneiros da doença e do sofrimento (“quando impuserem as mãos sobre os
doentes, eles ficarão curados”); e, em todos os momentos, Jesus estará com
eles, ajudando-os a vencer as contrariedades e as oposições.
Na segunda cena (vers. 19), Jesus sobe ao céu e senta-Se à
direita de Deus. A elevação de Jesus ao céu (ascensão) é uma forma de sugerir
que, após o cumprimento da sua missão no meio dos homens, Jesus foi ao encontro
do Pai e reentrou na comunhão do Pai.
A intronização de Jesus “à direita de Deus” mostra, por
sua vez, a veracidade da proposta de Jesus. Na concepção dos povos antigos,
aquele que se sentava à direita de Deus era um personagem distinto, que o rei
queria honrar de forma especial… Jesus, porque cumpriu com total fidelidade o
projecto de Deus para os homens, é honrado pelo Pai e sentado à sua direita. A
proposta que Jesus apresentou, que os discípulos acolheram e que vão ser
chamados a testemunhar no mundo, não é uma aventura sem sentido e sem saída,
mas é o projecto de salvação que Deus quer oferecer aos homens.
Na terceira cena (vers. 20), descreve-se resumidamente a
acção missionária dos discípulos: eles partiram (quer dizer, deixaram para trás
as seguranças e afectos humanos por causa da missão) a pregar (quer dizer, a
anunciar com palavras e com gestos concretos essa vida nova que Deus ofereceu
aos homens através de Jesus) por toda a parte (propondo a todos os homens, sem
excepção, a proposta salvadora de Deus).
O autor desta catequese assegura aos discípulos que não
estão sozinhos ao longo durante a missão… Jesus, vivo e ressuscitado, está com
eles, coopera com eles e manifesta-se ao mundo nas palavras e nos gestos dos
discípulos.
A festa da Ascensão de Jesus é, sobretudo, o momento em
que os discípulos tomam consciência da sua missão e do seu papel no mundo. A
Igreja (a comunidade dos discípulos, reunida à volta de Jesus, animada pelo
Espírito) é, essencialmente, uma comunidade missionária, cuja missão é
testemunhar no mundo a proposta de salvação e de libertação que Jesus veio
trazer aos homens.
ACTUALIZAÇÃO
♦ Jesus foi ao encontro
do Pai, depois de uma vida gasta ao serviço do “Reino”; deixou aos seus
discípulos a missão de anunciar o “Reino” e de torná-lo uma proposta capaz de
renovar e de transformar o mundo. Celebrar a ascensão de Jesus significa, antes
de mais, tomar consciência da missão que foi confiada aos discípulos e
sentir-se responsável pela presença do “Reino” na vida dos homens. Estou
consciente de que a Igreja – a comunidade dos discípulos de Jesus, a que eu
pertenço também – é hoje a presença libertadora e salvadora de Jesus no meio
dos homens? Como é que eu procuro testemunhar o “Reino” na minha vida de todos
os dias – em casa, no trabalho ou na escola, na paróquia, na comunidade
religiosa?
♦ A missão que Jesus
confiou aos discípulos é uma missão universal: as fronteiras, as raças, a
diversidade de culturas não podem ser obstáculos para a presença da proposta
libertadora de Jesus no mundo. Tenho consciência de que a missão que foi
confiada aos discípulos é uma missão universal? Tenho consciência de que Jesus
me envia a todos os homens – sem distinção de raças, de etnias, de
diferenças religiosas,
sociais ou económicas – a anunciar-lhes a libertação, a salvação, a vida
definitiva? Tenho consciência de que sou responsável pela vida, pela felicidade
e pela liberdade de todos os meus irmãos – mesmo que eles habitem no outro lado
do mundo?
♦ Tornar-se discípulo
é, em primeiro lugar, aprender os ensinamentos de Jesus – a partir das suas
palavras, dos seus gestos, da sua vida oferecida por amor. É claro que o mundo
do século XXI apresenta, todos os dias, desafios novos; mas os discípulos, formados
na escola de Jesus, são convidados a ler os desafios que hoje o mundo coloca, à
luz dos ensinamentos de Jesus. Preocupo-me em conhecer bem os ensinamentos de
Jesus e em aplicá-los à vida de todos os dias?
♦ No dia em que fui
baptizado, comprometi-me com Jesus e vinculei-me com a comunidade do Pai, do
Filho e do Espírito Santo. A minha vida tem sido coerente com esse compromisso?
♦ É um tremendo desafio
testemunhar, hoje, no mundo os valores do “Reino” (esses valores que, muitas
vezes, estão em contradição com aquilo que o mundo defende e que o mundo
considera serem as prioridades da vida). Com frequência, os discípulos de Jesus
são objecto da irrisão e do escárnio dos homens, porque insistem em testemunhar
que a felicidade está no amor e no dom da vida; com frequência, os discípulos
de Jesus são apresentados como vítimas de uma máquina de escravidão, que produz
escravos, alienados, vítimas do obscurantismo, porque insistem em testemunhar
que a vida plena está no perdão, no serviço, na entrega da vida. O confronto
com o mundo gera muitas vezes, nos discípulos, desilusão, sofrimento,
frustração… Nos momentos de decepção e de desilusão convém, no entanto,
recordar as palavras de Jesus: “Eu estarei convosco até ao fim dos tempos”.
Esta certeza deve alimentar a coragem com que testemunhamos aquilo em que
acreditamos.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DA ASCENSÃO
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo da
Ascensão, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la
pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana
para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de
padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…
Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Estar com o Ressuscitado…
Jesus ressuscitado apareceu aos seus Apóstolos e
manifestou-se de modo diferente, consoante a sua fé lhes permitia
reconhecê-l’O. Agora que eles O viram, escutaram e tocaram, Ele podia
desaparecer aos seus olhos. Doravante, é com os olhos da fé que O verão. Mas
Cristo quer assegurar-lhes a sua presença, uma outra presença, mas real: «o
Senhor cooperava com eles, confirmando a sua palavra com os milagres que a
acompanhavam». Assim, os Apóstolos tornam-se «cheios de poder» e «porta-vozes»
de Cristo, mas os seus actos são ao mesmo tempo actos de Cristo, as palavras
que pronunciam são ao mesmo tempo palavras do seu Mestre. Ele está com eles até
ao fim dos tempos. Os Apóstolos desapareceram, a Igreja permanece e o
Ressuscitado está sempre com
ela, trabalha connosco e confirma as nossas palavras. É necessário que também
nós estejamos com Ele…
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Olhar para o céu… e partir!
No livro dos Actos, Lucas diz que os Apóstolos, vendo
Jesus elevar-Se à vista deles… estavam de olhar fito no Céu, enquanto Jesus se
afastava. E que se apresentaram dois homens vestidos de branco, que disseram:
«Homens da Galileia, porque estais a olhar para o Céu?» Conhecemos bem esta
tentação de «ficar aí», aqui e agora. Dito de outro modo: mantermo-nos e, se
possível, instalarmo-nos naquilo que temos, naquilo que somos. É mais seguro
apoiarmo-nos na nossa experiência, não mudando os nossos hábitos, as nossas
opiniões! Os Apóstolos passaram por isso! Eles imaginaram que a sua aventura
duraria muito tempo, que poderiam instalar-se no reino que Jesus iria certamente
estabelecer. Com o convite do Ressuscitado a irem pelo mundo inteiro pregar a
Boa Nova, com a pergunta dos anjos, eles têm que partir, deixar os seus
hábitos, o seu cantinho de terra. Que transformação! Não poderão mais parar.
Devem ir até aos confins da terra. No seguimento dos Apóstolos, os cristãos não
podem instalar-se. A Igreja não pode parar nem fixar-se num momento do tempo,
muito menos andar para trás. Não basta olhar para o céu para encontrar solução
para os problemas. Acabou a nostalgia do passado. Os cristãos devem ser homens
do seu tempo, sem medo das novidades. Jesus lança-nos para lá das nossas
rotinas, para que inventemos hoje os meios de tornar compreensível a Boa Nova,
como os Apóstolos souberam fazê-lo, ao irem para além da Lei de Moisés. Os
cristãos? Homens que se deixam levar pelo grande sopro do Espírito…
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Sinais.
Não é evidente, é certo, termos sinais tangíveis e
visíveis da nossa acção apostólica… Entretanto, de tempos a tempos, Deus
concede-nos esses nsinais. Procurando bem, procuremos anotá-los e dar graças
dels: uma palavra de agradecimento que nos surpreendeu pela sua verdade, um
encorajamento recebido de alguém que pudemos ajudar a retomar o caminho…
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